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Feminismo e subjetividade em

tempos pós-modernos
Margareth Rago

Disciplina: Gênero e Educação


Discente: Raynna de Carvalho Paiva
Luzia Margareth Rago
1967 - 1970
Graduação em História, USP.

1980 - 1984
Mestrado em História, UNICAMP

11985 - 1990
Doutorado em História, UNICAMP

Professora livre-docente do Departamento de


História da UNICAMP, aposentou-se em 2015 e
vinculou-se ao mesmo departamento como
professora colaboradora.

Áreas de ensino e pesquisa:


Feminismos, anarquismos, subjetividade, gênero,
Foucault e Deleuze.
Estrutura do artigo
Dividido em quatro sessões:

O artigo foi publicado na Revista


Verve, no ano de 2004.
Sessão 01 Sessão 02

Introdução Novas imagens do feminismo A Verve é uma revista semestral do


Núcleo de Sociabilidade Libertária, no
Programa de Estudos Pós-Graduados
em Ciências Sociais da PUC - SP.

Sessão 03 Sessão 04
A "mulher cordial" Subjetividades móveis
A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
Recortes e considerações sobre o artigo
"Décadas depois da incorporação dos estudos
feministas e das discussões sobre a categoria do
"É possível perceber no contexto atual das
gênero nos debates acadêmicos e nas disputas
batalhas feministas, uma nova relação que o
políticas, é possível referir-se ao momento atual
feminismo contemporâneo estabelece consigo
das lutas e reivindicações feministas como
e nas imagens de si que projeta para o mundo.
“pós-feminismo”, entendendo o conceito não
[...] essa relação se caracterizaria por um dobrar-
como um marco temporal que indicaria um
se sobre si mesmo, isto é, pela reflexão crítica
tempo depois, implicando um momento pré e um
sobre o próprio feminismo e por sua
pós, mas a partir da instauração de novas
historicização, num movimento de avaliação e
configurações nas problematizações e nas
balanço de suas conquistas, avanços, limites e
relações que se travam no interior desse
impasses, seja no campo das práticas, seja no do
movimento, quando um determinado patamar
pensamento."
de reconhecimento social das questões
femininas foi atingido."

(RAGO, 2004, p. 1)
Essa relação resulta de muitas conquistas, a partir das quais foi atingido um determinado patamar, o qual
pode ser caracterizado por alguns aspectos:

ASPECTO 01 ASPECTO 03
A transformação nacional e internacional da A desestigmatização da imagem da “feminista”,
própria imagem do feminismo, hoje reconhecido outrora associada às figuras negativas da feiúra
como um dos maiores e mais bem sucedidos e da velhice, ou taxadas de “sapatão” e “mal-
movimentos do século 20. amadas”, desde seus inícios no século 19;

ASPECTO 02
ASPECTO 04
O reconhecimento público da importância do
feminismo brasileiro, como movimento social A maneira pela qual o feminismo se reconfigura
relativamente avançado em relação ao dos e generaliza amplamente, atingindo setores
outros países, não só da América Latina; muito jovens da população, como moças de 15 e
16 anos, não apenas no Brasil.

(RAGO, 2004, p. 2)
"Portanto, é possível afirmar que há um reconhecimento social, na atualidade, de que as lutas feministas
afetaram positivamente a maneira pela qual se deu a incorporação das mulheres no mundo do trabalho, num
momento de ampla modernização sócio-econômica no Brasil, desde os anos setenta, e que contribuiu para que
houvesse grandes mudanças, apesar do regime ditatorial estabelecido, nos códigos morais e jurídicos, nos
valores, nos comportamentos, nas relações estabelecidas consigo e com os outros, nos sistemas de
representações e no modo de pensar, ainda não plenamente avaliadas. Especialmente a partir da constituição
de um novo olhar sobre si e sobre o outro – e, nesse sentido, penso num processo de feminização cultural em
curso - o mundo tem-se tornado mais feminino e feminista, libertário e solidário ou, em outras palavras, filógino, -
isto é, contrário a misógino -, amigo das mulheres e do feminino, o que resulta decisivamente do aporte social e
cultural das mulheres no mundo público.

(RAGO, 2004, p. 3)
Permanências que revelam que as conquistas
feministas estão longe de terem sido esgotadas:
"O feminismo criou um modo específico de
existência, muito mais integrado e humanizado, já
violência sexual e moral praticadas contra que desfez oposições binárias como a que
jovens; hierarquiza razão e emoção, inventou eticamente,
novos tipos de exploração sexual; e tem operado no sentido de renovar e reatualizar
o imaginário político e cultural de nossa época."
inúmeras formas de desqualificação e
humilhação a que são submetidas as
mulheres cotidianamente.

(RAGO, 2004, p. 3)
Novas imagens do feminismo
Sessão 02

Dentre as suas inúmeras críticas, o feminismo Ao criticar o ideal de feminilidade que vigorou até a
investiu incisivamente contra o sujeito, não apenas década de 1960, que dessexualizava a mulher e que
tendo como alvo a figura do homem universal, mas valorizava a associação romântica do feminino com a
visando a própria identidade da mulher. esfera do mundo privado, o feminismo também abriu
Desnaturalizando-a, mostrou o quanto a construção mão do corpo, da beleza, da estética e da moda,
de um modelo feminino universalizante foi imposta considerados alienantes e reificadores, apropriando-
historicamente pelo discurso médico vitoriano, se paradoxalmente do modo masculino de
pelo direito, pela família, pela igreja, enfim, pelo existência que questionava e que, ao mesmo
olhar masculino reforçado, principalmente nos tempo, desconstruía. A feminista apareceu, então,
centros urbanos, pelos estímulos da indústria de na figura da “oradora”, da mulher que rompe o
consumo. espaço público e toma a palavra, denunciando e
revolucionando como os homens.

(RAGO, 2004, p. 4)
A crítica feminista foi radical ao buscar a libertação
Acontece que essa dimensão desconstrutivista
das formas de sujeição impostas às mulheres pelo
deixou de prevalecer nas percepções do feminismo...
patriarcalismo e pela cultura de consumo da
sociedade de massas e, se num primeiro momento,
o corpo foi negado ou negligenciado, como
"Isto porque, as próprias mulheres que se estratégia mesma dessa recusa das normatizações
identificam como feministas têm criado, desde burguesas, desde os anos oitenta, no Brasil
então, novos padrões de corporeidade, beleza e principalmente, percebe-se uma mutação nessas
cuidados de si, propondo outros modos de atitudes e a busca de novos lugares para o
constituição da subjetividade, ou o que bem feminino. Essa busca estimula a emergência de
poderíamos chamar de estéticas feministas da novas formas de feminilidade, de novas
existência." concepções de sexualização, beleza e sedução,
inclusive corporais, que poderiam aproximar-se,
conceito de Michel Foucault,
desenvolvido na História da como mencionamos acima, daquilo que Foucault
Sexualidade II. definiu como “artes da existência”, isto é, técnicas
de constituição estilizada da própria subjetividade
desenvolvidas a partir das práticas de liberdade.
(RAGO, 2004, p. 5)
Ademais, num outro pólo, constata-se que até as
prostitutas se apropriaram de algumas
elaborações do feminismo [...]. Se o feminismo não
É possível observar, pois, uma certa erotização soube trabalhar a questão da prostituição,
também no feminismo. Nesse sentido, a mãe pós- procurando muito mais contorná-la do que enfrentá-
moderna integrou a figura da “mulher la diretamente, se o abismo que separou militantes
independente”, pois além de emancipada e, muitas feministas e prostitutas poucas vezes foi transposto,
vezes, chefe de família, ela quer gozar sexualmente. não há dúvida de que as “mulheres públicas”, como
antigamente eram chamadas as segundas,
souberam muito bem incorporar várias das
proposições e práticas experimentadas e
defendidas por aquelas.

(RAGO, 2004, p. 6)
A "mulher cordial"
Sessão 03

Cordialidade
"a subjetividade cordial opõe-se radicalmente
"uma subjetividade privatista, que se manifesta
àquela desejada e prometida pelo feminismo, que se
através de comportamentos e práticas de
constituiria a partir de uma intensificação dos
apropriação privatizadora do mundo público, práticas
cuidados de si, [...], e que se caracterizaria por uma
de apossar-se do espaço, fazendo do público o
abertura em relação ao outro e pela capacidade de
“quintal da própria casa”.
estabelecer novos vínculos de sociabilidade, baseados
no reconhecimento da diferença, na amizade e na
solidariedade."

(RAGO, 2004, p. 7)
As mulheres que adotaram o modelo masculino do
“homem cordial” e tornaram-se “coronelas” –
palavra que ainda não consta de nossos dicionários, É preciso “abandonar o lar”, lugar privilegiado da
pois o fenômeno é recente -, em suas instituições, constituição de identidades normatizadas, “porque
casas, escolas, escritórios, universidades, ONGs, de o lar é frequentemente local do sexismo e racismo –
uma maneira profundamente nociva às um local que nós precisamos retrabalhar política,
concepções formuladas pelo movimento feminista. construtiva e coletivamente.
Afinal, a “mulher cordial” é sedentária e reafirma o
lar, ao invés de abandoná-lo.

(RAGO, 2004, p. 8) (BRAIDOTTI, 1994)


Questionamentos de Rago

Como foi e tem sido possível a existência dessa forma


de subjetividade egocêntrica e narcisista entre as
feministas, se estas mesmas estiveram criticando
incisivamente as relações de poder e as formas de
sujeição de e entre homens e mulheres? Hierarquia e feminismo deveriam ser termos
antitéticos.
Como o feminismo pode acolher um modelo
masculino de relação, baseado na exploração e
opressão entre mulheres e fortalecer aquelas que se
beneficiam de determinadas situações e status para
afirmarem hierarquias entre as próprias mulheres?

(RAGO, 2004, p. 9)
É claro que até recentemente a questão da
produção de subjetividade não havia adquirido a
visibilidade e importância que assume nos
debates contemporâneos. [...]. Contudo, isso não Questionamentos de Rago
significa que não se criticassem as figuras
Mas, desde que o feminismo trouxe a categoria de
autoritárias de nosso universo social e político,
“relações de gênero”, deslocando-se deste modo da
especialmente marcado pelo clientelismo, ou que
“filosofia do sujeito” para a “pensamento da
não se buscassem novos modos de experiência.
diferença” [...], como aceitar essas formas de
Negando as práticas e visões masculinas
sujeição que são impostas a outras mulheres e a
autoritárias, aquelas que abraçaram a causa da
si mesmas e que manifestam movimentos
emancipação feminina lançaram críticas
repetidos de uma reterritorialização
contundentes às formas hierárquicas e
profundamente indesejável?
excludentes de organização social e cultural,
insistindo e visando promover uma ampla
transformação nas relações sociais e de gênero.

(RAGO, 2004, p. 10)


Subjetividades móveis
Sessão 04

É nessa lógica, a meu ver, que as discussões sobre as


Questionamentos de Rago relações de gênero têm sentido, como um modo de
escapar da filosofia do sujeito e das armadilhas da
Pergunto-me como se coloca para o feminismo
afirmação das identidades, para entrar num novo
brasileiro, entre teóricas e militantes, a questão da
campo epistemológico e político, capaz de se abrir
figuração de novas subjetividades.
para a formulação de novas perguntas e respostas,
ou antes, para criar novos modos de existência.

(RAGO, 2004, p. 7)
Perguntando “o que o feminismo tem a oferecer ao
A discussão sobre a subjetividade, a liberdade e a ética
futuro do pensamento? O feminismo teria um futuro
coloca-se também para os feminismos como um dos
no pensamento?”, Elisabeth Grosz afirma a
grandes desafios, especialmente quando se percebe a
necessidade de reconceitualização do que o
falência dos discursos tradicionais da esquerda, o
feminismo entende por subjetividade, já que
crescimento das forças conservadoras e reacionárias
discorda que se trata de libertar as mulheres, pois
no capitalismo empresarial globalitário, que visam inibir
reconhecer identidades seria defender uma política
a potência da vida em todos os níveis, o fortalecimento
servil.
dos fundamentalismos, da intolerância e dos
preconceitos que bloqueiam os encontros e as
Trata-se então de recusar o que somos, as
conexões possíveis. Produzir novas e criativas formas
subjetivações femininas ou masculinas que nos são
de existência, contextos mais humanizados de
impostas pelo Estado e, portanto, a identidade da
sociabilidade e de formação de subjetividades éticas é
mulher-santificada e de seu avesso, tanto quanto a
fundamental se desejamos construir um mundo menos
subjetividade cordial, retrógrada e autoritária.
misógino, violento e desigual.
(RAGO, 2004, p. 11)
As várias faces do feminismos: memória, história, acervo.
Revista do Arquivo Nacional, v. 33, n. 2, maio-ago 2020.
Esse movimento não visou apenas o benefício das
mulheres, pois atingiu e desestabilizou também a
Portanto, o feminismo trouxe esperança, juntamente solidez da identidade masculina do guerreiro,
com novas imagens do pensamento, ao revelar que o valorizada, desde o século 19, em oposição ao modelo
mundo poderia ser outro, isto é, feminino e filógino, aristocrático de masculinidade da “sociedade de
e que as mulheres não são apenas sistemas corte”, e reforçada pelo sucesso de Tarzan, desde os
reprodutivos passivos, nem natureza transbordante inícios do século 20. Expondo a unilateralidade e
e incontrolável ameaçando destruir a cultura, com limitação dessa identidade masculina, que exclui
seu desejo ninfomaníaco e selvagem, como sugerem tudo o que é considerado culturalmente feminino,
várias peças e filmes dos inícios do século 20, a como as emoções, os sentimentos, a fragilidade e a
exemplo de “Salomé” e de “O Anjo Azul”. possibilidade de experiências e vivências mais reais,
porque mais integradas psiquicamente, forçou a
busca de novas formas de redescrição de si
também para os homens.
(RAGO, 2004, p. 12)
Obrigada pela atenção!

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