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In ebook Os Desafios do Feminismo Marxista na Atualidade. Marxismo21.org.

Entre desafios ao marxismo e a perspectivas feministas, notas desde um feminismo


emancipacionista  em tempos de barbárie neoliberal

Mary Garcia Castro1

Declaração de Intenções

Estas notas respondem a convite para integrar o “Dossiê: Os desafios do


feminismo marxista na atualidade”, mas não necessariamente segue na integra o
roteiro de questões propostas2
Embora considere a proposta pertinente, alinho-me a outro percurso. Sem
necessariamente desenvolver a fundo, por limitações de espaço, focalizo questões de
debates teóricos que informam as propostas (ver nota 2). Refiro-me em uma primeira
parte, a desafios ao marxismo hoje, ainda que alguns não sejam tão novos. Disputas no
campo da esquerda que se traduzem em pressões, em especial, para correntes que
decolam de um marxismo renovado por analises materialistas destes tempos, como o
feminismo emancipacionista, feminismo preocupado com a relação entre dois níveis
epistemológicos e de pratica política básicas ao marxismo: a emancipação política , o
possível hoje, e a emancipação humana, a construção do socialismo3, mas que a
1
PhD em Sociologia. Professora aposentada pela UFBA; professora visitante no PPGSA/IFICS/UFRJ;
pesquisadora na FLACSO-Brasil; e membro da União Brasileira de Mulheres e do PCdoB
castromg@uol.com.br
As ideias deste texto não necessariamente se alinham a posições das instituições mencionadas

2
“Questões norteadoras propostas pelos editores”: 1) Qual é especificidade do feminismo
marxista? É possível falar em feminismos marxistas?; 2) Quais são os pontos de proximidade e
contradição do feminismo marxista com as demais correntes feministas, sejam as
anticapitalistas ou as burguesas liberais?; 3) O que se vislumbra na conjuntura atual da luta
feminista diante da ofensiva do conservadorismo moral?; 4) Qual papel podem desempenhar as
feministas na luta contra o governo Bolsonaro e sua base de apoio?;5) Quais são as
possibilidades e as dificuldades para a luta feminista se converter num movimento popular
massivo no Brasil?”

3
A relação entre emancipação politica e emancipação humana é construção nuclear no
marxismo e conta com vasta literatura. Sobre tal equação e gênero, ver, entre outros: CASTRO,
Mary Gênero, desejo e trabalho. Ontologia e emancipação no marxismo e por feminismos -
emancipacionista e decolonial. In ODEERE – Revista do Programa de Pós-Graduação em
Relações Étnicas e Contemporaneidade-UESB -Volume 4, número 8, Julho – Dezembro de
2019; p 173-198; VALADARES, Loreta As Faces do Feminismo Ed Anita Garibaldi, São
diferença de outros que se declaram com tal norte, apostam na importân SAFFIOTI,
H.B. (1976). A Mulher na Sociedade de Classes – Mito e Realidade. Vozes, São Paulo-
SP SAFFIOTI, H.B. (1976). A Mulher na Sociedade de Classes – Mito e Realidade.
Vozes, São Paulo-SP cia de um partido politico de corte marxista leninista, ainda que
apresente questões mais afins a estes tempos, contudo interpelando homens e mulheres,
buscando implodir o partido quanto a vieses patriarcais, ainda que tenha como outras
correntes do feminismo, também preocupação com a vida e subjetividades de mulheres,
em especial de setores populares e, insisto apostando na radicalidade:

Do ponto de vista marxista sobre a questão do gênero, surge o feminismo


emancipacionista, que visa a tão somente puxar o fio da radicalidade até o patamar da
transformação da sociedade e continuar puxando até o processo de construção de uma
nova, em todas as suas etapas, enquanto persistir a força estrutural/cultural[ou
dominação-exploração]da opressão de gênero(Valadares, cit in O Vermelho, 2016) 4 .
O feminismo emancipacipacionista embora conte com uma vasta produção,
inclusive no Brasil, carece ainda por estas bandas, demais dialogo com outros
feminismos que ainda que tenham o marxismo como fonte original são críticos de
construtos desse, como o feminismo para os 99%, aquele com perpectiva decolonial e
algumas variações do feminismo negro em especial para estratégias em frente ampla
contra a onda conservadora, a barbárie neoliberal e sua formatação neo facista, no
Brasil, com a gestão Bolsonaro. Tambem desafios maiores e comuns a diversas
tendências feministas de norte socialista ou de critica ao capitalismo pede urgentemente
estratégias de organização e diálogos por frente ampla, mais além de ‘é ventos’ ou seja,
manifestaçoes, que pipocam, entusiasmam e, que? São desafios comuns a essas
tendências: como romper desencantos políticos; a paralise do feminismo liberal que
avançando em justas inversões por direitos das mulheres, se contenta em dar cara
humana ao capitalismo ou com a presença de mulheres em instancias da democracia
representativa; e como ampliar bases de escuta e presença, e estar juntas com mulheres
diversas quanto a vivencias em subordinações?

Paulo; SAFFIOTI, Helleieth A Mulher na Sociedade de Classes – Mito e Realidade. Vozes,


São Paulo, 2007

4
VALADARES, Loreta, cit. In Rosita Schaefer “O clamor da radicalidade: emancipacionismo!
Que feminismo é esse? In O Vermelho- https://vermelho.org.br/2016/02/04/o-clamor-da-
radicalidade-emancipacionismo-que-feminismo-e-esse (consultado em 20.02.2020)
A nosso juízo para tal frente importante mais conhecer construtos teóricos e
projetos que informam o campo de feminismos a esquerda, conhecer o que pode unir e o
que não pode, ou seja fronteiras que pedem reconhecimento mutuo e que possivelmente
peçam disputas mais incisivas a largo prazo mas que por agora não devem ser
impeçilho para a urgente tarefa de enfrentar o neoliberalismo em sua fase de barbárie
como cada vez mais se afirma a gestão Bolsonaro no Brasil. Assim em uma segunda
parte desta matéria refiro-me a três correntes feministas socialistas com potencialidades
de frentes

Questoes para o marxismo

Debates sobre o marxismo hoje focalizam questões, que incidem em modelagens


feministas anticapitalistas, como as seguir comentadas:

Primeira: Quem seriam os sujeitos da luta de classe, ou se não seria mais


pertinente hoje a referência a lutas de classes. ? Posição destacada em Losurdo e em
autores da perspectiva decolonial (por diferente formatação teórica) ao discutirem
colonialidades do poder como Quijano. Autor que enfatiza a importância do resgate de
Mariategui, marxista silenciado pelas esquerdas organizadas em partidos comunistas
na América Latina e que inclusive dedicou reflexões sobre a importância revolucionaria
das mulheres indígenas, das trabalhadoras domesticas e das práticas comunitárias de
povos originais.

Segunda: A importância do resgate crítico do conceito de reprodução e


dimensões dessa, como a da produção da força de trabalho e da vida. Conceito que
segundo Federici (2017)5 seria negligenciado nos trabalhos de Marx:

Os três tomos de ‘O Capital´ foram escritos como se as atividades diárias que sustentam
a reprodução da força de trabalho fossem de pouca importância para a classe capitalista,
e como se os trabalhadores se reproduzissem no capitalismo simplesmente consumindo
os bens comprados com o salario. Tais suposições ignoram não só o trabalho das
mulheres na preparação desses bens de consumo, mas o fato de que muitos dos bens
consumidos pelos trabalhadores industriais – como açúcar, café e algodão -foram
produzidos pelo trabalho escravo empregado, por exemplo, nas plantações de cana
brasileiras (p 12)

Terceira: O lugar do debate sobre raça e o que se entende como tal, temas tidos
como marginalizados no marximo;
5
Ver FEDERICI, Silvia, Calibã e a Bruxa: Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São
Paulo, Elefante, 2017
Quarta: A relação entre o marxismo e os chamados novos movimentos sociais,
em finais dos anos 1970, e hoje reanimada como enfrentamentos com politicas de
identidade ou identitarismos, tidos como ‘desvios da questão das classes e da luta ante
capitalismo, para alguns, e outros como força das identidades em políticas à esquerda,
quando não guetoizadas como a politica. Alinhamo-nos à postura de Asad Haider, assim
explicitada no prefácio de seu livro por Silvio Luiz de Almeida (2019: p 15)6:

Se o identitarismo é um problema para quaisquer pleitos emancipatórios, a recusa


apriorística da identidade também o é.......’Tratar de identidade só serve para dividir a
‘classe trabalhadora’ costumam afirmar. Uma classe trabalhadora coesa, indivisa e sem
contradições só existe em abstrações mentais originadas de leituras quase evangélicas
dos textos de Marx e Engels (cujos escritos partem da observação da classe trabalhadora
real)

Feminismos à esquerda

Novos ares, desde o Feminismo para os 99%

Ora tais questões antes anunciadas inclusive são abordadas por autoras/es do campo
de feminismos ante capitalistas, enriquecendo sua diversidade, mas com traduções
próprias e especificas referencias criticas a origem comum, o marxismo, como o

6
ALMEIDA, Silvio Luiz, “Prefacio à edição brasileira” In HAIDER, Asad Armadilha da
Identidade. Raça e Classe nos Dias de Hoje , São Paulo, ed Veneta, 2019
chamado “Feminismo para os 99%”7; o feminismo negro e suas diversas expressões8; e
o feminismo com perspectivas decoloniais9.

Sobre a equação feminismo e marxismo e projetos destacamos do ‘Feminismo


para os 99%”:

O mundo de hoje é muito mais globalizado do que aquele de Marx e Engels, e as


revoltas que o atravessam não estão, de forma alguma, restritas à Europa. Do mesmo
modo, nós encontramos conflitos em torno de nacionalidade, raça/etnicidade e

7
Ver ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi e FRASER, Nancy Feminismo para os 99%, Um Manifesto,
Ed Boitempo, São Paulo, 2019; e ARRUZZA, Cinzia Dangerous Liaisons: The Marriage and Divorces of
Marxism and Feminism, Merlin Press, New York, 2013
8
É temerário se referir ao feminismo negro de forma genérica e em pé de pagina. Este feminismo
comporta uma diversidade de projetos. Contudo é comum suas autoras compartirem nortes na critica
ao que chamam de feminismo hegemônico, ou de matriz ocidental, por apelo deste a uma abstrata
mulher universal, o que privilegiaria a mulher branca, heterossexual e de classe media e alta, não
reconhecendo que as mulheres de cor, como por exemplo as negras, as indígenas e as imigrantes
latinas, asiáticas e africanas nos EEUU não necessariamente viveriam o patriarcado-o poder do pai e da
lei-e as relações sociais de gênero da mesma forma que aquela imaginada mulher ‘universalizada’ como
a outra e muitas vezes, como nas relações de trabalho domestico remunerado, a repressora das
mulheres de cor é uma mulher que mais se enquadra como sujeito no feminismo hegemonico. Tambem
em diferentes autoras no feminismo negro, a critica a formulações de autores marxistas pelo que se
considera redução de peculiaridades de vivencias racializadas, por mulheres de cor a uma também
abstrata primazia à classe. Enfatiza-se a intersecção entre classe, raça e gênero mas esse exercício
também toma distintas modelagens, não necessariamente todas de cunho radical ou com projetos
revolucionários ante capitalistas mas com projeto muito caro a feminismos de corte marxista, qual seja,
o “empoderamento”( Collins, 2019)* das mulheres, no caso, as negras, visibilizando tanto suas,
repetimos, vivencias concretas, formas cotidianas de resistências e produções de conhecimento
visando tomadas de consciência e agenciamentos por aquelas de regimes de “justiça social” (Collins,
op.cit). A Interseccionalidade entre raça, gênero, classe e sexualidade, é tida como grande contribuiçao
do feminismo negro para teorias feministas, mas também pede cuidados já que tais categorias
comportam diferentes apreensões. Kergoat (2010)** é critica pelo comum apelo funcionalista na
armação de tal trilogia, não se dando conta da singularidade de cada categoria como processo histórico,
inclusive com clivagens entre si, e pelo fato de em muitas analises serem usadas como posições
individualizadas na sociedade, quando mais ênfase é dada a raça e gênero, minimizando classe e se
circulando por vitimismos, que se legitimados pelo terrível do racismo, não focaliza o todo, o sistema
social.
Nesta linha, mereceria mais analises o por que de um movimento radical, ou seja que interpelou
limites do capitalismo para relações sociais não desiguais pautadas em classe, raça e gênero e que
inclusive situou de forma pioneira o debate sobre importância das identidades na luta política (anos 70,
nos EEUU) mas em contexto critico a absolutismos identitários, como o Coletivo Combahee River
Collective, formado por mulheres negras, lesbicas e socialistas não seja mencionado por autoras do
feminismo negro, no Brasil, como o são outras autoras norte americanas. A meu juízo este é um
exemplo do afastamento do feminismo negro hoje do ideário socialista:
[...]ao colocar a identidade racial e sexual no tabuleiro, o Coletivo Combahee River jamais
pretendeu fazer da identidade o único foco da política. Seu objetivo era demonstrar a
complexidade da vida social e das lutas que se desenrolam no cotidiano. ALMEIDA, Silvio Luiz,
“Prefacio à edição brasileira” In HAIDER, Asad Armadilha da Identidade. Raça e Classe nos Dias
de Hoje , São Paulo, ed Veneta, 2019: p 11.

O motivo do feminismo negro do Combahee ser tão potente é que ele é anticapitalista. Pode-
se-esperar que o feminismo negro seja antirracista e se oponha ao sexismo. Mas o
anticapitalismo é que lhe dá radicalidade, a intensidade, a profundidade, o potencial
revolucioario (Barbara Smith-membro fundadora do Coletivo-in HAIDER, 2019: p 148)
religião, além daquele de classe. Ao mesmo tempo, nosso mundo abrange
discrepâncias desconhecidas para ele: sexualidade, deficiências e ecologia; e suas
lutas de gênero têm uma amplitude e uma intensidade que Marx e Engels
dificilmente teriam imaginado. Confrontadas como estamos, com um cenário politico
fraturado e heterogêneo, não é tão fácil para nós imaginar uma força revolucionaria
unificada.
Além disso, como chegamos depois, estamos mais conscientes do que Marx e Engels
poderiam ter estado sobre as muitas maneiras pelas quais os movimentos
emancipatórios podem dar errado. A memória histórica que herdamos inclui a
degeneração da revolução bolchevique no Estado stalinista absolutista, a capitulação da
social-democracia europeia ao nacionalismo e à guerra e a enorme quantidade de
regimes autoritários estabelecidos após as lutas anticoloniais por todo o Sul global
(ARRUZZA et al, 2019: p 98) (Nós destacamos)

Em seu Manifesto, o Feminismo para os 99% se declara anticapitalista, critico


ao neoliberalismo e ao feminismo liberal que se contenta com uma agenda de direitos
que não abalam tal economia, comumente só beneficiando mulheres das classes media e
alta e brancas, segundo o feminismo negro e os de perspectiva decolonial;

Nosso Manifesto identifica o feminismo liberal como obstáculo a esse projeto


emancipatório [superar o capitalismo]. Essa corrente alcançou seu predomínio atual ao
ter uma vida mais longa; na verdade ao reverter o radicalismo feminista do período
anterior [1970, quando das lutas anticoloniais contra a guerra, o racismo e o
capitalismo]. No entanto, quando o radicalismo daquela época declinou, o que emergiu
como hegemônico foi um feminismo despojado de aspirações utópicas, revolucionárias

Note-se que há autoras do feminismo negro que escapam de enfoques individualistas como, entre
outras, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Suely Carneiro e Angela Davies.

(*)Patricia Hill Collins é autora de projeção no feminismo negro, tanto nos EEUU como no Brasil.
Segundo Collins:
Empoderar as mulheres negras implica revitalizar o feminismo negro estadunidense como
projeto de justiça social organizado em torno de um objetivo duplo: empoderar as afro-
americanas e promover a justiça social em um contexto transnacional. A ênfase do pensamento
feminista negro na interação continua entre a opressão das mulheres negras e o ativismo das
mulheres negras mostra que a matriz de dominação e seus domínios inter-relacionados de
poder são sensíveis à agencia humana
[...]Reconhecer que o mundo está em formação chama atenção para o fato de que cada uma e
cada um de nós é responsável por transformá-lo. Também mostra que, embora o
empoderamento individual seja fundamental, somente a ação coletiva pode produzir
efetivamente as transformações institucionais duradouras que são necessárias para que
tenhamos justiça social (p 456)

** Kergoat, Danièle. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. In: Novos
estud. - n.86. Mar. São Paulo: CEBRAP 2010. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
33002010000100005>. Acesso em 03 nov. 2019.

9
Ver BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa (org.) Pensamento Feminista Hoje: Perspectivas Decoloniais Rio
de Janeiro, Ed Bazar do Tempo
– um feminismo que refletia e acomodava a cultura politica liberal dominante.
(ARRUZZA et al, 2019: p 120)
Como as outras correntes que pinçamos aqui, por seu corte anticapitalista, o
‘Feminismo para os 99%’ recusa que seja a economia a única arena de lutas,
ressaltando: “a contradição ecológica”, que desestabilizaria “os hábitos que sustentam
as comunidades e os ecossistemas que sustentam a vida”: “a contradição política”,
priorizando o mercado e jogando instituições estatais de serviços em apêndices do
capital; e “a contradição de reprodução social”:

Uma tendência a se apropriar, em benefício do capital, do máximo possível do trabalho


reprodutivo ‘livre’ sem qualquer preocupação com sua reposição. Como resultado, isso
origina periodicamente uma ‘crise de cuidado’, que leva as mulheres à exaustão, destrói
famílias e estira as energias sociais até o ponto de ruptura. (ARRUZZA et al. 2019: 103)

A ênfase com uma economia de cuidados é comum a diversas correntes do


feminismo hoje, inclusive as de perspectiva liberal, esta com orientação metodológica
individualista se centra na família, na divisão sexual de trabalhos nesta. Para o
feminismo negro esse é tema nuclear, considerando o trabalho domestico remunerado, o
fato de que neste a maioria são mulheres negras e que nesse as relações de trabalho
remontam ao escravismo, mas a tendência é recorrer a noção de estado de bem estar ou
leis de proteção trabalhista. O Feminismo para os 99% assim como Federici (2017)
mais radicalizam, questionando inclusive a modelação marxista da teoria do valor, e
frisando que a luta deve ser por mudanças no modo como se combina produção de bens
e reprodução da vida.

Nos feminismos que consideramos como subsidiários de um marxismo renovado


como os que estamos destacando, questiona-se o que constitui a classe e o que vale
como luta de classe. Rejeita-se a celebração neoliberal com a diversidade, e o
reducionismo da classe trabalhadora quer a certas categorias de trabalhadores, quer a
uma abstração:

Marx teorizou de forma memorável a classe trabalhadora como ‘classe universal’. O


que ele quis dizer foi que, ao lutar para superar a própria exploração e a própria
dominação, a classe trabalhadora também estava desafiando o sistema social que oprime
a esmagadora maioria da população do mundo e com isso, fazendo avançar a causa da
humanidade como tal. Seguidores e seguidoras de Marx, porem, nem sempre
compreenderam que nem a classe trabalhadora nem a humanidade são uma entidade
indiferenciada, homogênea , e eu a universidade não pode ser alcançada ignorando-se
suas diferenças internas . (ARRUZZA et al. 2019: 103)
Em que pese a detalhada analise critica do capitalismo hoje, quanto a males para
as mulheres e homens comuns, os 99% e se declararem por um socialismo não racista e
não sexista, no Manifesto a proposta tida como radical, com tal vetor, no momento, já
que reconhecem que o movimento se faz movimentando-se, seria um tanto vaga em
termos pragmáticos, ou baseadas em uma estratégia de mobilização massiva. Defendem
uma greve geral. Note-se que essa linha vem sendo também defendida por movimento
feminista socialista, que inclusive conta com significativa expressão no Brasil, a
“Marcha Mundial das Mulheres”. Movimento que tem estado junto com outros
também em expressivas manifestações contra o governo Bozonaro, como nas
manifestações #Elenao e os últimos 8 de março (2018 e 2019).

Corrente feminista de movimento que se apresenta como “parte de


movimento internacional, mas como ala revolucionária, socialista e da
classe trabalhadora”, o MRT (Movimento por Revolução e Trabalho) em matéria
com o sugestivo titulo “Por um feminismo socialista para enfrentar o governo
Bolsonaro” apresenta critica ao Feminismo 99 em termos próximos aos que esboçamos
anteriormente, mas do qual nos distanciamos-do lugar de reinvidicar um feminismo
emancipacionista amplo. Não concordamos com o descarte que insinuam quer do
Feminismo 99, quer da Marcha das Mulheres, nem com sua defesa de uma classe
trabalhadora homogênea, insistindo em viés economicista, considerando também vago
o que chamam de “estratégia clara para derrubar o capitalismo”, bem como de postura
acrítica ao que chamam de “partido revolucionário”, assim como privilegiar os
sindicatos como agencia privilegiada de formação de sujeitos de resistência anti
capitalista, e norte voluntarista, destacando “as mulheres trabalhadoras” em um
processo revolucionário:

Como parte do fenômeno internacional, também vimos o surgimento do


chamado “Feminismo dos 99%”, que se reivindica anticapitalista. Ainda assim,
queremos debater com estas companheiras que sem uma estratégia clara para
derrubar o capitalismo, sem uma ferramenta concreta (que é um partido
revolucionário), sem ter uma visão precisa sobre a classe trabalhadora e sem
colocar no centro o enfrentamento às burocracias sindicais não é possível ser
anticapitalista de fato. A luta contra o patriarcado somente pode ser efetiva com
a estratégia operária e socialista, que significa assumir a luta pelo fim desta
sociedade de classes, e se apoiar na única classe que pode levar adiante essa
transformação: a classe operária. Apostamos fortemente que sejam as mulheres
trabalhadoras que estarão à frente deste processo, não apenas para resistir aos
ataques, mas para transformar a sociedade. 10

Contudo não faz parte da agenda desta matéria, firmar posição em relaçao MRT,
que pouco conhecemos. Mais nos referimos a seguir a perspectiva feminista decolonial,
por mais familiaridade com produção desse campo, já em proposta de entrelace do
feminismo emancipacionista com tal perspectiva

Complicando o debate sobre emancipação por leituras feministas decoloniais

A nosso juízo autoras alinhadas a um feminismo emancipacionista mais

avançam no debate sobre emancipação humana ao se preocupar com as relações entre

capitalismo, gênero, raça e patriarcado mas com um norte de modelação de

emancipação humana(ver (ver entre outros Arruzza,.

Já no feminismo de perspectiva decolonial lemos chaves singulares para debates

sobre emancipação política, em especial ao decolar da experiencia e formas de

resistência de distintas mulheres, como aquelas de grupos não tidos como sujeitos na/da

história em leituras mais convencionais do marxismo, como os de povos originais e os

associados a formas não capitalistas de exploração -quero dizer: formas de exploração

não constitutivas do modo de produção capitalista-e ainda indispensáveis à dominação

capitalista:

A escravatura nas Américas, o indigenato e o trabalho forçado na


África, a predação quando das conquistas ou das repressões, a
guerra do ópio na China, o paternalismo e a dívida imaginada dos
seringueiros da Amazônia, etc..., tudo isso faz parte de um vasto
leque de formas de exploração não capitalistas da dominação
capitalista: (Cahen, 2018: 49).

10
MRT- - Movimento Revolucionário de Trabalhadores- “Por um feminismo socialista para
enfrentar o governo Bolsonaro”In MRT Esquerda Diario, 6 de março,
2019-https://www.esquerdadiario.com.br/Por-um-feminismo-socialista-para-enfrentar-o-governo-
Bolsonaro-27906, (consultado em 10.03.2020)
Mas o feminismo decolonial também questiona projetos de emancipação

humana, como os baseados em noções de desenvolvimemto baseadas no extrativismo,

consumismo e destruição da natureza, interpelando portanto de forma clara o que se

projeta para a nação em partidos de corte comunista.

Consideramos que a perspectiva feminista decolonial (ver, entre outras,

Lugones, 2019 e 2007; Miñoso, 2019 e Segato, 2010) colabora para pensar uma

ontologia do ser não restrita ao conceito de trabalho abstrato; a um desejo ancorado no

corpo eu -individualizado; a uma sexualidade restrita à heteronormatividade; a um

desenvolvimento, repetimos, baseado na produtividade para produção de bens e não no

bem viver. Dá corpos/chãos para debates sobre emancipação política, ou resistências,

por insistir que se decole de experiencias de mulheres em relações sociais

consubstancializadas no todo -raça, classe e gênero - em histórias de colonização,

visibilizando práticas de sujeitos/sujeitas, assujeitados/assujeitadas em formas não

capitalistas de exploração (ver Cahen, 2018).

Não desenvolvemos por limitações de espaço, a rica trajetória da perspectiva

decolonial. Para uma panorâmica dessa perspectiva ver entre outros Ballestrin, 2013,

assim como as ideias precursoras desenvolvidas por Quijano, 2000. Nossas referencias

seguintes estão mais endereçadas ao debate sobre ontologia e emancipação – já que

estes são no marxismo e por ai no feminismo emancipacionista, eixos teóricos basicos.

Uma das primeiras questões que sugere a perspectiva decolonial à noção de

ontologia, como própria do ser humano e por aí o destaque a noção de trabalho, é a

desumanização do colonizado, através dos sistemas de raça e gênero, e como a

exploração do seu trabalho pouco contribuiria para sua identificação como humano.

Segundo Lugones (2019: 365):


O sistema de gênero é não só hierárquico, mas racialmente
diferenciado, e a diferenciação racial nega humanidade e, portanto,
gênero às colonizadas. Irene Silverblatt, Carolyn Dean, Maria
Esther Pozo e Johnni Ledezma, Pamela Calla e Nina Laurie, Sylvia
Marcos, Paula Gunn Allen, Leslie Marmon Silko, Felipe Guaman
Poma de Ayala e Oyeronke Oyewumi, entre outros, permitem-me
afirmar que o gênero é uma imposição colonial. Não apenas por se
impor sobre a vida vivida em sintonia com cosmologias
incompatíveis com a lógica moderna das dicotomias, mas também
por habitar mundos compreendidos, construídos.

Lugones (2019: 362) enfatiza o lugar da subjetividade para praticas

emancipatórias, decoloniais, contudo enfatiza o caráter comunitário dessas para de fato

se constituírem em resistências com potencialidades para mudanças sociais.

A subjetividade que resiste com frequência expressa-se


infrapoliticamente, em vez de em uma política do público, a qual
se situa facilmente na contestação pública. Legitimidade,
autoridade, voz, sentido e visibilidade são negados à subjetividade
oposicionista.

A infrapolítica marca a volta para o dentro, em uma política de


resistência, rumo à libertação. Ela mostra o potencial que as
comunidades dos/as oprimidos/ as têm, entre si, de constituir
significados que recusam os significados e a organização social,
estruturados pelo poder.

No feminismo que visaria uma modelagem decolonial na concepção do humano

se parte da crítica a conceitos de desenvolvimento ancorados em produtividade,

competição, propriedade privada, divisões socio-sexuais do trabalho e marginalização

da natureza; enfatiza-se a diversidade de sujeitos para outras histórias que não aquelas

encaixadas em um neo colonialismo/imperialismo/capitalismo e em especial, via a

contribuição do feminismo negro; recorre-se à noção de interseccionalidade entre raça,

gênero e classe; pede atenção a vontades, contudo mais focalizam resistências

comunitárias.
A perspectiva decolonial, como formulada por Quijano é reformatada por

Lugones que além de raça, enfatiza a intima relação entre sistema colonial de raça e de

gênero, mas afastando-se da noção de gênero que seria usada por Quijano, tida como

eurocêntrica, pois limitada ao dimorfismo homem e mulher, e a relações

heterossexuais.. Para Lugones (2007) o conceito de “sistema colonial/moderno de

gênero” marca a colonialidade do poder. Também é em escritos de feministas

decoloniais que se tem elaborações de como a organização patriarcal, via a

heterossexualidade compulsória colaboraria com a colonialidade do poder por forças

coloniais como a Igreja e o Estado imperial, e como tais forças continuariam a colonizar

corpos e mentes hoje, reproduzindo via fundamentalismos e familismos violências

simbólicas e outras contra mulheres e os tidos como tal, como povos LGBTQ.

Para a Lugones (2008), a divisão hierárquica e dicotômica entre


humanos e não-humanos é a marca central da colonialidade
ocidental. Desse modo, o conceito de humanidade refere-se, de
fato, a um tipo de humano - o homem branco europeu. A autora
argumenta que a missão civilizatória ocidental cristã se concentrou
na transformação do não humano colonizado em homem e mulher,
através dos códigos de gênero e raça ocidentais (COSTA, 2014). A
partir dessas analises, Lugones evidencia a impossibilidade de
pensar uma crítica feminista que não leve em consideração os
mecanismos de dominação colonial racista. (Minoso, 2014)

Em Lugones (2019) lemos a ênfase que se desenvolva mais pesquisas

considerando a relação raça e etnicidade e a importância de compreender cosmovisões

nativas desde a lógica dessas, abandonando a ideia de uma mulher universal e buscando

“aprender sobre outros e outras que também resistem à diferença colonial”, já que a

pratica decolonial pede busca de comunalidades de resistências.

A antropóloga Rita Segato também viria muito contribuindo para a

sedimentação de um feminismo decolonial. Segato discute vínculos entre patriarcado,

violências que vitimizam mulheres, racismo e colonização, ontem e hoje, e o lugar do


Estado em tais processos. Discute a complexa relação entre o que chama “mundo da

aldeia” e o “mundo do Estado”. Tendo a pesquisa com mulheres de estratos

subalternizados, por diversos poderes, uma pratica politica, entre seus trabalhos, citamos

aquele com mulheres indígenas no Brasil

Segato desenvolve a tese de que o ‘mundo Estado’ e o ‘mundo aldeia’ teriam

singularidades, e que se entrelaçam, caracterizando ‘o mundo aldeia’ como palco de um

patriarcalismo de baixa intensidade. Com a colonização, pelo ‘mundo estado’, instala-se

no ‘mundo aldeia’ um patriarcalismo de alta intensidade, marcado por violências varias,

como as de gênero. Mas Segato questiona a possibilidade do isolamento do mundo

aldeia, e trabalha junto com mulheres indígenas para garantia de autonomia dessas e sua

inscrição em políticas sociais do mundo Estado:

La pregunta que surge es ¿Después del largo proceso de la


colonización europea, el establecimiento del patrón de la
colonialidad, y la profundización posterior del orden moderno a
manos de las Repúblicas, muchas de ellas tanto o más crueles que
el propio colonizador de ultramar, podría ahora, súbitamente, el
estado retirarse? A pesar de que la colonialidad es una matriz que
ordena jerárquicamente el mundo de forma estable, esta matriz
tiene una historia interna: hay, por ejemplo, no solo una historia
que instala la episteme de la colonialidad del poder y la raza como
clasificador, sino también una historia de la raza dentro de esa
episteme, y hay también una historia de las relaciones de género
dentro mismo del cristal del patriarcado. Ambas responden a la
expansión de los tentáculos del Estado modernizador en el interior
de las naciones, entrando con sus instituciones en una mano y con
el mercado en la otra, desarticulando, rasgando el tejido
comunitario, llevando el caos e introduciendo un desorden
profundo en todas las estructuras que aquí existían y en el propio
cosmos. (Segato, 2010).

Segato (op.cit) a nosso juízo mais se aproxima do conceito marxista, de

emancipação política, apostando no possível, nas condições conjunturais, sem perda de

valores próprios e projetos. Segato de fato defende a possibilidade de negociações,


advoga o que chama de “pluralismo histórico”, admite que cultura não é estática, mas

sublinha a importância de investir em mudanças de posturas do mundo Estado.

Segato (2010) defende que o sistema de gênero se realiza de forma diferente em

cada sociedade, e que com a colonização, violências são introduzidas, possibilitadas

pela privatização do espaço doméstico, a desagregação das mulheres e o estímulo a

hyper masculinidade dos homens, fonte de violências contra as mulheres.

Segato (2010) defende também que não sendo a cultura estática, há que mais

compreender mudanças que colaborem em resistências, respostas que no caso das

mulheres viriam delas com negociações críticas com as imposições por políticas de

estado, via políticas sociais de segurança social, como no caso da Lei Maria da Penha-

objeto de trabalho de pesquisa colaborativa que ela desenvolveu com mulheres

indígenas. Apresentando-se como critica a culturalismo identitário, sugere que a

descolonização, ou a resistência e formas de negociação com o Estado Mundo estariam

em curso em práticas em que as mulheres indígenas formatam políticas em seus

próprios termos; chegam a deliberações em seus coletivos e se envolvem em redes com

outros coletivos de mulheres de categorias também em subordinação

colonial/capitalista.

Insiste que a idealização de culturas originais como imutáveis se constituiria em

um. “culturalismo perverso […]que no es otra cosa que el fundamentalismo de la

cultura política de nuestra época, inaugurado con la caída del muro de Berlín y la

obsolescencia del debate marxista, cuando las identidades, ahora politizadas, se

transformaron en el lenguaje de las disputas”. [Sublinhamos] (Segato, 2010).

Diversificam-se caminhos na construção de feminismo decolonial e nesse

processo diálogos se impõem. Em princípio o feminismo decolonial se afinaria com o


feminismo negro, o indígena e com” o feminismo comunitário”, respeitando identidades

coletivas territorializadas em histórias de corpos subalternizados, colonialidades e em

projetos emancipatórios para os iguais. Chama-se atenção em algumas construções para

conflitos de interesses e desigualdades quanto a privilégios quando raça, gênero, classe

e etnicidade se articulam, mas insistimos que o feminismo decolonial não se confunde

com perspectivas identitárias, em especial as formulações de autores como Quijano

(2000), Segato (2010) e Miñoso, 2019.

Perspectivas feministas decoloniais advogam de que há que por ênfase em

processos de descolonização tanto do ser, do saber quanto do poder por sujeitos

múltiplos que compartam subordinações e estratégias singularizadas por um eu, se

comunal, projetado em redes.

Outra singularidade do feminismo decolonial seria a inscrição no debate sobre

Bem Viver (ver nota 2), e por aí crítica aos projetos de desenvolvimento, de diferentes

matizes políticas, e ao consumismo, constituinte básico do capitalismo e elaborações

sobre trânsitos, ou não fronteiras entre cultura e natureza, bem como o afastamento do

projeto de modernidade ocidentalizada como destino.

A breve chamada sobre diversidades de posições quanto a feminismo decolonial,

recorrendo a algumas autoras latino-americanas tem como proposito advertir sobre a

contemporânea rica busca por caminhos emancipatórios e a necessidade urgente de

lugares/pesquisas/praticas de escuta de mulheres em diferentes tipos de comunidades,

tanto atentas a materialidade de vida dessas mulheres em suas múltiplas relações

sociais, quanto a seus desejos e interações com maquinas do poder


4 Ensaiando final

Diálogo entre feminismos não hegemônicos, como o feminismo negro, o de

corte emancipacionista e o de perspectiva decolonial se fazem necessários o que pede

recusa a posturas identitárias e que, por outro lado, como ressalta Lugones (2019), em

seu projeto “rumo a um feminismo decolonial”, saiam da abstração mulher, e mais

exerçam o dever de escuta em relação ao que quer, o que deseja a outra, as outras e os

outros.

Se além do uso e abuso do princípio de gênero como construção social pergunta-

se que social é esse, a que mulheres estamos nos referindo, a que tempo histórico,

chega-se ao corpo e à experiencia, seus significados e a diferentes níveis de

compreensão e estímulos. O corpo, por micropoderes condicionam desejos, embasam-

se em distintas experiencias, por territorialização de relações sociais que reproduzem

uma sociedade de classes, adscriçoes por raça e sexo/gênero patriarcal.

Nosso desafio em resumo, é duplo. Tanto cuidar sobre riscos de um feminismo

liberal que se contenta com direitos legais, políticas de posições, desconsiderando a

economia política ou como se modela o Estado e o capitalismo hoje, como o é, mais

compreender vontades, desejos e dinâmica de comunidades de afetos. Que a

emancipação política não aborte um processo de emancipação humana e que essa

abarque a totalidade das múltiplas contradições do real e ao mesmo tempo, respeite

múltiplas identidades, distintos sujeitos e projetos coletivos, comunitários.

Se concebemos emancipação das mulheres, além da necessária, mas insuficiente

luta por direitos à inclusão, acesso a serviços, reconhecimento de demandas especificas,

pede tal conceito reflexão sobre processos de auto identificação, por desejos não

serializados, domesticados, considerando diversas vivencias, em especial não

hegemônicas. Ou seja, não existiria conceito pronto de emancipação humana, e de


emancipação feminina, mas processo em aberto, e a briga tanto do feminismo socialista

ou emancipacionista, como do feminismo negro, como do feminismo para as 99%,

assim como os de perspectiva decolonial é que mais mulheres sejam sujeitos em tal

construção, o que vai além da ingênua concepção de irmandade ou sororidade entre

mulheres, como bem argumentam Lorde e Collins (cit. in Lugones, 2019).

Questiona-se então a decolagem de tal conscientização ou identificação de

potencialidades como sujeito de transformação pelas esferas clássicas, quais sejam a

produção e o trabalho, entendido como produção de mercadorias. Concebe-se trabalho,

resgatando de Lukács a chamada para a atividade que singulariza o humano em relação

ao animal, mobilizando criatividade e liberdade na relação com a natureza, mas não,

como advertem as decoloniais, tendo natureza e cultura como antagônicas.

Em perspectiva feminista emancipacionista, trabalho é produção da vida. O

trabalho é no marxismo, a pedra de toque da conscientização e da transformação da

sociedade, mas se amplia no feminismo a noção de trabalho para que englobe tudo que

tem significado para geração da vida e do ser feliz, do desejo de bem viver. Assim, não

ao azar, sexualidade e desejo são destacados como eixos estruturante de um feminismo

não dualista, critico. Insiste-se, que nesse se reivindica mais atenção à economia dos

afetos, da sexualidade, dos vínculos, dos cuidados, dos desejos e dos projetos coletivos

comunitários.

Sublinha-se a dialética entre os tempos (o presente e o futuro), ou o que Marx

denominava como a combinação entre projeto de emancipação humana e estar pela

emancipação política, ou seja enfrentando desafios no hoje, por conquistas possíveis na

ordem do capitalismo, e trabalhando por miná-lo, o que também pede re-subjetivações,

questionamentos de culturas e valores e a atenção a seres desrotulados, além da

dicotomia humanos/as e não humanos/as. Tal postura pede crítica a identidades fixas e
pede também investimentos na economia política do desejo, por decolonialidades

várias.

São tempos de mais insistir não somente em lugares de fala, mas também em

lugares de escuta e esforço conjugado para compreender a força do contexto, relações

sociais várias no capitalismo e a que trabalho se faz referência, quando se o privilegia

como marca do humano, se se pretende diálogos emancipatórios. E quando se impõem

as perguntas: que projeto se tem para o gênero humano? Quem são os considerados

humanos na atual fase do capitalismo?

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