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FORUM SOCIAL MUNDIAL/200l


OFICINA ORGANIZADA PELA UNIAO BRASILEIRA DE MULHERES –
UBM --MARXISMO E FEMINISMO

Feminismo Marxista -- Mais que um Gênero, em Tempos Neo Liberais

Mary Garcia Castro1


Rio de Janeiro, janeiro de 200l

Feminismos e a Relação entre o Feminismo e o Marxismo


--um “Caso Mal Resolvido”-- 2

O marxismo--como teoria científica e um movimento social crítico das sociedades


de classe, em particular contra o capitalismo--e o método histórico dialético, vêem
informando o feminismo, em seus múltiplos desenhos conceituais e práticas discursivas,
inclusive tendências que, ontem, explicitamente o rejeitaram, e que hoje, reconhecem-se
como ‘pós’ (pós estruturalista, pós marxista e pós feminista)3.
1
Socióloga, coordenadora da área de pesquisas da UNESCO-Representação no Brasil; pesquisadora da
Universidade Federal da Bahia, Centro de Recursos Humanos; pesquisadora associada da Universidade
Estadual de Campinas, Centro de Estudos de Migrações Internacionais; Bolsista do CNPq e Membro da
diretoria da UBM-União Brasileira de Mulheres.
Uma primeira versão, reduzida, deste texto, foi publicada In Crítica Marxista 2000, n ll, p 98-l08
Agradeço os comentários críticos sobre essa versão apresentados por Caio Navarro de Toledo e por Regina
Simões.
2
“Marxismo e Feminismo. Um caso mal resolvido” foi título de Mesa Redonda, organizada por Karin
Giffin e Regina Simões (Núcleo de Gênero e Saúde, ENSP/FIOCRUZ), em 15 de dezembro de 1999, em
que alem das organizadoras, participamos Heleieth Saffioti e eu. Este texto em muito se enriqueceu dos
debates propiciados por essa Mesa.
3
O pós feminismo não rejeita, mas se apresenta como uma virada na teoria feminista. A recusa do
feminismo, especialmente por jovens estudantes universitárias, autores da critica cultural e artistas na Europa,
é mais visível, tomando formato de movimento que explicitamente se declara contra o feminismo, a partir de
1990—já então também nos EE.UU . Critica-se ao que se identificaria como ‘postura feminista’, i.e., o
‘policiamento’ da sexualidade e a redução da mulher à vitima. Afasta-se de conceitos como patriarcado,
gênero ou distinções entre o feminino e o masculino, e da ênfase em relações entre tais constructos (própria
do conceito de gênero), e em gênero, também se critica o que se considera o ocultamento da homo e da bi-
sexualidade. Celebra-se as diferenças culturais (o que herdam também do pós estruturalismo), e, na esteira
do pós modernismo, rejeita-se o capitalismo, mas no plano discursivo. Rejeita-se também o marxismo, ou o
que se entende (ou não) como tal. Na linguagem pós (o que vale para as demais tendências com tal eixo) o
marxismo é caricaturado como perspectiva ‘economicista’, totalizante, que ao enfatizar a igualdade,
tenderia a homogeneizar experiências e a considerar que só haveria um sujeito na revolução, o proletariado
(alias, revolução também é abolida do léxico dos ‘pós’, seria uma ‘meta narrativa’ incompatível com uma
ideologia que preza um “eterno presente”, move-se na “luta discursiva” ou seja “na luta pelo controle dos
termos e regras do discurso”, e rompe com a “unidade teoria-e-pratica marxista e a revolução como
processo”—textos aspados, de Frederic Jameson “Cinco teses sobre o marxismo atualmente existente”. In:
Ellen Meiksins Wood e John Bellamy Foster (orgs.) Em Defesa da História. Marxismo e Pós-Modernismo.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1999 ). Ver, sobre pós feminismo, Shopia Phoca e Rebecca Wright
Introducing Postfeminism New York, Totem Books, 1999.
2

O marxismo nos debates feministas, é aquele texto fantasma, o outro, que se aceita,
critica-se, mas que não se ignora, porque epistemologicamente está imbricado com seus
princípios identitários. Tanto no marxismo como no feminismo, haveria a preocupação por
questionar relações desiguais, socialmente construídas e reconstruídas em embates de
poder (no caso do feminismo, entre os sexos e pela institucionalização da supremacia
masculina). Em ambos conhecimentos ressalta-se o projeto por negação de propriedades,
expropriações e apropriações (no caso do feminismo, tanto do valor produzido pelo
trabalho das mulheres, socialmente reconhecido ou não, como de seu corpo, voz, re- e
apresentações). Compartem também, o marxismo e o feminismo, a ênfase na materialidade
existencial (para alguns feminismos, a vida cotidiana, para outros, a textual, e para outros
ainda, o cenário histórico—hoje, o capitalismo em formato neoliberal), considerando que
essa materialidade se sustenta por práticas em um real vivido e um real idealizado e
ideologizado (em instituições, no privado e no publico e na micropolitica das relações
sociais). Por outro lado, advoga-se, tanto no marxismo como no feminismo, a possibilidade
de mudanças acionadas por sujeitos, pautando-se portanto, por investimento em realizar
uma utopia humanista—vetor que anima até as versões mais domesticadas (liberais) do
feminismo, ainda que nelas se limite o horizonte da utopia a uma agenda de defesa por
diferenças, por igualdade de oportunidades e direitos, para as mulheres--direitos “sem
investimento nas condições materiais que tornariam possível o exercício dos direitos”4, ou
direitos para algumas mulheres.

A referencia no feminismo de corte liberal e social democrata, e mesmo no dito


‘radical’ (porque destacaria sexualidade e diferenças5), é uma mulher genérica, desterrada

Se o ‘pós feminismo’ é ainda importado de pouco uso no Brasil, o mesmo não se pode dizer da influencia do
pós estruturalismo e do pós modernismo no feminismo que tem lugar na academia. Ao contrario, correntes do
feminismo informada por tais tendências viriam ampliando sua legitimidade hoje em vários departamentos e
centros de estudos sobre gênero e mulher, assim como na mídia feminista acadêmica.
4
Carol A Stabile “Feminism and the Ends of Postmodernism” In Rosemary Hennesy e Chrys Ingraham
Materialist Feminism. A Reader in Class, Difference and Women’s Lives. Routledge, Londres. 1997 . A
autora critica a retórica dos direitos, lembrando Rosa Luxemburgo, que criticaria a defesa do direito das
nações a auto determinação por não ser, como aparentaria, uma orientação política para a questão
nacionalista, mas uma maneira de evitar a questão. Corre no mesmo sentido, falar sobre o direito ao aborto,
ou o direito à maternidade, sem referencia aos meios materiais para seu exercício.
5
O termo ‘radical’ tem sentido instável. Nos EE.UU. nos anos 70 era usado por organizações do movimento
de liberação das mulheres para se auto distinguir do que consideravam um feminismo liberal, que atuaria
associado a instituições da direita e da esquerda, como estruturas governamentais, poder parlamentar e
sindicatos, e que por extensão se associavam ao que era considerado também parte da “supremacia
3

da classe-e-raça. Mas em tendências no feminismo socialista que se pautam por leituras


acríticas do marxismo, também se aporta à uma mulher proletária genérica, sem circulação
na raça ou em outras identidades marcadas por sistemas político-econômico-culturais de
opressões. As relações sociais entre os sexos—vetor do conceito de gênero—se bem que
socialmente demarcadas, portanto, condicionadas pela estrutura de classes, pela luta de
classes e pelo lugar das mulheres na classe, não definiriam sujeitos sexuados, homens e
mulheres, nem os sujeitos sexual/socialmente se autodefinem, apenas no plano da
organização da economia.

Tal chamada aqui bastante simplificada, é repisada há muito, em vários trabalhos


de autores feministas que buscam “rearticular gênero e classe social”6, em especial nos anos
80. Faz parte de texto considerado paradigmático para a inserção do conceito de gênero, ou
como melhor pretendia sua autora, Gayle Rubin7, do sistema de sexo/gênero, as análises
sobre a singularidade da condição feminina, considerando uma programática utópica de
uma sociedade sem hierarquias, com um sistema de diferenças sexuais mas não de gênero
(tese também que provocou debates entre feministas –ver trabalhos citados na nota 6,
publicados In Oliveira Costa e Bruschini 1992 ).

Argumento que a relação entre o marxismo e o feminismo é importante na


trajetória do feminismo, quer como conhecimento teórico, quer como prática, ou seja, sua
identificação como um movimento social por mudanças. Argumento também que tal
relação enriqueceria o marxismo, contribuindo o feminismo para o debate que nele se trava
masculina”. Na América Latina por um período chegou a prevalecer tal sentido de separação total, frente a
instituições mistas. Hoje, muitas feministas auto denominadas radicais, se continuam criticas de instituições
da esquerda, e contra militança de tipo partidista, não seriam tão severas com outras, negociando com
agencias internacionais, da ordem capitalista, por exemplo.
6
Heleieth I.B. Saffioti “Rearticulando Gênero e Classe Social” In Albertina de Oliveira Costa e Cristina
Bruschini (orgs) Uma Questão de Gênero. São Paulo 1992. Nesse volume, também discutem essa
articulação, por posturas próprias, outros autores como Mary G. Castro e Lena Lavinas “Do Feminino ao
Gênero: a Construção de um Objeto”; Lia Zanotta Machado “Feminismo, academia e interdisciplinaridade” e
Maria Luiza Heilborn “Fazendo Gênero? A Antropologia da Mulher no Brasil” . Essas duas ultimas autoras,
distanciando-se do marxismo. Heleieth Saffioti é autora pioneira no Brasil em uma abordagem que recorre ao
marxismo sobre a situação da mulher—Heleith I.B. Saffioti A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e
Realidade. São Paulo Livraria Quatro Artes Editora.1969. Com extensa e renovada produção, viria
colaborando também para com o conhecimento marxista, integrando outros aportes, como da psicanálise e
insistindo hoje, em caminho, de escasso investimento no feminismo, inclusive a nível internacional, o debate
ontológico sobre a natureza das relações entre o sexo, para o que recorre a critica leitura de Luckaks—
Heleith I.B. Saffioti Gênero e Patriarcado, 2000, não publicado
7
Gayle Rubin “The Traffic In Women: Notes on the ‘Political Economy’ of Sex” In: Rayna Reiter (org.)
Toward an Anthropology of Women. Monthly Review Press. New York 1975
4

sobre as múltiplas determinações do real. É sugestivo para tais argumentos, destacar que
Rubin inicia a defesa do caráter relacional das identidades sexuadas e nessas de construções
pautadas pela organização da sociedade, frisando que para Marx o que distinguiria um
escravo de um não escravo não seria nenhuma característica naturalizada. Por outro lado,
tal distinção dependeria do lugar das relações sociais (no caso, entre escravo e amo) na
estrutura de poder e na produção de riquezas e de cultura, em um tempo, em uma
determinada sociedade. Desta forma, com o conceito de gênero, pretende-se ampliar o
debate para as relações sociais e se sugere que, se as relações sociais são várias e se
autocondicionam, então, tanto classe como gênero, de per si, seriam referências
insuficientes para dar conta do real, inclusive do real imaginado (ideologias)—questões que
serão elaboradas posteriormente, por autoras da diáspora africana e migrantes latinas nos
EUA, ao introduzirem também as relações de raça, de etnicidade e de codificação da
sexualidade8

Com o conceito, o de gênero, pretendia-se uma alternativa a um viés naturalista e


segmentado, aportado em indivíduos em si (mulheres e homens). Gênero mais apontaria
para relações sociais, portanto apelando para sua dialética articulação com outras relações,
ou seja um estruturante da totalidade social,9 que permitiria sair das dicotomias entre o
especifico e o universal, entre a produção e a reprodução, entre o subjetivo e o objetivo
(que tanto contaminaram os debates sobre a ‘questão da mulher),. Ironicamente, o conceito
de gênero, hoje, é congelado, reduzido a termo de posição, e como tal, é peça chave no
investimento das agenciais internacionais por apoio a um sistema de organizações não
governamentais (ONGs) que lidariam com direitos das mulheres, sem subverter, ao
contrario, o edifício de relações sociais que se realizam no capitalismo e seus princípios
motores, como: hierarquia, competição e apropriação privada em proveito de alguns.

8
É trabalho de citação comum, dessa rica e crescente produção, nos EE.UU., a antologia organizada por
Cherrie Moraga e Gloria Anzaldua (eds.) This Bridge called my Back. Writings by Radical Women of Color.
Watertown. Persephone Press. 1983
9
Neste sentido, sugerindo aproximação à formulação marxista de que “a sociedade não consiste de
indivíduos, mas expressa a soma de relações, de relações nas quais se encontram os indivíduos” (Marx cit in
Carol A Stabile “Feminism and the Ends of Postmodernism” In Rosemary Hennessy e Chrys Ingraham
(eds.) “A Reader in Class, Difference, and Women’s Lives: Materialist Feminism” New York. Routledge.
1997
5

Na Europa e nos EEUU, no final da década dos 70, e também na América Latina,
aparecem uma serie de publicações feministas que se apoiariam em categorias do
materialismo histórico, para explicar a situação da mulher, em especial, no mercado de
trabalho capitalista, discutindo limites da teoria do valor e da dicotomia trabalho produtivo
e não produtivo. Nessa fase, ocorreu também um criativo debate sobre os conceitos de
produção e reprodução, o valor do trabalho domestico e a relação entre divisão sexual e
social do trabalho. Também muito se discutiu sobre pontos de contato e de distanciamento
com as formulações de Althusser sobre ideologia10.
Materialismo feminista é expressão que se adota para qualificar uma tendência no
feminismo, que privilegiaria os seguintes eixos de questões: 1) sobre a especificidade da
mulher em relação a categorias que se aceita como pertinentes na critica ao capitalismo,
como, classe e processos de trabalhos; e 2) sobre os nexos, formas de relacionar a
transformação do capitalismo e a emancipação de mulheres e homens, e como em tal
processo, enquadrar-se-ia uma apreciação critica sobre a família (ou seja não apenas locus
de reprodução da força de trabalho, mas também de reprodução da subordinação feminina).
Engels é citado por diversos autores daquela tendência, como relevante para, pela analise,
da reprodução, avançar além de uma linear apreciação sobre o valor econômico da mulher
como força de trabalho, associando-se sua regulação por lógica de mercado (a produção),
por processos que não necessariamente se originariam em tal lógica, ainda que por ela
sobredeterminado (a reprodução)—forma de articulação que mereceu amplo debate, sendo
porem consensual que a subordinação da mulher haveria que ser analisada historicamente,
pois cada modo de produção daria sentido tanto a produção quanto ã reprodução e suas
articulações. Segundo Engels:
De acordo com a concepção materialista, o fato determinante na história, é, em ultima
instancia, a produção e a reprodução da vida imediata. O que, também, teria um caráter
duplo: por um lado, a produção dos meios de existência, da comida, da roupa, do abrigo e

10
Juliet Mitchell seria pioneira na tentativa de historicizar o conceito de patriarcado, relacionando debates
freudianos e marxistas e recorrendo a Althusser para flexibilizar a compreensão sobre totalidade ou seja,
afastar-se do enfoque mecanicista sobre base e superestrutura, acusado, por feministas, como negativo para
analises sobre a situação da mulher, por tal enfoque enquadrado como relacionado a contradições não
essenciais e situar-se no plano da cultura, da superestrutura. Para Mithchel, o patriarcado—odenação da
subordinação da mulher, atuaria ao nível do inconsciente e não necessariamente seria atrelado a realização do
capitalismo. Hoje, outras autoras feministas que recorrem criticamente a Althusser, como Judith Butler e
Teresa de Lauretis, mais se enquadram no campo de um feminismo afinado ao deconstrucionismo e ao pós
estruturalismo. Ver sobre Mitchel In Annette Kuhn e Ann Marie Wolpe (eds) Feminism and Materialism:
Women and Modes of Production. Routledge e Kegan Paul. Londres. 1979; Judith Butler
6

das ferramentas necessárias para aquela produção; por outro lado, a produção dos seres
humanos, a propagação da espécie” 11

. Tais referencias sobre alguns discursos do feminismo materialista nos anos 70 são
curtas para o registro da diversidade dos debates, mas ilustrativas de um período de
intensivo dialogo entre o feminismo e o marxismo12. O final da década de 80 é de
retrocesso na dinâmica da produção marxista (mas já nos anos 90 tal produção se
revitaliza), o que também reverbera na relação entre o marxismo e o feminismo, no campo
de produção teórica, em distintos países. Se na literatura dos anos 70, corpus analíticos
privilegiados seriam a estrutura social, a relação entre produção e reprodução, o valor de
diversos tipos de trabalhos mais desempenhados pelas mulheres, e o conceito de
patriarcado, já na no final da década de 80, tender-se-ia a marginalizar as análises sobre
trabalho e gênero em favor de práticas culturais, dos significados do corpo, de prazeres.
Na esteira de desencantos com projetos libertários, com os retrocessos do
‘socialismo real, a estrutura social do capitalismo em classes perde intensidade de
referencia na produção feminista em favor de análises “da vida social em termos de
contingências, relações de forças locais, identidades micro territorializadas, ou discursos,
ressaltando-se disputas por representações” 13
O termo materialismo passa a ser
resignificado por varias autoras feministas no plano de um “materialismo culturalista” 14, o
que não se confundiria com o debate de feministas marxistas sobre cultura:
“Em contraste com as feministas culturalistas, as feministas socialistas, marxistas e
materialistas não consideram cultura como uma totalidade da vida social, mas como uma
das arenas da produção social e por conseqüência uma das áreas de luta feminista”15

Para alem dos limites deste texto, está a análise das tendências pós estruturalistas e

11
F Engels The Origin of the Family, Private Property and the State. Lawrence & Wishart. Londres. 1972:
p 71, citado, entre outros em: Annette Kuhn e AnnMarie Wolpe, op. cit.
12
Sobre a heterogeneidade, da produção feminista que recorreu a referencias criticas ao marxismo até
meados dos anos 80, ver, entre outros, Annette Kuhn e Ann Marie Wolpe, op. cit.; Karen V. Hansen e Ilene J.
Philipson Women, Class, and the Feminist Imagination. A Socialist-Feminist Reader. Temple University
Press, Philadelphia. 1990; Rosemary Hennesy e Chrys Ingraham Materialist Feminism. A Reader in Class,
Difference and Women’s Lives. Routledge, Londres. 1997
13
Rosemary Hennesy e Chris Ingraham, op. cit.-p. 5
14
“No materialismo culturalista rejeita-se uma analise sistêmica, anti-capitalista, e a relação entre historia da
cultura e a construção de significados em um sistema social de classes” Rosemary Hennesy e Chris Ingraham
op. cit. P 5. As autoras notam que muitas das autoras que hoje defenderiam essa corrente antes eram
identificadas como feministas socialistas, como Michelle Barret, Drucilla Cornell, Nancy Fraser, Donna
Haraway, Gayle Rubin e Iris Young.
15
Rosemary Hennesy e Chris Ingraham op. cit-p 7
7

pós modernistas no feminismo--agenda importante para os marxistas--, o que exigiria


ultrapassar rotulações depreciativas sobre tais correntes, e considerar as condições
materiais e históricas em que surgiram, situando-as em contexto de duros golpes para as
esquerdas, para os projetos libertários, em geral, e o fortalecimento do capitalismo tardio.
Ainda que se reconheça que tais tendências não são conservadoras, nem se
definam como pró-capitalistas, elas não se propõem identificar agências e sujeitos de
mudanças. Inclusive, algumas vertentes, rejeitam a centralidade proposta no marxismo,
para a classe proletária16 e projetos de revoluções sociais, não pretendendo ir além de
críticas textualizadas, e muitas vezes, não contextualizadas. Por outro lado, podem dar
margem a posturas cínicas de descomprometimento com a barbárie do capitalismo atual,
via uma posição blasé, de indiferença e distanciamento, ou contribuir para o ocultamento
de contradições, explorações de classe, ao advogar no abstrato por fragmentação,
pluralidade, diversidade, sem nomear poderes e privilégios de classe ou na raça.
Ora, com tal agenda, é muito tênue a fronteira entre territórios, o que é criticado por
autores ‘pós’ (a sociedade de consumo) e o sentido social do que produzem: uma literatura
de consumo, de moda. Por exemplo, em tais formulações sobre políticas de identidade, é
comum a defesa sobre o quão descartável seriam as identidades, uma vez que o ideal seria
o descompromisso, o transito nômade entre identidades. Carol Stabile sugere outra
avenida, na contra mão do deslumbramento ‘pós’ com o esgaçamento social e a indefinição
de sujeitos e projetos:
“Mas do que considerarmos a fragmentação e a proliferação de identidades como sintoma
de fracasso do marxismo ou como causa para otimismo político, devemos considerar como
a globalização do capitalismo como um sistema mundial e mudanças no fluxo de capitais
de fato produziram tais efeito, e suas relações com a segmentação de mercados,
individualismo e mercantilização de estilos de vida e das culturas, e estratégias de oposição
a tais processos”17

16
E. Laclau e C. Mouffe, hoje, seriam destacados autores que postulam por critica ao marxismo, a
diversidade de sujeitos e a recusa da centralidede de uma analise baseada na classe, (considerada uma
categoria “essencialista”) advogando potencialidade na fragmentação de movimentos sociais em torno de
varias identidades, por agregações nômades, articulações tópicas, sem projetos “a priori”. Esses autores
viriam influenciando significativamente correntes feministas pós estruturalistas e pós modernistas nos EE.UU
e na América Latina, inclusive no Brasil. Para uma critica feminista marxista desses autores, ver Carol A
Stabile “Feminism and the Ends of Postmodernism” In Rosemary Hennesy e Chrys Ingraham, op.cit. Stabile
destaca como naqueles autores re-estabelece-se o idealismo, e subtilmente se descentraliza a classe—operaria
—como sujeito de transformação social, e se estabelece em seu lugar, como outra classe, os intelectuais, uma
fração de classe media (na luta discursiva, textual).
17
Carol Stabile op. cit. P 405
8

Rosemary Hennesy e Chris Ingraham, op. cit., sugerem que a recusa dessas
correntes por aquelas que investem na utopia de projetos para a humanidade, como a
feminista marxista, deveria também passar por melhor analisá-las, em seu contexto original
(países de capitalismo avançado)—e.g. a impotência diante das mudanças tecnológicas, a
importancia dos meios de comunicação na produção de sentidos, representações, a
complexidade de apreender a mecânica do capitalismo em fase de globalização, a
diversidade de pólos de contestação por identidades fragmentadas e as criticas a praticas
partidistas autoritárias-- e, complemento, melhor entender as viagens e naturalizações das
correntes ‘pós’ em países como o Brasil, açoitados econômica e culturalmente pela
formatação neoliberal do capitalismo globalizado, combinando modernidades e
tradicionalismos.
É sintomático que as correntes ‘pós’ venham encontrando mais eco no feminismo
produzido no mundo acadêmico, em ONGs de estrutura quase empresarial, sem
reverberações em movimentos sociais e organizações de base popular—tema em aberto a
ser melhor pesquisado e assumido como fronte de disputa de sentidos, de conhecimento,
um debate político ideológico ainda tímido.18
Em particular, considerando a importancia potencial dos estudos feministas e de
gênero nas universidades, e sua atual contribuição para o questionamento de viesses
sexistas nas ciências sociais, por exemplo, e o razoável acervo de estudos de casos por
outros olhares, mais atentos à cotidianeidade das mulheres e orientado para a diversidade de
situações, combinando por exemplo analises de relações sociais de gênero e aquelas
pautadas por codificações raciais, analises sobre identidades e diferenças.
Entretanto, a produção acadêmica feminista de corte marxista, hoje no Brasil, é
escassa e aquela que busca combinar gênero, raça e classe, mais abundante, caracteriza-se
por rico acervo em estudos de casos, investimento teórico especialmente sobre gênero e
raça—com lacunas sobre gênero na classe e a complexidade das teias de relações entre
gênero, classe e raça, se entendidos não somente como linguagens culturais, no plano de
acervo, ou do existente. Mas também como expressões culturais ativas, de rebelião,
singulares e não somente ‘relações sociais discursivamente construídas’, enfocadas por
18
Debate que no Brasil vem sendo assumido por Heleith Saffioti (2000 op cit.). No plano de critica ao
enfoque de políticas de identidade, ver Mary Garcia Castro “Palavras em Busca De Corpos E Terras --
Identidades, Identificações, Políticas de Identidade--Leituras À Esquerda” In Cadernos do CRH. Salvador.
UFBA. 200l, no prelo
9

indicadores de posição. Não bastaria portanto ressaltar linguagem ou relações sociais, se


não se aporta materialidades, questionamentos além da reprodução, ou seja, a
complexidade da produção das relações sociais , e nestas, sistemas estruturantes de poder
ancorados em uma formação econômico social especifica—mediações pouco exploradas
quanto a correlação de forças.
Há que separar a critica sobre correntes ‘pós’ do necessário reconhecimento de que
há que mais investir no debate sobre cultura, gênero e feminismo, em perspectiva feminista
marxista—não ao azar viria se reinvestindo em Gramsci, nas analises marxistas sobre o
ethos neoliberal--tema que foge do horizonte deste texto.

. A expressão feminismo materialista só aparece com tal denominação na literatura


que data dos anos 70, segundo Rosemary Hennesy e Chris Ingraham, que destaca a
publicação de Annette Kuhn e Ann Marie Wolpe, op.cit., entre outros (ver nota l2), por
outro lado. Mas tal expressão é subsidiária (inclusive para redirecionamentos críticos) de
pioneiros, comunistas, que durante o processo da revolução russa, defenderam a
propriedade de singularizar direitos das mulheres, como Isaac Bebel, Clara Zetkin e
Alexandra Kollontai19. Autores como Kollontai, já sublinhavam a importância da cultura e
de temas, hoje elencados como próprios de um feminismo ‘pós marxista’ como
sexualidade, corpo, afetos e subjetividade. Kollontai, por muitos anos ignorada na ex
URSS, é destacada hoje na trajetória do feminismo socialista ocidental. Alem de dirigente
política, e teórica destacada sobre estratégias organizacionais dos Bolsheviks, deixou obras,
em vários gêneros, como da literatura, criticas à família, ao lugar da mulher nessa e da
“moralidade burguesa” sobre sexualidade e amor (atravessou épocas suas reflexões sobre a
incompatibilidade entre a criatividade amorosa para as mulheres e a estrutura da família
tradicional), alem de buscar um estilo de vida libertário que chocava com os padrões da
época e o conservadorismo, sobre sexualidade, dos camaradas, ilustrando a propriedade das
criticas das socialistas feministas, em épocas posteriores, sobre a incompatibilidade entre
estruturas partidárias burocráticas, mesmo de corte socialista, e criatividade, que também se
alimenta da subversão libertaria de uma sexualidade dialógica, ou seja, comunicação por

19
Ver em Rosemary Hennesy e Chris Ingraham, op. cit. , referencias a um amplo elenco de autores que
contribuíram ao longo da historia para as correntes feminista marxista, feminista materialista e feminista
socialista. Cada uma dessas correntes tem especificidade própria, e de comum, um relacionamento critico com
o marxismo
10

trocas, pautada no aceite de diferenças, experiências de corpos, fantasias próprias. Kollontai


deixou pistas exploradas por posteriores marxistas, sobre a ‘coisificação do corpo da
mulher’ e a mercantilização dos sentimentos.20

Marxismo e Feminismo, Esquinas e Cruzamentos


A chamada para o trânsito de dupla via entre marxismo e feminismo21, ou a defesa
de que um feminismo marxista é mais que um gênero de feminismo, também contribuindo
ao campo marxista, apóia-se na história recente de uma nova esquerda, mais atenta à
diversidade das relações sociais na vida cotidiana, aos distintos impulsos dos indivíduos
para o envolvimento ou não em mudanças sociais, para a plasticidade da cultura, em
particular em tempos em que conhecimento, informação, linguagem, afetos e comunicação
são dimensões sociais importantes de constituição sistêmica, na produção de valor de
trabalho que se afirma, o que viria, no campo marxista, sendo destacado, ou seja a
importancia do ‘trabalho imaterial’.
O dialogo entre o feminismo e as elaborações contemporâneas do marxismo, assim
como em tal dialogo, apreensões criticas de formulações pós estruturalistas, passa por
mais aprofundar sobre o marxismo hoje, o que também demandaria outro texto. De fato
este outro tema oculto neste texto—critica as simplificações que se faz sobre o marxismo
não lido (os clássicos e os contemporâneos)-- pedindo mais investimentos para debates
sobre contemporaneidade, crise de modernidade e formatações pós, as atuais elaborações
no marxismo. Tema que adverte que não necessariamente ‘pós’ é rotulo para a morte do
sujeito ou para recusa do marxismo ou que linguagem é propriedade de correntes pós
estruturalistas. Marxistas italianos vem se destacando na elaboração contemporânea sobre
“trabalho imaterial”. Segundo Hardt e Negri (que desenvolvem tal elaboração) viria se
gestando uma “nova teoria da subjetividade” e uma “nova teoria do valor”, com ênfase nos
movimentos populacionais transnacionais (a questão da “cidadania global”), no sentido de
construção de um movimento contraegemonico `a globalização capitalista, ou a liberdade
20
Ver Alexandra Kollontai Selected Writings. Londres. Allison & Busby. 1977. Sobre a relação entre
capitalismo e limites para uma sexualidade baseada em descobertas, comunicação dialógica, ver Enrique
Gonzalez Duro “La Dialectica del Placer”. In El Viejo Topo, n 41, Madri, fevereiro 1980.
21
Sobre feminismo e marxismo, , ver, além de autores citados nesta seção, trabalhos publicados na revista
“Crítica Marxista” 2000, n ll, por outras autoras brasileiras, a saber: Clara Araújo, “Marxismo, Feminismo e
o Enfoque de Gênero”; Heleieth Saffioti “Quem tem medo dos Esquemas Patriarcais de Pensamento?”;
Lelita Oliveira Benoit “Feminismo, Gênero e Revolução”; e Maria L ygia Quartim de Moraes “Marxismo e
Feminismo: Afinidades e Diferenças”.
11

de circulação exclusivamente para o capital, e naqueles aspectos do trabalho imaterial em


economias contemporâneas (a referencia são países de economia avançada), a seguir
anunciados nas palavras dos autores. Mas antes da citação, o alerta para a importancia de
tal debate inclusive para o feminismo mais atento aos corpos e aos afetos, a formatações da
existência por seu controle:

[ São constituintes do trabalho imaterial, hoje:] O trabalho comunicativo da produção


industrial que recentemente viria cada vez mais se vinculando a redes informacionais; o
trabalho interativo de analises simbólicas e resoluções de problemas e o trabalho da
produção e manipulação dos afetos. Este terceiro aspecto, com seus foco na produtividade o
corpóreo, o somático, é um elemento importante de redes contemporâneas da produção bio-
política. O trabalho de tal escola e sua analise sobre o intelecto, em geral, marca um passo
adiante, mas há que cuidar contra ingenuidade [e deslumbramentos] quando tais elementos
são considerados em estado puro. Em ultima instancia, tal nova concepção também apenas
aranha a superfície da dinâmica da produção de um quadro teórico sobre o bio-poder [o que
é desenvolvido pelos autores em elaborações sobre uma ‘ontologia da produção’.22

Hardt e Negri (2000) reconhecem entretanto a importancia da critica a tal paradigma


que enfatiza o trabalho imaterial, que é feita por Spivak (l988)23 (feminista marxista que
bem acessa, criticamente o pós estruturalismo), ou seja, que tal renovação do conceito de
valor, mesmo em linha marxista, pode bem funcionar, hoje, em “países dominantes” e em
“teorias feministas de tais países”, mas que por outro lado, seriam inadequadas ou
descontextualizadas, quando a referencia são “regiões subordinadas” (Spivak, cit. In Hardt
e Negri. op.cit.).
A adequação histórica dos conceitos, o cuidado com os trânsitos, bem cuidados por
Spivak, não necessariamente ocorre com feminismos que na América nossa, deslumbra-se
com debates e tendências em países centricos. Hardt e Negri, além de reconhecer a
propriedade da advertência de Spivak, explicitam a divida de novos aportes marxistas para
com correntes do feminismo:

De fato, desde um ponto de vista metodológico, afirmamos que as mais complexas


formulações que vem sendo apresentadas sobre uma critica da biopolítica são
encontradas na teoria feminista, em particular nas teorias feministas marxistas e
socialistas que focalizam o trabalho da mulher, o trabalho afetivo e a produção de um
bio poder. Tais formulações tem contribuindo para renovar criticamente a

22
Michael Hardt e Antonio Negri “Empire” Londres, Harvard University Press. 2000-p 30
23
Gayatri Spivak “In Other Words: Essays in Cultural Politics”. New York. Routledge. 1988, p l62
12

metodologia das escolas européias de corte ‘obrerista’ (Hardt e Negri, 2000: 423. Eu
destaquei.)

Mas não é nova, a atenção para a potencialidade do feminismo para a critica ao


capitalismo. A defesa da potencialidade radical do feminismo está, entre outros, em escritos
de Marcuse que em 1977 publicou artigo com o sugestivo titulo “Feminismo Socialista, o
Núcleo dos Sonhos”. Porém, aparto-me desse autor quando ele separa a utopia dos
processos da utopia sobre outras estruturas, quase naturalizando as mulheres como
portadoras de sentimentos e moral superiores, idealizando posturas perante o poder, como
se as mulheres não estivessem afetadas por interesses de classe e ambições
individualizadas. Marcuse usa a expressão “feminismo socialista” de uma maneira
particular, configurando a utopia de construção de um socialismo que apreenda qualidades
que ele considera como próprias da mulher (não por natureza, mas por condicionamentos
sociais) e que seriam radicalmente contrárias a uma lógica capitalista. Assim, defendendo
tal feminismo socialista, afirma Marcuse que este se pautaria pela seguinte crítica:

“..al "principio de rendimiento" [la productividad] , al reino de la racionalidad funcional


que rechaza toda pasión; la doble moralidad; la ‘ética del trabajo’ que significa para la
gran mayoría de la población la condena a un trabajo alienado e inhumano; y la voluntad
de poder, la imposición de la fuerza y la virilidad. Según Freud, esta jerarquía de valores
refleja una estructura mental en la cual la energía agresiva primaria tienda reducir y
debilitar el instinto vital, es decir, la energía erótica...

Angela Davis habla de la función revolucionária de las mujeres como antítesis del
‘principio de rendimiento’, en un artículo escrito desde la prisión de Palo Alto: Las
Mujeres y el Capitalismo, diciembre de 1971. Las principales condiciones que son
favorables a tal desarrollo son: reducción del tiempo de trabajo; producción de un
vestuário poco costoso y agradable; victoria posible sobre la penúria; liberación de la
moral sexual; control de los nacimientos y educación” 24.

Há autores que advogam que o feminismo, se entendido quer como movimento pela
igualdade entre homens e mulheres, quer por identidade de diferenças, seria como o
marxismo, também um conhecimento subsidiário do Iluminismo, mas que pouco teria a
ver com o marxismo revolucionário, e sim mais se associando ao liberalismo, ainda que
defendamos, feministas marxistas, de que se o feminismo é entendido como movimento

24
Herbert Marcuse “Socialismo Feminista: El Núcleo del Sueño” In Susan Sontag, Julia Kristeva, et al. El
Feminismo, Nuevos Conceptos. Bogotá. Ed. Hombre Nuevo.1977-p 220-21
13

contra a exploração e a opressão das mulheres, quer na cultura quer na economia política,
então tal projeto libertário, só teria viabilidade em uma revolução de emancipação da
humanidade 25
(o que não significa que automaticamente de uma revolução socialista se
realize a emancipação das mulheres) (Barret 26).
É longa e acidentada a relação entre o marxismo e o , ou feminismos, assumindo
contornos próprios em diferentes épocas, historia que aqui se simplifica, e que se conta com
cores próprias também, ou de um lugar, desde uma literatura contra corrente, do feminismo
marxista, defendendo, primeiro, que em alguma medida muitas das criticas feministas
clássicas ao marxismo, como a de que esse tenderia a um economicismo que não daria
conta de vetores da subordinação das mulheres, seriam melhor dirigidas contra um tipo de
marxismo, ou não marxismo, i.e., sua leitura funcionalista e vulgar.
Lembra Loreta Valadares, rebatendo as criticas feministas mais comuns, ao
marxismo, que já Engels haveria recusado a rotulação do marxismo de economicistas27.
25
Sobre emancipacionismo, na literatura feminista brasileira contemporânea, destaca-se a produção de autoras
marxistas que colaboram com a revista Presença da Mulher (da União Brasileira de Mulheres), e.g.; Loreta
Valadares, Olívia Rangel, e Clara Araújo. Por exemplo, em Ana Rocha “Editorial”. In Presença da Mulher, n
29, São Paulo 1997 lê-se:

“De fato se o foco é trabalho, e acesso a serviços de saúde e educação, o principio de igualdade segundo
necessidades, mais encontrou chão em sociedades que experimentaram o socialismo real. Em países como a
ex URSS, e hoje, em Cuba, índices como mortalidade materna, escolaridade de nível superior e atendimento
pré e pós natal, por exemplo foram, são, aí mais favoráveis as mulheres, que os vigentes em países capitalista
em igual patamar quanto a desenvolvimento econômico. Também a sobrecarga com trabalhos domésticos, a
questão da violência domestica e no trabalho (assedio sexual) foi contemplada com legislação pioneira. Por
outro lado, se o debate sobre emancipação da mulher entranha-se por relações na família, relações
interpessoais, sexualidade, subjetividade e diferenças, e extrapola a base material publica de serviços, o
terreno volta a ser mais escorregadio, o que leva a questionar mais uma vez, a propriedade de impor ao
marxismo, ou ao socialismo (e não só a suas realizações ou ao socialismo atualmente existente, ou até
recentemente, caso da URSS) ou ao nível de Estado, uma propriedade voluntarista, ou leitura positivista, em
termos de agencia suficiente para regular a complexa relações entre os sexos e perfilhação de identidades.”
26
Michelle Barret “Feminismo”. In Tom Bottomore (ed.) A Dictionary of Marxist Thought . Cambridge,
Harvard University Press. 1983. Note-se que Barret, até os anos 80 , definia-se como feminista socialista e
em trabalhos posteriores, alinha-se a postura deconstrucionista em analise de discurso. Ver naquele trabalho
de Barret, relato síntese da trajetória de tendências do feminismo
27
Loreta Valadares, autora feminista marxista, com vários trabalhos publicados no Brasil, nas revistas
“Presença da Mulher” e “Principios” observa: “E nada melhor do que Engels para responder à questão [a
critica de economicista], o que fez em 1890, em carta a Bloch, em longo e preciso esclarecimento: “(...)
segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância, determina a história é a
produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez sequer, algo mais que isso. Se
alguém o modifica, afirmando que o fato econômico é o único fato determinante, converte aquela tese numa
frase vazia, abstrata e absurda. A situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que
se levanta sobre ela – as formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez
vencida uma batalha, a classe triunfante redige, etc., as formas jurídicas e inclusive os reflexos de todas essas
lutas reais no cérebro dos que nelas participam, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e
o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num sistema de dogmas – também exercem sua
influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua forma, como fator
14

Reconhece-se que no capitalismo, as mulheres da classe operaria e entre essas, as


mulheres negras, teriam suas condições de vida singularmente ameaçadas, destacando-se
entre os grupos na pobreza, não ao azar, mas por que entre “as varias populações para o
capital” (Marx, no O Capital) somam vetores de subordinação que são formatados não
somente no mercado, mas institucionalmente, nas relações em vários espaços, inclusive, o
privado e por lógicas mais afins ao jogo dos desejos, da afetividade, dos embates de poder e
sedução entre amantes.
Por outro lado, também , no debate sobre a origem das desigualdades entre os sexos,
a polemica sobre a propriedade do marxismo para dar conta de tal processo que se trans-
histórico, adquire materialidades próprias em cada formação social, não leva a consenso,
nem entre as feministas marxistas e socialistas, correndo o risco de interpretações
mecanicistas28. Contra tal risco, vale a chamada de Loreta Valadares:
[ O marxismo] entende [‘a opressão de sexos], isto sim, entrelaçada com o processo de
desenvolvimento da história que, em última instância é determinado pela produção e a
reprodução da vida real. Ao analisar o processo de produção e reprodução da vida real,
desde as primeiras obras, Marx e Engels dedicaram explícita atenção às raízes da
opressão da mulher e sua relação com a própria origem da exploração e opressão social.
Nem uma só vez disseram que a opressão da mulher era coisa secundária, que não
necessitava ser analisada e indicadas as formas de luta para sua superação. (Grifo da
autora.)29

Feminismos em Disputa

Se há leituras do marxismo que colaboraram e colaboram com a identidade do


feminismo estar à esquerda, há também releituras e rupturas que viriam colaborando por
firmar correntes hegemônicas, o que mais se discute nesta seção, tendo como texto oculto, a
ambiência Brasil30

Hoje, na academia, em distinto países na Europa, como nas Américas, e aí, também
no Brasil, nos chamados campos de estudos sobre a mulher, ou estudos sobre gênero, viria

predominante” (grifos de Engels,). Loreta Valadares “A ‘Controvérsia’ Feminismo X Marxismo” In


Princípios. São Paulo. Editora Anita Garibaldi, n 18, junho/julho/agosto, 1990--p. 44.
28
É promissor o investimento singular de Heleith Saffioti, 2000, op. cit., por retirar o conceito de patriarcado
de formulações deterministas e trans-históricas, investindo em analises de ontologia.
29
Loreta Valadares, op. cit.
30
15

crescendo um feminismo antimarxista, e, correntes não necessariamente criticas ao


marxismo, mas afastadas do debate sobre economia política e momento neo liberal e mais
afins com os paradigmas ‘pós’ (ver nota 3)—tema que retomo na seção seguinte.

Já no campo ativista, de trabalhos mais relacionados com mulheres da classe


proletária, de setores populares, a hegemonia das correntes “pós” está em disputa no
Brasil, mas não se afirma. Ao contrário, viriam crescendo os investimentos por um outro
feminismo, em movimentos sociais de base popular, como no dos sem terra, em sindicatos
de corte classista, e, em ONGs de feministas, comprometidas também com a critica
anticapitalista. Sugerindo o re-engendramento de um feminismo classista, porém sem os
vícios dogmáticos de correntes dos anos 70. Por práticas diversas, busca-se hoje, nessas
experiências, combinar a critica às relações entre os sexos, à família; preocupações com
subjetividade, corpo e sexualidade, com análises sobre organização social; denúncias sobre
privatização e deteriorização dos serviços públicos que afetam diretamente as mulheres
(como os serviços de saúde e de educação), com uma postura de recusa ao Estado
neoliberal.

Não por acaso, reinveste-se, no que nos anos 70, as feministas ‘autônomas’
consideravam heresias contra a pureza do feminismo, como a dupla militância, o estar na
academia, e estar em organizações políticas mistas, ou seja na militância em partidos e
organizações de esquerda e em núcleos ou instituições feministas.31 É uma pratica com
custos, inclusive no plano pessoal, considerando o encrostamento cultural do machismo em
camaradas e companheiros, ainda que se assuma a retórica, hoje, nas organizações de
esquerda ,de citar gênero e tolerar as cotas para as mulheres e os departamentos de
“assuntos da mulher”. Essas militantes, que insistem em uma dupla entrada, estariam
também contribuindo para renovar as organizações de esquerda, para uma pratica mais
flexível e inclusiva na modelagem de projetos para a humanidade.

E, como bem adverte, Hobsbawn, se de esquerda se trata, o projeto revolucionário


da esquerda é para a humanidade32. Ora tal projeto teria maior possibilidade, se nas
estratégias organizacionais das esquerdas, necessidades, simbólicas e materiais, de distintas
31
Ver estudos de casos sobre mulheres e trabalho sobre relações de gênero em organizações de base
comunitária e em movimentos sociais de natureza popular, no Brasil, em Míriam Abramovay e Mary Garcia
Castro Engendrando um Novo Feminismo. Mulheres Lideres de Base. Brasília. UNESCO. 1998
16

identidades na classe fossem consideradas. Por outro lado, os projetos reinvidicatórios de


identidades especificas, como das mulheres na classe, pouco avançam se restritos a
políticas de identidades. Não ao azar, por exemplo, no debate sobre estratégias de esquerda
contra o neoliberalismo, ressalte-se a importancia de articular redes e frentes.

Fora das academias, também ganha corpo em especial no final dos anos 80, por
exemplo, um feminismo institucionalizado, de corte liberal e social democrata, associado a
agências de governo, e do capital internacional, inclusive, estimulado por agências
internacionais de fomento de pesquisas e serviços. Agências que privilegiam projetos a
varejo, para target groups , em linha advocacional, limitada para grupos entre as mulheres,
estimulando o enfoque de políticas de identidade, ou para constituintes específicos, sem
análise crítica de sistemas, totalidades sociais.
Representantes dessa tendência (feminismo institucionalizado) vêm ganhando
também campo nas elaborações e re-elaborações dos documentos de conferências e
convenções internacionais, no âmbito das Nações Unidas—campo que, em grande medida,
é mais uma arena de representação discursiva, mas de importância simbólica e normativa,
nos limites do sistema capitalista, a não desprezar na disputa por sentidos. De fato, é ampla,
hoje a repercussão, por exemplo, da Plataforma de Ação da Conferência Mundial das
Mulheres (Beijing 1995). Inclusive em experiências mais localizadas, de base comunitária,
tal plataforma é usada nas negociações com poderes 33 .
No cenário do movimento de mulheres, um ambíguo tipo de agência viria
competindo com o sentido de movimento social do feminismo, qual seja, o modelo de
organizações não governamentais (ONGs). Em alguns casos, ONG é um novo termo para
mini empresas que comerciam com o social, ou que se constituem em organizações neo
governamentais, em que o comum seriam mulheres de classe media representarem ou
prestarem serviços especializados a outras mulheres, as de setores populares. Instauram-se
competições entre entidades, por fundos de agências nacionais e internacionais, e seleciona-
se o que se considera como “vozes legitimas no feminismo” para representar as mulheres
em foros internacionais. Por exemplo, é significativo que agencias internacionais de
financiamento, de nacionalidade norte americana, não concedam fundos a projetos de
32
Eric Hobsbawn “La Política de la Identidad y la Izquierda” In Debate Feminista. México, ano 7, vol. 14,
Octubre. 1996
33
In Miriam Abramovay e Mary G. Castro, op.cit.
17

organizações consideradas relacionadas a partidos políticos e, por extensão, a sindicatos.34


A diversidade de tendências que se abrigam sob o que se indica por direitos das
mulheres e perspectiva de gênero se amplia com chamada parceria entre governo e ONGs.
No Brasil, nunca a mulher foi mais visível na retórica de governo, no plano de leis 35, na
disposição de uma maquinaria especializada, em vários estados (conselhos), o que convive
com indicadores de pauperização das mulheres e das famílias da classe operaria (que
comumente sempre contam com alguma mulher) e a carência de serviços sociais
especializados36.
Esquerda, Feminismo e Feminismo Marxista—Mais que um Gênero e a pedir um
Gênero (de análises e práticas)

34
Leia-se de esquerda, já que aquelas imbricadas com o governo brasileiro tem sido beneficiarias
privilegiadas. Um grande programa de financiamento para projetos para mulheres e liderança política, ou
‘empoderamento’ das mulheres, nos países do ‘terceiro mundo’, do Banco Interamericano do
Desenvolvimento—o Prolead—conta com a patronagem de Hillary Clinton, membro do partido democrata.
O programa se relaciona a uma rede denominada “Vozes Vitais nas Américas-Mulheres na Democracia”. É
sugestivo também da maleabilidade ideológica hoje do que se chama direitos das mulheres, que no discurso
da primeira dama do governo dos EUU sobre aquela rede para a América Latina, em Montevidéu, 1998,
(texto mimeografado) ela faça referencia entre dar poder às mulheres, para que elas tenham assentos em
lugares de tomada de decisão política, como o parlamento, destacando a importancia de qualidades tidas
como femininas para a “democracia” e o “apoio ao sistema de economia de mercado” (vetores
intercambiaveis no discurso da primeira dama norte americana). Mais de 1 000 mulheres de diferentes
organizações na América Latina foram escolhidas pelos organizadores (BID e Departamento de Estado dos
EEUU) como as vozes representativas do movimento de mulheres na região. Cuba não foi convidada.
35
Ainda que haja no Congresso Nacional mais de 30 projetos em tramite em defesa de direitos das mulheres
trabalhadoras. Comumente eles são rejeitados ou preteridos pela alegação da bancada situacionista, do
Governo e por seus aliados, com a desculpa de que não há recursos orçamentários. É comum inclusive nos
debates sobre previdência social, aposentadoria para a mulher, licença maternidade diretos das mulheres
trabalhadoras rurais, fazer-se referencia a um chamado “custo mulher”. Ou seja culpa-se os trabalhadores, os
velhos, os jovens, com a expressão “custo Brasil” e agora a mulher, com a expressão “custo mulher”, pela
ma administração dos recursos do Estado, e o uso do dinheiro publico para pagamento da divida externa e
apoio a banqueiros, por exemplo. E o “lucro mulher” para o Estado, para as famílias, para os homens, quem
fala, quem contabiliza tal contribuição?
36
“[Segundo] o Relatório do Desenvolvimento Humano de 1997 , editado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, o Brasil é o 60º país em desenvolvimento por gênero - IDG (esperança de vida,
alfabetização, matrícula em escola e renda entre homens e mulheres) e o 58º no ranking IPG - Índice de Poder
por Gênero (grau de participação das mulheres na força de trabalho, nos cargos de chefia, na política e em
profissões técnicas)...” Ana Rocha, “Dez Anos de ‘Presença da Mulher’”. In Presença da Mulher, São Paulo,
Ed Anita Garibaldi, n 34, agosto/set/out 1999. A mortalidade materna no Brasil é uma das mais altas na
América Latina: 200 mortes maternas para cada 100 000 crianças nascidas vivas. As principais causas de
morte entre as mulheres seriam associadas a problemas de circulação e câncer uterino que se relacionariam
a falta de diagnósticos e cura em tempo hábil. Para tal estado de coisas, colabora a má qualidade dos
serviços de saúde. A hemorragia quando da gestação , parto ou puerpério, corresponde a 18% do total de
morte materna, o que também indica má qualidade dos serviços de saúde; cerca de 10% das mortes maternas
se devem a abortos, ou sua provocação, e sua falta de atendimento pela situação de ilegalidade que cerca o
aborto. Estima-se que cerca de 1 800 000 abortos foram provocados, em situação de clandestinidade, no
Brasil, em 1996 (dados cit In Miriam Abramovay e Mary G. Castro, op.cit.).
18

A relação entre correntes do feminismo com organizações de esquerda, é tema para


um outro texto, que se sobrepõe ao debate entre conhecimentos e praticas, e que em uma
história nossa, da América Latina e do Brasil muito contribuiu para fraturas na relação entre
feministas e aquelas organizações.
Mas tal texto levaria à análise da cultura organizacional das esquerdas, e.g., a
questão das relações entre partidos e movimentos sociais—outro tema de agenda para
debates sobre feminismos hoje, que, como implicitamente se sugere em entrelinhas deste
texto, pede acesso a produção clássica e contemporânea do marxismo e àquelas de diversas
correntes do feminismo.
Por outro lado, haveria que revisitar discussão sobre uma antiga pratica, qual seja,
reduzir movimentos e organizações específicas à ‘cadeias de transmissão’ do partido.
Também, ao se comprometerem os partidos de esquerda com uma estratégia de guerra de
posições, concentrando-se na disputa eleitoral e inclusão no governo, estariam,
extensivamente, arriscando energia que poderia estar voltada para atividades de
formação e outras, orientadas para mudanças culturais e ideológicas, como mudanças no
plano da micro política, das relações entre os sexos. De fato tais mudanças pedem
sistemáticos investimentos de longo prazo em formação e em outras atividades que
desestabilizem praticas culturais. Alem de exigirem enfrentamento com expressões de
conservadorismo popular, o que seria avesso a tônica de ganhar votos, ou dizer o que o
povo quer ouvir—inclusive porque se estaria, ao se questionar relações entre homens e
mulheres, por exemplo, .quebrando a idéia de unidade aparente no povo, hoje, e se
investindo na unidade, no povo, como processo, ou seja, ‘engendrando’ a classe.
Por outro lado, também defendo que investir no engendramento de um feminismo
marxista e de uma feminismo socialista tem hoje particular pertinência, quer pela
propriedade do marxismo--a insistência em uma saída radical, considerando a falência das
formulas liberais, inclusive no plano de políticas de identidade, para as mulheres--, quer
porque, como há muito defendem as feministas marxistas e socialistas, não bastaria uma
interpretação centrada apenas no marxismo para dar conta da complexidade das relações
desiguais entre os sexos, as divisões sexuais de trabalho, de poder e de codificação do
prazer, o que pede dialogo, guardado os limites ideológicos, entre distintos feminismos, e
19

conhecimentos. Tal empreendimento também se justifica, considerando que gênero e


direitos da mulher são hoje, um campo minado por disputas de sentidos, com alto
investimento por agências do capitalismo internacional e correntes que reduzem o debate a
orientações idealistas e culturalistas.
Insiste-se na propriedade contemporânea da relação entre o marxismo e o
feminismo, sublinhando, como principio geral, mas não axiomático, que “na tradição de
relacionamento entre o feminismo e o marxismo enfatiza-se uma perspectiva sobre a vida
social que recusa separar a materialidade dos sentidos, identidades, corpos, estado e nação
das demandas da divisão social do trabalho que hoje se entrelaçam com a realização do
capitalismo como um sistema global”37 . Principio que se colabora contra a redução
discursiva, por analises em fragmentos, abstrações sobre materialidade, desejo identidades,
simbolismos e subjetividades, ou reificações de tais processos, se entendidos como
performática em si, e que interpretam classe como “mais uma das opressões vividas pelos
indivíduos” (critica de Hennesy e Ingraham, op.cit, à autoras feministas de tendência pós
estruturalista que recorrem a analises que classificam de materialista, como Judith Butler).
Mas tal princípio, sobre a ênfase da materialidade da vida social, pede, também
aproximação não axiomática porque, se do campo de leis gerais, exige resgates históricos
específicos, em plano de práxis política—o que, no marxismo, não se limitaria à produção
intelectual, mas desenvolver critica teórica com análises sobre a diversidade de situações
vividas por mulheres de setores populares e com participação organizacional.
A cultura como a academia são sítios de disputa de reterritorialização ideológica e a
distancia entre o saber acadêmico e a pratica de movimentos sociais e das organizações de
base comunitária e voltadas para a disputa no campo da produção de mercadorias (como os
sindicatos) compromete a critica e a negação do capitalismo em sua feição atual,
distanciando pratica teórica e prática organizacional.
Insisto na observação de que nos países de capitalismo avançado, o que apenas se
prenuncia no Brasil, destaca-se, na academia, um pensamento critico ao marxismo, um
feminismo culturalista. Culturalista não no sentido Gramsciano, de atenção à cultura, e
nessa, à cultura que colabora na sustentação do neoliberalismo—o individualismo
narcísico, o desmantelamento do associativismo na classe, o incentivo a competitividade, o
Rosemary Hennessy e Chrys Ingraham (eds.) “A Reader in Class, Difference, and
37

Women’s Lives: Materialist Feminism” New York. Routledge. 1997


20

desencanto com outros nortes, por exemplo—mas um culturalismo em si, que privilegia o
discurso, a fragmentação, a diferença e a indiferença, sem referencia ao cenário de
globalização, das relações sociais que na economia política cada vez mais limitam o próprio
exercício da criatividade, da subjetividade--bandeiras que correntes culturalistas acenam
contra o feminismo marxista.
Também vem crescendo, inclusive no Brasil, um feminismo relacionado à filosofia
pragmática como substituto das tendências de orientação marxista, em que o empirismo, a
atenção às experiências, seriam suficientes para substituir projetos por mudanças radicais.
São tempos em que investir no debate político ideológico, questionar a cultura do
neoliberalismo, indicando como o aparente apoliticismo e desencanto das tendências ‘pós’,
como o feminismo que se limita a reivindicar direitos, dentro da ordem, são forma de
exercício político pela ordem capitalista.
Nestes tempos, um feminismo marxismo seria mais que apostar em mais um gênero
de feminismo. Nestes tempos também não há manuais prontos sobre tal feminismo, ainda
que se conte com rica herança quer de corte marxista, quer de corte feminista marxista. Tal
feminismo é um processo em aberto, carente de agitação, debates; seu engendramento pede
criativas experiências, resgatar radicalidades do feminismo e do marxismo (ver sobre este
tema Loreta Valadares l990) e combinações de praticas, teóricas-empiricas, outro gênero
de conhecimento-áção, críticos.
Engendrar um feminismo marxista, a partir de análises das experiências de
mulheres de setores populares em movimentos e organizações de base, e re-acessando
criticamente as teorias marxista e feminista não pode ser agenda exclusiva das feministas
de esquerda, mas de todos socialistas e comunistas - inclusive, é importante que haja mais
espaço e diálogo na mídia critica marxista, nos partidos e na academia para esse
conhecimento. Nestes tempos, um feminismo marxista é mais que um gênero de
feminismo.

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