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A BIOLOGIA DO CONHECER DE HUMBERTO MATURANA E AS


REFORMULAÇÕES DE CURRICULOS SOB ABORDAGEM DE METODOLOGIAS
ATIVAS

Thalia Franco Ferreira

Introdução

Vivemos em constantes mudanças. A sociedade vem reformulando-se de


acordo com desafios e consequentes inovações, sobretudo na área tecnológica.
Incluindo e de maneira particular, a Educação, em seus variados níveis, modalidades
e contextos, tem se aperfeiçoado de modo a se propor como base para as
transformações nos diferentes seguimentos da sociedade contemporânea. O
conhecimento e busca pela realização de metodologias ativas, por exemplo,
considerando a intensa expansão de tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDIC), tem se acentuado colocando o aprendiz em uma função ativa,
de procura, investigação e resolução de situações práticas e em destaque da sua
realidade de vida (BACICH; MORAN, 2018; BEHRENS, 2013).
Em confronto à relevância da temática das metodologias ativas, os currículos
de cursos, em especial de formação de professores, vêm sendo repensados e
reestruturados a fim de proporcionar uma educação mais ampla e significativa, que
prepare os futuros educadores para uma prática mais humanista, estimulando a
autonomia de seus alunos e valorizando a aprendizagem significativa, colaborativa e
o desenvolvimento da cidadania (BACICH; MORAN, 2018).
Nesse sentido, é possível refletir em como estes estudantes, aprendizes de
professor, impostos à instrução de novas metodologias que fogem e muito do modelo
tradicional de ensino – aluno passivo e professor ativo; transmissão de conhecimentos
-, podem compreender seu futuro papel mediador, aprender a identificar
características não separativas nos processos de ensino e aprendizagem, entender
que sua profissão exige aprendizado constante (BEHRENS, 2013) e, mais importante,
utilizar tais abordagens ativas em suas atividades docentes, tendo em vista as
transformações do cotidiano.
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Tais articulações, remetem ao entendimento, à relação com alguma corrente


epistemológica que oferte melhores e mais organizados argumentos. A assimilação
dos ideais expostos até o momento quanto à reformulação de currículos de cursos de
licenciatura abordando as metodologias ativas, é contrastada aos principais
fundamentos da Biologia do Conhecer, ou Teoria da Autopoiese, do neurobiólogo
chileno, professor e filósofo, Humberto Maturana Romesín.
Maturana, para os íntimos de sua epistemologia, é autor de grandes obras,
nas quais declara as associações biológicas, decorrentes de sua formação inicial,
assim como seus “devaneios” filosóficos de maneira complementar para suas
manifestações sobre a construção do conhecimento, sobre o desenvolvimento da
ciência. Seu livro Cognição, Ciência e Vida Cotidiana, de organização de Cristina
Magro e Victor Paredes (2001), foi tomado como ponto de partida para fundamentação
das discussões acerca das reformulações dos currículos, assim como bibliografias
adicionais.
As aproximações elencadas neste artigo, partem de uma pesquisa cujo
objetivo central é identificar a abordagem do método ativo em currículos de cursos de
graduação que formam professores, essencialmente na área de Ciências Exatas e
Naturais, considerando reestruturações previstas para breve, movimentando o
ensino-aprendizagem do professor atual da universidade, bem como, dos futuros
profissionais educadores.
Para tanto, o presente escrito está estruturado em dois subtítulos, articulando,
primeiramente, os principais conceitos e definições da teoria apresentada pelo
epistemólogo quanto à Biologia do Conhecer e, consequentemente, sua defesa sobre
o desenvolvimento da Ciência e, em seguida, possíveis correlações de seus
fundamentos autopoiéticos às reformulações de currículos dos cursos de formação de
professores, pensando em reestruturações com base no ensino-aprendizagem e
metodologias ativos.

O Desenvolvimento Científico a partir da Biologia do Conhecer

Humberto Maturana contribuiu para a área da epistemologia da ciência de


maneira consistente, até próximo de sua morte em maio deste ano. Discutiu com
grande fervor o aspecto da percepção, colocando sua teoria sobre o conhecimento
como não objetiva, isto é, onde o desenvolvimento do conhecimento independe do
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objeto; ele deriva da visão e/ou interpretação relativa a cada indivíduo sobre este e
sobre os outros, através da cognição (MATURANA, 2001).
Intitulada Teoria da Autopoiese e articulada juntamente com o também biólogo
e filósofo conterrâneo Francisco J. Varela García (ARNOLD-CATHALIFAUD, 2021), o
estudo compreende o processo de identificação e entendimento sobre um objeto, um
ser vivo e seus domínios, etc, a partir do sistema biológico e fenomenológico do
conhecer, de acordo com a existência física destes; o “vir-a-ser” de cada um ou cada
coisa. Discutindo aspectos da vida cotidiana, o desenvolvimento do conhecimento
científico é fomentado pela cognição do observador em relação ao aspecto
experimental real, o conhecido (MATURANA, 2001).
Nesse sentido, Humberto torna-se um pesquisador com abordagem mais
humanista, visto que na História da Ciência, muito se defendeu sobre o
desenvolvimento do conhecimento a partir da experiência, do simples ato de observar
a natureza. A grande questão positivista e, portanto, que em nada assimila-se às
ideias de Maturana, é que o saber (conhecimento, aprendizado, ciência) já existia de
alguma forma e apenas aguardava àquele capaz de interpretá-lo e disseminá-lo no
formato mais adequado e verídico possível.
É evidente que este pensamento foi modificando-se à medida em que a
História caminhava e consigo novos estudiosos, chegando-se a manifestações da não
linearidade do desenvolvimento da ciência, da subjetividade, relatividade, etc. Para
ele, portanto, o desenvolvimento científico, ou o conhecer, mostra-se independente
de algo concreto e derivado da experiência, mas é subordinado à domínios internos,
biológicos, partes da cognição do indivíduo, apenas “auxiliados” por referências
externas (MATURANA, 2001, 2019).
Maturana (2001, p. 25), exemplifica:

[...] se eu, psicólogo, digo que há aqui duas situações: uma, em que há um
objeto pintado ou iluminado de alguma maneira com uma composição
espectral de no máximo 545 nanômetros, quer dizer, com a composição
espectral verde; eu pergunto que cor é essa, e me respondem: verde. Outra,
como no experimento das sombras coloridas, na qual não há a mesma
composição espectral, eu pergunto que cor é essa, e a resposta é: verde.
Notem que não se pode distinguir entre uma e outra na experiência. Por isso
é que lhes damos o mesmo nome. Para distinguir um verde do outro verde e
dizer que um é ilusão cromática e o outro não, é preciso fazer referência a
uma outra coisa que não é a experiência: é preciso fazer referência à situação
de composição do sistema luminoso todo para dizer que, no caso das
sombras coloridas, só há luz branca e que, portanto, a visão do verde é uma
ilusão cromática.
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Mas na experiência essas duas situações são indistinguíveis. Isto é


cotidiano.

Abordando-se o cotidiano, como citado, o chileno busca discutir “Como


fazemos o que fazemos?” (MATURANA, 2001, p. 27), referindo-se à observação e os
processos “automáticos” que desempenhamos. Neste ainda, expressa a importância
da linguagem, ou seja, o falar, comunicar, escrever, declarar. O epistemólogo
apresenta as relações com esta forma de expressão sob a perspectiva do
estabelecimento das relações humanas; a troca de experiências e a explicação
encontrada como resultado do processo de conhecer (MATURANA, 2001). Assim,
pode-se dizer, ocorre o desenvolvimento da ciência segundo o autor.

Aproximações entre a Biologia do Conhecer e as Reformulações de Currículos


de Cursos, visando a Formação Ativa de Professores

De acordo com as considerações não objetivas do epistemólogo, abordando


sobretudo, o cotidiano enquanto acontecimentos da realidade, de conhecimento
empírico, é possível articular quanto à reorganização dos processos de ensino e
aprendizagem.
De modo que ofereçam uma formação mais cidadã aos estudantes, os
conhecimentos científicos podem – e devem - ser transpostos pelos professores de
maneira a atender e/ou representar a realidade de seus alunos. Não é tarefa fácil, mas
a muito já se sabe que o aprendiz, para efetivamente aprender, necessita aplicar e
visualizar o saber da escola, ao saber pessoal, de sua casa, de sua comunidade
(BACICH; MORAN, 2018). É com estas assimilações que os problemas reais podem
ser solucionados, e a aprendizagem se torne efetiva.
Nesse momento, a reformulação dos documentos que orientam os
professores, essencialmente da área acadêmica, com alunos do ensino superior e,
mais restrito às licenciaturas, surge como prática elementar, refletindo na atividade
docente do professor atual (da universidade) como também daquele ainda em
formação. Humberto Maturana agrega com sua Biologia do Conhecer especialmente
sobre as considerações da cognição, do cotidiano e da linguagem.
O desenvolvimento da autonomia, ponto alto dos procedimentos
metodológicos ativos, coloca o aluno na posição de protagonista da sua
aprendizagem. De acordo com Maturana (2019), podemos relacioná-la à significação
do termo autopoiese, traduzido como a criação para si mesmo. Enquanto
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autopoiéticos, os seres vivos são responsáveis pela sua autocriação, manutenção e


transformação.
Assim sendo, o professor estimula a autonomia de seus estudantes quando:

a) nutre os recursos motivacionais internos (interesses pessoais); b) oferece


explicações racionais para o estudo de determinado conteúdo ou para a
realização de determinada atividade; c) usa de linguagem informacional, não
controladora; d) é paciente com o ritmo de aprendizagem dos alunos; e)
reconhece e aceita as expressões de sentimentos negativos dos alunos.
(REEVE, 2009 apud BERBEL, 2011, p. 28).

Nesse contexto, é interessante destacar o que relata Debald (2003, p. 25 apud


GONÇALVES; SILVA, 2018) quanto à abordagem ativa no ensino superior:

O maior desafio do docente no ensino superior é fazer com que o acadêmico


tenha uma participação efetiva nas discussões de sala de aula. A prática
pedagógica no ensino superior deve ser encarada com muita seriedade.
Requer posturas e comprometimentos com um processo que eduque para a
autonomia do acadêmico, mediado pelo professor. Somente uma educação
que tenha como princípio a liberdade poderá auxiliar na construção de uma
sociedade mais humanizada.

A reformulação dos currículos de cursos de graduação da formação de


professores vai, portanto, totalmente de encontro às proposições das metodologias
ativas, bem como, às reflexões epistemológicas de Maturana.
O cotidiano, trabalhado por Humberto, torna-se o mesmo a ser manipulado
pelos alunos e/ou professores durante suas práticas ativas. A influência do que está
ao nosso redor, mais especificamente as diferentes “visões” de cada indivíduo sobre
um mesmo aspecto, é primordial para o desenvolvimento de nossos conhecimentos,
e assim, da ciência. A cognição (do aprendiz) será desenvolvida por meio da atividade
mediadora do professor, que organiza e planeja suas aulas de forma a oferecer um
ambiente, conteúdo e contextos que se aproximem das habilidades dos estudantes.
Logo, o processo do conhecer ocorrerá com os alunos e os docentes, em colaboração.
A linguagem será a rede de ligação entre estes sujeitos, assim como com todos
aqueles do meio externo, que direta ou indiretamente, participam das discussões
(fazem parte do cotidiano); é com ela que se agrega sentido e significado ao verbo
conhecer, explicando uma experiência, uma interpretação, individual e/ou coletiva.
A reorganização de documentos que fundamentem o processo de ensino e
aprendizagem, para tanto, torna-se uma função necessária para o desenvolvimento
do conhecimento científico, com a participação de sujeitos ativos.
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Essa atividade, um tanto quanto teórica, mas também mecânica, a ser


realizada por departamentos dos cursos, grupos de professores, possibilita ainda, nas
interpretações da Biologia do Conhecer, a troca de vários saberes (linguagem –
cognição), para construção de um suporte à atividade pedagógica e docente. Nesta
então, poderão ser trabalhadas as abordagens que enriqueçam a produção da
ciência, considerando-se essencialmente, cada indivíduo aprendiz, e,
consequentemente, seus processos de interpretação, de conhecer e de percepção.

Considerações Finais

As relações discutidas entre a inicial Teoria da Autopoiese que originou,


finalmente, a Biologia do Conhecer, com a reformulação de currículos de cursos de
licenciatura, parece interessante. Partindo do pensamento sobre transformações na
sociedade e com isso na Educação, o consentimento sobre uma abordagem mais
ativa e que protagonize o aprendiz, também deve ser evidenciado.
Assim, as articulações apresentadas entre ambos três aspectos, isto é, a
epistemologia de Humberto Maturana, as metodologias ativas e a reorganização dos
currículos das licenciaturas, parecem fazer sentido. No entanto, é evidente que
estudos sobre as particularidades de cada uma das esferas, de modo mais completo
e aprofundado, fazem-se estritamente necessários, facilitando futuras correlações de
maior legitimação.

Referências

ARNOLD-CATHALIFAUD, M. Fios do Tempo. Perfil de um mestre: Humberto


Maturana Romesín (1928-2021). Ateliê de Humanidades. 2021. Disponível em:
https://ateliedehumanidades.com/2021/05/07/. Acesso em: 08 nov. 2021.

BACICH, L.; MORAN, J. M. Metodologias ativas para uma educação inovadora:


uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018. 430p. Disponível em:
https://curitiba.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2020/08/Metodologias-Ativas-para-
uma-Educacao-Inovadora-Bacich-e-Moran.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

BEHRENS, M. A. Projetos de Aprendizagem Colaborativa num Paradigma


Emergente. In: MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21. ed.
Campinas: Papirus, 2013. p. 73-140.

BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de


estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 32, n. 1, p. 25-40,
jan./jun. 2011. Disponível em:
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https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/article/view/10326/0. Acesso
em: 02 nov. 2021.

GONÇALVES, M. O.; SILVA, V. Sala de aula compartilhada na licenciatura em


matemática: relato de prática. In: BACICH, L; MORAN, J. M. Metodologias ativas
para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre:
Penso, 2018. p. 133-161. Disponível em: https://curitiba.ifpr.edu.br/wp-
content/uploads/2020/08/Metodologias-Ativas-para-uma-Educacao-Inovadora-
Bacich-e-Moran.pdf. Acesso em: 10 nov. 2021.

MATURANA R., H. A teoria sobre a vida desenvolvida por um cientista chileno


que impressionou até o Dalai Lama. [Entrevista cedida a] Ana Pais. BBC News
Mundo. Santiago: Fundação Nobel, 2019. Entrevista concedida durante a primeira
conferência na América Latina, a Conferência Nobel Prize Dialogue. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-47464093. Acesso em: 08 nov. 2021.

MATURANA R., H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Ed.


UFMG, 2001. 203p.

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