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DESCRIÇÃO
Introdução à história do Movimento Psicanalítico; a Psicologia Analítica de Jung; a perspectiva ferencziana; a teoria
winnicottiana; a Escola Lacaniana.

PROPÓSITO
Compreender os principais conceitos de importantes autores herdeiros do pensamento psicanalítico, desde sua fundação até
a contemporaneidade, observando suas variações e divergências capazes de gerar novas proposições teórico-clínicas no
campo psicanalítico, enquanto elemento fundamental para a sua futura atuação como psicólogo.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha à mão alguns dicionários de Psicanálise, tais como:

Vocabulário de Psicanálise, de Laplanche e Pontalis, publicado pela Martins Fontes


Dicionário de Psicanálise, de Elizabeth Roudinesco e Michel Plon, publicado pela Zahar Editor

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Identificar os conceitos junguianos e as divergências em relação à teoria freudiana

MÓDULO 2

Reconhecer os principais conceitos de Ferenczi colaborativos no aprofundamento da Psicanálise

MÓDULO 3
Identificar a relevância dos estudos psicanalíticos na matriz de desenvolvimento humano mãe-bebê a partir dos conceitos
winnicottianos

MÓDULO 4

Descrever os principais conceitos lacanianos como a releitura da obra freudiana

INTRODUÇÃO
A criação da Psicanálise por Sigmund Freud aconteceu há mais de um século. Durante o período de 1896-1902, Freud
trabalhou árdua e predominantemente sozinho, observando seus pacientes atentamente, com intuito de entender e tratar a
doença mental apresentada por eles.

A descoberta original e fundamental – o inconsciente e a concepção da sexualidade infantil – tornaram-se os pilares da teoria
psicanalítica e foram difundidos entre os médicos e pesquisadores da época que passaram a se reunir ao seu redor,
colaborando e discutindo suas ideias. Entretanto, a aceitação de suas teorias não tardou em experimentar divergências e
antagonismos vindos de alguns discípulos, o que acabaria por levar ao rompimento com tais pressupostos, inclusive, com o
próprio Freud.

Vale pontuar que a fundação, a propagação e o desenvolvimento da Psicanálise enquanto corpo teórico-clínico deveu-se a
reflexões efetivadas em encontros e desencontros, correspondências, entre a série de estudiosos apreciadores da
enigmática mente humana.

Agora, se pudermos voltar no tempo, talvez consigamos entender os caminhos trilhados por alguns dos sucessivos
discípulos de Freud, na ampliação e alteração de seus conceitos, referente ao desenvolvimento do comportamento e da
psique humana.

 Da esquerda para direita: Sigmund Freud, Stanley Hall, Carl Gustav Jung, Abraham Arden Brill, Ernest Jones e Sándor
Ferenczi. Fotografia, 1909.
MÓDULO 1

 Identificar os conceitos junguianos e as divergências em relação à teoria freudiana

CONHECENDO CARL GUSTAV JUNG

Carl Gustav Jung foi um dos preferidos de Freud. Desde o primeiro encontro, que aconteceu após interesse de Jung nas
ideias sobre os sonhos, decorrente da leitura do texto freudiano A Interpretação dos Sonhos (1900), o fundador da
Psicanálise reconheceu Jung como aquele que poderia ser o herdeiro oficial do Movimento Psicanalítico. No entanto, esse
olhar sobre Jung também refletia algumas preocupações e motivações políticas que se referiam às garantias do
reconhecimento da Psicanálise.
 Carl Gustav Jung.

Existia em Freud um receio de considerarem a Psicanálise uma teoria judaica e, com a participação obstinada e mesmo
passional de Jung (cristão, psiquiatra suíço, respeitado no meio científico), este temor poderia vir a se dissipar. Esse grande
encontro, constituído de amizade e discussões teóricas durou um longo tempo, de 1907 até 1913, aproximadamente. Após
muito trabalho realizado, muitas cartas trocadas, os antagonismos acabaram por surgir, tão fundamentais, até que um
rompimento, um tanto violento, tornou-se inevitável. Observando a história, fica claro que a questão essencial de tal ruptura
pode ser achada no entendimento do valor da sexualidade e da energia libidinal (sexual) como fundamento dos processos
da psique humana, ponto essencial para Freud.

Iniciava-se a construção da Psicologia Analítica de Jung, que se tornou uma das mais importantes teorias e linhas de
psicoterapias da atualidade.

A PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG


Antes de estudarmos os conceitos mais destacados de Jung, é importante mencionar que ele entendia o ser humano como
um ser único, indivisível, uma unidade, resultado de uma conjugação entre aspectos psicológicos e biológicos, funcionando
dinamicamente.

Veremos agora as principais proposições da Psicologia Analítica defendida por Jung.

O CARÁTER DA LIBIDO

O conceito de LIBIDO para Jung encontrou-se no cerne de sua divergência com Freud. A publicação de seu livro
Metamorfoses e Símbolos da Libido (1912) apresenta sua visão, reconhecendo a libido como a totalidade da energia
psíquica, ultrapassando a concepção puramente sexual. Não se tratava de excluir a disposição sexual da libido, mas incluí-la
em uma nova perspectiva, mais ampla, da dinâmica da psique. Essa concepção monista da libido se contrapunha à de
Freud, dualista.
METAMORFOSES E SÍMBOLOS DA LIBIDO

A obra ganhou uma revisão e passou a ser chamada de Símbolos da Transformação.

A SEXUALIDADE ERA VISTA POR JUNG COMO UM ASPECTO DA VIDA E


A ENERGIA PSÍQUICA, UMA MANIFESTAÇÃO VITAL TOTAL. NESTE
SENTIDO, A LIBIDO PODE SER DIRIGIDA A UM AMPLO ESPECTRO DE
INTERESSES: SEXUALIDADE – FOME – SONO – AFETOS – ESTADOS
EMOCIONAIS, EM UM CONSTANTE IR E VIR, EM UM CONTÍNUO DE
SUBSTITUIÇÕES.

Libido é movimento! Encontramos progressão e regressão, termos indicadores da direção da libido, responsáveis pelo
ajuste às condições da vida, externa e interna. Na progressão, encontramos o avanço da libido, fluindo na direção do exterior
e se adaptando ao mundo externo. Já na regressão, podemos perceber uma paralisação, um represamento devido à
ativação de conteúdos e fantasias infantis que provocaram um fracasso adaptativo. Na regressão, veremos um encontro com
alguma imagem arquetípica e a possibilidade de transpor um determinado obstáculo, ou seja, um complexo. Para tal, muito
trabalho mental é necessário.

PERSONALIDADE

Para Jung, personalidade e/ou psique é a dinâmica de forças que vem do interior e avança para o exterior e vice-versa,
sendo considerada como uma entidade total. Um dos processos importantes de desenvolvimento da personalidade é a
individuação. Encontramos aí uma busca pelo singular e pela diferença em relação ao grupal. O processo de individuação é
complexo, difícil, com etapas e pressupõe conflitos para se atingir uma integração e plenitude. Pressupõe a integração dos
aspectos, consciente e inconsciente, através do autoconhecimento e do encontro com o funcionamento arquetípico,
principalmente, com os arquétipos anima/animus, persona/sombra.
INDIVIDUAÇÃO

Significa tornar-se um ser único, incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Pode ser
também traduzida como “tornar-se si mesmo” ou “o realizar-se do si mesmo” (JUNG, 1978).

O CONCEITO DE INCONSCIENTE COLETIVO E ARQUÉTIPOS

Para falar do conceito de inconsciente coletivo, faz-se necessário estabelecer comparação com os conceitos de
consciência e inconsciente individual.

CONSCIÊNCIA
Pode ser definida como a possibilidade de acesso a uma série de elementos psíquicos, um fluxo contínuo que se alterna
indefinidamente; presença e ausência, interior e exterior, pelo qual teremos a possibilidade de conhecer nossa essência e de
nos tornarmos cientes de nossa personalidade. Nosso eu/ego e consciência encontram-se intimamente associados.


INCONSCIENTE INDIVIDUAL OU PESSOAL
É entendido como o extrato mais básico e aparente, próximo à superfície, ou seja, o que já foi acessado pela consciência.
Refere-se à sorte de experiências pessoais adquiridas na interação com o mundo durante sua existência. Nesse sentido, ele
é único. É nesse inconsciente que podemos encontrar o fato gerador do conflito, o que um dia quisemos esquecer, o que foi
rejeitado/recalcado, experiências consideradas traumáticas. Tudo aquilo que foi consciente e que da consciência foi
subtraído – memórias, emoções, dores, imagens – e que, portanto, não se tornou conciliável com meu eu, pertence ao
inconsciente pessoal e gera o que chamamos de complexos.

Estes complexos têm uma energia psíquica e podem ser acionados por situações do cotidiano. São agrupamentos de
sensações, pensamentos e afetos que, ao serem ativados, reagem de forma vigorosa e tendem a controlar o
comportamento, a personalidade. Um complexo despertado domina pensamentos, ações e comportamentos, e pode
produzir sintomas. Muitas vezes, encontramos arquétipos associados aos complexos.
Chegamos ao inconsciente coletivo, um conceito essencial da Psicologia Analítica. Caracteriza-se como uma parte que se
distingue do inconsciente individual, pois nunca fora consciente. Para entendê-lo, será necessário conhecer alguns aspectos
da Mitologia e Antropologia.

Define-se pelo herdado, inerente, pelo que há de mais primitivo e profundo na psique. É um depósito de experiências
universais, atemporal, de temas vividos em diferentes culturas e espaços por todos os indivíduos. É, portanto, um conjunto
de experiências de caráter repetitivo que recebemos de nossos ancestrais e que moldam nossa forma de reagir e entender o
mundo, geração após geração. Iremos perceber essas imagens - registros simbólicos comuns - em cada um dos indivíduos.

SEGUNDO O DICIONÁRIO MICHAELIS, VERSÃO ON-LINE, ARQUÉTIPO É


UM “TIPO PRIMITIVO OU IDEAL; ORIGINAL QUE SERVE DE MODELO;
MODELO, O EXEMPLAR OU O ORIGINAL DE UMA SÉRIE QUALQUER”.

NO DICIONÁRIO AURÉLIO, VERSÃO ON-LINE, “MODELO OU PADRÃO


PASSÍVEL DE SER REPRODUZIDO EM SIMULACROS OU OBJETOS
SEMELHANTES”.

Desde o nascimento, já se encontram impressas experiências significativas da humanidade que, servindo de modelo,
inclinam o indivíduo a pensar, pressupor e agir de forma semelhante, ou seja, um padrão pré-formado de comportamento,
independentemente do tempo e cultura. A estas predisposições inatas, Jung deu o nome de arquétipos - uma série de
símbolos e imagens universais representativas observadas no comportamento. Os arquétipos podem ser encontrados em
sonhos, fantasias, mitos.

Existem diferentes arquétipos na mente humana, todos relacionados ao cotidiano da experiência e existência do ser
humano. Vamos exemplificar alguns deles, tais como self; animus e anima; a persona e a sombra; a mãe e o herói.

SELF

Representa a integração, a totalidade da psique, o que inclui o consciente-inconsciente e os arquétipos. Executa um trabalho
de mediador e organizador das temáticas psíquicas. É o centro da totalidade.
ANIMUS E ANIMA

Essas duas imagens são, para Jung, “imagens da alma”. Consideradas representações inconscientes, imagens psíquicas do
que reconhecemos nas manifestações do masculino e feminino respectivamente. Cada ser humano possui representações
de ambos os arquétipos na sua psique, integrados em uma constituição bissexual, andrógina. De acordo com o extrato
biológico e o contexto cultural, observamos uma diferenciação maior ou um predomínio de manifestações do masculino ou
do feminino, no homem e na mulher. Interessante lembrar que, nos relacionamentos afetivos, estas representações
arquetípicas cruzadas estarão presentes na construção do ideal de parceria para cada um dos envolvidos. Observe a
importância deste aspecto nas psicoterapias de casal.
PERSONA E SOMBRA

São dois arquétipos que não se confrontam, mas são polos facilmente observáveis nas relações do dia a dia. Persona é um
conceito que apresenta interfaces do eu com a cultura. Mais precisamente, uma negociação do eu/ego com as exigências da
cultura no cumprimento de papéis sociais, sejam eles familiares, pessoais e/ou sociais. É comum ser descrito como “a
máscara social”, já que revela um sentido de adaptação ao esperado socialmente. Portanto, persona é o que encenamos
socialmente, como nos mostramos nos diferentes espaços que frequentamos por meio dos diferentes papéis sociais – filho,
aluno, professor, profissional. Pertencer ao grupo social, se inter-relacionar, ser aceito, acarreta, muitas vezes, submissão ao
desejado socialmente. Essa perspectiva indica a direção do próximo conceito. Sombra é um conceito que se refere a
conteúdos inconscientes, nosso lado obscuro, recusado por nós – o abominável, logo, temido. Organiza-se durante todo o
desenvolvimento do indivíduo, pelos sucessivos “nãos” recebidos na tentativa de obtenção de aprovação social e pessoal.
Trata-se de um aglomerado de frustrações, atitudes, afetos e concepções que reconhecemos como inaceitáveis e que
encaramos como um “limbo” da psique, na esperança de mantê-los afastados, inclusive, de nós mesmos. A sombra nos
revela a existência de um outro dentro de nós, ameaçando-nos de dentro, arriscando a perda do amor e lugar ocupados na
sociedade. Contudo, quanto mais nos ocupamos em deixá-la fora de cena, por meio de diferentes mecanismos de defesa,
em busca de uma imagem idealizada, mais a sombra crescerá e mais ameaçará nossa existência. A integração entre o que
realmente somos e o que podemos atender ao outro é o caminho da individuação e da saúde mental.
GRANDE MÃE

Ligada à representação da maternidade, com seus aspectos positivos e negativos. A energia da maternagem é o que
encontramos associado ao arquétipo. Você já visitou uma família com um recém-nascido? Se sim, já deve ter experimentado
esse fluxo energético no qual todos parecem envolvidos. Todos que se aproximam deste bebê conectam-se com tal energia.
O nascimento de uma criança coloca em jogo este arquétipo; na verdade, a relação mãe-bebê faz emergir esta energia
psíquica.

Desde o nascimento, construímos internamente essa imagem primordial a partir das vivências e relações travadas com essa
que nos gerou e com todos que se aproximam, a partir desta perspectiva energética. A grande mãe pode ser caracterizada
como aquela que dá a vida, nutre e cuida. Vários são os traços essenciais definidos por Jung deste arquétipo. Seus atributos
são o maternal: simplesmente, a mágica autoridade do feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o
bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da
transformação mágica, do renascimento; o instinto e o impulso favoráveis; o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo
dos mortos, o devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal (JUNG, 2002).

Encontramos nesta descrição dois lados desta grande mãe:

POSITIVO

A vida e a proteção
NEGATIVO

O engolfamento e a alienação.

Através de Jung, podemos perceber que aquela que protege e acolhe pode também apresentar seu lado castrador e
aprisionante. Vida e morte!

Com o amadurecimento, esta imagem arquetípica será a base da forma como vivemos nossa autoestima, nosso
autocuidado, nossa capacidade de amar e cuidar do outro.

HERÓI

Tem como representação a imagem daquele que está disposto a lutar, defender e proteger o outro e o mundo. Disponibiliza-
se a desafios, enfrentamentos e missões que concedem sentido à sua vida. De acordo com as experiências familiares e
sociais, positivas ou negativas relativas a esse panorama, o indivíduo poderá apresentar potencial e capacidade plena de
conquistar mudanças e buscar seus objetivos, ou encontraremos comportamentos negativos de insegurança, evitações e
paralisações diante de desafios.

TIPOS PSICOLÓGICOS

Os tipos psicológicos, de maneira geral, podem ser descritos como introvertido e extrovertido, que são absolutamente
díspares e se distribuem sem distinção de classe, cor ou credo, o que demonstra sua característica inconsciente. Desde o
início do desenvolvimento infantil, já podemos observar a construção e a dominância de um dos tipos.

Para comentar os tipos psicológicos, sempre é necessário destacar qual a sua conexão em relação ao objeto, mundo
externo, ou à própria subjetividade. Nesse sentido, veremos a direção da energia para o exterior ou interior. Podemos
identificar a existência de uma alternância entre os tipos em um mesmo indivíduo, mas encontraremos uma atitude
prevalente. Ninguém se manifesta exclusivamente a partir de um dos tipos.

EXTROVERTIDO

O tipo extrovertido tem sua ênfase no objetivado, no exterior, que assume vital importância. A sua força determinante
encontra-se no exterior, mais do que, no subjetivo, mais do que na sua própria ótica. Para Jung, este tipo pensa, sente e
atua diretamente em acordo com as relações objetivas e suas premissas.
INTROVERTIDO

O tipo introvertido direciona sua atenção para seu mundo interno, sua subjetividade, priorizando seus pensamentos e
sentimentos, seus processos internos. Apesar de examinar o exterior, ocupando-se das impressões que o objeto lhe causou,
sua referência máxima encontra-se nas suas disposições subjetivas.

A partir destes tipos gerais, Jung formulou oito tipos ditos especiais, mais singulares, devido às tentativas de adaptação a
partir de seu funcionamento psicológico essencial.

Duas atitudes - extroversão e introversão - e quatro funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição. Cada uma
destas funções, se conjugará com as atitudes. Desta forma, veremos, por exemplo, tipos como: intuitivo extrovertido,
pensativo introvertido, pensativo extrovertido, sentimental introvertido etc.

A ATITUDE RELIGIOSA

Um outro ponto bastante importante da Psicologia Analítica refere-se ao pensamento sobre a religiosidade, que não está
atrelada à participação em algum tipo de religião. Desde sempre, Jung encontrava-se conectado a este tema, pois era filho
de um pastor protestante.

Jung aborda que todos os seres humanos possuem uma atitude religiosa que é fundamental para o desenvolvimento da
personalidade.
MAS, EFETIVAMENTE, DO QUE SE TRATA ESTA ATITUDE RELIGIOSA?

Encontra-se associada a uma observação (consciente) zelosa de experiências vividas no mundo que, entretanto,
ultrapassam a objetividade. Estaríamos falando de situações que podem ser sentidas e interpretadas como atravessamentos
da materialidade, do real experimentado, tais como, sensações espirituais, ideias e contatos com o divino e com o
inominável etc. Talvez, venha daí a imagem de que Jung era místico, pelo seu interesse no religioso. Contudo, a intenção de
Jung era definir a atitude religiosa como uma atitude mental, pertencente ao mundo da psique de todos os indivíduos. Mais
do que isso, entendia a atitude religiosa como uma possibilidade de reconciliação entre os elementos conscientes e
inconscientes da psique (Jung, 1977).

 RESPOSTA

Poderíamos vislumbrar no horizonte a ideia de um arquétipo?

Sim, claro! A imagem simbólica do divino e do sagrado encontra-se presente em todos os seres humanos. Aquilo que é da
ordem do implacável, do arrebatador, que excede qualquer compreensão consciente, com morada no inconsciente, no
desconhecido.

O LUGAR DOS SONHOS PRA JUNG


Falar em sonhos é falar em inconsciente. Foi a partir da leitura do trabalho de Freud A Interpretação dos Sonhos (1900), que
Jung se interessou pela Psicanálise. Apesar de seu interesse, observamos uma grande divergência no método de
interpretação adotado por cada um deles. A ideia de Freud de que todo sonho encerraria a satisfação de um desejo infantil
recalcado foi abolida por Jung, que apresentou uma nova forma de entender os conteúdos oníricos. Segundo Jung, para
interpretar um sonho não será buscada a causa (como acontece com Freud), que aparece encoberta, e sim uma finalidade,
uma prospecção, um “para quê”.

O sonho é um indicador, uma mensagem a quem sonha. Falar em sonhos é estabelecer uma conexão com o mundo
inconsciente. Segundo Jung, encontramos nos sonhos toda uma simbologia bastante individual, espontânea e sem disfarces
ou defesas, uma expressão clara do inconsciente pessoal e coletivo. A interpretação dos sonhos ocupa um lugar
fundamental na terapia junguiana.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Reconhecer os principais conceitos de Ferenczi colaborativos no aprofundamento da Psicanálise

CONHECENDO SÁNDOR FERENCZI


Nascido na Hungria, Sándor Ferenczi (1873-1933) foi contemporâneo de Freud. Médico formado pela Universidade de Viena
(1894), especializou-se mais tarde em Neurologia. Da primeira geração de psicanalistas, foi um dos principais seguidores de
Freud, muito interessado em divulgar a Psicanálise nos meios médicos. Entrou em contato com o texto freudiano a partir de
A Interpretação dos Sonhos (1900), mas não demonstrou grande entusiasmo. Somente em 1908, fez seu primeiro contato
direto com Freud, que perdurou por muitas décadas, inclusive, com longa troca de correspondências, em uma relação que
exercia o papel de discípulo, fiel escudeiro e amigo. Após apresentação da conferência Psicanálise e Pedagogia no I
Congresso Internacional de Psicanálise em Salzburg (1908), escreveu um de seus primeiros trabalhos mais importantes -
Transferência e Introjeção (1909), que inspiraria os escritos da posterior chamada Escola Kleiniana de Psicanálise.

 Sándor Ferenczi

Participou ativamente do início do movimento psicanalítico com a produção de muitos trabalhos, com originalidade e
criatividade ímpares.

APESAR DE ESCREVER E CONTRIBUIR COM QUESTÕES TEÓRICAS,


SUA PREOCUPAÇÃO MAIOR EVIDENCIOU-SE NA DIREÇÃO DA
CLÍNICA, NA CONDUÇÃO DO PROCESSO TERAPÊUTICO. OCUPADO EM
ATENUAR O SOFRIMENTO DOS SEUS PACIENTES BUSCOU
ALTERNATIVAS CLÍNICAS, FEZ NOVAS OBSERVAÇÕES NA PRÁTICA,
SEMPRE COM O OBJETIVO DE CUIDAR E CURAR.

Seus estudos e proposições encontravam respaldos em sua clínica, caracterizada por um olhar bastante humano. Seu
interesse teórico-clínico abarcava temas e atendimento relacionados a grupos marginalizados pela sociedade, tais como
pobres, prostitutas e homossexuais, além de casos como psicose, transtornos limítrofes e outros considerados de difícil
acesso ou de maior complexidade.

Vale mencionar que suas ideias ainda ficaram veladas por um longo período, mesmo admiradas por Freud e com toda sua
participação e criatividade em diferentes aspectos teórico-clínicos. Somente após sua morte seus escritos passaram a ser
mais amplamente propagados. Atualmente, Ferenczi é bastante estudado e sua obra é profundamente explorada, sua
influência é percebida em toda a prática analítica contemporânea.

PRINCIPAIS CONCEITOS
Apresentaremos agora alguns dos principais conceitos de Ferenczi: interação mente-corpo, mecanismo de introjeção,
transferência, trauma, empatia e técnica ativa.
Desde o início de seus trabalhos, havia o interesse em estabelecer uma observação da manifestação do corpo, das doenças
orgânicas como componente psíquico simbólico sobreposto. Em 1917, Ferenczi publica As Patoneuroses que, em essência,
aponta a estreita interação mente-corpo. Diante da existência de doenças orgânicas, poderia ser observado um
investimento libidinal dirigido a este órgão que acabaria por gerar um distúrbio psíquico.

FERENCZI PRESSUPÕE QUE A ENFERMIDADE FÍSICA, AO RECEBER


ESSE INVESTIMENTO LIBIDINAL, EROTIZARIA A PARTE DO CORPO
ACOMETIDA E TERMINARIA POR SE TRANSFORMAR EM UM LUGAR DE
PRAZER SEXUAL. ASSIM, O ADOECIMENTO FÍSICO DESENCADEARIA
EM UM ADOECIMENTO PSÍQUICO – A ORGANIZAÇÃO
PSICOSSOMÁTICA.

Entretanto, Ferenczi, já em 1926, em sua obra Neuroses de Órgão e seu Tratamento, nomeia como neurose de órgão a ideia
de influência direta do psiquismo, via erotização sobre o corpo. O que ele propõe, apoiado em algumas ideias freudianas, é
que uma região do corpo poderia assumir um papel sexual, tornando-se uma zona erógena e comprometendo sua função
original. A conclusão é que esta condição acontece devido a alterações psíquicas da sexualidade. Todo seu empenho em
discutir esta relação mente-corpo foi fundamental para as pesquisas da Medicina no campo da Psicossomática.

Outro conceito muito importante é o de introjeção, introduzido na Psicanálise por Ferenczi que, como outros conceitos,
passou por aprimoramentos e acréscimos. O profícuo artigo Transferência e Introjeção (1909) concebeu o conceito de
introjeção referindo-o a uma inclusão no ego e uma posterior representação de objetos exteriores. Podemos entender este
conceito como um mecanismo típico da neurose, uma tendência a introjetar objetos de interesse. Posteriormente, em 1912,
ampliou esse conceito e o colocou como característico de todo ser humano na construção das relações objetais e, nesse
sentido, como um movimento normal de desenvolvimento do ego e organizador da personalidade. Desta forma, passou da
posição autoerótica para aloerótica de relação com os objetos externos. Dois aspectos atuam nesse mecanismo: posse
amorosa de um objeto e a identificação narcísica com ele. O investimento libidinal sobre os objetos para introjeção e
construção do mundo interno a partir da identificação com ele, agora, tornando-o si próprio.

 ATENÇÃO

Ferenczi fala de introjeção de um modo distinto da teoria kleiniana. Para ele, introjeção constitui-se em um movimento de
dentro para fora, em um lançamento da energia e captura de objetos.

Ferenczi começou a descrever o desenvolvimento do ego associado ao modelo de projeção. Desde seu nascimento, o bebê
é capaz de experimentar, mesmo que de forma rudimentar, sensações advindas do mundo exterior e do mundo interior,
entretanto, sem conseguir diferenciá-las. Gradualmente, ele atinge uma percepção de que nem sempre seus desejos
poderão ser imediatamente satisfeitos. Ferenczi fala de um período inicial de onipotência do bebê, onde, através de seus
gritos, agitação corporal e aparente desespero, obtém, de acordo com a tradução que o adulto conseguir realizar, satisfação
e prazer. Parece mágica! Ele obteve satisfação através de si mesmo, mas o mundo se impõe, nem sempre conseguindo
atendê-lo. As sensações desagradáveis de desprazer tenderão a ser expulsas do mundo perceptivo do bebê, para manter o
agradável, o prazeroso. Nesses primeiros momentos, verificamos a vivência primária de um dentro e um fora, um eu e um
não-eu, mundo interno e mundo externo. Encontra-se inaugurada a compreensão de uma realidade externa a ele. A partir
daí, cada vez mais se torna claro o objetivo (real) e o subjetivo (o que é do ego). Para o desenvolvimento desse ego e
sentido de realidade, é necessário um acolhimento por parte do outro, adulto.

A NOÇÃO DO TRAUMÁTICO

Nesse percurso, encontraremos sofrimentos muito primários associados ao que Ferenczi denominou trauma. Ele
desenvolve mais completamente este tema em seu artigo Confusão de língua entre os adultos e a criança (1933). Apresenta
uma distinção importante na linguagem infantil e na adulta capaz de gerar um trauma. A criança se utiliza da linguagem da
ternura e o adulto a linguagem da paixão para se relacionar com o outro.

A criança vivencia o mundo do brincar, do jogo e do faz de conta fantasioso, enquanto o adulto já se encontra marcado pela
sexualidade genital adulta e pelo recalque sexual. No encontro dos dois, não há como a criança não ser mal interpretada, já
que as linguagens e compreensão são diferentes. Ferenczi reconhece a existência de um trauma nesta relação e o entende
também como organizador e estruturante da psique infantil. Submeter-se às regras do mundo adulto, que vão desde higiene
a rotinas estabelecidas, traz sofrimento à criança, que precisa se submeter. No entanto, o adulto pode invadir a criança, ou
profanar seu psiquismo, respondendo às suas demandas de uma forma passional, sedutora e abusadora, levando-a a
experiência de um evento sexual abusivo, em uma relação de poder, ou a experiência de um abandono, sem que a criança
consiga oferecer algum tipo de resistência. Este pode ser considerado um trauma desestruturante.

Ferenczi fala de dois tempos do trauma. O primeiro é o choque pela invasão vivida, onde a criança atônita busca alguém
que possa ampará-la e ajudá-la a dar sentido ao vivido. O adulto envolvido (e o ambiente adulto ao redor), ao não
reconhecer ou ignorar o choque, na insistência de enxergar como fantasia infantil ou de silenciar diante do fato, coloca a
criança diante de um desmentido. Este deslegitima sua alegação e seu sofrimento. Sensações de desamparo e vazio
passarão a ser vividos por esta criança, a partir daí, totalmente silenciada, submetida ao que o outro lhe impõe. Diante de tal
situação, o que vemos ocorrer é um trauma patogênico e, posteriormente, a clivagem do ego, para tornar o fato
traumático, apartado da memória, sem possibilidade de entendimento. O trabalho analítico tentará alcançar as marcas
deixadas por eventos deste tipo, reorganizando conexões e novos ciclos.
CLIVAGEM DO EGO

“Processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de
relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica (...) Trata-se aqui de uma repetição de
protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada.” Fonte: Dicionário de Psicanálise Laplanche e
Pontalis.

MANEJO DA TRANSFERÊNCIA

Importante retornar ao artigo de 1909, onde Ferenczi estabelece uma relação entre os dois conceitos de introjeção e
transferência. Na relação terapêutica, o analista serviria como conexão para os despertados impulsos e afetos infantis
anteriormente introjetados – transferência. Esta só será possível a partir da introjeção, em um redirecionamento da pulsão.
Será a partir desse fenômeno que o analista trabalhará, tentando alcançar a cura na identificação dos aspectos infantis
relacionados.

PULSÃO

Conceito limite entre o psíquico e o somático, como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e
alcançam a psique, como medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o
corpo. Fonte: Netto e Cardoso, 2012.

O manejo da transferência pelo analista poderia levar à elaboração destes diferentes complexos infantis inconscientes.
Contudo, é necessário que o analista saiba dosar a tensão da interpretação dos conteúdos, de acordo com a avaliação
prévia do que o paciente é capaz de suportar. Nesse sentido, encontraremos os aspectos de “sentir com” e do tato
psicológico descritos em um dos textos mais importantes de Ferenczi, A Elasticidade da Técnica (1928).

Devemos chamar atenção ao fato de as concepções de transferência negativa e positiva terem sido trazidas por Ferenczi
e, depois, trabalhadas por Freud, ambos dirigidos para a figura do analista. Este precisaria ser capaz de suportar tais afetos
transferenciais em sua direção. Essas polaridades fariam parte de toda relação terapêutica e ambas, positiva e negativa,
deveriam ser levadas em consideração durante o trabalho analítico no deciframento e entendimento destas forças
inconscientes.

A noção de contratransferência mostra-se diferente da elaborada por Freud. Esta é definida não só como os próprios
sentimentos inconscientes do analista, mas como todo um conjunto de respostas emocionais mobilizadas no analista, na
relação com o paciente. Mas, se, para Freud, era vista como um obstáculo, evidenciando a proposta de uma assepsia, de
um controle em relação aos sentimentos e afetos do analista; em Ferenczi, vemos a possibilidade do uso da sensibilidade da
contratransferência como uma ferramenta no trabalho clínico. Manter contato com o material do paciente, mas não se
esquivar de realizá-lo com seus sentimentos e afetos despertados nessa relação com o paciente. Ferenczi queria deixar
claro que o analista também seria capaz de trazer à tona sensações e emoções a partir da forma como acontecia esse
encontro analítico.

TRANSFERÊNCIA NEGATIVA

O aparecimento de afetos da ordem da raiva, ódio e hostilidade.

TRANSFERÊNCIA POSITIVA

O aparecimento de afetos da ordem do amor e da ternura.

Em toda sessão analítica, podemos evidenciar um fluxo de afetos em todas as direções que poderão se prestar ao fazer
analítico.

 ATENÇÃO

É importante lembrar que a possibilidade de fazer uso de seus aspectos contratransferenciais pressupõe que o analista
tenha passado por uma boa análise, reconhecida por Ferenczi como a segunda regra fundamental da Psicanálise, ao passo
que a primeira seria a associação livre.

A utilização dessa percepção e conhecimento no contexto da análise precisa ser cuidadosa e empática no que diz respeito
ao momento transferencial vivido pelo paciente. Esta habilidade retoma o que apontamos acima: o “sentir com” e o tato
psicológico. Segundo Ferenczi, esses aspectos são fundamentais para um adequado manejo clínico do material durante as
sessões. O “sentir com” pode ser relacionado a uma capacidade empática, fator importante em qualquer trabalho
terapêutico. A empatia pressupõe mais que uma identificação com o outro, pressupõe uma sensação de estar tomado pelo
outro. Somente assim, é possível supor, de forma um pouco mais segura, algumas respostas emocionais do paciente ao que
venhamos comunicá-lo, agindo de forma mais responsável e ética. O tato psicológico, intimamente relacionado “ao sentir
com”, muitas vezes, é descrito como o que deve ser escolhido para ser dito, como será dito e em que momento.

Importante entender que esta perspectiva se impõe a cada interpretação. No encontro analítico, todo momento é único e
todo paciente também.

UMA CLÍNICA PARA PACIENTES DIFÍCEIS

Precisamos lembrar que Ferenczi se dedicava a atender pacientes reconhecidos como mais difíceis e que, devido a isto,
com aspectos regressivos que demandavam mais cuidado ainda.

Alterações da posição do analista foram pensadas e suas ideias nos trouxeram a necessidade da flexibilização da técnica,
através do sentir com e do tato psicológico.

Essas alterações parecem ter sido pensadas a partir das necessidades de seus pacientes. Cada vez mais, o aspecto
relacional do encontro analítico era visto como importante e, de acordo com o paciente, mudanças técnicas eram
implementadas e aceitas com o objetivo de melhor alcançar processos inconscientes e ajudar os pacientes.

UMA CLÍNICA PARA PACIENTES DIFÍCEIS


VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Identificar a relevância dos estudos psicanalíticos na matriz de desenvolvimento humano mãe-bebê a partir dos
conceitos winnicottianos

CONHECENDO DONALD WOODS WINNICOTT


Donald Woods Winnicott nasceu na Grã-Bretanha em 1896 e faleceu em 1971. Iniciou seu curso de Medicina próximo ao
início da Primeira Guerra Mundial, colaborando em um Hospital Militar. Alistou-se à Marinha e seguiu para o campo de
batalha. Completou seu curso em 1920, na especialidade de Pediatria, depois, especializou-se em Psiquiatria Infantil e
Psicanálise. Atuou ativamente também na Segunda Guerra Mundial através de programas para acolhimento de crianças
separadas de seus pais pelo conflito.

 Ilustração Winnicott.

É importante entender que essas experiências foram fundamentais na criação da teoria de Winnicott, pois lhe permitiram
experienciar situações de traumas, sofrimento e abandono, que influenciaram suas ideias profundamente e seu lado
humano. Podemos considerar que Winnicott foi um dos principais e mais ricos autores da contemporaneidade. Além disso,
sofreu influências do pensamento de Ferenczi e sua teoria demonstra grande preocupação com o desenvolvimento
emocional precoce.

 SAIBA MAIS

Cabe destacar que seu encontro com a Psicanálise aconteceu após algumas leituras de textos freudianos e kleinianos que o
encantaram e determinaram sua disponibilidade para ser analisado e iniciar sua formação analítica em 1927.

Winnicott não pode ser considerado nem seguidor nem dissidente da Psicanálise. Tornou-se parte de um grupo inglês
chamado Independente, que se afastava da concepção de pulsão e estrutura edipiana, priorizando a ideia de relações
objetais. Winnicott, bem como seu grupo, não entendia o complexo edipiano como o centro dos distúrbios psicopatológicos.
Alguns autores costumam dizer que sua obra foi uma redescrição, uma reformulação de vários conceitos propondo uma
visão particular e original do psiquismo.

Uma das suas principais contribuições foi pensar as relações da díade mãe-bebê, o papel do cuidado materno deste bebê,
como essencial ao desenvolvimento mental e emocional humano. Outro aspecto relevante foi o lugar destinado ao ambiente
como facilitador ou complicador do desenvolvimento saudável, podendo originar patologias e adoecimento. Winnicott
entendia que todo ser humano traz consigo, desde seu nascimento, possibilidades de amadurecimento e integração.
Entretanto, só atingirá seus objetivos a partir do investimento pleno da figura materna sobre ele.

Winnicott sempre se preocupou com a saúde psíquica das pessoas e considerava importante partilhar suas ideias sobre a
importância da relação mãe-bebê em seus primórdios. Além de escrever compulsivamente, participou de vários programas
de rádio, conferências, sempre com o objetivo de informar e disseminar os conhecimentos e colaborar na construção de uma
família e sociedade mais saudáveis.

CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA DE WINNICOTT


Prosseguiremos agora trabalhando alguns dos conceitos mais importantes da teoria winnicottiana. São eles: maternagem;
preocupação materna primária; mãe suficientemente boa; estágios de amadurecimento; objeto transicional;
verdadeiro e falso self.
Uma das falas mais famosas e enfaticamente repetidas por Winicott e presentes na obra Da Pediatria à Psicanálise é:

“NÃO EXISTE ESSA COISA CHAMADA BEBÊ (...) NÃO EXISTE BEBÊ
SEM MÃE NEM MÃE SEM BEBÊ”

(WINICOTT, 2000).

Reflete-se, portanto, sua ideia de que a existência do bebê se encontra atrelada aos investimentos amorosos da mãe. Para
que o bebê possa existir física e psicologicamente, faz-se necessário que alguém exerça a função materna. Segundo o
autor, a mãe seria a mais capacitada para tal.

A ATITUDE DE CUIDADO E ATENÇÃO PODE SER CHAMADA DE


MATERNAGEM. TODO BEBÊ AO NASCER APRESENTA UM
AGLOMERADO DE AFETOS, PULSÕES, IMAGENS E SENSAÇÕES
CORPORAIS QUE DESCONHECE E QUE SE ENCONTRAM SEM UMA
ORGANIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO. POR MEIO DOS CUIDADOS E DO
OLHAR MATERNO, A CRIANÇA IRÁ SE INTEGRAR E DESENVOLVER.

Ser mãe é se oferecer, com toda a disponibilidade do seu ser, para cuidar de modo empático, participando enquanto unidade
com seu bebê, e colaborando para o seu crescimento. Será a partir desta sensação de unidade, com características
simbióticas, que ela será capaz de se colocar no lugar dele, identificando-se, e perceber quais são as suas necessidades,
dia após dia. Reconhecerá as sutilezas de suas solicitações, as necessidades mais singulares em uma posição ativa de
satisfação e acolhimento, sejam estas necessidades de colo, acalanto, atenção, alimentação, toque, entre outras.

Podemos perceber a primitividade desta relação. Um bebê necessita da presença e cuidados maternos para sua
sobrevivência emocional, alguém (a mãe) que desenvolveu internamente uma condição psicológica que Winnicott chamou
de preocupação materna primária, desde os momentos iniciais da sua gravidez e, continuamente, após os primeiros
tempos do nascimento. A experiência deste estado é fundamental, pois, através da mãe, como um espelho seu, sendo
atendido nas suas necessidades, o bebê vivencia um contexto favorável para o seu desenvolvimento. No cotidiano, a mãe
renuncia às suas motivações e se debruça ativamente sobre a existência do seu bebê, dando a ele a possibilidade de viver,
existir e se integrar. Tudo isso no ritmo próprio do bebê.

Percebam a importância deste vínculo! Disponibiliza-se, torna-se unidade com seu bebê, troca carícias e cuidados, percebe
e atende suas faltas, reflete o que experimenta dele empaticamente, colabora na sensação de sua existência e na conexão
com suas sensações corporais e representações psíquicas de si-mesmo, integrando-as. Nos primeiros meses, esta
interação é estruturante do psiquismo. É o momento do eu sou.
FUNÇÕES DA MATERNAGEM E DESENVOLVIMENTO DO SELF

Dentro deste contexto, Winnicott apresenta sua ideia de uma mãe suficientemente boa. Aquela capaz de, por meio de sua
sintonia, identificar e atender às necessidades do bebê na medida em que fluam e a partir do ponto de vista dele. O bebê,
inicialmente, não se reconhece e não reconhece essa mãe. Gradativamente, nesta relação tão delicada, através de contatos
corporais e de todos os sentidos (cheiros, olhares, mamadas, contornos do corpo), ele passará a se integrar, perceber a si
mesmo, reconhecê-la e a conhecer o ambiente no qual está inserido. Neste caminho, irá se diferenciar da mãe e alcançar o
reconhecimento do seu eu. Durante este processo de maternagem efetuado, podemos distinguir, basicamente, três funções:
holding, handling e apresentação dos objetos. A essas três funções, podemos juntar, respectivamente, as tarefas de
integração do eu, personalização e relação com objetos e com o mundo.

HOLDING (DO INGLÊS, “SEGURANDO”)


Refere-se, portanto, à possibilidade desta mãe de manter este bebê de forma adequada no seu colo. Repare que, nesse
sentido, estamos falando de um duplo aspecto – físico e psicológico. O segurar, a pegada materna que o leva a viver a
segurança, confiar, sentir-se amparado. A partir daí, inicia-se sua integração, sentir-se unidade, sentir-se uno através do
tempo, a continuidade do ser.

HANDLING (DO INGLÊS, “MANIPULAÇÃO”)


Consiste na execução dos cuidados diários. Enquanto realiza esses cuidados, de limpeza, banho, vestir, cantarolar,
acomodar no berço, envolver nos braços, a mãe manuseia seu bebê, desliza as mãos por seu corpo proporcionando-o as
sensações de limites e de contornos desse corpo. Em uma verdadeira experiência psicossomática, este bebê consegue ser
capaz de reconhecer seu espaço corporal, o mundo interno e externo. Essa percepção do seu corpo nomeamos de
personalização, o desvelamento do self.
APRESENTAÇÃO DOS OBJETOS
Seguindo o movimento de amadurecimento, a mãe agora inicia o processo de apresentação dos objetos, do mundo externo,
da realidade ao bebê. Tal processo é fundamental para sua capacidade de relacionar com os objetos durante toda a sua
vida. A cada sucessiva apresentação de objetos da realidade, a mãe vai se mostrando substituível. Em acordo com as
necessidades de seu bebê, percebidas por ela, os objetos se presentificam. Interessante notar que o próprio bebê está
pronto para receber o que é apresentado, essencialmente, por sua mãe encontrar-se em consonância com suas
necessidades. Sob o ponto de vista do bebê, ele mesmo foi capaz de engendrar ou criar o objeto. Estamos diante da relação
entre criação e experiência de onipotência, viabilizada pela figura materna e vivida pelo bebê.

A ilusão de ser responsável pela criação dos objetos e do mundo se torna presente. É claro que, com sucessivas falhas
(empáticas) da mãe e do mundo, o bebê passará a perceber que existe algo para além dele e que tem vida própria – e se
desilude. A desilusão é fundamental, pois dará a esse bebê a percepção de que suas satisfações poderão acontecer, mas
não na imediatez do seu desejo. Aqui, estamos diante da aprendizagem primária das relações entre o princípio do prazer e
da realidade, dois modos de funcionamento descritos por Freud.

Todas estas funções estão acontecendo nos primeiros momentos da maturação do bebê. Podemos dizer que falhas graves
nestes processos podem ser geradoras de patologia. Encontraremos algumas etapas descritas deste processo de
amadurecimento:
DEPENDÊNCIA ABSOLUTA

Primeiro estágio do desenvolvimento e acontece aproximadamente de 0 aos 4/6 meses de idade. É um estágio de
indiferenciação do bebê em relação ao mundo e à sua mãe. Nos meses iniciais de seu nascimento, encontra-se em situação
de simbiose e unidade com a figura materna, dependendo, de modo vital, de que o outro atenda às suas necessidades. O
estado de preocupação materna primária da mãe e as funções encontradas e executadas asseguram as condições do bebê
de seguir maturando.

DEPENDÊNCIA RELATIVA

Estágio é vivido em torno de 6 meses a 2 anos. Por meio da experiência anterior de um ambiente (mãe) confiável, o bebê
agora já conseguiu um self incipiente, ou seja, distinguir entre o eu-não-eu e reconhecer mentalmente a existência desta
mãe como aquela de quem depende. Agora, sim, um “eu” bebê inicia a manifestação de suas necessidades como próprias.
Paralelo a isso, sua mãe “suficiente” começa a restabelecer suas relações com o mundo e as falhas se inauguram de forma
mais perceptiva. A equação frustração-separação-existência pessoal vai sendo vivida mais claramente pelo bebê, que
rumará para a independência. Aqui, veremos o aparecimento dos objetos transicionais, que falaremos mais adiante.

RUMO À INDEPENDÊNCIA

Em um contínuo de explorações de si mesmo e do ambiente, de frustrações e percepções da realidade, aprendizagens


acontecem e o desenvolvimento da capacidade de se relacionar com os objetos pode ser aprimorado. Cada vez mais se
ampliam seus relacionamentos, cada vez mais complexos, durante todo o restante da vida.

IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA TEORIA DE WINNICOTT


VERDADEIRO E FALSO SELF

Na exposição anterior, deixamos claro que, durante o processo de amadurecimento do bebê, o ambiente e a mãe possuem
papel fundamental para colocar em andamento a estruturação da psique. A mãe suficientemente boa adapta-se às
necessidades da criança, promovendo sua satisfação. Esta mãe faz a leitura das manifestações do bebê e viabiliza nesse
encontro a manifestação deste self verdadeiro, do ser e de suas peculiaridades. Além disso, cumpre a função de evitar que o
bebê seja invadido por pressões ou excessos vindos do meio ambiente.

E se a mãe não constrói essa capacidade de se preocupar, de ser empática e falha na sua função de cuidado e proteção?
Um recém-nascido encontra-se ainda não integrado, fragilizado e impotente diante do mundo. Apesar de possuir uma
tendência ao crescimento, precisa de um outro que o ajude a se organizar internamente.

WINNICOTT (1983) AFIRMA QUE, DIANTE DE TAL FALHA, O BEBÊ, AO


INVÉS DE ALCANÇAR “SER”, REAGE E SE MANIFESTA ATRAVÉS DE
UM FALSO SELF. ISTO É, AO INVÉS DA MÃE SE ACOMODAR ÀS
NECESSIDADES DO SEU BEBÊ, SERÁ ELE QUEM SE SUBMETERÁ ÀS
INCAPACIDADES E NECESSIDADES DELA.

A falha materna é passível de ocorrer. Nesse sentido, a ideia de um falso self aparecerá ao lado de um self verdadeiro,
ligados e se alternando. Esta perspectiva é facilmente exemplificada no mundo adulto e nas diversas demandas de
adaptação social pelas quais passamos.

Uma falha grave da adaptação ativa por parte da mãe poderia levar a um quadro patológico. No início da vida, o trauma
vivido pelos sucessivos ataques ao eu rudimentar levaria a uma prevalência do falso self e um encobrimento do verdadeiro
self. Aparentemente, é um mecanismo defensivo para salvaguardar o próprio self verdadeiro para posterior aparecimento.

No trabalho clínico, verificamos diferentes manifestações desse tipo de falha, em graus variados, originando adoecimentos,
tais como depressões e personalidades borderline.

Vale ressaltar que Winnicott não esqueceu a importância da figura paterna no percurso de amadurecimento do bebê.
Principalmente no início desta relação, o pai precisa dar apoio e condições para que esta mãe cumpra sua função. Será
necessário proteger esta díade, oferecendo segurança e impedindo qualquer tipo de invasão ou violência à dupla.

BORDERLINE
Personalidade borderline ou personalidade limítrofe: Apesar de não haver consenso sobre suas causas, envolve sintomas
como instabilidade emocional, sensação de inutilidade, insegurança, impulsividade e relações sociais prejudicadas.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 4

 Descrever os principais conceitos lacanianos como a releitura da obra freudiana

CONHECENDO JACQUES LACAN


Jacques Lacan nasceu em Paris, em 1901 e faleceu em 1981. Cursou Medicina na década de 20, especializando-se
posteriormente em Neurologia e Psiquiatria. Durante a década de 30 também realizou estudos na área de Filosofia e clinicou
em Psiquiatria no Hospital Psiquiátrico.

Somente após iniciar sua análise pessoal, em 1932, teve contato com a Psicanálise, com os psicanalistas e com a IPA
(Associação Internacional de Psicanálise - 1910). Este contato ocorreu em um momento em que o Movimento Psicanalítico
já havia alcançado um longo percurso (década de 20). Várias discussões já vinham sendo travadas, desde as questões
teóricas e práticas até a importância do ensino da Psicanálise e da formação do analista.

Freud encontrava-se empenhado em discutir, junto aos seus discípulos e instituições, sobre os requisitos mínimos,
importantes para a formação do analista – análise pessoal, ensino teórico e supervisão clínica. A análise pessoal deveria
ser feita com um analista didata. Estava definido o tripé da formação analítica que orientaria toda a comunidade psicanalítica.
No entanto, no decorrer do tempo, este modelo foi se tornando mais rígido e autoritário, com maiores exigências e controle
excessivo.
Durante seu processo analítico, Lacan iniciou (1934) sua participação na Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), da qual se
tornou membro em 1938. Sua formação aconteceu dentro do modelo tradicional. Havia terminado sua tese de doutorado
sobre a paranoia em 1932, obtendo grande repercussão pelas suas ideias.

Em 1936, apresentou o trabalho Estádio do Espelho, no XIV Congresso Internacional de Psicanálise, em Marienbad,
inspirado em ideias de Wallon sobre representação do esquema corporal na criança. Este trabalho se mostrou revolucionário
e posteriormente foi aprofundado.

Desde sua filiação à SSP, trabalhava seriamente, tanto na produção de novos textos, divulgando e discutindo a Psicanálise,
como também no ensino e formação dos futuros analistas. Por outro lado, desde que integrou o quadro da SSP, passou a
apontar uma série de divergências quanto à rigidez das Instituições Psicanalíticas e sua forma de condução do processo
formativo de um analista.

Em 1953, rompeu com a SSP e abraçou uma nova escola, a Sociedade Francesa de Psicanálise, fundada por dissidência de
diferentes psicanalistas.

Em 1964, Lacan, após romper com a IPA (Associação Internacional de Psicanálise) e com todos os regulamentos
institucionais, criou um modelo de transmissão e formação analítica com a fundação da Escola Francesa de Psicanálise.

Lacan pode ser considerado um grande renovador, um progressista da Psicanálise. Retornou à obra de Freud, repleto de
contribuições e singularidades. O inconsciente assumiu um lugar privilegiado em sua obra.

SEGUIDOR OU DISSIDENTE?

O que realmente importa é sua contribuição, um tanto original, de imenso valor e que possui um lugar primordial na
Psicanálise contemporânea.

Selecionamos um conjunto de novas ideias lacanianas que levarão você a uma introdução à obra. Das ideias originais, nos
encontraremos com: o estágio do espelho; o entendimento do inconsciente estruturado como linguagem; e as categorias
conceituais real, simbólico e imaginário. Quanto aos aspectos técnicos e clínicos: sujeito suposto saber; desejo do
psicanalista; tempo variável de sessão; corte de sessão com o tempo lógico.

ESTÁGIO DO ESPELHO E A FORMAÇÃO DO EU

Esse período fundamental do desenvolvimento mental infantil tem sua ocorrência entre 6 e 18 meses, aproximadamente.
Conforme apontado acima, o conceito surgiu em uma conferência em 1936 e passou por alguns desdobramentos até 1949.
A elaboração inicial baseou-se, principalmente, nas descrições feitas por Wallon sobre o comportamento infantil diante da
percepção de sua própria imagem no espelho. Diferentemente da direção investigada por Wallon, Lacan ocupou-se do
percurso que a criança irá fazer, a partir da relação de identificação estabelecida com a imagem e o significado deste
aspecto na estruturação de seu eu. A partir de seu reconhecimento na imagem do espelho, e do prazer e contentamento
esboçados através da identificação de seu corpo em integração com seu eu, encontramos o início da formação de uma
identidade.

O bebê, logo quando do seu nascimento, não possui a experiência de um corpo em unidade, mas um amontoado de partes,
sem reconhecer um mundo externo. Posteriormente, já é capaz de se perceber ao olhar para o espelho; o reflexo lhe oferece
uma imagem do corpo para que ele, integrando-se, viva como sendo seu eu. Uma imagem que “fala” dele, um reflexo do eu.
Reparem que a experiência de um corpo integrado, um eu, é apreendida a partir de uma imagem refletida.

Nesse sentido, Lacan aponta a ideia de um eu-ego-imaginário, e do momento inaugural da constituição da subjetividade.
Este eu mesmo identificado é anunciado por Lacan como desvirtuado por, ao menos, dois motivos: a inversão da imagem e
a identificação com algo que vem de fora.

Reconheço-me a partir de uma imagem que entendo como sendo eu mesmo, mas que vem de fora, por um outro (o
espelho), que confirma minha existência. Ou seja, a constituição do eu é processada por um engano, liberto da não
integração, mas aprisionado ao outro.

 SAIBA MAIS

O outro não diz respeito somente à imagem do espelho, pode ser entendido também como o olhar da mãe, a fala da mãe,
etc.

Lacan nos leva a pensar em uma alienação do eu ao olhar do outro que me constitui. Durante o crescimento e
amadurecimento do bebê, o outro (mãe, pai, etc.) representa seu bebê ao lhe falar sobre o seu sentir, sobre como ele é e o
que perceber, inserindo-o em um discurso projetado por este adulto-outro.
Um conjunto de sentidos lhe é atribuído e, imaturo e desamparado, cede a esse outro. Percebemos a fazedura de um sujeito
a partir do olhar e da fala do outro. Esse outro é o próprio espelho. Prosseguirão assim bebê e mãe, formando uma dupla
inseparável e, essencialmente, o bebê estará amalgamado e colado a essa mãe. Se este bebê é o que a mãe interpreta e
projeta, ele é o próprio desejo desta mãe.

Um longo caminho ainda será trilhado por esse bebê, que precisará se separar dessa mãe (ou de um outro que cumpra tal
função) em busca de seu próprio desejo, desalienando-se, tornando-se sujeito desejante, como diria Lacan.

O momento da vivência edipiana possibilitará a chance da conclusão do estádio do espelho. A figura paterna será crucial
neste processo, pois agirá como interditora desta relação. Indicará para a criança a impossibilidade de continuar vivendo a
ilusão de uma completude com a figura materna. O pai frustrará esta criança na satisfação de seu desejo, levando-o a viver
um vazio, a falta. Primeiro, a completude (imaginária) e depois, a falta (simbólica). Estamos falando da experiência edipiana
e da vivência da castração, momento estruturante do sujeito. Somente a partir desta experiência ela poderá iniciar um
movimento desejante e ocupar um lugar no mundo social.
REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL

A apresentação desses conceitos de forma separada tem fins puramente didáticos, pois os três funcionam absolutamente
interligados e articulados. Um trânsito intenso ocorre entre estas três categorias.

Segundo o Dicionário de Psicanálise de Roudinesco e Plon (1988), imaginário é:

TERMO DERIVADO DO LATIM IMAGO (IMAGEM)... AQUILO QUE SE


RELACIONA COM A IMAGINAÇÃO, ISTO É, COM A FACULDADE DE
REPRESENTAR COISAS EM PENSAMENTO, INDEPENDENTEMENTE DA
REALIDADE. UTILIZADO POR JACQUES LACAN A PARTIR DE 1936, O
TERMO É CORRELATO DA EXPRESSÃO ESTÁDIO DO ESPELHO E
DESIGNA UMA RELAÇÃO DUAL COM A IMAGEM DO SEMELHANTE.
ASSOCIADO AO REAL E AO SIMBÓLICO NO ÂMBITO DE UMA TÓPICA,
A PARTIR DE 1953, O IMAGINÁRIO SE DEFINE, NO SENTIDO
LACANIANO, COMO O LUGAR DO EU POR EXCELÊNCIA, COM SEUS
FENÔMENOS DE ILUSÃO, CAPTAÇÃO E CILADA. (P. 371).

A associação direta deste registro imaginário com o eu/ego foi claramente indicada acima pela descrição das relações
de projeção, de identificação e reconhecimento do outro sobre mim. A forma como eu entendo o mundo encontra-se
associada ao imaginário. Ele pode ser entendido como aquilo que eu interpreto sobre o outro e sobre o mundo, como se o eu
tivesse total conhecimento desse outro, como se fossemos um só, não percebendo a existência de possíveis diferenças –
projeção e identificação.

No Dicionário de Psicanálise, Roudinesco e Plon (1988), o simbólico é:

TERMO EXTRAÍDO DA ANTROPOLOGIA PARA DESIGNAR UM SISTEMA


DE REPRESENTAÇÃO BASEADO NA LINGUAGEM, ISTO É, EM SIGNOS
E SIGNIFICAÇÕES QUE DETERMINAM O SUJEITO À SUA REVELIA,
PERMITINDO-LHE REFERIR-SE A ELE, CONSCIENTE E
INCONSCIENTEMENTE, AO EXERCER SUA FACULDADE DE
SIMBOLIZAÇÃO. (P. 714).

Lacan faz uma associação direta do simbólico com a linguagem, como a possibilidade de organização de tudo que ocorre
com o sujeito, em particular, e com o mundo. Falar no registro do simbólico é acessar o que é da ordem da representação,
ou seja, representa, mas não é.

Existe uma coisa colocada no lugar de outra. Vamos novamente a um exemplo: quando, em um sonho, relato meu encontro
com um amigo, mas a fisionomia que aparece é de minha tia, podemos perguntar qual sentido faz isso para aquele que
sonha. Na verdade, o sistema simbólico não tem uma significação por si mesmo, mas pelas relações que apresenta com o
conjunto.

O SIMBÓLICO NÃO É LINEAR, ELE É MÚLTIPLO!

E O REAL?
Antes de mais nada, cabe dizer que o real de Lacan não tem correlação com o que chamamos de realidade, ou aquilo que
experienciamos e no senso comum assim chamamos. Roudinesco (1988) o trata como uma realidade fenomênica que é
imanente à representação e impossível de simbolizar.

O real é aquilo que não tem unidade, é o imprevisível, tudo aquilo que não tem lugar. A impossibilidade de simbolização é a
marca do real. Ele não se encaixa no simbólico e nem no imaginário; é o impensável, o impossível de representar, o
traumático, o que não consegue ser dito, o típico “sem palavras” e que, de repente, se impõe. Atravessando o ser em um
momento de angústia, aparece e não se faz choro, grito ou fala. É o inexpressivo, uma angústia que paralisa, sem sentido.
Aquelas situações que costumamos traduzir como “não tenho palavras para dizer”, “não consigo dar um sentido”, “nem
parece real”, aproximam-se do que Lacan denomina de real.

REGISTROS SIMBÓLICO, IMAGINÁRIO E REAL

INCONSCIENTE ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM

Em 1953, Lacan faz uma proposta bastante diferenciada de Freud em relação ao que entende por inconsciente. Essa ideia
foi baseada nas proposições de Lévi-Strauss e outros, tais como Saussure, com seu estruturalismo, que enfatizava a função
simbólica como reguladora de todos os fatos e relações sociais. Claro que a linguagem, o discurso, sempre foi importante
para Freud, - basta lembrar que a psicanálise tinha como método a talking cure, cura pela fala. Também basta recorrer a
alguns textos famosos, tais como Psicopatologia da vida cotidiana (1966) e A Interpretação dos sonhos (1900) para
entender a multiplicidade de sentidos de uma única palavra, ou imagem, ou lembrança.
No entanto, Lacan, influenciado pelos estruturalistas e linguistas, produz uma entorse na relação entre significado e
significante, introduzindo uma nova perspectiva do inconsciente. Estes conceitos podem ser assim entendidos na linguística
de Saussure: significado de maior valor é o que se refere ao conceito, à ideia em si; significante alude a uma
representação da imagem psíquica do som, do nome atribuído ao conceito.

Encontram-se em íntima relação de interdependência, onde, para cada significado, existe um significante que o representa, o
que remete à ideia de imobilidade ou automatismo de sentido.

O deslocamento apresentado por Lacan refere-se à importância na organização da vida psíquica. A relação entre os dois
elementos deixa de ser natural e passa a ser entendida como engendrada pelo grupo social. Quando falamos algo, o
significado só consegue ser dado no depois, após a finalização do expressado e captura das correlações entre os
significantes. Vale insistir que um significante por si mesmo não tem significado, mas será na relação em cadeia que se
chegará a um sentido. Nesse sentido, os significantes se apresentam para, em seguida, o significado ser apreendido.

O significante é capaz de produzir significado. O significante ganha, na leitura lacaniana, o lugar central. Será
buscando por ele, nas articulações e encadeamentos da fala, em uma palavra entreposta ou colocada no lugar de outra, em
um neologismo, que chegaremos o mais próximo do desejo. A utilização de metáforas (condensação) e metonímias
(deslocamento) no discurso, ou ainda o aparecimento de sonhos e lapsos, revela o inconsciente. Podemos dizer que o
inconsciente estrutura-se seguindo as mesmas leis da linguagem.

Lacan entendia que através da regra fundamental da associação livre seria possível se deparar com as manifestações do
inconsciente e perceber as substituições sucessivas.

As contribuições inovadoras de Lacan também tiveram efeito na prática do psicanalista. Indagações foram realizadas sobre a
posição que o analista deveria assumir durante um processo analítico.
UMA DAS PRINCIPAIS QUESTÕES REFERE-SE AO DESEJO DO
ANALISTA EM RELAÇÃO AO ANALISANDO. LACAN É MUITO CLARO AO
AFIRMAR QUE O ÚNICO DESEJO DO ANALISTA DEVE SER O DE
ANÁLISE. O ANALISTA NÃO DEVE DESEJAR NADA PARA SEU
ANALISANDO, TAL COMO QUE ELE CONSIGA SER FELIZ OU QUE
ENCONTRE UM CAMINHO MELHOR, POR EXEMPLO, E MUITO MENOS
IMAGINAR QUE ELE SABE O QUE É MELHOR PARA SEU ANALISANDO.

Claro que o analisando, ao procurar um analista, em um momento inicial de transferência, acredita que este saberá o que se
passa com ele, saberá sobre o seu sofrimento e como extirpá-lo, curá-lo. Só se inicia um tratamento se o futuro analisando
transfere para esse analista a posição de saber de si e de sua verdade. Fazendo parte desta relação, na direção do analista,
encontramos movimentos transferenciais e de idealização. No entanto, o analista deve estar analisado o suficiente para não
ceder a esta tentação imaginária. Precisa permitir que o analisando assim o veja, mas não assumirá tal posição, não
cometerá o engano de se sentir possuidor de tal saber. Ao contrário, ciente de que nada sabe, não responderá ao desígnio
que lhe foi dado, e irá ocupar um lugar de vazio, impulsionando o analisando, através desse encontro com a falta, para a
busca de seu próprio desejo. Irá trabalhar constituindo-se como “sujeito suposto saber”, diria Lacan.

Nesse sentido, caminha com o analisando, aprendendo com ele, no compasso dado por ele, atravessando seu sofrimento e
seguindo na direção da cura. A prática analítica se caracteriza pela construção de um saber junto com o analisando que
associa livremente.

Outra consideração importante a ser feita remete-se à duração do tratamento e o tempo da sessão. Podemos lembrar
facilmente das inúmeras vezes que um analista recebe a pergunta:

Quanto tempo vai demorar para ficar bom? Quanto tempo vai durar o tratamento?

Questões com uma única resposta – associe livremente. Durante esse associar, o analisando vai se encontrando com suas
questões e com a dureza desse caminhar, sem tempo previamente determinado. Cada um é cada um e o analista sabe
disso. Portanto, não existe uma única jornada, existem jornadas singulares.

Freud mencionava a existência de uma atemporalidade do inconsciente, revelando que a passagem do tempo não ocorre no
inconsciente, onde as representações não se importam com passado, presente e futuro, ligando-se e se misturando ao seu
livre arbítrio. Na análise, seria necessário, pela via da transferência, indagar um tempo de antes vivido no agora.

Vivemos mais diretamente o tempo cronológico, o desenrolar dos fatos e acontecimentos, os dias, as estações do ano,
horário do recreio na escola e assim sucessivamente. É o tempo da realidade e da história. O tempo psicológico tem um
aspecto mais subjetivo, individual, referindo-se a como é sentida a passagem do tempo, como o evento é vivido pelo sujeito.
Se quisermos exemplificar, podemos imaginar que a Segunda Guerra Mundial terminou em 1945, um fato histórico, mas a
descrição dada por um ex-combatente é a de que a Guerra parecia nunca terminar.

PRÁTICA DO ANALISTA E TEMPO LÓGICO


O tempo lógico é descrito por Lacan como um recurso no trabalho com o discurso do analisando, já que é preciso estar
atento ao funcionar do inconsciente. O tempo da análise é o tempo do inconsciente. A Psicanálise trabalha com a fala do
paciente, mais precisamente, com o desenrolar desta fala. Ou seja, como o sujeito encadeia suas palavras, como organiza
sua história contada, como ordena os fatos relatados, ou como o sujeito desenrola a cadeia de significantes e as infinitas
possibilidades de sentido.

O analista precisa escutar esta cadeia, esta organização, qual lógica está se evidenciando e será capaz de intervir,
interrompendo e sinalizando um significante repleto de novos caminhos, muito adiante de um sentido convencional e social.
Para realizar tal façanha, será necessário se desligar do tempo cronológico, das historinhas contadas e, em atenção
flutuante, encontrar o que precisa ser entendido e associado.

O tempo lógico que pode ser associado à intervenção que interrompe a sessão revela uma escuta do analista de algo que,
possivelmente, o analisando não escutou. Será que ele escutou o que disse? Afinal, o que está sendo dito?

 ATENÇÃO

Cumpre-se a função de analista, interferindo em um discurso para realizar uma abertura à reflexão. Interrogar sobre as
histórias contadas, criando uma dúvida no sentido apresentado como óbvio e levando um sujeito a refletir sobre qual verdade
ele fala.

Interromper (o corte) a sessão sob os auspícios da escuta do tempo lógico, produz uma tarefa, um “dever de casa”. Quando
se interrompe a sessão, incita-se ao sujeito a ir trabalhar para além da sessão analítica. Aliás, já sabemos que o inconsciente
não para e o trabalho psíquico está sempre a acontecer em todos os cantos do mundo pessoal e particular.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percorremos um pouco da história do Movimento Psicanalítico a partir de alguns importantes autores da Psicanálise, tais
como Jung, Ferenczi, Winnicott e Lacan. Conhecemos os principais conceitos que aprofundaram ou se distanciaram
daqueles criados pelo pai da Psicanálise - Freud - e assim, conseguimos perceber os seguidores e dissidentes. Através da
apresentação de seus conceitos, indicamos os caminhos teórico-clínicos tomados pela Psicanálise até a
contemporaneidade.

 PODCAST

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
FERENCZI, S. A técnica psicanalítica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

FERENCZI, S. As neuroses de órgão e seu tratamento. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

FERENCZI, S. As patoneuroses. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

FERENCZI, S. Elasticidade da técnica psicanalítica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

FERENCZI, S. Psicanálise II. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FERENCZI, S. Psicanálise III. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FERENCZI, S. Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FERENCZI, S. Transferência e introjeção. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.


HILLMAN, J. Psicologia arquetípica. São Paulo: Cultrix, 1992.

JUNG, C. G. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1978.

JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

JUNG, C. G. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

KAHTUNI, H. C.; SANCHES, G. P. Dicionário do pensamento de Sandór Ferenczi. São Paulo: FAPESP, 2009.

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

LACAN, J. O Seminário - Livro 1: Os Escritos Técnicos de Freud. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983.

LACAN, J. Seminário 11 - Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.

WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

WINNICOTT, D. W. Preocupação materna primária. In: Da pediatria à Psicanálise. Obras escolhidas. Rio de Janeiro:
Imago, 2000.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos explorados neste tema, leia:

Freud, Jung e o Homem dos Lobos: percalços da psicanálise aplicada, publicado por Paulo Endo, na Revista Ágora em
2001, e saiba mais sobre as concepções de Jung e Freud.

O lugar do analista e do analisando em Ferenczi, publicado em 2015, no Jornal da Psicanálise, e entenda os papéis,
funções, fraquezas e potências do analisando e do analista sob a perspectiva da obra ferencziana.

De Freud a Winnicott: aspectos de uma mudança paradigmática, de Zeljko Loparic, publicado pela Revista Winnicott e-
prints, e conheça mais sobre os resultados das pesquisas de Winnicott e como elas contribuíram para o
desenvolvimento do conhecimento psicanalítico.

CONTEUDISTA
Teresinha Maria Nicolini da Fonseca Anciães

 CURRÍCULO LATTES

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