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determinações binárias como sendo SCOTT, Joan Wallach.

“Gênero: uma categoria útil de


análise histórica”. Trad. por Guacira Lopes Louro. Edu-
o padrão da “normalidade”. Drags cação & Realidade. Educação & Realidade, vol. 15, nº
queens e cross-dressers representam 2, jul./dez. 1990.

exemplos de como o feminino pode JAGGAR, Alison M. e BORDO, Susan R. (orgs.) Gêne-
ro, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro: Record/Rosa
ser performaticamente constituído. A dos Tempos, 1997.
própria palavra “drag” significa “Dress
As a Girl” (vestida como uma garota) •
colocando em questão diferentes po-
sições e perspectivas políticas que se
Feminismo-Feminismos
fundam nas diferenças sexuais. Butler
Fenômeno social, cultural que
propõe que o respeito às diferenças
assume feições específicas de acordo
e aos novos sujeitos sexuais e sociais
com o lugar e os sujeitos que dele ou
não significa uma nulidade de limites
nele falam. Uma das balizas históricas
ou mesmo falta de parâmetros ético
que informam esse fenômeno aparece
e morais, mas uma forma de compre- com a reivindicação de igualdade, feita
ender os seres humanos para além da por Mary Wollstonecraft, na Inglaterra.
polarização dicotômica homem-mu- Na Vindication of the Rights of Woman
lher. Dessa maneira, o incômodo que (Reinvindicação dos Direitos da Mu-
tais sujeitos atraem ao desestabilizar as lher) de 1792, o feminismo liberal ganha
noções, atitudes e valores que se consi- expressão na legislação que defende
deram naturais deve ser acolhido, pois igualdade de educação, salário e opor-
seria fundamental para um repensar as tunidade para as mulheres. Também
formulações de gênero e as estruturas chamado feminismo científico, empirismo fe-
de poder. minista ou feminismo da igualdade, foi prin-
cípio orientador da doutrina de ação
Ana Carolina Eiras Coelho Soares afirmativa que possibilita o ingresso
das mulheres nas profissões, com base
Referências e sugestões de leitura na discussão que procurou estender os
BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe.
“direitos do homem” às mulheres,
Rio de Janeiro: Record, 2011. conforme pressupostos do liberalismo.
BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito
Algumas estudiosas reconhecem três
do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. períodos em que, como vagas, distin-
BEAUVOIR, S. Le Deuxième Sexe. Gallimard, Paris,
guem diferentes movimentos: a pri-
1949, 2vols. meira vaga, localizada no século XIX,
BUTLER, Judith: Gender Trouble. New York, Routled- localiza, além da demanda pela igualda-
ge, Champman & Hall, 1990. de de direitos contratuais e de proprie-

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dade, as lutas contra a subordinação partidos e conjuntos legislativos nacio-
das mulheres ao casamento e aos mari- nais. Tal ampliação tem um ponto de
dos. Desdobramentos se verificam no inflexão, particularmente, com a publi-
século seguinte, com a conquista pelo cação de O Segundo Sexo, da filósofa
direito de voto das mulheres (Nova francesa Simone de Beauvoir, que in-
Zelândia, 1893; Reino Unido, 1918; terroga o fundamento biológico da di-
EUA, 1919; Brasil, 1932, para citar ferença sexual e a destinação sócio-cul-
apenas alguns países), entre as lutas pe- tural das mulheres: “Não se nasce
los direitos sexuais e reprodutivos das mulher, torna-se mulher”. As lutas ma-
mulheres; a segunda onda, assinalada nifestam-se em discursos de diferentes
nas décadas de 1960 e 1970, é caracte- nacionalidades, estratos sociais, na im-
rizada pela crítica ao etnocentrismo, prensa e na literatura, em diferentes
em aliança com os movimentos norte- redutos da sociedade moderna. Na se-
-americanos pelos direitos civis e pelas gunda metade do século XX, é relevan-
lutas anti-colonialistas, nos EUA e na te, nos EUA, a formulação de críticas
Europa, e a emergência das feministas internas dirigidas à larga pauta de rei-
negras, entre elas Ângela Davis e Alice vindicações do movimento “women’s li-
Walker; a terceira vaga, a partir dos beration” a fim de contemplar posições
anos 80 do mesmo século, é momento do movimento de mulheres negras. No
em que se pontua a acentuação dos livro Feminist Theory: from margin to the
movimentos e do pensamento social center, publicado em 1984 (Cambridge/
na direção de uma radicalização da crí- MA: Southend Press Classics, v.5), Bell
tica ao racionalismo essencialista e às Hooks elabora uma leitura das teorias
categorias da identidade, particular- e práticas feministas desde as margens
mente de sexo-gênero, raça-etnia e do movimento norte-americano con-
classe social. No primeiro período, os tra a exploração e a opressão sexista e
movimentos do pensamento e das prá- racista. Ainda na década de 80, os estu-
ticas políticas buscavam adicionar a ca- dos de gênero abrem um campo não
tegoria mulheres aos discursos da ciên- menos combativo de pesquisas inter-
cia, redefinindo papéis, funções e disciplinares. Influenciada por Michel
configurações do feminino na vida Foucault e outros pós-estruturalistas, a
biológica, política e social. Ao longo historiadora Joan Scott elabora uma re-
do século XX, amplia-se o cenário de flexão seminal, que serve de baliza e
reflexões e conquistas feministas, pro- referência nesse processo. O artigo Gê-
cesso que pode ser observado não ape- nero, uma categoria de análise histórica, pu-
nas nos discursos de grupos mais orga- blicado em 1986 no American Histori-
nizados da sociedade civil - associações, cal Review (Gender: A Useful Category

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of Historical Analysis, American His- LGBT. No Brasil, os movimentos fe-
torical Review 91, No. 5. December ministas também ampliam espaços so-
1986), procura desconstruir a oposição ciais e políticos de modo geral. As pu-
considerada universal entre homem e blicações na área são reveladoras do
mulher, masculino e feminino. Na dire- crescimento da contribuição de inte-
ção contrária ao uso descritivo da cate- lectuais brasileiras e do intercâmbio
goria gênero, a autora sugere pensá-la acadêmico e cultural. Destacam-se al-
como um saber sobre as diferenças se- gumas das mais antigas e persistentes:
xuais e uma forma de dar sentido às Revista de Estudos Feministas, da Univer-
relações hierárquicas de poder. Na es- sidade Federal de Santa Catarina (des-
teira dessas reflexões, evidencia-se a de 1993); Revista Pagu, da Unicamp,
emergência do feminismo da diferen- (Campinas/SP, desde 1993); o Caderno
ça, que refuta definitivamente a afirma- Espaço Feminino, da Universidade Fede-
ção de que a ciência, a política, a histó- ral de Uberlândia (Uberlândia/MG,
ria teriam gênero neutro. Judith Butler, desde 1994); Gênero, da Universidade
filósofa norte-americana, aprofunda a Federal Fluminense (desde 2000), e La-
reflexão sobre a natureza biológica do brys, Estudos Feministas, da Universidade
sexo, dos corpos e identidades, ao dis- de Brasília/DF (Brasília/DF; Montre-
solver a dicotomia sexo-gênero (natu- al/Canadá; Paris/FR, desde 1994). A
reza-cultura) para pensar o sexo como proliferação de grupos de estudos e
ideal regulatório, ou seja, não como diálogos transdisciplinares, de publica-
aquilo que alguém tem, mas como nor- ções na área, a consolidação de espa-
ma que confere inteligibilidade cultural ços para o debate - colóquios nacionais
ao corpo sexuado no interior de uma e internacionais - e organizações políti-
ordem heteronormativa. Ao proble- cas governamentais e não-governa-
matizar a própria materialidade do cor- mentais –, entre elas o Conselho Na-
po, e deixar de enxergá-lo como um cional dos Direitos da Mulher, criado
objeto-sujeito no qual o gênero se im- em 1985, e a Secretaria de Políticas
prime ou um meio passivo pelo qual para as Mulheres do Governo Federal,
ele age, ela expõe a arena de práticas criada em 2003, são resultados dessas
regulatórias reiterativas que produzem ações que se multiplicam e que, por sua
performativamente o corpo e o sexo. vez, alargam as perspectivas de promo-
Os estudos de Judith Butler fertilizam ção de pesquisas e políticas públicas
a epistemologia feminista e as críticas para a transformação social na esfera
da cultura, e abrem caminhos para do trabalho, da saúde, da cultura e cida-
ações e elaborações outras, entre elas dania. São evidências da atuação das
as Teorias Queer e os Movimentos mulheres e da sociedade organizada

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em suas lutas pelos direitos trabalhis- ções do feminino e do masculino, mos-
tas, reprodutivos, pelos direitos à con- trando que o discurso fundado no
tracepção e ao aborto, no combate aos biológico ou na natureza dos sexos é
crimes de assédio sexual, estupro e às um mecanismo do poder do patriarca-
formas cotidianas mais ou menos ex- do em operação, marcado de historici-
plícitas da violência, entre elas a violên- dade. As ações na sociedade e no pen-
cia doméstica. Desde os esforços mais samento, ou seja, os feminismos,
descritivos no sentido da visibilidade entendidos como instrumento e efeito
das práticas e dos movimentos das mu- dos movimentos sociais e das críticas
lheres até as formas do exercício críti- epistemológicas, procuram retirar das
co da cultura, que se propõem a en- sombras e do silêncio a construção das
frentar a violência impressa e expressa desigualdades de gênero, a divisão bi-
na linguagem e nos códigos sociais, nária, histórica e política da sociedade.
com o aporte da filosofia da diferença, Assim, procuram mostrar os dispositi-
essas publicações e discursos são reve- vos de produção e naturalização das
ladores de uma miríade de estudos im- identidades sexuadas, reconhecer as
portantes e apresenta a plurivocidade formas históricas de operação da cul-
do pensamento feminista no Brasil e tura androcêntrica, para pensar e re-
no mundo. Portanto, tornando visível a construir, para além da desigualdade
presença e a contribuição das mulheres construída, a multiplicidade de experi-
na vida, na política, na produção e lei- ências humanas em outros termos. Su-
tura do mundo social, ou buscando gere-se o uso do termo no plural – fe-
desconstruir os mundos construídos minismos - para se dar a ler e conhecer
pela linguagem e pela cultura, os femi- o conjunto diverso de experiências e
nismos contemporâneos estão em mo- acepções possíveis que remetem ao
vimento: problematizam a construção enunciado.
da diferença sexual, a representação e a
reiteração binária dos corpos, a produ- Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro
ção da assimetria dos sujeitos, dos po-
Referências e sugestões de leitura
deres e das desigualdades sociais. As-
sim, ao evidenciarem as experiências e ALVES, Branca Moreira & PITANGUY, Jacqueline. O
ao formularem a crítica quanto ao pro- que é feminismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

cesso de diferenciação dos sexos nas BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. São Paulo: Di-
diferentes formações histórico-sociais, fel, 1955.

os feminismos atuam e buscam des- BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Feminismo e


subversão da identidade. Rio de Janeiro: Editora Civili-
construir as identidades e representa- zação Brasileira, 2003.

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HOOKS, bell. Feminist Theory. From margin to the preendidas e atendidas dentro do mo-
centre. @nd Edition. Cambridge/MA: Southend Press
Classics, 1999. vimento, uma vez que este tomava a
categoria mulher como universal e não
FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade. Vol.1,
2, 3. 13a. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988. percebia – muitas vezes de maneira de-
liberada – que a maior parte das con-
NICHOLSON, J. Linda (Org.).Feminismo/posmoder-
nismo. Buenos Aires: Feminaria Editora, 1992.. quistas efetivadas até ali, que se orienta-
vam pela perspectiva liberal, atendiam
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise his-
tórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº apenas à parte branca e classe média
2, jul./dez. 1995, pp. 71-99. Revisão de Tomaz Tadeu da
do movimento, já que outras de suas
Silva a partir do original inglês (SCOTT, J. W.. Gender
and the Politics of History. New York: Columbia Univer- componentes careciam ainda da efeti-
sity Press, 1988. PP. 28-50.)
vação de direitos básicos, o que torna-
SHIENBINGER, Londa. O Feminismo mudou a ciên- va as demandas destas últimas diferen-
cia? Tradução: Raul Fiker. Bauru/SB: EDUSC, 2001.
tes e específicas. Sendo assim, autoras
como Patricia Hill Collins, Angela Da-

vis, bel hooks – que decidiu grafar seu
nome em minúsculas como forma de
Feminismo Negro
diferenciação e resistência aos padrões
A construção de um feminismo acadêmicos –, Audre Lorde e Kimberle
que atendesse às necessidades específi- Crenshaw passaram a elaborar análises
cas das mulheres negras começou a se que tinham como base a compreensão
consolidar, nos EUA, a partir de refle- do que é feminismo – “Em seu senti-
xões e ações propostas por militantes do mais amplo, o feminismo constitui
nos anos 70. Embora desde o século tanto uma ideologia como um movi-
XIX já ecoasse ali a pergunta “Não sou mento político global confrontando o
eu uma mulher?”, feita por Sojourner sexismo – uma relação social na qual
Truth para demonstrar as injustiças os homens, como um grupo, têm au-
cotidianas relacionadas às questões de toridade sobre as mulheres enquanto
raça, classe e gênero que se abatiam grupo.” (COLLINS, 2017, s/n) –, mas
sobre as mulheres recém-saídas da es- que buscavam dar conta “da margi-
cravidão (RIBEIRO, 2015; COLLINS, nalização social, econômica e política
2017), foi somente nas últimas décadas das mulheres negras nos EUA.” (RI-
do século XX que começou a ganhar BEIRO, 2015, p.53). Assim, de acordo
corpo uma produção teórica sobre o com Collins, utilizar o termo femi-
feminismo negro. nismo negro “posiciona as mulheres
Embora integrassem o feminis- afroamericanas para examinar como a
mo clássico, as mulheres negras não constelação particular de questões que
se sentiam plenamente ouvidas, com- afetam as mulheres negras nos Estados

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