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Gordon Allport

Introdução

Este trabalho tem como objetivo dar uma breve introdução nas idéias de Gordon
Allport, psicólogo reconhecido por formular uma teoria da personalidade que
enfatiza o individual, ao mesmo tempo que utiliza a abordagem do traço para
possibilitar uma ciência quantitativa da personalidade. Gordon tornou o estudo da
personalidade uma parte academicamente respeitável dentro da psicologia, ao
publicar, em 1937, Personality: a Psychological Interpretation (A Personalidade:
Uma Interpretação Psicológica). Allport empreendeu o estudo da personalidade a
partir do ambiente clínico e o levou para a universidade. É um dos teóricos que
estava correto sobre tantas coisas que suas idéias simplesmente entraram no
espírito dos tempos. Sua teoria é uma das primeiras teorias humanistas e teria
influenciado muitas outras, incluindo Kelly, Maslow e Rogers.

Biografia

Gordon Allport nasceu em Montezuma, Indiana, em 1897, sendo o caçula de


quatro irmãos. Criança tímida e estudiosa, viveu uma infância completamente
isolada. Sua mãe, professora primária, era uma metodista devota. Seu pai era um
médico de província (rural), tendo Gordon crescido com os pacientes e enfermeiras
de seu pai e com toda a parafernália de um mini-hospital. Todos trabalhavam
duro. Seu início de vida foi, por outro lado, moderadamente agradável e sem
surpresas. Allport, ao contrário de Freud e dos pós-freudianos, não parece ter tido
nenhuma experiência infantil digna de nota que tenha afetado diretamente seus
estudos e teorias. Uma das estórias de Allport é sempre mencionada em suas
biografias: aos 22 anos ele estava em viagem em Viena, tendo marcado uma
conversa com o grande Sigmund Freud! Ao chegar ao consultório de Freud, este
simplesmente permaneceu sentado esperando que Gordon começasse a conversa.
Depois de algum tempo, Gordon não conseguiu suportar o silêncio e lançou uma
observação que fizera no caminho ao encontro de Freud. Ele disse ter visto no
ônibus um garoto muito desconfortável por ter que sentar onde um velho sujo
havia sentado antes. Gordon disse que isto era idêntico ao que ele aprendera de sua
mãe, uma pessoa muito caprichosa e com uma personalidade aparentemente
dominante. Freud, em vez de considerar tal comentário como uma simples
observação, considerou que se tratava de expressão de algum processo inconsciente
e profundo na mente de Gordon e disse: "aquele garoto não era você?" Esta
experiência o fez entender que a psicologia profunda por vezes escava tão fundo
quanto, como ele havia notado anteriormente, o Behaviorismo não ia fundo o
suficiente!

Allport recebeu seu Ph.D em 1922 em Harvard, seguindo os passos de seu irmão
Floyd (1890-1971), que se tornou um importante psicólogo social. Sua carreira foi
dedicada a desenvolver sua teoria, examinando questões sociais tais como o
preconceito e desenvolvendo testes de personalidade. Ele faleceu em Cambridge,
Massachussets, em 1967. Síntese de sua teoria Conceito básico de personalidade: "
(...)organização dinâmica daqueles sistemas psicofísicos que determinam, dentro
do indivíduo, o seu comportamento e pensamento característicos"(História da
Psicologia Moderna). Algo que motiva os seres humanos é a tendência a satisfazer
necessidades biológicas de sobrevivência, denominada por Allport de
"funcionamento oportunista". Ele notou que o funcionamento oportunista pode
ser caracterizado como reativo, orientado ao passado, biológico. Mas Allport
sentiu que o funcionamento oportunista era relativamente desimportante para o
entendimento da maioria dos comportamentos humanos. Ele acreditava que a
maioria dos comportamentos humanos era motivada por algo bem distinto –
funcionamento de maneira que expresse o "próprio"(self), que ele denominou de
"funcionamento próprio". A maior parte do que fazemos em vida é uma questão
de sermos quem nós somos. O funcionamento próprio pode ser caracterizado como
pró-ativo, orientado ao futuro e psicológico. Próprio deriva da palavra latina
"proprium", que é a denominação de Allport para este conceito fundamental que é
o "self"(próprio – ego). Ele reviu centenas de definições para tal conceito e chegou
ao sentimento de que, com o objetivo de ser mais científico, seria necessário
abandonar a palavra self, cotidiana, e substituí-la por algo diferente. Para bem ou
para o mal, a palavra proprium nunca se tornou popular.

Para adquirir um sentimento intuitivo sobre o que significa "funcionamento


próprio", pense na ultima vez em que você quis fazer algo ou se tornar alguma
coisa porque você realmente sentiu que fazendo ou se tornando aquela coisa,
expressaria as coisas a seu respeito que você acredita serem as mais importantes.
Recorde a última vez que você fez algo para expressar seu próprio íntimo; a última
vez em que você disse a si mesmo: "isto sou realmente eu!!" Fazendo coisas com o
que você realmente é, isto é o funcionamento próprio. O proprium Dando tanta
ênfase ao "self" ou "proprium", Allport quis definí-lo tão cuidadosamente quanto
possível. Ele chegou a esta tarefa a partir de duas direções: fenomenologicamente e
funcionalmente. Primeiro, fenomenologicamente, isto é, o "self" como
experimentado(experiência vivida): ele sugeriu o "self" é composto pelos aspectos
da experiência pessoal que a pessoa considera como essencial (em oposição ao
incidental ou acidental), caloroso (ou "precioso", em oposição ao periférico). Sua
definição funcional se tornou por si só uma teoria desenvolvimentista. O "self"
possui 7 funções que tendem a se manifestar em determinados momentos da vida
da pessoa:

1. Sentido de corpo

2. Auto-identidade

3. Auto-estima

4. Auto-extensão

5. Auto-imagem

6. Imitação(cópia) racional

7. Batalhas(lutas) próprias

O sentido de corpo se desenvolve nos dois primeiros anos de vida. Nós temos um,
sentimos sua proximidade, seu calor. Ele possui fronteiras que sofrem, que se
machucam, tocam e se movem, faz nos conhecer. Allport tinha uma demonstração
predileta deste aspecto do "self": imagine que você coloca (cospe) saliva em uma
xícara e depois a ingere! Qual o problema? É a mesma substância que você engole
todo o dia! Mas, evidentemente, ela saiu de seu eu corpóreo e se tornou, portanto,
estranha a você.

A auto-identidade também se desenvolve nos primeiros dois anos. Há um momento


e que nós nos reconhecemos como parte de uma continuidade, como tendo
passado, presente e futuro. Vemo-nos como entidades individuais, separados e
diferentes dos outros. Temos, inclusive, um nome! Você será a mesma pessoa ao
despertar amanhã! Evidentemente: nós temos essa continuidade como parte
constituinte.

A auto-estima se desenvolve entre os 2 e os 4 anos de idade. Também chega um


momento em que reconhecemos que temos valor, para os outros e para nós
próprios. Isto está especialmente amarrado às nossas competências. Isto, para
Allport, é a essência da "fase anal"!

A auto-extensão se desenvolve entre os 4 e os 6 anos. Certas coisas, pessoas,


acontecimentos ao nosso redor também passam a ser considerados como centrais e
calorosos, essenciais para minha existência. "Minha" é muito próximo a "mim"!
Algumas pessoas se definem em termos de seus pais, esposos ou filhos de seu clã,
gangue, comunidade, escola ou nação. Alguns encontram sua identidade em
atividades: eu sou psicólogo, estudante, pedreiro. Alguns encontram identidade em
outro local: minha casa, minha cidade. Quando meu filho faz algo errado, por que
sinto culpa? Por que, quando alguém abalroa meu carro, sinto como se fosse
atingido?

A auto-imagem também se desenvolve entre os 4 e os 6 anos de idade. É o "auto-


espelho", o eu como os outros me vêem. É a impressão que eu causo nos outros,
minha "visão", meu status, ou estima social, incluindo minha identidade sexual. É
o início do que é consciência, ideal próprio e personalidade.

Imitação Racional é aprendida predominantemente entre os 6 e os 12 anos. A


criança começa a desenvolver suas capacidades de lidar com os problemas da vida
racional e eficazmente. É o análogo à "indústria" de Erikson.

As batalhas próprias usualmente não se iniciam antes dos 12 anos de idade. Trata-
se de mim como objetivo, ideal, planos, vocações, apelos, um senso de direção, um
senso de propósitos. A culminação das batalhas próprias, de acordo com Allport, é
a capacidade de afirmar que sou o dono de minha vida, isto é, o dono e o executor.
Pode-se notar que os períodos de tempo que Allport usa são muito próximos dos
períodos de tempo das fases de Freud.

Traços ou disposições

Agora, à medida que o próprio se desenvolve dessa maneira, nós também


desenvolvemos traços pessoais ou disposições pessoais. Traços são "sistemas que
têm a capacidade de tornar uma variedade de estímulos funcionalmente
equivalentes e de iniciar e guiar o comportamento" (História da Psicologia II –
Psicologia Contemporânea). Allport originalmente usou a palavra traços, mas
descobriu em um número muito grande de pessoas que ele denominava traços
como algo notado por alguém que observasse outra pessoa ou como algo medido
por testes de personalidade, ao invés de alguma característica única, individual,
interior à pessoa. Assim, ele abandonou o termo, mudando para disposições. Uma
disposição pessoal é definida como "uma estrutura neuro-psíquica generalizada
(peculiar ao indivíduo), com capacidade de tornar muitos estímulos
funcionalmente equivalentes, e de iniciar e orientar formas
consistentes(equivalentes) de comportamento estilístico e adaptativo".

Uma disposição pessoal possui equivalências em função e significado entre várias


percepções, crenças sentimentos e ações que não são necessariamente equivalentes
no mundo natural ou no pensamento de qualquer outra pessoa. Uma pessoa com a
disposição pessoal "pavor do comunismo" pode igualar russos liberais,
professores, grevistas, ativistas sociais, defensores do meio ambiente, feministas,
etc. Essa pessoa pode juntar todos eles num só e responder a cada um deles com
um conjunto de comportamentos que expressa seu pavor: fazendo discursos,
escrevendo cartas, votando, armando-se, alimentando ódio, etc. Outra forma de
colocar a questão é dizer que disposições são consistências concretas e facilmente
reconhecíveis em nosso comportamento. Allport acredita que traços são
essencialmente únicos para cada indivíduo: o "pavor do comunismo" de uma
pessoa não é o mesmo de outra. E você realmente não pode esperar que conhecer
outra pessoa o ajudará a entender qualquer pessoa em particular. Por esta razão,
Allport incentivava energicamente aquilo que ele denominava de métodos
idiográficos – métodos que se concentravam no estudo de uma pessoa por vez,
como entrevistas, observações, análise de cartas ou de diários, etc. Estes métodos
são normalmente referidos atualmente como métodos qualitativos.

Allport reconhece que no seio de qualquer cultura em particular, há traços ou


disposições comuns, aqueles que são parte de tal cultura que qualquer um
indivíduo desta cultura reconhece e dá nome. Em nossa cultura nós comumente
distinguimos entre introvertidos e extrovertidos, ou liberais e conservadores, e
todos sabemos o que significam. Mas uma outra cultura pode não reconhecer tais
disposições. O que, por exemplo, poderia significar liberalismo e conservadorismo
na Idade Média? Allport reconhece que alguns traços estão mais firmemente
amarrados do que outros ao proprium (o "self" de uma pessoa). Traços centrais
são os blocos que edificam sua personalidade. Quando se descreve alguém, usa-se
provavelmente palavras que se refiram a estes traços centrais: inteligente,
silencioso, selvagem, inconveniente, covarde, estúpido, de mau-temperamento... Ele
notou que a maioria das pessoas tem entre 5 e 10 destes traços. Há também os
traços secundários, que não são tão evidentes ou tão gerais, ou tão consistentes.
Preferências, atitudes, traços situacionais são todos secundários. Por exemplo: "ele
fica com raiva quando você tenta fazer-lhe cócegas", "ela tem algumas
preferências sexuais muito fora do comum" e "você não consegue levá-lo a
restaurantes". Mas então há os traços cardeais. São os traços de algumas pessoas
que praticamente definem sua vida. Alguém que passa a vida buscando fama ou
fortuna ou sexo são exemplos de tais pessoas. Frequentemente usamos personagens
históricas específicas para denominar estes traços cardeais: Scrooge (avareza),
Joana D'Arc (auto-sacrifício heróico), Madre Tereza de Calcutá (serviço religioso),
Marquês de Sade (sadismo), Maquiavel (crueldade política), etc. Relativamente
poucas pessoas desenvolvem um traço cardeal. Se o fizerem, isto tende a ocorrer
em fase avançada de vida. Maturidade Psicológica Alguém que possui um
"proprium" bem desenvolvido e um conjunto adaptativo de disposições, esse
alguém atingiu uma maturidade psicológica, termo que Allport para a saúde
mental. Ele relaciona 7 características:

1) Extensões do "self" específicas, duradouras, perenes, isto é, envolvimento.

2) Técnicas relacionadas visando um relacionamento caloroso com outros (por


exemplo: confiança, empatia, genuinidade, tolerância...)

3) Segurança emocional e auto-aceitação.

4) Hábitos de percepção realistas (em contraposição à posição de defesa).

5) Centralizar problemas e desenvolver destreza na solução deles.

6) Auto-objetivização – visão de seu próprio comportamento, capacidade de rir de


si próprio, etc.

7) Uma filosofia de vida unificadora, incluindo uma orientação de valor particular,


sentimento religioso diferenciado e uma consciência personalizada.

Autonomia Funcional

Allport não acredita em olhar muito o passado da pessoa com o objetivo de


entender o seu presente. Esta crença e muito fortemente evidente no conceito de
autonomia funcional: seus motivos hoje são independentes (autônomos) de sua
origem. Não tem importância saber, por exemplo, por que você desenvolveu um
gosto por azeitonas ou por perversão sexual; o fato é que este é seu modo atual!

A autonomia funcional se apresenta em dois "sabores" (de duas maneiras): a


primeira é a autonomia funcional perseverante. Refere-se essencialmente a hábitos
– comportamentos que não mais servem aos propósitos originais, mas que ainda
continuam. A pessoa pode ter começado a fumar como símbolo de rebeldia
adolescente, por exemplo, mas agora fuma pois não consegue parar. Ritos sociais
como dizer: "Deus te abençoe" ou "Saúde" quando alguém espirra, tem raízes
com tempos antigos (durante a peste, um espirro era um sintoma muito mais sério
do que é hoje!), mas continua sendo usado por ser visto como polidez.

Autonomia funcional própria é algo um pouco mais auto-dirigido do que os


hábitos. Os valores são um exemplo usual. Quem sabe alguém tenha sido punido
quando criança por ser egoísta. Isto não desmerece de maneira nenhuma a
conhecida generosidade atual desta pessoa – ela se tornou um seu valor! Quem
sabe você veja que a idéia de autonomia funcional possa Ter se derivado da
frustração de Allport com Freud (ou com os "behavioristas"). Evidentemente, isto
dificilmente significaria tratar-se apenas de uma crença defensiva por parte de
Allport!
A idéia de autonomia funcional própria – valores – levou Allport e seus
colaboradores Vernon e Lindzey a desenvolver uma categorização (num livro
entitulado "Um estudo de valores", 1960) e um teste de valores:

1. O teórico – um cientista, por exemplo, valoriza a verdade.

2. O econômico – um empresário pode valorizar a utilidade.

3. O estético – um artista naturalmente valoriza a beleza.

4. O social – uma enfermeira pode ter um profundo amor pelas pessoas.

5. O religioso – um monge ou uma freira provavelmente valorizam a unidade.

A maioria de nós, evidentemente, temos alguns destes valores em níveis mais


moderados, além de moderados, além de podermos considera muito negativamente
um ou dois deles.

Divergências com outros autores

As teorias de Gordon divergiam das de Freud no que dizia respeito à importância


do inconsciente no comportamento humano, alegando que este funcionava em
termos mais racionais e conscientes. Allport também discordava de Freud quanto
ao impacto das experiências infantis sobre os conflitos da idade adulta, insistindo
que somos muito mais influenciados pelas experiências presentes e pelas nossas
expectativas em relação ao futuro do que pelo passado. Outra diferença
importante é a convicção de Allport de que a única maneira de investigar a
personalidade é estudar adultos normais, e não neuróticos. Ao contrário de Freud,
ele não acreditava na existência de uma continuidade entre pessoas normais e
neuróticas. Acentuando a peculiaridade individual, Allport não acreditava que
houvesse leis universais passíveis de aplicação a todos. Havia controvérsias
também entre Gordon e os behavioristas. Ele acreditava que os sistemas
motivacionais fossem funcionalmente autônomos, como já dito anteriormente,
contrapondo-se ao conceito de extinção dos Skinner, que afirma que, retirando-se
o estímulo, gradualmente deixará de acontecer a resposta.

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