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O (re)nascer da luta camponesa a partir da luta e compreensão de que a terra, muito

mais que um simples território produtivo, é o campo onde uma classe, o campesinato, origina-
se e toma consciência de si, visando a libertação das correntes impostas pelo sistema
econômico capitalista, dos latifundiários e do trabalho cuja justificativa é apenas a de
fomentar a acumulação de riqueza nas mãos dos proprietários de terra. Uma luta que, em
nossa contemporaneidade, amplia a voz e a vez dos camponeses através de movimentos,
como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Contudo, a luta camponesa pela reforma agrária, pela luta anticapitalista e outras
demandas é bastante antiga e originara-se envolto pelos projetos do Partido Comunista
Brasileiro (PCB). Neste texto enfocaremos a atuação das chamadas Ligas Camponesas que,
em resumo, congregavam camponeses em torno de um sentido único de luta no espaço agrário
ao qual estavam imersos pelo trabalho e pelo cotidiano social, cultural e político. A discussão
que aqui será feita baseia-se no texto Ligas Camponesas: história de uma luta
(des)conhecida, de autoria de Márcia Motta e Carlos Leandro da Silva Esteves 1. Como
material de apoio destacamos o documentário Cabra Marcado Para Morrer (1981)2 de
Eduardo Coutinho e o episódio intitulado de A questão agrária no Brasil: história de uma
luta por direitos3, do programa Estação Brasil e conta com a apresentação do historiador
Ricardo Duwe (UFSC), e conta com a participação especial do também historiador Paulo
Pinheiro Machado (UFSC).

Começaremos delimitando as motivações pelas quais urge o estudo que envolve as


questões agrárias na história do Brasil e, principalmente, das resistências empreendidas pelos
indivíduos socialmente marginalizados. A distribuição desigual de terras é presente desde os
tempos das sesmarias e essa cultura, de restrição ao acesso de terras, veio angariando força e
novos rostos para justificar sua permanência na dinâmica social brasileira. Um problema que,
como já sabido, não é novidade.

As lutas dos camponeses, delimitadas aqui principalmente nos momentos que


antecedem o golpe empresarial-militar de 1964, do mesmo modo veio consolidando uma

1
MOTTA, Márcia; ESTEVES, Carlos Leandro Silva. Ligas Camponesas: história de uma luta (des)
conhecida. Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história.
Concepções de justiça e resistência nas repúblicas do passado (1930 – 1960). São Paulo: Unesp, v. 2, p. 243
– 257, 2009.
2
COUTINHO, Eduardo. Cabra marcado para morrer, 1981.
3
ESTAÇÃO BRASIL 018: A questão agrária no Brasil: história de uma luta por direitos. Entrevistador:
Ricardo Duwe. Entrevistado: Paulo Pinheiro Machado. [s.l.] Leitura ObrigaHISTÓRIA, 27 jul. 2021. Podcast.
Disponível em < https://open.spotify.com/episode/5JeBDrWxs5wMFyBcNOxdNU?si=f01f79917fbe4929>.
Acesso em: 8 de dezembro de 2022.
tradição relativamente uniforme, a depender da região espacial e temporal, que culminou na
formação de associações de trabalhadores rurais em favor de suas demandas trabalhistas e
sociais. Alvo de contrastantes visões de seus tempos áureos pelos historiadores, a ascensão
das Ligas Camponesas enquanto força de reivindicação camponesa é fruto da indignação
material dos trabalhadores agrários. As ideias destes grupos que, longe de serem homogêneos,
formam um complexo quadro para as análises e desvelaram na construção dos movimentos
populares de hoje.

Ademais, foi em Pernambuco, no ano de 1954, com os conflitos surgidos a partir do


Engenho da Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, que as Ligas Camponesas
ganharam forma e conteúdo tal como as conhecemos atualmente. A atuação dos trabalhadores
rurais em consonância com figuras políticas proeminentes e profissionais liberais desvelou na
desapropriação, futuramente, do território. Dentre estes destacamos o papel de Francisco
Julião, ocupando a frente de defesa via institucionalidade, mas, simultaneamente, tomando
para si a tarefa de preparar os trabalhadores para a ação e o reconhecimento de seus direitos
visando à reforma agrária, principalmente. O seu princípio de mobilização passava por três
estágios, sendo eles: 1) conhecimento do mundo social dos trabalhadores rurais, o que
implicava a sua inserção ativa no campo; 2) através da construção teórica e política formular
documentos, textos, comunicados que fossem acessíveis ao seu público-alvo, em sua maioria
analfabetos, com o uso de linguagem apropriada e conectada ao cotidiano rural; 3) a
politização completa do camponês visando sua participação enquanto sujeito na luta
revolucionária (MOTTA; ESTEVES, 2009, p 246).

É preciso, contudo, destacar que as Ligas nem sempre podem ser tachadas enquanto
“revolucionárias”, haja vista que os projetos defendidos pelos “julianistas”, influenciados pelo
método de Francisco Julião, e dos comunistas eram conflituosos: se de um lado tínhamos a
defesa de uma luta pela reforma agrária nos moldes de uma revolução, por outro, tínhamos a
idealização de uma luta que seria gradual, passando principalmente pelos meios da
institucionalidade. Entretanto, não eram posições que impossibilitavam a transversalidade,
muito pelo contrário. O líder da Liga Camponesa de Sapé na Paraíba, João Pedro Teixeira,
recebeu influências de ambos os projetos.

Deste modo, o quadro de análise da atuação das Ligas Camponesas apresenta-se em


suas mais distintas posições e campos de ação. No âmbito social, considerando o apoio
popular ao então presidente João Goulart e o seu projeto de dar prosseguimento às reformas
de base e também a aceitação popular dos movimentos camponeses em prol de seus
interesses, é fácil entender o porquê a história do movimento rural amedronta os
latifundiários.

A sua estrutura baseia-se na coerção e na violência, mas não consegue assassinar os


anseios de um coração indignado frente às injustiças de uma sociedade desigual. A associação
de pessoas em defesa de seus interesses comum é vista, e se consolidou enquanto tal, como
uma espécie de “demônio” para os grandes latifundiários: o medo do que consideram como
maligno os acua e a saída é o reforço dos instrumentos de violência e as constantes tentativas
de desagregar um movimento legítimo que é o de luta pela distribuição de terra.

O documentário dirigido e produzido pelo cineasta Eduardo Coutinho é uma


importante peça para entendermos o que foi colocado acima. João Pedro Teixeira e sua
companheira Elizabeth Teixeira, na Paraíba, constituíram-se enquanto símbolos de uma luta
secular no espaço que compreende a cidade de Sapé. Da mesma maneira, os habitantes do
engenho da Galileia ergueram seus punhos e puseram-se na história do movimento de luta
camponesa brasileira. Ambos os exemplos tiveram sua atuação solapadas pela violência dos
grandes latifundiários, das instituições do Estado brasileiro e, finalmente, pelo regime
ditatorial que se inicia em 1964.

Finalizamos, portanto, com a certeza que a luta camponesa é uma das chaves
fundamentais para a emancipação do povo pobre e trabalhador. Um exemplo de resistência
materializado em homens e mulheres que, sob o suor da lavoura e a indignação subjacente à
sua sobrevivência diária, articulam os sentimentos de união, de comunidade com a urgência
da defesa de projetos revolucionários.

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