Você está na página 1de 3

Universidade de Brasília

Instituto de Psicologia
Psicologia da Personalidade
Prof.: Felipe de Baére - 1/2017
Aluna: Isabela Nunes - 140144161

Memorial reflexivo relacionando os seguintes objetos de estudo*:


1. Carl Jung e a psicologia analítica
2. Wilhelm Reich e a psicologia do corpo

Ao analisar os conceitos e desenvolvimentos de teorias de Jung e Reich e na


esperança de encontrar aproximações teóricas mais óbvias e claras, encontrei uma
enorme dificuldade. Entretanto, em sala de aula, após assistir os seminários sobre Carl
Jung e após apresentar, eu mesma, um seminário sobre Wilhelm Reich, eu tinha a
certeza de que esse exercício seria sobre essa comparação/relação entre a psicologia
analítica e a psicologia do corpo. Por que então, no momento de finalmente colocar em
prática essa ponte, tenho a impressão de uma enorme distância entre os dois? Depois
de muito tentar entender esse paradoxo, acredito que a maior relação que encontro é
que os dois foram homens muito à frente de seu tempo e com uma visão de mundo
que não compreendia o ser humano como fragmentado. Os dois ultrapassaram os
limites do que o conhecimento científico se dizia capaz ou interessado em abordar e
foram extremamente criticados por isso mas, ao mesmo tempo, eles, na minha
perspectiva, alcançaram um nível de entendimento dos dispositivos de funcionamento
do ser humano que é tão íntimo, que chega a ser quase universal,principalmente
considerando o contexto ocidental.
Falando do contexto ocidental, é interessante perceber que existem ligações
entre as duas teorias e o Oriente. Jung, primeiramente, teve contato direto com a
cultura oriental em viagens à China e à Índia, por exemplo. Assumiu que a integração
dos conceitos de mente e corpo deveriam ser expandidas para o Ocidente, mas não da
mesma forma como era feita no Oriente, porque, segundo ele, as pessoas que
buscavam as mesmas filosofias Orientais, acabavam por negar a Ocidental e na
verdade, a proposição terapêutica de Jung não consistia em negações, mas na
compreensão do mundo em que se está inserido e o quanto esse mundo afeta a auto
aceitação de um indivíduo. Já Reich não teve contato direto com o Oriente, mas sua
psicologia do corpo e o desenvolvimento póstumo que seus seguidores propuseram, se
também se alinham muito com a cultura oriental. Por exemplo, os sete chacras que são
postulados no Ioga, podem, de certa forma, serem interpretados como os sete níveis
de couraça muscular que Reich propôs.
A relação mais clara entre os dois teóricos está na sua relação com a
psicanálise. Os dois, num momento mais inicial de sua carreira, encontraram em Freud
uma provocação enorme para seus estudos.
Com Jung, a relação (que é até mais famosa) foi extremamente intensa. Jung,
jovem psiquiatra entre em contato com o livro “A Interpretação dos Sonhos”, de Freud e
os dois praticaram uma troca de cartas, em que Jung estava muito interessado em
aprofundar seus entendimentos sobre a teoria do inconsciente na psicanálise. Jung
estava inserido num contexto psiquiátrico muito forte e Freud enxergava nisso uma
possibilidade de expandir a psicanálise para o conhecimento médico científico, além d ​ ​e
tirar a psicanálise de um contexto exclusivamente judeu. Depois de anos de contato,
ocorre um rompimento dos dois a partir da ideia de Jung que a libido era a totalidade
da energia psíquica que um indivíduo, ao passo que Freud acreditava que num
indivíduo, existia a pulsão sexual e, separado disso, a pulsão de autoconservação.
Enquanto o primeiro contato de Jung se deu por meio dos conceitos da
Interpretação dos Sonhos, o contato de Reich foi por meio das questões da
sexualidade humana. Ainda na graduação de Medicina, Wilhelm Reich buscou Freud
para uma possível ajuda em um seminário que viria a apresentar sobre sexologia na
sua universidade. Seus interesses nesse tema eram muito fortes, tendo em vista que
sua principal atividade política era na articulação de clínicas de higiene sexual bancada
pelos comunistas na Áustria e na Alemanha. Anos depois, Reich foi o membro mais
novo da Sociedade Psicanalítica Alemã e era amigo de Freud. No 70º aniversário de
Freud, Reich o presenteou com o seu livro “A Teoria do Orgasmo” (ou ​“Psicopatologia
e Sociologia da Vida Sexual”, no nome original), que Freud rejeitou. Nesse livro, Reich
buscou ampliar os conceitos de libido para todos os processos biológicos e
psicológicos básicos, defendendo que a libido era uma energia fundamental que vinha
do centro do indivíduo para sua periferia e que alguns dos transtornos psicológicos
eram resultado da repressão dessa energia. Reich chegou a a acreditar que a função
da terapia era permitir esse livre fluxo de energia sexual.
Numa sociedade que julgava que a análise dos aspectos psíquicos de um
indivíduo era inferior à análise dos comportamentos dele em sociedade e não assumia
as relações diretas entre os dois elementos, Jung e Reich tinham uma perspectiva de
integração. Eles consideravam que a construção do indivíduo se dava a partir da
tentativa de encaixe nos moldes sociais, uma autoconstrução de fora pra dentro com o
propósito de sermos aceitos. Essa fórmula acabava por limitar o contato com a
natureza individual do ser, deixando traumas e repressões. A partir dos rompimentos
do relacionamento com Freud e dessa visão de mundo, é possível fazer uma
aproximação entre dois conceitos: o de couraça e o de sombra.
Reich postula que as imposições sociais são responsáveis pela repressão da
energia vital, criando reflexos diretos de bloqueio no corpo, como marcas, o que ele
chama de couraça. Já Jung, essas imposições são responsáveis pela criação de um
lado escondido e, às vezes, inconsciente do ser humano, a dita sombra. Os dois
conceitos podem se aproximar justamente na sua origem (sociedade impositiva) e na
cisão que essa causa promove nos indivíduos.
Aproximam-se também os dois conceitos de “self”. Reich chega no conceito de
self a partir da sua experiência como terapeuta. Ele diz que percebe a ínfima ligação
entre comportamento, individualidade e caráter quando analisa que o corpo por
completo se recusa e se defende da terapia. “O que é que impedia uma pessoa de
perceber sua própria personalidade (self)? Afinal, a personalidade (himself) é o que a
pessoa é! Gradualmente comecei a entender que é o ser total que constitui a massa
compacta e obstinada que obstrui todos os esforços da análise.” (Reich, 1948, p. 132
na ed. bras.) A partir dessa coerência de reações de defesas, ele diz que “self” é o
núcleo biológico completo do indivíduo, sua totalidade, sua personalidade.
Jung diz: “O self não é apenas o centro, mas também toda a circunferência que
abarca tanto o consciente quanto o inconsciente é o centro desta totalidade, assim
como o ego é o centro da consciência (Jung, 1936, p. 41). Jung, a partir disso, diz que
o self é o arquétipo central, é o que promove a coerência entre consciente e
inconsciente.
Não pude, encontrar nenhum registro de contato direto entre os dois, como troca
de cartas ou presença nas mesmas viagens e é de se considerar que talvez, por serem
contemporâneos, eles nem tiveram contato com o desenvolvimento teórico um do
outro, mas me alegra perceber que durante a História da Psicologia apareceram
pessoas que consideraram que a auto aceitação através do auto conhecimento era
relevante e mais, consideraram que os seres humanos são aptos de uma expansão
positiva em direção à auto realização, mesmo que para isso, tenham que caminhar não
em prol da Ciência, mas ao lado dela, para conseguir abarcar a intimidade e a
complexidade de um ser, considerando seus opostos. Ressalto também que essa
relação me parece ser ainda muito rica e finalizo afirmando que as relações exaltadas
aqui podem não ser as únicas.

BIBLIOGRAFIA

Fadiman, J., & Frager, R., 1986.​ Teorias da Personalidade. São Paulo: Harbra.

Individual Dream Symbolism in Relation to Alchemy. In Collected Works, vol. 12.

Reich, W., 1948. A Função do Orgasmo. Sao Paulo, E ditora Brasiliense, 1973.

Você também pode gostar