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As Vertentes do Feminismo

Contemporâneo
por Ana Prestes

Uma característica do feminismo


contemporâneo é que apesar dele estar mais
fortalecido e visibilizado na sociedade, ele
também está mais disperso e fragmentado em
inúmeras vertentes. Pode ser um fenômeno
transitório, típico de mudanças de época, em
que muitos valores, símbolos e a cultura em
geral passam por profundas transformações.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Chamadas de “big three” – “as três grandes” correntes seriam:

Liberal – com foco nos direitos individuais (igualdade, justiça e


oportunidades iguais). Se desenvolveu principalmente nos EUA e países
europeus. Foco nas questões legais e institucionais por um lado e
comportamentais por outro.

Marxista – opressão das mulheres associada à exploração capitalista do


trabalho – economicista, emancipacionista, mulheres e homens unidos
para a transformação da sociedade – econômica, social e culturalmente

Radical – busca mobilizar pela luta contra o patriarcado com destaque


para os elementos da violência, heteronormatividade e controle da
reprodução como instrumentos de opressão das mulheres pelos homens.
Foco no comportamento masculino, mais do que no econômico ou
institucional.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Feminismo liberal
O feminismo liberal nasce no século XIX com foco no direito ao voto
e à educação. Associado com as ideias liberais e “progressivistas”.

O liberalismo é uma doutrina que enfatiza o valor da liberdade


individual. Divergências sobre o real significado de liberdade divide o
liberalismo e também o feminismo liberal. Essa divisão se dá entre os “liberais
clássicos” que entendem a liberdade como estar livre de qualquer
interferência coercitiva. Outros liberais entendem a liberdade como
autonomia pessoal e política. Podem ser chamados apenas de “liberais”,
“novos liberais” ou “liberais igualitários”. A mesma divisão se aplica ao
feminismo de filiação liberal. Feministas liberais clássicas e feministas liberais
igualitárias.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Feminismo liberal clássico

Defende que as feministas devem se ater ao papel de fazer


oposição às leis que permitem que as mulheres sejam tratadas de
forma diferente dos homens (como proibição ao voto e ao acesso à
educação). Também usam os EUA como exemplo. Não são adeptas
das políticas de ação afirmativa e programas sociais. Pensam que o
Estado deve ser usado o mínimo possível para os objetivos de
mudanças culturais na sociedade, por exemplo. Elas pensam que o
feminismo tem muito a fazer pelas mulheres fora da esfera da
política. Um exemplo disso é quando elas defendem que as
mulheres podem evitar assédio sexual ao “aprender a lidar com
conflitos entre homens e mulheres” e “entender o papel das
brincadeiras sexuais na cultura masculina”.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

O feminismo liberal igualitário

Defende que muito deve ser feito para apoiar a autonomia


pessoal e política das mulheres e o alcance da paridade no
processo democrático de governo em sociedades liberais como os
EUA. Veem o Estado como um aliado importante, assim como as
políticas de cotas, ações afirmativas, programas de assistência
social, programas educacionais e culturais. São vistas, portanto,
como parte da esquerda no espectro político.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

O mais importante para entendermos aqui é que o


feminismo liberal não propõe uma mudança da
estrutura econômica e social da sociedade, mas que
as mulheres precisam buscar a igualdade a partir da
estrutura liberal capitalista já dada.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Feminismo marxista – socialista – emancipacionista

Parte do ponto de vista materialista histórico sobre a questão da opressão à


mulher. Percebe a mulher como oprimida enquanto ser social e sexual.

“... a opressão específica da mulher, sua gênese, seu processo de


formação, coincide no tempo com o aparecimento das classes,
com elas se entrelaçando e refletindo seu antagonismo e sua
luta ao longo da história, nas diversas etapas e em diferentes
formações econômico-sociais...” – Loreta Valadares, 1990
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por Ana Prestes

O que as feministas emancipacionistas pensam do


feminismo liberal:

“as feministas liberais avançaram e muito na identificação do eu,


do corpo, mas ficaram curtas nas noções de cidadania burguesa
e direitos humanos individualizados e frearam a possibilidade
das mulheres irem mais além de inclusões no sistema, ou seja,
de serem sujeitos no feminismo e virem também a mudar o
sistema” - Mary Garcia Castro, 2012
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por Ana Prestes

No século XX, Kollontai agrega conteúdo ao feminismo


emancipacionista com uma proposta de mudanças no nível
doméstico e das famílias:

“Mas sobre as ruinas da antiga forma de família veremos em breve o


surgimento de uma nova forma que deverá envolver também
diferentes tipos de relações entre homens e mulheres que se
sustentaram na base do afeto e da camaradagem, uma união entre
duas pessoas iguais, em uma sociedade comunista, ambos, ele e ela,
livres, ambos independentes, ambos trabalhadores. Não mais servidão
doméstica para as mulheres. Não mais desigualdade na família. A
mulher na sociedade comunista só deve depender do seu trabalho (...)
ao invés de casamentos indissolúveis, uma união honesta entre
homens e mulheres, amantes e camaradas” – Alexandra Kollontai,
1920
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por Ana Prestes

Feminismo radical

O feminismo radical surge nos anos 60/70, com uma


ruptura com o feminismo liberal e se diferencia deste e do
emancipacionista por buscar as origens da opressão da mulher em
tempos mais remotos, pré-capitalistas. Está muito focado no
entendimento do patriarcado como um fenômeno que perpassa
várias sociedades humanas. Considera o patriarcado como a forma
mais antiga e universal de dominação presente nas sociedades
humanas.
Busca as raízes culturais da dominação masculina e defende
que para vencer essa opressão deve haver uma luta contra os
homens e todas as instituições, o Estado inclusive, criadas por
homens a partir de inspirações patriarcais.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Sempre bom lembrar que falamos até aqui do


feminismo ocidental do Norte global – Europa e EUA.
Existiram outros processos específicos de lutas das
mulheres na Ásia, na África e na América Latina.

No século XX surge a matriz decolonial (ou


descolonial), que busca justamente encontrar a visão
dos povos que foram colonizados pelo europeus. Pois a
colonização também penetra nas nuances do
pensamento feminista.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Feminismo decolonial
O feminismo decolonial nasce como uma crítica ao feminismo europeu-
americano. Nasce com a pergunta sobre “de quais mulheres se está falando?”. Para o
feminismo decolonial, deve-se perguntar: “existe uma identidade universal do que é
ser ‘mulher’?”... “todas as mulheres seriam vítimas do patriarcado ou algumas
também se beneficiariam dele?”

O feminismo decolonial se identifica com o feminismo negro e o feminismo


lésbico dos EUA, segundo os quais as mulheres brancas, apesar de serem oprimidas
pelos maridos, participavam do racismo institucional e estrutural e eram favorecidas
por serem brancas. Assim essas mulheres conseguiram acessar posições nos meios de
comunicação de massa e nos meios acadêmicos para representar “todas as
mulheres”.
Para elas, o conceito universal de “mulher” serviu para ocultar outras
formas de opressão como as de raça e classe.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

O feminismo decolonial latino-americano se une


ao movimento das mulheres negras pela reivindicação
de que a questão do racismo é central no eixo da
opressão patriarcal-capitalista.
Segundo a historiadora Beatriz Nascimento, a
identidade negra no Brasil é transpassada pela
experiência da luta nos quilombos contra a colonização
e a escravidão.
Lembremos que a América Latina possui mais de
600 etnias indígenas.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Feminismo Negro

O feminismo negro como teoria nasce dentro do contexto dos feminismos


subalternos e decoloniais. Que contestam a matriz interpretativa eurocêntrica.

Nesse sentido, as formuladoras do feminismo negro foram fundamentais para


questionar a identidade “mulher” como algo monolítico no movimento feminista. Para ela,
não existe uma identidade única de mulher que represente todas as mulheres.

Na prática, o feminismo negro nasce com força nos EUA, ainda no século XIX,
porque as mulheres negras ativistas se sentiam excluídas tanto dentro do Movimento de
Mulheres (brancas) como dentro do Movimento Negro por Libertação. Como se elas
estivessem em um limbo, não eram representadas pelo termo “black” – pois esse se referia
a homens negros e também não eram representadas pelo termo “mulheres” – pois esse se
referia a mulheres brancas. As mulheres negras se sentiam como invisíveis e ignoradas. Sua
existência e suas necessidades específicas eram negligenciadas. Sua luta sempre foi
amparada no interseccionalismo entre as opressões de raça, classe e gênero.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Em 1851, uma ex-escrava, abolicionista e defensora dos


direitos das mulheres negras, Sojourner Truth, fez um
discurso em uma convenção pelos direitos das
mulheres em Ohio, nos EUA, e fez a seguinte pergunta:

Eu não sou uma mulher?

Ela se referia ao fato de ser negra e não estar


contemplada nas demandas por direitos das mulheres
encampadas pelas mulheres brancas que começavam a
se organizar no país.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Vejamos agora algumas correntes


do feminismo que estão
sobressaindo nos últimos anos
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Ecofeminismo

Parte do
pressuposto
de que a
mulher estaria
mais
intergrada à
natureza do
que o homem.
Por isso é
considerado
dualista.
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por Ana Prestes

Transfeminismo

Luta contra a
transfobia dentro
do feminismo. Está
focado na dupla
opressão das
mulheres trans,
com o machismo e
a transfobia. Está
próximo do
feminismo queer
ao questionar a
definição de
gênero apenas
pela condição
biológica.
As Vertentes do Feminismo Contemporâneo
por Ana Prestes

Feminismo Queer

Está focado na luta


contra o binarismo
de gênero e a
distinção sexual
baseada na
biologia. Surge no
início dos anos 90.
Os livros de Judith
Butler ajudaram a
popularizá-lo.
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por Ana Prestes

Feminismo interseccional

Surgiu de forma mais


sistemática nos 80/90 com
uma pensadora americana,
Kimberlé Crenshaw. Na
verdade ela sistematizou algo
dito antes por várias
feministas. Trata da
sobreposição de opressões de
gênero, raça, classe,
sexualidade, migração...
As Lutas Feministas do Século 21

• Contato da professora Ana Prestes:

• anamprestes@gmail.com
• @anaprestes – Twitter
• @anaprestesdf - Instagram

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