Você está na página 1de 8

PM Barros. VIII CIH.

2258 - 2265

A REVOLUÇÃO SEXUAL E O FEMINISMO DE ROSE MARIE


MURARO ATRAVÉS DA IMPRENSA ALTERNATIVA
CONTRACULTURAL NOS ANOS 70
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3356

Patrícia Marcondes de Barros, UNESPAR

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo geral apresentar a ideia de


feminismo de Rosie Marie Muraro (1930-2014) através de artigos veiculados
na imprensa alternativa de cunho contracultural, nos anos 70. Através de
seus artigos, num contexto de recrudescimento da ditadura militar no Brasil
concomitante a revolução sexual em curso, deu visibilidade a luta da mulher,
trazendo assuntos “intocáveis” até então pela História Social, a exemplo da
sexualidade da mulher brasileira. Através de pesquisa bibliográfica e
documental abordaremos em um primeiro momento a revolução sexual
proposta pela contracultura e sua relação intrínseca com os movimentos das
Palavras Chave:
chamadas minorias; e no segundo, a contribuição das obras de Muraro na
Contracultura;
divulgação no Brasil da chamada “nova consciência” (relacionada a
Revolução Sexual;
contracultura) e suas reverberações no feminismo. Inspirada no
Literatura Feminista;
antropólogo e crítico americano Norman O. Brown, acreditou que a questão
Ditadura Militar de 64;
sexual deveria ser superada, indo além do entendimento binário geralmente
Rose Marie Muraro.
naturalizado pelo sistema. Podemos afirmar que a base do pensamento de
Muraro consiste na crítica sistemática ao sistema capitalista patriarcal e seus
aparatos de dominação que expressam as dualidades e, consequentemente,
as opressões, os sofrimentos e as neuroses. Suas principais premissas
alcançam o século XXI ainda como transgressoras, frente a um país
arraigadamente machista e que passa por um momento de grande retrocesso
em todos os âmbitos, com as alas conservadoras em crescente ascensão.
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

A presente comunicação tem A Revolução Sexual proposta pela


como objetivo apresentar o pensamento contracultura
de Rosie Marie Muraro (1930-2014), tida
como uma das principais feministas O movimento denominado de
brasileiras e interlocutora das ideias contracultura emergiu nos anos 60 como
libertárias nos anos 70. Através de sua resposta crítica frente às ilusões do
intensa participação no cenário cultural capitalismo e pelo rigoroso sistema
brasileiro com a publicação de artigos, tecnocrático. Seu caráter político ganhou
livros, traduções e sua inserção no visibilidade nos Estados Unidos através da
feminismo, num contexto de repressão luta integrada pelos direitos civis dos
ditatorial, deu visibilidade à luta negros, homossexuais e mulheres, da
emancipatória da mulher na perspectiva da inserção do jovem enquanto importante
contracultura. Em suas obras colocou à ator social, do pacifismo, do pensamento
tona, assuntos até então negligenciados ecológico, entre outras novas proposições
pela História Social, relacionados à luta que não eram contempladas na chamada
das chamadas “minorias”. política tradicional.
Em uma de suas entrevistas A busca por uma existência
concedida para a revista Bondinho (1971- autêntica levou a juventude contracultural
1974) com o inusitado título “Homem não nos anos 60 a ampliar o conceito de
é homem, mulhomem. Mulher não é política, estendendo-o ao corpo, ao
mulher, homulher” (1972, p.45) é comportamento dos indivíduos, à questão
perceptível à influência que Muraro sexual. As considerações marxistas, já não
recebeu do antropólogo e crítico respondiam aos novos paradigmas que se
americano (de origem mexicana) Norman impunham a um mundo eletrônico,
O. Brown, no concernente à ideia de desterritorializado, diverso e complexo.
superação da questão sexual, indo além do
Luiz Carlos Maciel, principal
seu entendimento binário (“homem ou
interlocutor da contracultura brasileira,
mulher”), geralmente apresentado.
afirma:
Influenciada pelos movimentos de
contracultura que eclodiam no mundo, (...)Para os jovens comer
analisou também em suas obras, a evidentemente não é tudo. Pelo
androginia, um dos temas colocados pela contrário, a juventude é uma fase da
Revolução Sexual em curso, vida em que todos os instintos
protagonizados pelos então jovens da era florescem. Havia por exemplo, uma
eletrônica. questão muito importante para os
jovens sobre a qual o marxismo não
Dividiremos esta comunicação dizia nada e que estava relacionada
em dois momentos: no primeiro, ao sexo. Muitas pessoas que foram
abordaremos de forma geral como o formadas, que se desenvolveram e
movimento contracultural abordou a evoluíram a partir da perspectiva
temática sobre a sexualidade, dando marxista, chegaram ao ponto de
visibilidade aos movimentos feministas até perceberem que era preciso alargá-
então minorizados pela história oficial e, la por exigência de sua própria vida
cotidiana, na qual o sexo
no segundo; a contribuição de Muraro no
desempenhava um papel
cenário cultural brasileiro, importantíssimo, preponderante,
especificamente, na divulgação da talvez a principal preocupação das
chamada “nova consciência” relacionada à pessoas. E, no entanto, a sua
contracultura hippie e a construção do postura ideológica não tratava desse
feminismo no Brasil. assunto (MACIEL,1978, p.34-35).
Maciel assinava a coluna
Underground (1969-1971), veiculada no

2259
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

semanário O Pasquim (1969-1985), da contracultura, discutiu-se acerca do


pioneira na abordagem da contracultura e corpo e de como as instituições (estado,
dos ecos dessa no Brasil. Recebeu escola e família, a exemplo) a controlavam
inúmeras cartas de leitores que de forma autoritária.
procuravam soluções para suas vidas de Obras que discutiam a
maneira não convencional. O principal sexualidade na perspectiva social e
teor das cartas era sobre a sexualidade.
psicanalítica como as de Wilhelm Reich,
Em entrevista, Maciel (2005) Herbert Marcuse e Norman O. Brown
comenta: balizou parte da juventude contracultural
desperta para a mudança de consciência
(...) “Ah, quer dizer que eu posso?” em relação à sociedade e a vida que se
Era um anseio generalizado por desejava. Pois só através de uma
uma liberdade sexual maior. Isso era
o que animava e motivava todo
sexualidade sadia se poderia mudar a
mundo. Era mulher que queria sociedade, aniquilando as dualidades que
deixar o marido, “dar por aí”, o geram os conflitos e, consequentemente,
outro rapaz que queria ser gay, a as neuroses.
menina também que queria ser Para ser efetiva a transformação
sapata...era esse negócio assim de
social, fazia-se necessário o rompimento
liberdade sexual, o grande apelo da
transação toda, das pessoas com as antigas formas de se viver,
encontrarem liberdade sexual e estabelecidas pelo sistema. O lema da
atingirem a felicidade. Porque juventude imersa na contracultura era o
estavam submetidas às repressões “drop out”, o “cair fora” do sistema,
externas e internas. Alguns expressando os contornos de uma nova
reclamavam das repressões sociedade, com cunho alternativo. A partir
externas; outros, pela repressão da ideia de se formar uma nova sociedade
interna que não permitia que eles surgiu às comunidades alternativas,
fizessem as coisas que queriam antagônicas ao modelo familiar
fazer. Então eu acho que esse foi o monogâmico. Segundo o psiquiatra David
grande impacto e a transformação
Cooper, a família tradicional consistia no
de comportamento nessa área de
sexo, acho que foi a mais profunda
aparato de dominação mais eficaz da
que houve naquela época. Porque sociedade contemporânea, portanto era
até esta fase da contracultura, os importante discuti-la e ressignificá-la.
costumes sexuais eram inteiramente Segundo Cooper (1986), o ponto
repressivos mesmo! A mulher não crucial da família é o de induzir o
podia casar se não fosse virgem,
indivíduo ao conformismo através de uma
porque isso era um escândalo! Mil
coisas que hoje não tem a menor educação normatizadora e alienadora,
importância, tinha uma importância perpetuada entre gerações. É neste estado
incrível na época! Então foi uma “obediente”, que se encontra o indivíduo
coisa assim libertadora, que aliviou considerado “normal” pelo sistema, alheio
muita gente... a todas as facetas de sua própria
experiência pessoal, a todo impulso
Em contraponto a repressão espontâneo para ação e a mais elementar
sexual, desenha-se com a proposta consciência do seu corpo
contracultural, a formação de uma “nova (COOPER,1986, p.15-16).
consciência” que abarcava temáticas
consideradas até então, “sem tanta A perspectiva de uma outra
importância” frente a problemas tidos concepção de “família”, advinda da ideia
pelas alas conservadoras da direita e das comunidades não autoritárias
esquerda, como “sérios”, estruturais. reichiana, acenava a possibilidade de gerir
Sobre a sexualidade, dentro da perspectiva um novo indivíduo, livre das compulsões
neuróticas engendradas em prol do

2260
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

sistema estabelecido. escassas fontes de informação sobre o


assunto e a travessia de suas principais
“Da cidade para o campo” e “da
ideias se deu tardiamente, em fins da
família para a comunidade”, tudo se
década de 60, se estendendo a década de
tornava comunal: a economia, as tarefas
70. Ganhou suas primeiras expressões
cotidianas, o sexo e o amor. A formação
através da revolução estética e
das comunidades foi anunciada no teatro
comportamental propiciada pelo
pelo estilo diferenciado de vida do Living
Tropicalismo, ganhando vazão durante a
Theater. O referido grupo, apesar das
década de 70 de forma marginal, com a
frequentes dificuldades financeiras,
publicação de livros, impressos
considerava as mesmas abstratas e de fácil
alternativos e manifestações artísticas,
resolução; diferente da questão sexual,
num período de total cerceamento da
supervalorizada no grupo. Nesta
liberdade, sob a égide da ditadura militar.
comunidade havia uma grande atividade
sexual entre os membros, contudo, se Indo além dos conceitos de luta
esbarravam em um problema de classes, educação, psiquiatria,
contraditório sob o ponto de vista da nova identidade nacional, política, sexualidade,
consciência: os ciúmes (a questão da homem e mulher, a contracultura
posse). O trabalho e a vida pessoal se caminhou na contramão dos discursos
misturavam, abastecendo-se lineares. Imersos no aforismo de Marshall
reciprocamente. A criação artística era Macluhan: “O meio é a mensagem” e
algo do coletivo, uma experiência vital não assim, da ideia de internacionalização da
dissociada das outras instâncias da vida contracultura hippie através dos meios de
pessoal. No Brasil, uma das mais comunicação, tinham como princípios
conhecidas comunidades que representou básicos: a liberdade e experimentação em
o novo modelo familiar advindo das ideias todos os âmbitos. Sua revolução
contraculturais, foi dos “Novos Baianos”. comportamental trouxe uma dimensão
Localizada em Botafogo, no Rio de estético-erótica, que se contrapôs ao
Janeiro, foi composta inicialmente pelos consumismo, ao conformismo e a
artistas Baby Consuelo, Luiz Galvão, competição. Em prol de uma tomada de
Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor consciência existencial e reencantamento
e Pepeu Gomes. da vida com os valores da felicidade, paz e
beleza em todo planeta, desejou-se uma
A nova organização social das
comunidades tinha como base às relações nova era. Muraro afirma que:
livres e não compulsórias entre os (…) Mulheres, jovens, negros,
membros e a ausência de repressão sexual. oprimidos, todas as classes de
Contudo, tal processo não se deu de forma pessoas dominadas por uma
efetiva pois havia por parte dos seus minoria, nesta segunda metade do
integrantes, a internalização da família século vinte, e que também a época
tradicional e do sistema, de forma geral. da comunicação eletronica
planetária despertam. As
Muitas das propostas autoridades, acostumadas a pensar
contraculturais emergiam mais como um politicamente esquecem-se que esta
anseio romântico do que como efetiva revolução eletronica é também a
transformação social, ainda que suas revolução da informação e da
reverberações alcancem os dias atuais (a informação planetária. Portanto,
exemplo das ações de sustentabilidade e acima de qualquer política e
luta das minorias por seus direitos civis). qualquer cultura. A televisão e os
O caráter assistemático de suas ações teletipos não sabem respeitar
fronteiras nem políticas nem
inviabilizou a compreensão de suas
ideologias. Invadem tudo. Não há
principais ideias, até mesmo pelos seus mais isolamento possível ao mundo
simpatizantes. No Brasil, a exemplo, havia eletronicamente unificado

2261
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

((MURARO, Rose Marie. contracultura. Não existem mais


Feminismo e Androginia. Rolling países, nem sexos, idades, nem
Stone, Rio de Janeiro, nº 03. raças, nem classes em luta. Existe
29/02/1972, p.07). sim uma mentalidade dominante e
uma mentalidade dominada, que
A nova era marcada pelo advento está adquirindo consciência numa
da pílula anticoncepcional (o que velocidade incrível e planetária, no
simbolizava para as mulheres, o sexo não mundo inteiro, nos países
apenas para a procriação, mas para o capitalistas e nos países socialistas,
prazer), das comunidades em detrimento na África primitiva e na Europa
da família tradicional, da “curtição” em desenvolvida. Assim a luta do
contraponto ao casamento monogâmico e jovem que se recusa a ser
do prazer em detrimento à ânsia de poder propriedade da família, e a luta da
propagada pelo sistema capitalista, foram mulher que se recusa a ser
propriedade do homem, nos
algumas das propostas contraculturais mesmos termos em que os países
relacionadas ao campo da sexualidade. A subdesenvolvidos se recusam a ser
necessidade de se combater todas as propriedade dos países
formas de poder e opressão advinda da desenvolvidos, são expressões
sociedade patriarcal estabeleceu a específicas dessa luta de culturas. —
interseção com o movimento feminista. O que existe de comum nessas
Podemos afirmar que o feminismo foi e é lutas? — É a ruptura da relação
uma contracultura em seu discurso dominante-dominado, que leva
intelectual, filosófico e político na busca consigo a luta pela recuperação do
da equidade de gênero. corpo. Quando um pobre descobre
que pode ter acesso a uma vida
melhor, com mais comida, e a
O Feminismo de Rose Marie
mulher descobre que pode ter uma
Muraro vida sexual mais plena, e o jovem
descobre a vivência plena dos
(...)A mulher é a grande oprimida da sentidos e da inteligência - tudo isso
sociedade patriarcal. A própria tem uma base comum que é a
sociedade de classes repousa, em recuperação da vida do corpo em
primeiro lugar, na dominação da todas as dimensões. (JARY.
mulher pelo homem, que impede o Homem não é homem, mulhomem.
homem de perceber que ele Mulher não é mulher, homulher -
também é um dominado. Na era entrevista com Rose Marie Muraro.
tecnológica, a civilização patriarcal Bondinho, São Paulo. 31/03 a
foi mais questionada do que em 13/04 de 1972, p. 45.)
todos os 10 mil anos de sua
existência: através da disseminação Rose Marie Muraro foi autora de
da informação técnico-científica, mais de 40 livros, editora de mais de 1600
chegou ao nível da consciência da títulos, abarcando temas diversificados
humanidade, como um todo, a como feminismo, sexualidade, juventude,
noção da estrutura dominante- ecologia, educação, entre outros. Física,
dominado. [...] Antes só havia uma
economista e escritora, ingressou na
consciência de luta de classes, que
era a mais aparente; hoje o homem Editora Vozes em 1961, quando trabalhou
tem consciência de que a luta de com Leonardo Boff durante dezessete
classes é apenas uma expressão anos gerindo não apenas o feminismo,
menor diante da estrutura global, como também, a Teologia da Libertação.
daí só se pode falar em uma luta de Criou a editora Forense Universitária
culturas: a cultura dominante e a (1965) e a Rosa dos Tempos (1990),
contracultura. E todas as lutas primeira dedicada as mulheres do Brasil
contra a opressão constituem uma em sociedade com Laura Civita, Ruth
luta global a que hoje chamam de Escobar e a Editora Record. Foi

2262
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

fundadora do Conselho Nacional dos cunho libertador, pois tratava da


Direitos das Mulheres e nomeada pelo autonomia feminina, inclusive a sexual,
governo federal a “Patrona do Feminismo com o direito natural da mulher atingir
Brasileiro” (2005). Sua vida intensa pode seus orgasmos. A questão do orgasmo,
ser vislumbrada através de suas obras, hoje tão comentada e reverenciada, foi
tidas pela mesma “como uma forma eficaz reprimida na mulher desde a Idade Média
de incendiar o mundo” (1999). Em sua até as décadas de 50 e 60 do século XX
autobiografia intitulada: “Memórias de (ainda que existam muitos tabus em pleno
uma mulher impossível” (1999), conta sua século XXI). As mulheres “recatadas e do
trajetória como intelectual, deixando lar” não poderiam sentir prazer sexual,
transparecer seu olhar sensível em relação caso contrário, se levantaria grandes
à existência e a sobrevivência da mulher suspeitas sobre sua “dignidade”. Ou seja,
em um mundo machista. Traça um painel a “mulher/esposa” era concebida como
das mais relevantes tendências culturais e objeto doméstico e sexual para satisfazer
sociais da segunda metade do século XX, apenas as necessidades do marido. Apesar
no Brasil e das suas experiências com as do assunto ser tratado com desdém, como
drogas, a loucura, o câncer e a militância história menor mediante a situação de
na Esquerda Católica. “Só o impossível ditadura militar e cerceamento da
cria o novo”, sua máxima, mediante as liberdade de expressão, a ocasião de
“impossibilidades” que enfrentou sendo lançamento da tradução de Muraro da
mulher e visionária, imersa na aspereza obra A Mística Feminina escandalizou o
cotidiana da sociedade capitalista país, pois contou com a presença ilustre da
patriarcal que vivenciou intensamente, própria autora, a feminista Betty
pois advinha de família abastada (Muraro Friedman. Esta anunciou pelos meios
nasceu em uma das mais ricas famílias do comunicacionais que era uma cidadã
Brasil e em sua adolescência, com a morte democrática e desconsiderava o governo
repentina do pai e as lutas pela herança, militar. Tal depoimento trouxe inúmeros
rejeitou sua parte). Criou “o novo” através aborrecimentos à anfitriã, não apenas
de seu pensamento, em prol de uma oriundas do governo ditatorial, mas
humanidade livre. também da Igreja Católica (a qual era
relacionada) e a mídia, que ridicularizou
Até 1970 não existia muitos
Friedman. A causa feminista a contragosto
escritos no Brasil sobre a questão da
da mídia e impulsionada pela mesma,
mulher em sociedade, apenas algumas
teses universitárias e o livro de Carmem da ganhou grande visibilidade devido a esta
ocasião singular. Muraro interpretou a
Silva “Arte de ser mulher” (DIAS, 2003).
Muraro lança seu primeiro livro reação negativa de setores conservadores
como “a expressão de uma sociedade
abertamente feminista em 1970, intitulado
“Libertação sexual da mulher”, pela patriarcal que se sentia ameaçada por uma
Editora Vozes. Nele apresenta teses mudança no papel da mulher”
feministas difundidas por mulheres e (MURARO, Rose Marie. Feminismo e
Androginia. Rolling Stone, Rio de Janeiro,
alguns homens do mundo inteiro. Muraro
afirma em depoimento (2007) que tomou nº 03. 29/02/1972, p.06).
conhecimento do feminismo através de Aproveitando a perseguição da
Madre Cristina que a presenteou com o mídia, Friedman a usou em favor da
livro da feminista norte-americana Betty própria causa e fez duras críticas à
Friedman (1921-1936), intitulado A mística sociedade de consumo, ocasionadora da
feminina (1963). A referida obra deu origem opressão feminina no mundo.
ao movimento de libertação das mulheres
Essas provocações às feministas
nos Estados Unidos e foi traduzida e não são tão desconhecidas das mulheres
lançada por Muraro em 1971, pela Editora do século XXI: termos chulos, “frases
Vozes. A obra, segundo Muraro, tem

2263
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

feitas” e piadas politicamente incorretas juventude, segundo a escritora estava


fazem parte do cotidiano das mulheres em fazendo do mundo uma aldeia planetária,
seu trabalho, lazer, vida familiar, além das desterritorializando a vida e desterrando
redes sociais, a exemplo. costumes culturais cristalizados.
São muitas as obras, entrevistas e Muraro diz sobre os jovens:
traduções que Rose produziu no intuito de
auxiliar no processo de formação da (...)Como nos primitivos, há entre
chamada “nova consciência”, advinda da eles uma comunhão, um senso do
concreto, do mítico e do místico,
contracultura de então. Segundo sua ótica, que é completamente novo no
a luta feminista no contexto singular do mundo de dez mil anos para cá.
Brasil, deveria romper a Apresentam uma grande
incomunicabilidade entre os sexos precocidade intelectual e afetiva em
trazendo um projeto de mundo em que relação à geração anterior, devido
homens e mulheres se sintam iguais e que aos estímulos dos meios eletrônicos
isto seja naturalizado. Muraro proclama: que receberam desde a infância e
“ABAIXO O MACHÃO! E viva o que aquela geração não recebeu. A
mundo andrógino!!! Bem, bichos e bichas, crise de gerações não é pois, igual à
o andrógino é um papo muito especial e dos outros tempos. São quase dois
fica para o próximo número (MURARO, mundos, duas espécies humanas
diferentes que se entrechocam.
Rose Marie. Feminismo e Androginia.
Quase. Nessa área de jovens
Rolling Stone, Rio de Janeiro, nº 03. mutantes descobri também que o
29/02/1972, p.06-07). problema da mulher já era. Foi aí
que minha cuca fundiu (MURARO,
Considerações Finais Rose Marie. Feminismo e
Androginia. Rolling Stone, Rio de
As ideias diversificadas e Janeiro, nº 03. 29/02/1972, p.07).
visionárias de Muraro não cabem na
referida produção aqui apresentada, Não podemos reduzir Muraro
dedicada as suas ideias relacionadas não apenas em sua luta feminista, tendo em
apenas ao feminismo, mas também a vista as muitas dimensões que suas ideias
contracultura promovida por parte da nos leva. Dos jovens mutantes a questão
juventude dos anos 60. ecológica, do feminismo a androginia, das
drogas a militância na Esquerda Católica,
Sua contribuição ímpar para o sua base de pensamento consiste na crítica
cenário cultural brasileiro lhe rendeu o sistemática ao sistema capitalista patriarcal
título de “patrona do feminismo e seus aparatos de dominação que
brasileiro”, entre outros títulos e prêmios. ocasionam as dualidades e
Muraro autointitulava-se simplesmente consequentemente a opressão, o
como uma “porra-louca”. Foram sofrimento e as neuroses.
inúmeras palestras, artigos, livros e
traduções abordando não apenas a luta As ideias libertárias de Muraro
feminista, mas também a ecológica, os alcançam o século XXI ainda como
jovens, a contracultura, entre outros transgressoras frente a um país
movimentos sociais minorizados na arraigadamente machista e que passa por
História oficial. Muraro sempre se colocou um momento de grande retrocesso em
ao lado dos jovens “aquarianos”, todos os âmbitos, com as alas
pertencentes à Era eletrônica: “Sinto-me, conservadoras da direita em crescente
também, como os jovens, marginal a uma ascensão. A questão sexual não foi ainda
sociedade rígida e competitiva” superada e a luta de homens e mulheres
(MURARO, Rose Marie. Feminismo e por uma sociedade mais justa e, portanto,
Androginia. Rolling Stone, Rio de Janeiro, feminista, necessária.
nº 03. 29/02/1972, p.06-07). A

2264
PM Barros. VIII CIH. 2258 - 2265

Referências Fontes
BROWN, Norman O. A vida contra a morte: o JARY. Homem não é homem, mulhomem.
sentido psicanalítico da História. Editora Vozes. Mulher não é mulher, homulher (entrevista com
Tradução de Nathanael C. Caixeiro. Petrópolis, Rose Marie Muraro). Bondinho, São Paulo.
Vozes, 1972. 31/03 a 13/04 de 1972, p. 45.
COOPER, DAVID. A Morte da Família. MURARO, Rose Marie. Feminismo e Androginia.
Tradução de Jurandir Craveiro: revisão Margarida Rolling Stone, Rio de Janeiro, nº 03.
MC Oliva. 2 ed. São Paulo, Martins Fontes, 1986. 29/02/1972, p.06-07.
DIAS, Lucy. Anos 70: enquanto corria a barca. Novos Baianos. Rolling Stone, Rio de Janeiro, nº
Editora Senac São Paulo, 2003. 09. 30/05/1972, p.22-23.
MACIEL, Luiz Carlos. A Morte Organizada.
Rio/São Paulo, Global e Ground, 1978.
MURARO, Rose Marie. Memórias de uma Entrevista
mulher impossível. 5 ed. Rio de Janeiro: Record:
Rosa dos Tempos, 2004. MACIEL, Luiz Carlos. Luiz Carlos Maciel:
depoimento [set.2005]. Entrevistadora: Patrícia
__________________. A mulher no terceiro Marcondes de Barros. Leblon, Rio de Janeiro.
milênio. Editora Rosa dos Tempos, 1992.

2265

Você também pode gostar