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Julieta Paredes: girando


feminismo comunitário

Julieta Paredes: girando o feminismo comunitário

nataly guzman
Universidade de Rosário, Bogotá DC, Colômbia
nataly.guzman@urosario.edu.co

Diana Triana
Pontifícia Universidade Javeriana, Bogotá DC, Colômbia
diana.triana@javeriana.edu.co

ARTIGO DE REFLEXÃO

Data de recebimento: 15 de abril de 2019 Data de aprovação: 12 de junho de 2019

DOI: https://doi.org/10.15446/cp.v14n28.79125

Como citar este artigo:

APA: Guzmán, N. e Triana, D. (2019). Julieta Paredes: feminismo comunitário giratório. Ciência Política,
14(28), 23-49.

MLA: Guzmán, N. e Triana, D. “Julieta Paredes: feminismo comunitário giratório”. Ciência Política, 14.28
(2019): 23-49.

Este artigo é publicado em acesso aberto sob os termos da licença Creative Commons Attribution-
NonCommercial-NoDerivs 2.5 Colombia.

| VOL. 14, nº 28 JUL-DEZ 2019 · ISSN IMPRESSO 1909-230X · ONLINE 2389-7481 /PP. 23-47 vinte e um
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NATALY GUZMAN • DIANA TRIANA

Resumo
O feminismo da comunidade boliviana é uma perspectiva política e epistemológica
alternativa em comparação com as formas tradicionais de feminismo, que se origina e pratica
dentro do pensamento contemporâneo do sul. O objetivo deste artigo é refletir sobre a produção
teórica de Julieta Paredes a partir de três eixos de análise. A primeira mostra a ligação entre
capitalismo, colonialismo e patriarcado, a fim de propor uma rota de ação política a partir do
feminismo comunitário que unifique as estratégias de luta contra essa triangulação de
dominação. A segunda apresenta as discussões e críticas que as bolivianas fazem aos
feminismos euro-ocidentais, questionando seu vínculo com o sistema capitalista e a condição
de superioridade que assumem em relação aos feminismos do sul.
A terceira coloca o projeto emancipatório do feminismo comunitário como uma alternativa
epistêmica que retoma o conceito de comunidade. Isso permite à autora demonstrar a condição
de dominação sobre a natureza imposta pelo sistema de produção capitalista, sair da relação
hierárquica dicotômica entre homens e mulheres e propor a comunidade como corpo político
transformador .

Palavras-chave: comunidade; decolonialidade; feminismo; neoliberalismo; patriarcado.

Abstrato
O feminismo comunitário boliviano é uma perspectiva política e epistemológica alternativa
às formas tradicionais de feminismo que se originam e praticam no pensamento contemporâneo
sul-americano. O objetivo deste artigo é refletir sobre a obra teórica de Julieta Paredes a partir
de três eixos analíticos. O primeiro mostra a ligação entre capitalismo, colonialismo e patriarcado,
com a intenção de propor um caminho político de ação que parte de um feminismo comunitário
que reúne estratégias de luta contra esse triângulo de dominação. O segundo eixo apresenta as
discussões e críticas que a escritora boliviana tem contra os feminismos euro-ocidentais ao
questionar sua relação com o sistema capitalista e a condição de superioridade que assumem
em relação aos feminismos sul-americanos. Por fim, situa o projeto emancipatório do feminismo
comunitário como uma alternativa epistemológica que reivindica o conceito de comunidade. Isso
permite à autora evidenciar a condição de dominação sobre a natureza imposta pelo sistema
capitalista de produção de forma a sair da relação dicotômica hierarquizada entre homens e
mulheres para propor a comunidade como corpo político transformador.

Palavras-chave: Comunidade; decolonialidade; Feminismo; Neoliberalismo; Patriarcado.

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JULIETA PAREDES: FEMINISMO COMUNITÁRIO GIRATÓRIO

Introdução

O feminismo deu minha vida e minhas asas pensantes


de condores e cumes de montanhas, elementos de onde
Olho e entendo meu tempo, meu povo, minha história.
(Paredes, 2006, p. 61)

Julieta Paredes, ativista boliviana, feminista e lésbica de origem aimará;


Cofundadora do grupo Mujeres Creando em 1990 e atualmente integrante
do grupo Community-Mujeres Creando fundado em 2000, é uma das
principais teóricas do feminismo comunitário (Alfaro, 2010; Monasterios,
2006). O eixo central da proposta de Paredes apresenta o feminismo
comunitário como uma matriz alternativa para compreender um
pensamento situado que parte dos corpos indígenas e que oferece uma
prática política para erradicar todas as formas de opressão, intimamente
ligada à ideia de Bem Viver ( Paredes , 2015, p.101). Esta proposta retoma
a perspectiva vingativa da longa tradição de lutas populares contra o
racismo e as diversas relações de poder produto do processo colonial
ligadas às relações de classe e de gênero, questões que constituem o
eixo central de sua proposta antissistêmica e teórica. -patriarcal: “Nosso
feminismo é despatriarcal, portanto, é descolonizador,
desheterossexualizante, antimachista, anticlassista e antirracista” (Paredes,
2013, p. 120).
Paredes considera necessário para a proposta do feminismo
comunitário identificar alguns aspectos-chave que permitam estabelecer o
horizonte a partir do qual se situa a luta, ou seja, uma análise que permita
“a recuperação dos nossos corpos, das nossas histórias e das nossas
propostas para o futuro” (Paredes, 2013, p. 50). Isso significa compreender
o lugar das mulheres dentro de um quadro histórico que as colocou em
uma condição de opressão anterior ao processo colonial, no qual é
necessário investigar, com vistas a uma participação política no presente
com potencial transformador, as formas de resistência das mulheres no
passado (Paredes, 2006, p. 72). Essa análise só é possível, para Paredes,
a partir da revisão da mudança nas políticas econômicas neoliberais na
América Latina.
Em 2010 apresentou-se ao público Hilando fino, texto emblemático
para o pensamento feminista sulista, no qual Paredes analisa as relações
que precisam ser superadas dentro do modo de opressão do

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sistema patriarcal.1 Para tanto, mostra as dimensões que confluem na


produção da opressão dos homens sobre as mulheres, explicando a
incidência do modelo capitalista neoliberal e da condição colonial em
relação ao sistema patriarcal. A articulação entre patriarcado e
colonialidade é um dos eixos transversais das análises de vários
investigadores decoloniais (Curiel, 2010; Espinosa, 2016; Lugones, 2012,
2014; Paredes, 2013; Segato, 2014). A questão que os ocupa é
determinar se existia uma organização patriarcal nas sociedades indígenas
e de que forma ela funcionava. As feministas comunitárias propõem evitar
as idealizações das culturas pré-hispânicas diante do machismo e da
naturalização de elementos patriarcais recentes como se não fossem um
produto historicamente sedimentado. Paredes considera que com a
colonização se consolidou uma aliança com o patriarcado pré-hispânico
através da qual se compreende a ligação patriarcal (Falquet, 2016, p. 18).
Nesse sentido, Paredes questiona a ideia de que com a chegada da
colônia se instalou o sistema patriarcal, como sustentam outras autoras
feministas do sul (Lugones, 2012, 2014).
No âmbito do projeto de feminismo comunitário, Paredes propõe uma
aposta teórica feminista que responde às diferentes forças que operam
na opressão das mulheres. Essa descrição implica, em princípio, que um
sistema global que oprime e trata as mulheres como minoria, mesmo
quando elas representam numericamente metade da população global, é
um sistema que requer várias formas de dominação para construir tal
opressão. Por isso, o feminismo comunitário revê a incidência do
capitalismo em sua versão neoliberal e as estratégias que se estabelecem
a partir daí para manter a relação com o sistema patriarcal.2

1 Paredes entende o patriarcado como um sistema no qual diferentes

formas de opressão -exploração, violência e discriminação- e que atua sobre

mulheres, homens, pessoas intersexuais e natureza, mas que se constituiu

historicamente tem sobre o corpo da mulher (Guzmán e Paredes, 2014, p. 77).

2 É importante esclarecer que as posições feministas do Sul são múltiplas e sua relação

com o sistema capitalista varia desde a incorporação das teorias que ligam o

modernidade com o desenvolvimento do capitalismo (Quijano, 2014), até teorias que

aderir ao modelo capitalista considerando a terra como um ser autônomo; tal como

Aparece nas versões do feminismo comunitário das mulheres Xika, Mayan e Ayu.

gangues (Moore, 2018). Na obra de Paredes, a crítica anticapitalista está relacionada

uma adaptação da ideia de Buen vivir ou Bien vivir que se define como a busca

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Este artigo analisa a produção teórica de Julieta Paredes a partir de


três eixos de análise: o primeiro mostra a articulação entre capitalismo,
colonialismo e patriarcado, a fim de propor um percurso de ação política
a partir do feminismo comunitário que unifique as estratégias de luta
frente à dita triangulação de dominação ; a segunda apresenta as
discussões e críticas que as bolivianas fazem aos feminismos euro-
ocidentais, questionando seu vínculo com o sistema capitalista e a
condição de superioridade que assumem em relação aos feminismos do
sul; a terceira, situa o projeto emancipatório do feminismo comunitário
como alternativa epistêmica que retoma o conceito de comunidade, para
sair da relação hierárquica dicotômica entre homens e mulheres, e propor
a comunidade como corpo político transformador. Por fim, mostra como
a partir da categoria comunidade é possível delinear uma leitura
ontológica que ofereça novos caminhos para a emancipação da opressão
de acordo com a proposta de Julieta Paredes.

Capitalismo, neoliberalismo e globalização


A avaliação proposta por Paredes lembra a incidência do reajuste
estrutural iniciado na América Latina na década de 80, que teve como
objetivo modificar as políticas econômicas da região e justificar as causas
do processo de transformação do modelo econômico como a hiperinflação
e a endividamento externo, que os países da região mantinham com os
países do “primeiro mundo” e suas respectivas entidades financeiras. Tal
mudança no modelo econômico escondia que as políticas de
desenvolvimento que eram incentivadas apenas desenvolviam a
acumulação de capital nos países do “primeiro mundo”, à custa do
trabalho dos países mais pobres e da apropriação dos recursos que
esses países lhes fez na América Latina (Paredes, 2013, p. 23).
A globalização, a modernidade e o neoliberalismo entraram em nossas
cidades com grande alarde [...] Anunciavam o bem-estar, o desenvolvimento
da produção e a previsão de uma sociedade do futuro que nunca veio.
Nesse contexto, as mulheres foram incorporadas ao mercado de trabalho
não exatamente como beneficiárias, mas como um amortecedor para
crises econômicas.

de harmonia entre "seres humanos e entre estes e a natureza, pachamama ou


Mãe Terra” (Cruz, 2014).

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gerada por uma série de fatores: a privatização de empresas públicas,


demissões em massa, contratação gratuita e outras medidas antipopulares
e antiestatais em nossos países. (Paredes, 2015, p. 104)

De fato, um dos elementos centrais da nova política econômica para


a América Latina consistia em uma transformação das leis trabalhistas,
onde as mulheres ocupavam a pior posição possível.
Por um lado, as remunerações dos postos de trabalho diminuíram devido
às privatizações e despedimentos em massa e, por outro, os espaços,
que o Estado agora abandonou em termos de garantias sociais, ficaram
a cargo das mulheres (mães, avós, , tias e irmãs): “as mulheres, já
incorporadas da colônia à matriz produtiva do país, no neoliberalismo
terão multitarefas muito importantes para o capital, como sair para aliviar
a fome de suas famílias” (Paredes, 2013, pág. 57).
Como elemento adicional, a globalização, juntamente com o modelo
econômico, não só exerceu a superexploração do trabalho das mulheres,
como patrocinou o desenvolvimento de políticas de gênero promovidas
pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional.
Essas políticas captaram a linguagem de denúncia da opressão que o
conceito de gênero tentou demonstrar e o transformaram em um conceito
útil para as políticas de Estado (Paredes, 2010, p. 118).3 Assim,
transformaram o conteúdo conceitual e o diagnóstico que o conceito de
gênero permitido, instalando cláusulas de linguagem eficientes como
“políticas de gênero” e “equidade de gênero”, que diferentes ONGs
ajudaram a reproduzir na cena pública (Paredes, 2015, p. 107). Esse
processo de institucionalização globalizada do movimento feminista
funcionou como fomentador de partidos políticos e outras instituições
privadas organizadas em redes, que atribuíam o papel de representar as
mulheres, excluindo outras feministas das organizações sociais,

3 O surgimento da categoria gênero na década de 1970 marcou uma virada


metodológico, teórico e crítico em vários campos das ciências sociais. o gato
gênero gory deu uma reinterpretação ao significado subjetivo e coletivo que
é dado ao masculino e ao feminino dentro do quadro social, para delinear o
identidades de mulheres e homens (Scott, 1999, p. 6). análises de gênero
implica não se separar da análise do poder em termos das determinações
econômico, social e político, o que significa identificar a particularidade de tais
condições responsáveis pelas múltiplas e variadas interseções da realidade
social (Araya, 2014; Tarrés, 2013).

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ativistas e moradores da região (Paredes, 2010, p. 118; Paredes, 2015,


p. 108).
Segundo Paredes, a consequência da cooptação do discurso de
género feminista foi um dos bastiões do funcionamento da governação
neoliberal (Paredes, 2006, pp. 78-80). O efeito dessa estratégia de
controle permitiu neutralizar revoluções, insurreições e revoltas por meio
de diferentes instrumentos de governança, que foram promovidos na
América Latina desde ditaduras até democracias ditas representativas e
participativas (Paredes, 2015, p. 107). Em suma, além de transmutar o
conceito de gênero, o modelo neoliberal funcionou como um mecanismo
de ruptura do tecido das organizações sociais e sindicais, pois ao entrar
na dinâmica institucional por meio de políticas públicas, as organizações
perceberam que os objetivos de suas lutas eram parcialmente alcançou.
Segundo Paredes, esse processo promoveu uma desarticulação que
resultou na morte dos sonhos e utopias populares de diferentes
organizações de resistência (Paredes, 2015, p. 105).

Adicionalmente, no quadro das novas políticas neoliberais, Paredes


denunciou que o Estado cumpria um papel puramente instrumental em
relação aos interesses das transnacionais, permitindo-lhes desenvolver-
se livremente no quadro nacional. Ao entregar suas responsabilidades
sociais às economias privadas, áreas como educação, saúde, moradia e
direito à aposentadoria, entre outras, ampliaram a lista de bens e serviços
fornecidos por empresas privadas. Diante dessa situação de privatização
e falta de recursos para realizar a compra de bens e serviços básicos, o
trabalho das mulheres concentrou-se em cobrir as funções abandonadas
pelo Estado.
Um efeito adicional da entrada das transnacionais nos países latino-
americanos foi a continuidade do processo de fortalecimento da prestação
de serviços nos centros urbanos, que marcou uma radicalização da
distinção entre campo e cidade. Essa centralização permitiu que o
mercado livre de serviços básicos deixasse de ser fornecido igualmente
em todas as regiões. Nesse sentido, centralizou-se o processo de
"desenvolvimento econômico" e o que se pretendia um desenvolvimento
necessário para os países da América do Sul, passou a ser o
desenvolvimento das economias privadas dos países investidores do
"primeiro mundo" (Paredes, 2013, pp. 55-56).
Junto com a globalização e a liberação da prestação de serviços
básicos pelo Estado, a análise do modelo de democracia

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a inclusividade na Bolívia aparece como o terceiro elemento dentro da


crítica ao sistema neoliberal. Para Paredes, os processos democráticos
construíram uma ilusão que exigia reproduzir a ideia de maior trabalho e
esforço da força de trabalho, independente de a quem servisse aquela
produção laboral. Diante desses processos, as mulheres tiveram que
enfrentar os desequilíbrios econômicos do modelo neoliberal, suprindo
as necessidades alimentares de suas famílias e fornecendo mão de obra
barata, sem benefícios sociais e com jornadas que ultrapassavam as médias laborais.
No campo local, Paredes questiona o abandono da dignidade e
soberania da Bolívia para se submeter às necessidades do mercado
mundial, construindo e desenvolvendo “um imaginário esquizofrênico de
democracia participativa e inclusão” (Paredes, 2013, p. 56). Nesse
modelo relacional, entre o neoliberalismo e a democracia participativa,
veiculou-se uma propaganda que promoveu e exaltou os direitos humanos
e, além disso, concedeu a mulheres, indígenas, homossexuais, jovens e
deficientes, reconhecimentos especiais que já estavam disponíveis.
estabelecido ao serviço destas duas forças. Nesse panorama, Paredes
lembra que o modelo democrático e liberal esqueceu que “os rebeldes
revolucionários não tinham lugar naquela distribuição de regalias” (Paredes,
2013, p. 59).
Nessas reflexões, como demonstra Paredes, o modelo neoliberal
utilizou as mulheres como pontos de apoio para desenvolver reformas
econômico-políticas que permitiram aos grandes empresários acumular
lucros com o empobrecimento dos países do sul. Essas reformas
implicavam que as mulheres assumissem as responsabilidades da
família, da comunidade e dos ambientes de trabalho para preencher as lacunas do estado.
Além disso, formou-se uma classe média alta de mulheres que se sentiram
emancipadas pelo projeto aparentemente inclusivo de minorias proposto
pelo neoliberalismo a partir da estratégia democrática participativa de
direitos especiais.

Estética neocolonial: outra forma de racismo


O modelo econômico neoliberal, vinculado à dimensão excessiva da
democracia participativa e dos direitos humanos, continuou com o
processo de segregação racial derivado da colônia, mascarando o antigo
racismo sob uma nova classificação da população. O papel que o
colonialismo histórico, o da invasão colonial, produziu no

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mentalidades locais, contribuíram para manter e reproduzir a base racial no novo


sistema econômico-político.4
Segundo Paredes (2013), esse processo de neocolonização que se
desenvolveu nas mãos dos modernizadores do Estado permitiu a fragmentação
social e geográfica entre homens e mulheres brancos habitantes da cidade, e
homens e mulheres indígenas habitantes do universo rural. A fragmentação
racial só foi superada pelo neoliberalismo para trazer os habitantes do campo
para as cidades, a fim de servirem como escravos-empregados dos interesses
econômicos das transnacionais. Nesse sentido, Paredes denuncia que,
paralelamente ao colonialismo (interno e transnacional), foi reproduzido um
esquema de segregação sobre os corpos.
A partir de uma perspectiva que chamaremos de estética, o boliviano enfatiza a
continuidade da marca colonial, sob a qual se dividem os corpos belos, brancos
e limpos, dos corpos feios, escuros e sujos dos indígenas (Paredes, 2013, pp.
51-52). Essa forma de colonização que afetou os corpos de homens e mulheres
também permeou o terreno do "erotismo, desejo, sexualidade, prazer e amor".

(Paredes, 2013, p. 25).


Sob esse sistema de discriminação racial estetizada, as mulheres das
classes média e alta puderam perceber melhorias em sua condição de
vulnerabilidade, ainda que as classes mais pobres continuassem em estado de
empobrecimento sistemático. A estratégia mais importante para desenvolver a
dupla colonização dos corpos das mulheres ocorreu por meio de políticas
públicas de gênero.5 Sob essa estrutura,

4 A relação entre raça e colonialidade tem sido amplamente investigada nas ciências sociais.
social, sobretudo a partir de leituras críticas e decoloniais (Curiel, 2007; Pérez,
2015; Safford, 1991; Viveiros e Lesmes, 2014; Wade, 1997). Nessas interpretações, o
O racismo é uma construção conceitual que permitiu promover desigualdades
e promover uma partição social que na América Latina foi fundada a partir da
ideia de civilidade, limpeza, ordem e pureza que caracterizava a população branca
e masculino em oposição à barbárie, sujeira, desordem e impureza que
encarnavam os indígenas, os negros, os pobres, os camponeses e as mulheres.
5 Um ponto importante desta cooptação da linguagem emancipatória das lutas
das mulheres pelo sistema neoliberal foi produzida pela mutação do conceito de
gênero, entendido como um conceito descritivo da diferença exploradora entre
homens e mulheres, ao da equidade de gênero na versão neoliberal. desta pessoa
pect, denúncias sobre gênero passaram a fazer parte de um projeto político

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mulheres de classe média e alta se beneficiaram do ingresso neoliberal


para continuar explorando, de duas formas, as mulheres mais pobres,
indígenas e negras: “As ONGs elaboraram leis especiais, leis de segunda
categoria para as irmãs, agora chamadas trabalhadoras do lar, cujos
níveis de exploração não foram reduzidos como esperado” (Paredes,
2013, p. 52). Para Paredes, parte dessa dupla exploração foi gerada
porque as políticas públicas promovidas pelas ONGs feministas não
discutiam o trabalho braçal e doméstico das mulheres pobres e indígenas,
pois isso permitia que elas continuassem usufruindo do trabalho das
“cholas”, sem sujando as mãos com essas tarefas.

A junção patriarcal
A análise da dominação sobre as mulheres, como se viu, não pode
ser explicada na obra de Paredes sob a visão remota da dominação dos
homens sobre as mulheres, mas requer levar em conta diferentes
relações de dominação, particularmente com o sistema capitalista. O
processo de estruturação do patriarcado tem tido várias estratégias que
vão desde a redução dos gastos públicos, levando as mulheres a assumir
tarefas que correspondem à responsabilidade coletiva e/ou estatal, até o
estabelecimento de políticas de gênero e inclusão por meio de direitos
especiais, que neutralizam suas lutas pela emancipação.

O patriarcado, para a boliviana, é um sistema que se recicla e se


alimenta de mudanças sociais e até revoluções, porque essas lutas não
foram construídas a partir de, para e com as mulheres. Na variante
neoliberal do capitalismo em harmonia com a democracia participativa
liberal, a ideia de igualar homens e mulheres (concebidas como cidadãs
de primeira e segunda classes, respectivamente), foi uma fórmula exitosa
que construiu uma ilusão de ótica de liberdade. principalmente mulheres
de classe média e alta acompanhando homens cidadãos de primeira
classe, reproduzia-se um falso discurso de melhoria e superação das
condições de opressão da mulher (Paredes, 2013, p. 60).

com estratégias de neutralização privada. Em suma, segundo Paredes, o


políticas neoliberais para as mulheres significaram o recrutamento e a institucionalização
zação de organizações sociais de mulheres.

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Somado a esse nível de relação entre o sistema do capital e o patriarcado, em que


as mulheres continuam a ser funcionais cumprindo os papéis tradicionais atribuídos pela
distinção de gênero, Paredes chama a atenção para a falsa romantização do modelo
pré-colonial em relação ao patriarcado pergunta. É preciso, então, reconhecer que existe
também um patriarcado boliviano (latino-americano), indígena e popular. Reconhecer a
existência de um patriarcado histórico pré-colonial permite-nos retomar a denúncia de
que o género se propunha a analisar as relações injustas entre homens e mulheres a
partir das suas linhas de continuidade, guardando também o conceito de género como
elemento de denúncia da abordagem que desde o modelo neoliberal tem sido atribuído
a ele.6

Essa conexão patriarcal nada mais é do que assumir que a opressão de gênero não
só veio com os colonizadores espanhóis, mas também que "havia sua própria versão
de opressão de gênero nas culturas e sociedades pré-coloniais, e quando os espanhóis
chegaram trouxeram ambas as visões juntos para o infortúnio das mulheres [latino-
americanas]”
(Paredes, 2013, pp. 72-73). Entender que sobrevive uma dominação, tanto pré-colonial
quanto ocidental, do machismo supõe construir um corpo de análise mais amplo que
evidencie os pontos comuns que atendem aos interesses machistas, indígenas e
populares, assim como os da economia política neoliberal.

O facto de o machismo não servir e corresponder apenas aos interesses do Ocidente


e não ser uma forma de dominação típica da colónia, marca uma forma interessante de
assumir a necessidade da despatriarcalização num campo mais amplo. Da mesma
forma, reconhecer que a ligação patriarcal sobrevive convida o feminismo a reformular
as estratégias de superação da opressão, tarefa revolucionária para Paredes. O

6 Embora Paredes reconheça a pré-existência do sistema patriarcal nas sociedades


pré-hispânico, não é possível apresentar uma caracterização ou uma definição de
Como esses sistemas funcionavam? No entanto, o boliviano apresenta uma interpretação
da mitologia andina, da qual infere as relações hierárquicas e opressivas
entre homens e mulheres, o que permite concluir que o sistema patriarcal precede
o período colonial. No poema "Lago Titicaca" do livro Del mismo barro, Paredes
(1996) inverte o mito do Puruma em que reinterpreta as relações hierárquicas
entre homens e mulheres e os transporta do tempo mítico para o presente. Então, expanda
a interpretação do tempo mítico a partir da teoria literária em chave feminista em
Paredes e a Comunidade Mujeres Creando (Falconí, 2015).

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A despatriarcalização que o feminismo comunitário propõe e que convoca


especialmente as mulheres para a ação política, coexiste também com a
necessidade de fazer uma chamada à memória das lutas de
os antepassados da região “às lutas das nossas tataravós contra um
patriarcado que se estabeleceu antes da invasão colonial” (Paredes,
2013, p. 71), e que posteriormente se juntou à colonialidade dos corpos.
Em conclusão, para Paredes as formas de opressão contra as
mulheres alimentam-se de três esferas, uma vez que toda a exploração
patriarcal e colonial funciona em benefício do sistema económico. Portanto,
uma ação política que tende a superar o machismo colonial e ocidental
implica, ao mesmo tempo, questionar o sistema do capital.

Ação política do feminismo comunitário


O programa de feminismo comunitário que tenta resgatar o conceito
de gênero, como ferramenta crítica útil para nos repensarmos como
mulheres e como comunidade, busca projetar a construção de um mundo
que celebra o cuidado com a vida (Paredes, 2013, p. 9 ) . O programa de
ação política proposto a partir da luta feminista implica, em primeiro lugar,
a superação dos esquemas de competição e individualidade tão em voga
nos programas políticos neoliberais e suas apostas no desenvolvimento,
para caminhar em direção a um verdadeiro processo de despatriarcalização
(Paredes , 2013, pp. . 9-10).
Nesse quadro, a ação política requer a compreensão de que as
relações de dominação retroalimentam os três eixos descritos: patriarcado,
colonialismo e neoliberalismo. Nesse sentido, combater apenas um
desses campos é uma tarefa insuficiente, pois para Paredes o sistema
“oprime e faz sofrer mulheres e homens, pessoas intersexuais e a
natureza, ainda que historicamente tenha sido construído sobre os corpos
das mulheres” (Valência, 2014).7 Este

7 Uma proposta semelhante em termos de dominação idêntica de mulheres e


natureza é encontrada nas várias perspectivas ecofeministas (Mies e Shiva,
1997; Puléo, 2011; Triana, 2016 e 2017; Warren, 2003; Warren e Cheney, 1991). o ecofe
O minimalismo na América Latina tem sido associado em muitos casos à Teologia da
Libertação, seguindo a crítica das hierarquias religiosas patriarcais e monoteístas
tas. Para a venezuelana Gladys Parentelli (Coletivo Conspirando, 2003), membro
do coletivo Conspirando, o ecofeminismo tem significado resgatar as imagens
herdado de comunidades indígenas como a Pachamama, uma figura do feminino

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Bet implica também uma crítica aos feminismos que se centram na luta
isolada contra o patriarcado, assumindo que este é um subsistema de
poder e dominação dos homens sobre as mulheres (Paredes, 2015, p.
101). Essa mudança de órbita reflexiva em três dimensões funciona
como uma crítica frontal às ações políticas de luta derivadas da chamada
política identitária e, ao mesmo tempo, funciona como uma crítica à luta
de classes como um caminho preciso para a transformação das
opressões. , uma vez que assume que uma luta contra o sistema patriarcal
deve estar ligada também a uma luta contra o capitalismo e o colonialismo.

Assim, a posição antissistêmica da comunidade identifica no patriarcado


“o sistema de todas as opressões, de todas as explorações, de todas as
violências e discriminações que toda a humanidade experimenta” (Guzmán
e Paredes, 2014, p. 77). Descolonizar e desneoliberalizar o gênero é, ao
mesmo tempo, localizá-lo geográfica e culturalmente nas relações
internacionais de poder entre o norte rico e o sul empobrecido, e
questionar profundamente as mulheres do norte rico e sua cumplicidade
com um patriarcado transnacional (Paredes , 2013 , pp. 72-73).

Eles e nós: a discussão Norte-Sul


Explicar a situação de subordinação a partir de várias perspectivas
teóricas e direcionar as lutas para superar essa condição são os desafios
do feminismo. Segundo Paredes, o trabalho das feministas ocidentais
tem sido fundamental; No entanto, os contextos particulares fizeram com
que as relações coloniais, imperialistas e transnacionais mantivessem
um status privilegiado daquelas teorias feministas, fazendo com que as
contribuições de outras realidades se tornassem invisíveis. Em outras
palavras, o feminismo europeu ocidental manteve uma visão racista das
lutas das mulheres em outros países.

não e da natureza, onde a terra é entendida como um organismo vivo. yvone


Já Gebara (1998 e 2003) vê no ecofeminismo uma forma adequada de
promover o ensino da teologia, no sentido de propor uma justiça social
ligada à ecojustiça. De certo modo, a proposta de Julieta Paredes
parte da perspectiva ecofeminista em termos de identificação dos enquadramentos
opressiva, uma questão compartilhada pelas diferentes tendências ecofeministas: espiritualidade

realista e social. No entanto, Paredes (2013) nega fazer parte desse grupo de ecofe
minimismos ao considerar que se baseiam numa ontologia do feminino.

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continentes. Isso foi descrito por Paredes como um processo neocolonial


(Paredes, 2006, p. 68). O eurocentrismo consolidou uma relação de
poder sobre as mulheres e levou as feministas europeias a imaginar que
elas civilizam ou representam as necessidades das mulheres em nível
global (Valencia, 2014, p. 15).
Devemos reconhecer a relação entre os feminismos ocidentais e as
lutas antipatriarcais das mulheres aimarás, quéchuas e guaranis que,
desde o sul, assumem uma posição política contra a hegemonia ocidental.
O que se apresenta aqui é, por um lado, um questionamento epistêmico
e um compromisso de diálogo entre os vários feminismos; e, por outro
lado, um espaço de discussão face aos desafios depatriarcais para os
quais as feministas euro-ocidentais devem contribuir.
Para Paredes, o feminismo euro-ocidental teve origem na revolução
francesa com a fundação da República, da democracia e do Estado
Moderno (Paredes, 2013, p. 76). O liberalismo burguês, de cidadania e
direitos individuais que garantiam o direito à propriedade privada e ao
voto popular, deixou as mulheres fora da equação da fraternidade,
igualdade e liberdade: "o feminismo no Ocidente surge para responder a
uma sociedade liberal burguesa, que afirma a direitos individuais dos
homens burgueses, mas não das mulheres burguesas” (Paredes, 2013,
p. 77). Uma consequência dessa falta de reconhecimento dentro do
liberalismo burguês foi o posicionamento das mulheres diante dos homens
de duas maneiras: as mulheres são iguais aos homens ou são diferentes
deles. Isso significou o surgimento do feminismo da igualdade e do
feminismo da diferença.8
No marco dessas duas versões do feminismo ocidental, Paredes
considera necessário realizar um exercício de autonomia epistêmica e
histórica que permita compreender a situação das mulheres de Abya
Yala, desde que as mulheres indígenas, pobres e do sul tenham um
relação diferente com o sistema patriarcal e o contexto burguês
eurocêntrico. A tradição europeia é considerada como referente de todos
os processos históricos na medida em que se acredita possuir todas as

8 A reconstrução de Paredes sobre os feminismos do Ocidente atende a uma perspectiva

da reducionista deles. Isso pode ser explicado pelo propósito pedagógico

de Fiação Fina (Paredes, 2010). É provável que o autor considere desnecessário fazer

uma revisão rigorosa da história do feminismo ocidental. No entanto, no Pará

que o sol volta a aquecer, Paredes (2006, pp. 69-72) faz uma reflexão mais rigorosa

dos referentes gerais da história do feminismo no Ocidente.

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conhecimentos, pensamentos e lutas válidas da humanidade. O mesmo


ocorre com o caso do feminismo: as mulheres europeias são consideradas
como referência para as lutas das mulheres no mundo, o que nega as
lutas das mulheres em outros contextos. Segundo Paredes, as avós do
sul lutaram contra as formas de dominação que tiveram de viver em seus
contextos particulares.
Nossas avós nos ensinaram respeito, mas também indignação quando
atingem picos e é o caso de como andam as relações entre mulheres,
principalmente no espaço do feminismo eurocêntrico, que continua e insiste
em se firmar como o paradigma das lutas das mulheres em o mundo, como
o politicamente correto. E não é assim, porque cada território tem sua
história de lutas e claro que as mulheres de cada território também têm.
(Paredes, 2017, pp. 8-9)

O que a autora defende é que o feminismo ocidental não leva em


conta em sua compreensão das mulheres dos territórios de Abya Yala e
pressupõe os desejos, necessidades e deveres das mulheres do sul.
Embora muitas delas sejam parcialmente aceites, não devem ser
assumidas por extensão às expectativas, necessidades e deveres da
mulher europeu-ocidental. Assim aponta Paredes em seu ensaio O que
vão nos ensinar que não sabemos:
Claro que sabemos quem somos e o que queremos! Ninguém vai nos
ensinar o que sabemos de nossos corpos, nossas vidas e nossas lutas
ancestrais. Claro que sabemos que nos machuca ser espancado, humilhado
e morto por nossos próprios companheiros, mas isso não será decidido de
fora, de uma neocolonização ou colonização feminista de nossos corpos;
o destino de nossos corpos será decidido por nós, pelas mulheres em
nossas organizações e comunidades.
Lutando ao mesmo tempo contra as injustiças que homens, mulheres,
pessoas intersexuais e a natureza vivenciam através de um sistema de
dominação e hegemonia patriarcal e lutando contra o machismo em nossas
comunidades. (Paredes, 2017, p. 9)

Embora a luta das mulheres contra o patriarcado no mundo possa


apresentar uma série de coincidências, também é verdade que o processo
colonial deixou marcas na forma como as feministas ocidentais se
posicionam em relação aos problemas das mulheres em outros países,
com textos geopolíticos. O problema da luta contra a violência doméstica
pode ilustrar a situação. Alguns lidam exclusivamente com

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violência doméstica sem tratar de questionar a violência estrutural que as


beneficia como mulheres de classe média –algumas autoproclamadas
feministas– nos países ocidentais e que vivem uma série de privilégios em
detrimento do trabalho das mulheres do sul (Valencia, 2014, p. quinze).
Nessa ordem de ideias, o feminismo eurocêntrico em suas diferentes
versões expulsou as mulheres do Sul da discussão aludindo a vários
argumentos: "de dizer que não há nada de novo sob o sol, pois o
pensamento eurocêntrico já pensou no que nossos corpos sentem,
passando pela legitimação do plágio e pelo fomento da competitividade e
das brigas entre os indígenas, chegando até à calúnia e à
difamação” (Paredes, 2017, p. 9). Nesse sentido, há duas visões opostas
do que é o feminismo:
A matriz do feminismo europeu é o individualismo, a modernidade, a
propriedade privada, a democracia, os direitos civis, o maniqueísmo e a concepção
linear do tempo, entre outros. Nossa matriz como feministas comunitárias é a
comunidade, o Bem Viver, o tempo considerado circular, o profundo amor e respeito
às nossas culturas ancestrais, a autonomia de nossos corpos, territórios e saberes,
a liberdade e a política como compromisso com as lutas de nossas cidades,
enfatizando que as mulheres são metade de cada cidade.

(Paredes, 2015, p. 110)

A proposta descolonizadora da temporalidade é uma das apostas


fundamentais de caráter epistemológico em termos de construção
alternativa e coerente com os propósitos dos feminismos do sul. A
temporalidade ocidental supõe uma compreensão linear e unívoca que
definiu as relações entre os países do norte e os países do sul; uma
temporalidade colonial que impõe um acontecimento histórico original, ao
mesmo tempo que oculta a memória e determina uma perspetiva de
futuro. As ideias de evolução e progresso, associadas a essa ideia de
temporalidade, adquiriram um caráter moral que define o que é civilizado e
desenvolvido, categorias raramente ligadas ao sul, ao indígena e à
comunidade (Valência, 2014, p. 27).
Ao contrário, a compreensão aimará e quéchua da temporalidade supõe
uma representação circular: “Timpuxajutirisariwa: o tempo sempre vem e
vai, é constante, assim como o círculo que não tem ponto de partida nem
meta, não tem começo, não tem fim, tudo é energia em movimento” (Valência,
2014, p. 29). Esta representação implica rejeitar

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as ideias de progresso e teleologia ancoradas na temporalidade ocidental.


Da mesma forma, supõe subverter a forma como se entende a posição
da humanidade frente ao tempo. Você tem que caminhar olhando para
frente enquanto visualiza o passado, porque é isso que você tem à sua
frente. Pelo contrário, o futuro ficou para trás porque você não pode ver o
que é desconhecido. Nesse sentido, a história é o que dá por certo e é
ela que determina o caminhar.
Assim, a compreensão linear do tempo, segundo Paredes, implica um
posicionamento político que questiona a ideia de uma história universal.
Nesse sentido, é preciso investigar a memória da América Latina e do
Caribe para reconhecer uma forma de feminismo antissistêmico que se
situa a partir da comunidade, para além dos dualismos homem/
mulheres e igualdade/diferença. Daí a importância do feminismo
comunitário como ação política que permite uma construção epistêmica
e histórica, e que recupera a memória enquanto a descoloniza (Valencia,
2014, p. 19).
A crítica que Paredes faz às feministas ocidentais ocorre de três
maneiras: primeiro, o desconhecimento ou irrelevância da contribuição
histórica que o feminismo comunitário faz para a compreensão do lugar
das mulheres indígenas na história; em segundo lugar, o questionamento
da história linear e progressiva que situa o feminismo do sul como um
processo incipiente que requer a mão civilizadora das feministas
ocidentais; e, terceiro, a visão individualista das lutas feministas que se
instala como parte de um sistema econômico-político que não é
questionado (Paredes, 2017, p. 10).

Feminismo comunitário de Abya Yala: a mesma pele


O processo de descolonização do feminismo comunitário na Bolívia
começou questionando o uso da linguagem hegemônica dos feminismos
ocidentais e encontrando as palavras precisas para definir suas próprias
práticas políticas (Falquet, 2014; Paredes, 2015, p. 103). A
reconceitualização do feminismo, a partir da abordagem comunitária,
significa sair da linguagem hegemônica por meio de expressões próprias,
que dão conta do modo de pensar dentro de um determinado contexto.9 Isso começa

9 É preciso precisar que, embora Julieta Paredes considere imprescindível distanciar

linguagem hegemônica da epistemologia ocidental, o autor incorpora algumas

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A iniciativa vem do feminismo autônomo boliviano e seu encontro com os


movimentos sociais no processo de mudança histórica (Paredes 2006,
pp. 74-77; Paredes, 2010, p. 117; Valencia, 2014, p. 3). O feminismo
comunitário é um movimento orgânico com porta-vozes territoriais, que
atende ao modo de se autodenominar e se posicionar em relação à sua
visão de mundo (Paredes, 2015, p. 111). Nesse sentido, a comunidade é
constituída por mulheres, homens, terra, território, animais, vida vegetal e
mineral (Community Feminism, 2010, p. 426). a pachamama
é uma comunidade e existe em relação recíproca com aqueles de nós
que dela fazemos parte, portanto, não é uma propriedade, como é
interpretado na perspectiva patriarcal capitalista. A Pachamama é muito
mais que a terra, o povo está inserido nela e é a terra que garante a vida
comunitária.
A concepção de comunidade adquire um significado particular na
proposta de Paredes. Para a mulher boliviana (Paredes, 2013), falar em
comunidade significa transformar a forma como o Ocidente tem pensado
a interação entre homem, mulher e natureza. Então, a comunidade é
compreendida como um organismo onde cada um de seus membros é
único, necessário e autônomo (antipatriarcal e anti-hierárquico). A
comunidade atua como um corpo que merece um tempo e espaço
concreto e simbólico pelo simples fato de estar no mundo.
Adicionalmente, o conceito de comunidade proposto por Paredes visa
eliminar a propriedade privada sobre os meios de produção e modificar a
distribuição do trabalho de acordo com as capacidades, habilidades e
desejos de todos os membros de forma equitativa, o que significa o
reconhecimento do trabalho doméstico como um determinado tipo de
trabalho. Nesse sentido, a comunidade não é uma soma de
individualidades, mas um todo orgânico e dinâmico que reconhece as
habilidades e talentos individuais em benefício da comunidade.
As tarefas e necessidades da comunidade não se resolvem por meio
da competição entre seus membros, mas requer o fortalecimento dos
espaços de pertencimento e afeto entre eles, ou seja, um afeto pela
alteridade como valor comunitário. Isso significa que a reciprocidade
aparece como uma relação ética na qual se estabelece um sentimento que

uma das categorias básicas do feminismo ocidental, pois é preciso reconhecer


as contribuições que as feministas euro-ocidentais fizeram. No entanto, é rec
recomendável aguçar o olhar sobre as definições e reinterpretações que a Bolívia
na faz de tais categorias.

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assume o outro e o outro como digno e igual. Esta forma de eticidade da


alteridade é, na perspetiva de Paredes, um impulso natural que procura
garantir a satisfação do outro e do outro em comunidade: “Viver bem do
irmão ou irmã da comunidade é uma responsabilidade e um desejo de
todos” (Community Feminism, 2014, p. 427).
A interpretação das relações ético-políticas em que se transmutam os
papéis atribuídos ao homem, à mulher e à natureza também afeta
diretamente as estratégias de luta contra o patriarcado e, nesse sentido,
os papéis são parte fundamental da aposta do feminismo comunitário.
Embora valores como reciprocidade, igualdade, dignidade e autonomia
sejam retomados, eles são reinterpretados de acordo com uma visão de
mundo em que o corpo comunitário se baseia na ideia de
complementaridade, imagem que inclui a relação do homem e da mulher
como duas metades essenciais, perfeitamente coordenadas, recíprocas
e autônomas uma da outra, mas não hierárquicas.

Essa dupla comunitária atua como dupla política, diferente do gênero


e do vínculo erótico-afetivo. Esta precisão é central na medida em que
permite distanciar-se dos modelos dicotômicos entre feminino e masculino
como complementaridade desigual em que se estabelecem valores,
papéis e atribuições patriarcais, acrescentando a necessidade de
questionar a heteronormatividade da paridade. , para dar origem à
diversidade de desejos eróticos, sexuais e amorosos.
A comunidade é um órgão que perde metade de sua ação se for
negada a participação das mulheres. Nesse sentido, negar a presença, a
produção e a participação das mulheres na comunidade supõe – segundo
a ideia de corpo – um corpo comunitário caolho, mutilado e coxo, ou seja,
doente: “temos que usar a mão que falta, o olho que falta, o passo com o
próprio pé para poder inaugurar o discurso da comunidade” (Paredes,
2012, p. 184). A criatividade, o conhecimento e a memória devem mostrar
a presença das mulheres na construção da comunidade a partir de seus
corpos como territórios. A partir daí se inicia uma luta antissistêmica que
se reconhece a partir de relações horizontais com os outros e dentro da
qual ser indígena, negra e/ou lésbica não implica multiplicar as formas de
existência ou segmentar as lutas que constroem um projeto político
único. da existência pessoal (Paredes, 2015, p. 112). Nesta ordem de
ideias, a opressão das mulheres não difere da luta que se deve travar
contra a opressão das mulheres.

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a natureza. O feminismo comunal não fragmenta nenhuma dimensão da


vida como modo de luta; ao contrário, permite que o corpo ocupe o lugar
central da ação política para a transformação das múltiplas opressões
geradas pelo sistema patriarcal.
Segundo Paredes, o corpo faz parte da natureza e por isso forma a
Pachamama junto com outros corpos. Em contraste, o sistema patriarcal,
juntamente com o modelo capitalista e o pensamento moderno,
encarregou-se de individualizar e estabelecer fronteiras entre os corpos,
portanto parte do trabalho do feminismo comunitário consiste em
reposicionar o corpo-comunidade como o elo que cria relações entre
homens, mulheres e natureza. O feminismo comunitário, nesse sentido,
rejeita não apenas o sistema patriarcal, mas também a relação da
modernidade com o sistema do capital, devido à reconfiguração teórica
que se promove sobre a natureza em sentido geral.

As cisões que o pensamento ocidental produziu desde a modernidade


têm se concentrado em apresentar e interpretar a natureza a partir de
um esquema de dominação. Essa posição permitiu que a lógica binária
ganhasse força a partir de uma perspectiva hierárquica e oposicionista
entre dominadores e dominados, o que implica privilegiar um dos pares:
alma-corpo, homem-mulher, cultura-natureza. Nesse sentido, a
modernidade não apenas promoveu cisões epistemológicas, mas
também ensinou ao universo político uma forma de pensar esses
pressupostos de oposição, que desde a década de 1960 se transmutaram
em uma multiplicidade de identidades políticas. , cujo resultado foi a
fragmentação das lutas políticas .
Paredes consegue enfrentar a crise das lutas fragmentárias que
surgiram das políticas de identidade, ao mesmo tempo em que questiona
o nível ontológico que essas estratégias promoveram. Algumas das lutas
antiopressivas partem de uma ontologia hegeliana que considera a
existência de duas consciências separadas que por natureza vivem em
oposição, mas que exigem essa relação de confronto para determinar o
limite entre o Eu e o Outro. Essa perspectiva permeou os feminismos
euro-ocidentais e delineou outras formas contra-hegemônicas de ação
política (Guzmán, 2016). Ontologias relacionais desse tipo não conseguem
superar essa oposição em uma relação fraterna com o Outro, pois é
somente por meio desse confronto que elas estão no mundo.

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Em chave feminista, essa ontologia se expressa na oposição


intransponível entre homem e mulher, cuja ruptura naturaliza a
individualidade e só permite pensar através de uma lógica oposicional binária.
Essa naturalização ontológica tem como consequência a divisão na
atribuição de papéis e funções socialmente definidos, que serão úteis
para os modos patriarcais de dominação. A partir dessa visão ontológica,
explica-se por que as propostas feministas de igualdade e diferença são
incapazes de transcender o antagonismo. Essa ideia de oposição é
diretamente criticada por Paredes, considerando que a Pachamama é
aquele corpo que recolhe as diferenças e as ordena com base no bem-
estar da comunidade em termos de unidade.
A perspectiva de Paredes permite delinear uma interpretação
ontológica que supera a dicotomia oposicional. A visão de mundo da
comunidade aimara se baseia na relação complementar entre homem e
mulher, na qual sobrevive um significado opositivo herdado da tradição
pré-hispânica. Paredes oferece uma reinterpretação dessa estrutura
oposicional para argumentar em favor da ideia de pares complementares,
cuja unidade só é possível com a compreensão da Pachamama, o que
leva a uma nova configuração ontológica. Assim, homens e mulheres não
se constroem ontologicamente a partir de sua diferença, mas de sua
complementação, produzida por sua inter-relação com a Pachamama .
Se esta se constitui como um todo que permite a relação complementar
entre homem e mulher, então a relação binária se dissolve.

Nesta interpretação, a natureza não é entendida como um terceiro


elemento dentro da configuração, pelo menos seguindo a perspectiva
aimara, porque Pachamama inclui tempo e espaço, homens, mulheres e
pessoas intersexuais, assim como animais, vegetais e minerais. Todos
juntos formam a Pachamama porque compartilham a mesma pele e
fazem parte do mesmo corpo. Consequentemente, o link Warmi-Chacha
complementar
pode ser entendida como uma ontologia da pele, nas palavras de
Paredes: Nossos corpos têm um limite que não é uma fronteira. O
individualismo fez da pele o limite dos corpos. Não só nós humanos
temos pele. As plantinhas têm pelos, os bichinhos também têm pelos.
Mas eles não são fronteiras em seus casos. A pele torna-se uma
fronteira devido a um sistema patriarcal e individualista que tornou o corpo

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um Estado [...] nossos corpos são esta forma de existência sensorial:


olhar, sentir, saborear, tocar, compartilhar com a natureza, a Pachamama
de onde viemos [...] Esses corpos são nossos irmãos e nossas irmãs , o
plantas, animais, outras pessoas, outras comunidades. (Paredes, 2015,
pp. 182-183)

A ontologia da pele, em que a consciência não é individual como na


ontologia relacional, considera a pele como aquele elemento que todos os
corpos compartilham. Dentro do universo da Pachamama, a pele é
compartilhada por todos os seres do mundo como uma continuidade.
Consequentemente, esta ideia da unidade ontológica da pele reforça o
conceito de comunidade, ao mesmo tempo que revela as limitações de
outras formas de relação.

conclusões
No quadro do pensamento feminista sulista, importa destacar o trabalho
de diferentes grupos que propõem percursos de reflexão sobre as nossas
realidades e que contribuem para a desmistificação do imaginário do
trabalho individualista dos intelectuais. A obra de Julieta Paredes,
enquadrada no coletivo Mujeres Creando e Comunidad Mujeres Creando,
constitui uma obra marcante na medida em que se distancia de outras
propostas decoloniais e feministas que partem de um caráter reativo e
acabam por produzir teorias contra propostas de interpretação.
romantizando experiências latino-americanas pré-coloniais. Ao contrário,
Paredes retoma e retrabalha categorias de diferentes campos de pesquisa
para propor uma análise orgânica da comunidade.

Este artigo mostrou, antes de tudo, os efeitos nocivos da desarticulação


das lutas contra a opressão e a necessidade de uma análise que
considere capitalismo, colonialismo e patriarcado como três dimensões
que operam de forma sincronizada para manter as injustiças sobre as
mulheres. A aposta teórica que considera a relação desses sistemas de
dominação permite a Paredes destacar a necessidade de unificar as
estratégias de luta contra essa triangulação de dominação. Em tal sistema
patriarcal se instalam as formas de dominação do capitalismo e do
colonialismo, portanto, entende-se a necessidade de atacar sua estrutura
a partir de uma ação política do feminismo

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comunidade. Nesse sentido, nenhum feminismo que se apresente como


despatriarcalizante pode renunciar às lutas antirracistas, anticlassistas e
não heteronormativas.
Em segundo lugar, Paredes questiona a ligação entre os feminismos
euro-ocidentais e o sistema capitalista, evidenciando que é necessário
desmantelar qualquer forma de opressão do feminismo, para que a
opressão que o capitalismo exerce sobre a natureza seja transformada e
todo feminismo que se nega a dimensão o impacto na natureza é
condenável. Na mesma linha, a mulher boliviana propõe desmantelar a
opressão neocolonial que as feministas Euro-Cidental exercem sobre as
feministas do Sul. Por isso, o feminismo comunitário revela a funcionalidade
que o capitalismo e o colonialismo cultivam no que diz respeito à
opressão das mulheres, especialmente aquelas localizadas
geopoliticamente no sul. Nesse sentido, o feminismo comunitário não
apenas aponta para a articulação de esquemas opressores, mas sua
ação política despatriarcalizadora lhe permite superar outras formas de
feminismo, a partir de uma condição situada, que reivindica o pensamento
originário do sul.
Em terceiro lugar, uma das contribuições mais significativas de
Paredes diz respeito à proposta epistemológica que rejeita qualquer
enquadramento opressor. A noção de comunidade como corpo, junto
com a noção de complementaridade, permite à autora ampliar os sujeitos
do feminismo –incluídos na Pachamama– para estabelecer uma luta
antifragmentária orgânica. Em grande parte, a proposta epistemológica
de Paredes parte da reflexão sobre o uso da linguagem como eixo central
da luta feminista comunitária, razão pela qual a mulher boliviana
reinterpreta tanto as categorias básicas do feminismo –patriarcado,
gênero e opressão–, como como as noções da comunidade aymara –
Pachamama e Warmi-Chacha–.
Por fim, o projeto emancipatório do feminismo comunitário como
alternativa epistêmica, que retoma o conceito de comunidade, abandona
as relações dicotômicas hierárquicas e supera a relação norte-sul ao
propor a comunidade como corpo político transformador. Assim, o
conceito de comunidade permitiu traçar, de acordo com a proposta de
Paredes, uma leitura ontológica da pele.
como alternativa à ontologia relacional, em que nos reconhecemos sem
fronteiras porque somos feitos do mesmo substrato, partilhamos a mesma
pele e viemos da mesma lama.

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PARA

Agradecimentos
Este artigo faz parte do trabalho de discussões da linha de pensamento
Político sulista do grupo Teoria Política Contemporânea (Teopoco) da Uni
Versidade nacional da Colômbia, de onde um exercício de
reflexão e divulgação de propostas teóricas desvinculadas do pensamento hegemônico
europeu e norte-americano. Devemos um agradecimento especial a Sylvia Cristina
Prieto Dávila por seus valiosos comentários nas versões anteriores deste artigo.

PARA

Nataly Guzman Useche


Doutoranda em Direito pela Universidad del Rosario. Mestre em Direito
pela Universidade Nacional da Colômbia e membro do grupo de pesquisa da
Teoria Política Contemporânea (Teopoco) pela mesma universidade. filósofo e abo
bolsa da Universidade Livre.

PARA

Diana Triana Moreno


Doutor em Filosofia pela Pontificia Universidad Javeriana e membro do grupo de
pesquisa Problemas de Filosofia na mesma universidade. Mestrado em Estudos
Sociales da Universidade Pedagógica Nacional. Filósofo da Universidade Livre e
historiador da Universidade de Rosario.

Referências
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Estudos Bolivianos, 15(17), 211-236.
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