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GT 05 | Feminismos, subjetividade e política: tessituras a partir do Sul Global

Eixo 1: Insurgências estético-políticas e mobilizações coletivas no contemporâneo

Coordenação: Candida Dantas (UFRN), Jaileila Menezes (UFPE), Maria da Graça Costa

Resumo: O Grupo de Trabalho “Feminismos, subjetividade e política: tessituras a partir do Sul Global” tem
por objetivo abordar diferentes repercussões das teorias críticas feministas no campo das ciências
humanas, na política e nos estudos da subjetividade, refletindo à luz das epistemologias do Sul, dos
feminismos descoloniais, dos feminismos negros e indígenas, sobre as realidades das mulheres, corpas
racializadas e sexualidades dissidentes em Abya Yala. O Sul epistemológico aqui tratado se refere a lugares
de resistência e transformação frente à exclusão e silenciamento vivenciados por povos e culturas através
do capitalismo, racismo, colonialismo e cishetero-patriarcado, sedimentando tanto camadas de opressão,
quanto saberes ou conhecimentos situados. Esse território discursivo é transversalizado por diferentes
linhas de pensamento: os estudos subalternos, o feminismo pós-colonial, o feminismo negro, o feminismo
mestiço, o pensamento indígena e o feminismo descolonial; constituindo um rico dispositivo que nos
possibilita enfrentar as questões atuais e as cenas micropolíticas cotidianas no que se refere a gênero,
raça, classe, interseccionalidade, capacitismo, feminismo, entre tantas outras questões que nos
interpelam a todo instante. Dessa forma, este GT vincula-se ao eixo Insurgências estético-políticas e
mobilizações coletivas no contemporâneo ao buscar uma condução epistêmico-metodológica e reflexões
sobre o compromisso político da academia implicada com as agendas atuais dos feminismos e com os
diferentes ativismos comprometidos com o enfrentamento às desigualdades sociais e inspirados em
práticas minoritárias de resistência intencionalmente banidas das grandes narrativas históricas. Tal
perspectiva alinha-se a temática do evento numa tentativa de realçar formas de resistência frente aos
avanços contemporâneos do conservadorismo e as ofensivas anti-democráticas que produzem mundos
de morte, agravando sobremaneira os efeitos da colonialidade em nosso país. Talvez seja esse o tempo
onde as histórias contadas pelos povos tradicionais tragam as chaves para as mobilizações coletivas
pautadas em políticas da memória, do cuidado e da esperança. Os dias de dor que temos vivenciado em
meio a uma crise sanitária sem precedentes e significativamente ampliada por uma crise ética, política e
econômica convoca-nos a reinventar espaços de existência saudáveis, com ar suficiente para arejar
modos de subjetivação condizentes com as políticas do bem viver. O Bem Viver é, sobretudo, um processo
proveniente da matriz comunitária de povos que vivem em comunhão com a natureza – como os
indígenas que “(...) não são pré-modernos, nem atrasados. Seus valores, experiências e práticas
sintetizam uma civilização viva, que demonstrou capacidade para enfrentar a Modernidade colonial.”
(Alberto Acosta, 2015, p. 21). O projeto moderno-colonial assenta-se na linguagem da violência, do
extermínio, na desqualificação de povos indígenas, africanos, ciganos e com isso, ironicamente, afirma
sua total dependência e temor aos subalternos, proporcional ao que teve de desenvolver em termos de
maquinarias e dispositivos fortes o suficiente para fazer calar e não ter de ouvir. Uma das referências é a
máscara da escrava Anastácia que Grada Kilomba (2019, p.32) qualifica como peça brutal do
silenciamento, da política sádica da conquista, pois “A boca é um órgão muito especial, é símbolo do
discurso e da enunciação. No racismo, torna-se o órgão por excelência da opressão; representa o órgão
que as pessoas brancas querem, e precisam, de controlar”. O mutismo imposto às populações
historicamente subalternizadas funciona em aliança com um projeto de violência epistêmica, que no
Brasil tem como uma de suas traduções o mito da democracia racial que faz crer como causalidade do
desamparo da população negra e de sua descendência a sua própria incapacidade para o sucesso. Neste
caminho, é preciso análises que considerem as articulações classe-raça-gênero e que colaboram para o
entendimento do lugar social ocupado por mulheres como Carolina Maria de Jesus (2014) que fala a partir
do lugar de despejo social. A importância da luta das mulheres negras frente aos sistemas de opressão
enfatiza que o avanço das mulheres em maior condição de desigualdade social sempre refletirá no início
de mudanças para todas as demais e as estruturas sociais como um todo (Ângela Davis, 2017). A teoria
interseccional que deriva do Feminismo Negro tem sido uma das respostas à essencialização e
homogeneização de categorias que precisam ser consideradas sócio historicamente, como
enfrentamento ao projeto eurocêntrico. Já o feminismo descolonial, movimento iniciado por ativistas e
teóricas feministas no território de Abya Yala, vai se debruçar sobre a co-constituição dos traços históricos
da organização do gênero no sistema moderno-colonial, representado pelo dimorfismo biológico,
organização patriarcal e a heterossexualidade compulsória, a partir dos processos de colonialidade de
poder como uma forma de organização do gênero também em termos raciais. María Lugones (2008)
argumenta que a divisão hierárquica e dicotômica entre humanos e não-humanos é a marca central da
colonialidade ocidental. Desse modo, o conceito de humanidade refere-se, de fato, a um tipo de humano
- o homem branco europeu, de maneira que a missão civilizatória ocidental cristã concentrou-se na
transformação do não humano colonizado em homem e mulher, através dos códigos de gênero e raça
ocidentais. A partir dessas analises, os feminismos descoloniais evidenciam a impossibilidade de pensar
uma crítica feminista que não leve em consideração os mecanismos de dominação colonial racista. Assim,
a leitura empreendida pelas feministas descoloniais nos ajuda a pensar os diversos feminismos em termos
críticos, indo ao encontro das críticas empreendidas pelas feministas negras, indígenas, pela teoria Kuir,
entre outras, e à questão posta por Soujourner Truth já no século XIX, sobre o status das mulheres
racializadas enquanto não-mulheres. As contribuições do feminismo negro e do feminismo descolonial
estão comprometidas em denunciar as desigualdades ligadas ao gênero na produção científica e em
criticar a exclusividade do conhecimento como associado ao norte do globo, deslegitimando as formas
de saber de outras localizações para além da dita “epistemologia mestra”. Portanto, o GT situa-se no
campo das epistemologias feministas e descoloniais, por partir de uma crítica aos modos dominantes de
produção de conhecimento, o que significa abrir-se à diversidade, à subalternidade, às experiências
políticas distintas e às trajetórias de vida singulares. É conectar-se com saberes e práticas historicamente
excluídas da academia. É, como afirma Haraway (1995), “a possibilidade de ver a partir da periferia e dos
abismos” (p. 22). É, portanto, construir outros paradigmas de análise a partir das práticas e saberes de
corpas dissidentes, mulheres de cor, pessoas racializadas, colonizadas e oprimidas pela matriz da
cisnorma e heterossexualidade compulsória. Diante disso, convocamos trabalhos que partam dos
diálogos com os movimentos sociais, experimentações e vivências dissidentes, artesanias afetivas (Geni
Nuñez, 2021) e saberes tradicionais construídos a partir das margens entendidas aqui, conforme a
proposta de intelectualidade negra e subalterna de bell hooks (2020), enquanto lócus privilegiado de
construção de saberes que desafiam o paradigma moderno-científico e reivindicam a autoria de sujeitos
historicamente subalternizados. Convidamos, assim, propostas de trabalhos que abordem, seja empírica
ou teoricamente, à luz das perspectivas de análise de gênero, interseccional, anticolonial e/ou
descolonial, pesquisas etnográficas, estudos de caso, relatos de experiências de campo, casos clínicos ou
intervenções artísticas que contemplem formas de resistência a partir dos feminismos do Sul e desafiem
a universalidade dos dispositivos “psi” ao evidenciarem o mundo moderno-colonial enquanto trauma
(Jota Mombaça, 2018) que atravessa corpas dissidentes e racializadas.

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