Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O austríaco Wilhelm Reich (1897-1957) foi um médico e cientista natural que, por quase
quarenta anos, desenvolveu uma ampla pesquisa sobre os processos energéticos primordiais,
vitais, tendo publicado inúmeros livros e textos a respeito. Considerado gênio por alguns e louco
por outros, foi considerado por muitos o maior revolucionário da Psicologia deste século. Pioneiro
da Revolução Sexual, precursor dos movimentos ecológicos e da psiquiatria biossocial, Reich
desenvolveu também artefatos usados na cura do câncer e na diminuição dos efeitos negativos
da energia nuclear.
Grande humanista, atuou transformando o campo social e pedagógico, tendo como
preocupação a canalização adequada do fluxo da energia para o bem-estar do indivíduo na
sociedade. Reich iniciou seu trabalho na década de 20, tendo como principal objeto de estudo o
funcionamento da "bioenergia" ("a função bioenergética da excitabilidade e motilidade da
substância viva").
O encaminhamento lógico e experimental desse trabalho conduziu-o à descoberta de uma
força básica que atua não só nos seres vivos, mas também no cosmos. Esse novo tipo de energia
foi experimentalmente comprovado por Reich no período de 1939-1940 e nomeado como
"energia orgone cósmica". Nesse momento, nasce a Orgonomia — a ciência que se dedica ao
estudo das manifestações da energia orgone no micro e no macro cosmos, no vivo e no
inanimado.
A Orgonomia surge, portanto, como resultado de quase duas décadas de trabalho, e Reich
desenvolve-a, ainda, por mais dezoito anos (até sua morte, em 1957), em várias dimensões:
Orgonoterapia; Física, Astrofísica e Biofísica Orgone; Pedagogia Orgonômica; Orgonometria, etc.
(O termo "orgonomia", além de indicar essa nova, vasta e promissora ciência, expressa, também,
o conjunto da produção científica reichiana).
Embora Reich tenha circulado pelas mais variadas áreas do conhecimento (Psicanálise,
Epistemologia, Sociologia, Antropologia, Biofísica, Física, etc.), o fio condutor e entrelaçado da
pesquisa reichiana sempre foi a investigação da especificidade dos processos energéticos básicos.
Inicialmente, nos domínios psíquico e social; depois, na dimensão biofísica; por fim, no território
cósmico.
Em seu livro “O Assassinato de Cristo” (4 ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1991),
Reich diz que “viver na plenitude é abandonar-se ao que se faz” , isto é, seja nas tarefas mais
simples e cotidianas ou nas tarefas mais grandiosas e de maior responsabilidade, viver com
plenitude é estar por inteiro em cada atividade ou relacionamento, no momento em que ele (a)
está sendo vivenciado.
2
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Todo o seu pensamento indica que é preciso uma mudança radical nas relações humanas.
Associa a separação de um bebê do corpo da mãe na hora do parto com o assassinato de Cristo,
com a psicose, com o fascismo e com a função do orgasmo. A complexidade de seu discurso é
algo que vai além de sua época.
A sua mais importante contribuição, que revolucionou toda a Psicologia, foi provar que a
neurose é produzida socialmente, instalando-se em todo o corpo e não apenas na mente das
pessoas. Por isso, preocupou-se em desenvolver, no final dos anos 20, em Viena, um programa
de prevenção de neuroses, pois percebeu que muitas neuroses eram desencadeadas a partir da
pobreza e da repressão sexual.
Wilhelm Reich foi expulso da sociedade Psicanalítica por divergências teóricas e ligações
com a política; e também do Partido Comunista por suas denúncias contra o autoritarismo
reinante. Perseguido pelo nazismo, após percorrer vários países europeus, se instala nos Estados
Unidos, onde passa a pesquisar fenômenos climáticos, caixas de acumulação de orgônio, etc. Em
1956, Reich é detido por se recusar a comparecer ao Tribunal para comprovar os efeitos
terapêuticos dos acumuladores. Um ano após sua prisão, Reich morre na cadeia deixando um
legado para as gerações futuras que ainda surpreendem-se com sua originalidade e rebeldia.
Caráter
De acordo com Reich, “o caráter é composto das atitudes habituais de uma pessoa e de seu
padrão consistente de respostas para várias situações. Inclui atividades e valores conscientes,
estilo de comportamento (timidez, agressividade e assim por diante) e atitudes físicas (postura,
hábitos de manutenção e movimentação do corpo). (REICH,1998).
O conceito de caráter já havia sido discutido anteriormente por Freud, em sua obra Caráter
e Erotismo Anal. Reich elaborou este conceito e foi o primeiro analista a tratar pacientes pela
interpretação da natureza e função de seu caráter, ao invés de analisar seus sintomas.
3
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Entendemos como caráter, a partir de Reich, o modo de reação típico, não vivido como sintoma ou
síndrome, constituinte da personalidade do indivíduo.
A couraça serve para restringir tanto o livre fluxo de energia como a livre expressão de
emoções do indivíduo. O que começa inicialmente como defesa contra sentimentos de tensão e
ansiedade excessivos, torna-se uma camisa de força física e emocional.
Couraça Caracterológica
Reich sentia que o caráter se forma como uma defesa contra a ansiedade criada pelos
intensos sentimentos sexuais da criança e o consequente medo da punição. A primeira defesa
contra esse medo é o Mecanismo de Defesa do Ego, o qual refreia os impulsos sexuais por algum
tempo. À medida que as defesas do Ego se tornam cronicamente ativas e automáticas, elas
evoluem para traços ou couraça caracterológica. O conceito de couraça caracterológica de Reich
inclui a soma total de todas as forças defensivas repressoras, que são organizadas num modelo
mais ou menos coerente no ego.
Traços de neuróticos não são a mesma coisa que sintomas neuróticos. A diferença repousa
no fato de que sintomas neuróticos são experimentados como estranhos ao indivíduo, enquanto
que traços de caráter neurótico são experimentados como partes integrantes da personalidade.
Temos como exemplos de sintomas neuróticos: medos e fobias irracionais e como exemplos de
traços de caráter neurótico: ordem excessiva ou timidez ansiosa. As defesas de caráter são
particularmente efetivas, e, além disso, difíceis de se erradicarem pelo fato de serem tão bem
racionalizadas pelo indivíduo e experimentadas como parte de seu autoconceito.
A couraça ainda pode ser móvel, flexível ou crônica. A couraça móvel é aquela que não
impede nossos movimentos básicos (o amor, o trabalho e o conhecimento). A couraça flexível
serve de proteção biológica e energética de um ego que se depara com ameaças externas e que
pode ser desfeita a qualquer momento pela vontade consciente do sujeito. A couraça crônica é a
expressão da couraça narcísica entranhada e enraizada na estrutura psíquica. Ela é dinâmica e
pode crescer ou diminuir durante toda a vida do sujeito. A couraça serve para restringir tanto o
livre fluxo de energia como a livre expressão de emoções do indivíduo.
A Couraça Muscular
Reich descobriu que cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente e que o
caráter do indivíduo é expresso corporalmente sob a forma de rigidez muscular ou couraça
muscular.
4
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Em seu trabalho sobre couraça muscular, Reich descobriu que tensões musculares crônicas
servem para bloquear uma das três excitações biológicas: ansiedade, raiva ou excitação sexual. Ele
concluiu que a couraça física e a psicológica eram essencialmente a mesma coisa. Com esse
raciocínio, as couraças de caráter eram vistas agora como equivalentes à hipertonia muscular. O
trabalho psiquiátrico de Reich lidava cada vez mais com a libertação de emoções através do
trabalho com o corpo.
Ele analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos a fim de
conscientizá-los de como reprimiam sentimentos vitais em diferentes partes do corpo. Reich
achava que a couraça muscular está organizada em sete principais segmentos de armadura, que
são compostos de músculos e órgãos com funções expressivas relacionadas. Estes segmentos
formam uma série de sete anéis mais ou menos horizontais, em ângulos retos com a espinha e o
torso. Os principais segmentos de couraça estão centrados nos olhos, boca pescoço, tórax,
diafragma, abdome e pelve.Aos poucos, Reich começou a trabalhar diretamente com suas mãos
sobre os músculos tensos a fim de soltar as emoções presas a eles.
A seguir, a partir da leitura que Fadiman e Frager (2003) fazem da teoria reichiana, uma
exposição dos efeitos do encouraçamento em cada um dos sete segmentos do corpo humano, e os
procedimentos adotados na sua dissolução:
5
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
6
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
O Caráter Genital
O termo Caráter genital foi usado por Freud para indicar o último estágio do desenvolvimento
psicossexual. Reich adotou-o para se referir especificamente à pessoa que adquiriu potência
orgástica. Para ele a potência orgástica era a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer
inibições, ao fluxo de energia biológica, era a capacidade de descarregar completamente a
excitação sexual reprimida por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.
Reich descobriu que assim que seus pacientes renunciavam à sua couraça e desenvolviam a
potência orgástica, muitas áreas de funcionamento neurótico mudavam de forma espontânea. No
lugar de rígidos controles neuróticos, os indivíduos desenvolviam uma capacidade para auto-
regulação. Reich descreveu indivíduos auto-reguladores como naturais, mais do que morais. Eles
agem em termos de suas próprias inclinações e sentimentos internos, ao invés de serem algum
código externo ou ordens pré-estabelecidas por outros.
Os caracteres genitais não estão aprisionados em suas couraças e defesas psicológicas. Elas
são capazes de se encouraçar, quando necessário, contra um ambiente hostil. Entretanto, sua
couraça é feita mais ou menos conscientemente e pode ser dissolvida quando não houver mais
necessidade dela.
Reich escreveu que caracteres genitais trabalharam sobre o complexo de Édipo, de maneira
que o material edipiano já não é mais tão intensamente carregado ou reprimido. O superego, para
ele, torna-se “sexo-afirmativo”, portanto o Id e o Superego passam a estar em harmonia. O
Caráter Genital é capaz de experimentar livre e plenamente o orgasmo sexual, descarregando por
completo toda a libido excessiva. Dessa forma, o orgasmo, o clímax da atividade sexual, seria
caracterizado pela entrega à experiência sexual e pelo movimento desinibido, involuntário, ao
contrário dos movimentos forçados ou até violentos dos indivíduos encouraçados.
A Energia Orgone
Na década de 1920, Reich iniciou seus estudos sobre as teorias da energia orgonômica e,
assim, se estendeu por cerca de 20 anos de trabalho. Logo após esta descoberta, deu
continuidade e permaneceu desenvolvendo a orgonomia por mais dezoito anos até sua morte, em
1957. Porém, essas teorias foram experimentalmente comprovadas com muito esforço por Reich
7
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
no período de 1939 – 1940, pois o próprio sentia-se muito incomodado com o fato destas não
poderem ser testadas pelos rigorosos critérios da pesquisa científico-natural. Reich não
considerava a Orgonomia apenas como mais uma etapa de sua obra; considerava-a,
principalmente, como a expressão da totalidade de seu trabalho científico-natural.
Podemos entender a respeito de Energia Orgônica: energia cósmica que nos seres vivos
manifesta-se como energia biológica específica que permeia o organismo todo e gera um campo
energético ao redor, na base de todos os processos vitais, nas emoções, intenção e
consciência. Decorre o entendimento de que mente e corpo, matéria e energia são aspectos de
uma mesma realidade; a criação é um processo natural, contínuo e observável. Emoção,
vontade e sensação são partes integrantes do processo criativo; a natureza toda funciona como
uma unidade, integrando a todos, seres e fenômenos.
8
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
organismo, a sexualidade é uma função vital instintiva que admite transformação porém requer ser
saciada. Distinguiu no ato sexual uma fase inicial de movimentos e controle voluntário da excitação
que dá lugar a movimentos autônomos da musculatura e perda do controle acompanhado de
convulsões rítmicas pelo corpo todo, no orgasmo.
Abaixo segue um gráfico demonstrando a excitação e descarga da energia sexual (o
orgasmo propriamente dito).
9
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Estrutura Psíquica
No fenômeno edípico, relendo Lacan e Winnicott, propomos a função mãe limite, o outro, o
tu, corolário do narcisismo primário, próprio do id e fundador do ego, e a função pai, a terceira
pessoa, a lei, como fundadora do superego, sedimentador do ego. A estrutura é um todo,
reconhecidas as interrelações entre as partes, diferente da organização. O corpo substância essas
instâncias relacionadas. Assim distinguimos as seguintes estruturas:
Em “O Éter, Deus e o Diabo” (Textos não publicados, traduzidos da edição francesa L’Eter,
Dieu et le Diable , Paris, Payot, 1973), Reich diz : “Trata-se exclusivamente de resguardar a
10
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
integridade do aparelho sensorial, nosso instrumento de pesquisa. Esta condição não é um ”dom”
nem um “talento”, mas o resultado de um esforço contínuo, um exercício ininterrupto de
autocrítica e autocontrole... Sem um sistema sensorial perfeitamente límpido e sem meios de
desanuviá-los quando apresente opacidades irracionais, é impossível alcançar as profundezas da
estrutura caracterológica do Homem e descrever objetivamente os processos da Natureza”.
Outro ponto importante refere-se ao modo de pensar do terapeuta. Reich baseou suas
investigações e conceitos teóricos numa forma de pensar a que chamou de pensamento
funcional. Tal técnica de raciocínio inclui e considera as sensações do investigador diante de seu
objeto de estudo e se define por algumas regras quanto às funções existentes no ser vivo.
Considera as formas de pensar tradicionais como um obstáculo ao avanço do conhecimento, pois
se baseia no funcionamento encouraçado que determina duas formas típicas de pensar: a forma
mística e a forma mecanicista. Para Reich, só é possível sair dessa dualidade pelo resgate do
funcionamento do vivo dentro de si, e pela compreensão das regras deste funcionamento
integrado da energia e da matéria orgânica que se expressará sob a forma da pulsação conjunta.
FREUD E REICH
Freud foi mestre de Reich, mas, quando este filiou–se ao partido comunista, interessando-
se cada vez mais pelas condições sociais dos pacientes, surgiram divergências entre eles. A
militância política de Reich é considerada por muitos como o grande ponto de atrito entre ele e
seu mestre.
11
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Outro ponto importante que levou a divergências e ao afastamento entre Reich e Freud foi
o fato de que Reich retomou a teoria da libido freudiana, buscando investigá-la enquanto energia
biológica concreta, passível de ser mensurada.
Freud havia elaborado uma teoria da cultura, como um dos suportes teóricos da
psicanálise. Para ele, a repressão produziria neurose, mas, ao mesmo tempo, não haveria cultura
sem repressão e o complexo de Édipo seria, de certa forma, o agente dessa repressão necessária
e, por isso, seria um estruturante universal.
Mais tarde, Freud reformulou sua teoria pulsional, apresentando a idéia de uma pulsão de
morte que seria ontológica, situando a destrutividade na própria natureza humana.
Para Reich, Freud estava errado, pois nem a repressão é condição para a cultura, nem a
destrutividade é um atributo da natureza. Reich busca no materialismo histórico de Marx e Engels
e nas pesquisas antropológicas de Malinowsky a base teórica e a prova empírica necessárias para
refutar a teoria freudiana. Reich afirma que a família patriarcal burguesa, com sua respectiva
moral, não é a versão final e acabada da organização familiar, já que se transforma de acordo
com os modos de produção historicamente estabelecidos e, além disso, existem culturas não
repressivas nas quais desenvolvem-se outros modelos familiares. Com isso, Reich mostra que o
triângulo familiar no qual se dá o complexo edípico não é um estruturante universal, mas tão
somente uma formação própria da sociedade patriarcal-autoritária, passível, portanto, de ser
transformada.
Já em relação à pulsão de morte, Reich toma como referência suas experiências clínicas
com masoquistas, considerando que o que acontecia era uma forma específica de angústia de
orgasmo e não uma pulsão. Para Reich, o masoquista não consegue viver o prazer porque a
angústia aparece, fazendo com que o prazer seja sentido como perigo antecipado. Não se trata,
portanto, de pulsão e sim de uma formação secundária, resultante da ação da cultura repressiva
e, por essa razão, desfigurada de sua natureza original.
Reich tem na natureza o grande modelo de referência para a sua concepção de vida e,
como as forças naturais (entre elas as pulsões) trabalham pela e para a vida, seriam
incompatíveis com a destrutividade que Freud lhes atribui. Por isso, para Reich, o mal não tem
origem na natureza e sim no campo da cultura, dos homens-em-relação. Quando a cultura se
opõe sistematicamente à natureza, acaba por degenerar suas forças, transformando-as em
antinaturais, irracionais e antissociais, causando, agora sim, destruição e sofrimento, como no
caso do impulso masoquista.
12
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
REICH E A CONTEMPORANEIDADE
O paradigma reichiano se define por uma autêntica fé na vida, desde que esta encontre
meios para se realizar. Reich apostava na esperança de que as sociedades do futuro serão
capazes de construir a verdadeira civilização humana, onde o sistema social não se oporá as leis
da natureza que se manifestam no homem desde sua concepção em fase embrionária. A vida
seria preservada pelas regras sociais desde seu surgimento até o último suspiro de cada ser
vivente e tal preservação se daria pela compreensão clara de todas as necessidades básicas do
ser humano nas principais fases de desenvolvimento, desde a infância.
13
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
relação com a natureza. O conceito de cerne biológico nos permite estarmos abertos para uma
relação com a vida onde as prioridades são determinadas pelo contado com a essência de cada
um. Cabe, neste ponto, recorrermos ao entendimento das funções energéticas diferenciando as
autênticas expressões da vida das manifestações distorcidas do funcionamento humano
(couraças).
As ideias de Reich estão presentes hoje em várias áreas do conhecimento humano, o que
o torna multidisciplinar. A área de saúde é apenas uma entre as inúmeras áreas que foram
influenciadas por suas ideias.
Grande humanista, Reich atuou transformando o campo social e pedagógico, tendo como
preocupação a canalização adequada do fluxo da energia para o bem-estar do indivíduo na
sociedade.
Reich antecipou-se na visão de que os cuidados com o ser humano deveriam iniciar-se
antes mesmo da concepção, sendo desde o princípio desejado e consequência de um ato de
amor. Os cuidados deveriam se estender durante o período gestacional, o parto, e em todas as
fases do desenvolvimento psicoemocional do ser humano.
Criou o Centro de Pesquisa Infanto Orgonômico nos Estados Unidos, onde pretendia,
dentre outras coisas, cuidar das mães grávidas e dos primeiros anos de vida dos bebês. Ele
julgava que este tipo de trabalho era preventivo, evitando, assim, problemas de neurose do
futuro adulto. Esta concepção está presente hoje em várias correntes de promoção da saúde
voltados para o início da vida, tais como as que incentivam o parto humanizado e a prática do
aleitamento.
A idéia básica do pensamento reichiano, o homem genital, o homem saudável, pode ser
aplicado a várias disciplinas, pois ela é multidisciplinar. Trata-se de um ser humano sem
bloqueios excessivos que lhe impeçam a realização da sua capacidade, das suas possibilidades.
Sem bloqueios sexuais, musculares, afetivos, energéticos e intelectuais, tendo a integridade de
sua capacidade mantida.
14
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Reich e o Feminismo
Reich sempre afirmou que certas estruturas humanas são nativas a certas organizações
sociais. Assim, a condição feminina em uma sociedade patriarcal é muito diferente da sociedade
matriarcal. A primeira é acentuadamente demarcada por diferenças nos gêneros, colocando o
feminino, em muitos casos, como um subproduto social.
Desde o século XIX a mulher e seu útero estão associados à histeria. Reich,
diferentemente de Freud, coloca que o caráter histérico é identificado tanto no homem como na
mulher. Na Análise do Caráter ele afirma ser a histeria, na mulher, uma forma circunscrita das
defesas psíquicas, muitas vezes por razões morais, em relação ao desapontamento amoroso com
os homens.
Um ser feminino de caráter genital, isto é maduro, vive a entrega afetiva com seu parceiro,
na sua maternidade, no seu trabalho e não se aprisiona nas condições de submissão, pois seu
funcionamento está centrado na sua potência e sua realidade somática.
Reich na Universidade
A maioria das universidades brasileiras não possui matérias que abordem a teoria
reichiana, nem práticas supervisionadas de psicoterapias somáticas. Este fato é lamentável,
afinal, é função do curso de Psicologia oferecer aos seus alunos um vasto leque de opções
teóricas, dando-lhes a oportunidade de conhecer e se identificar com aquelas que melhor lhe
convierem.
Universidades que oferecem matéria específica com este tema têm comprovado que a
teoria do orgasmo, a análise do caráter e a peste emocional despertam interesse e
curiosidade. Apesar de ter sido escrita por Reich na década de quarenta, a peste emocional
tem um caráter atual dentro do momento em que vivemos.
15
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
A Ética Reichiana
Reich define o sentido ético como a visão do todo, suas confluências e influências sobre
nós. Esse sentido é apreendido pelas sensações amorosas transmitidas pelo nosso corpo. Essas
sensações são apreendidas das percepções das nossas correntes orgonóticas e estas nos ligam a
tudo que é vivo e, em última instância, ao universo.
Os poderes únicos são apoiados por nós, seja por omissão ou mesmo pela participação
direta. Para combatê-los, temos saberes. Se acreditamos na justiça, devemos construí-la dia-a-
dia, como um hábito introjetado. Caso contrário, estaremos sendo coniventes e participantes
da criação de pessoas incapazes de contato e de sociabilidade. A esse processo Reich chamou
de ética cotidiana e, para exercê-la, é necessário em primeiro lugar o contato com nós
mesmos e, em um segundo momento, o contato com os outros.
Considerações
Wilhelm Reich diz, em “Escuta, Zé Ninguém!”: “Amor, trabalho e sabedoria são as fontes
da nossa vida. Deviam também governá-la”. (pág. 7, 10 ed., Lisboa, Livraria Martins Fontes
Editora Ltda.).
O que podemos pensar a partir daí? Como viver da maneira que Reich propõe na
sociedade atual? Como voltar nossa energia vital nessa direção?
Existe um mundo a nossa volta que, numa relação dialética conosco, constrói e é
construído, desenvolve e é desenvolvido e, devido a isso, não há como fazer uma análise
dicotômica da relação homem/sociedade (ou natureza), uma vez que estes não agem de maneira
isolada. Seguindo essa análise, o que pensar de um homem que defende a liberdade, se em suas
relações íntimas ele se coloca como um opressor? E o que dizer sobre aqueles que em nome do
amor, do status, cerceiam a tão cara e preciosa expressão afetiva, sexual, emocional, seja do
próximo ou de toda uma sociedade?
16
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Entender que há uma ponte entre o micro e o macrocosmo e que esta se consolida em nossas
relações cotidianas, é o primeiro passo para nos reconhecer parte deste sistema, desta natureza,
deste universo. É começar a entender que o valor a vida passa por tomarmos ciência de que a
energia vital, a sexualidade (não apenas no que diz respeito a libido), se faz presente em todos
os seres vivos e inanimados, e que isso é fundamental para a nossa saúde holística, ou seja, o
ser humano visto como um todo, não fragmentado. Reich acreditava nesta teoria, como diz em
“Escuta, Zé Ninguém!”: “Descobri que o teu espírito é uma função da tua energia vital, isto é, por
outras palavras, que existe uma unidade entre o corpo e o espírito”. (pág. 79, 10 ed., Lisboa,
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.).
Para alguém que entendia que para haver revolução cultural precisa haver revolução
sexual e que, para tal, precisávamos romper com uma sociedade opressora que nos impunha
tantas couraças energéticas as quais bloqueavam a energia em nossos centros vitais, dificilmente
teremos como ignorar a importância desta reflexão nos dias de hoje. Tomar o ser humano como
um ser meramente individual, é a maneira mais requintada de desqualificar o ser humano, pois
como diz Heidegger no Ser e o Tempo: “Ninguém é si mesmo. É o reino do a gente. A gente
vive, a gente se ocupa, a gente é. A gente não é ninguém. Esse tempo, a gente o perde”. Em
outras palavras, nós só somos na relação com o outro. O “cada um por si e Deus por todos” é
mais uma falácia desta sociedade opressora a qual Reich se referia, pois uma vez sozinhos,
isolados em nosso egoísmo, nos tornamos presas fáceis. Porém, quando nos manifestamos seja
num grito, num beijo, num riso ou numa passeata, o que aos olhos dos opressores é uma
baderna, uma ameaça, para nós é símbolo de liberdade, prazer, união e graça.
Portanto, procurar relações onde se respeita e prioriza a vida e o livre fluxo da nossa
energia criativa, é investir cada vez mais na saúde, é crer que somos o próprio cosmos, não
somente parte deste; que somos filhos deste universo, um Deus em formação; e que portanto,
temos todo o direito de estar aqui e ser feliz.
17
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
Como, então, podemos exercer esse direito e viver melhor? Quando poderemos? Ouçamos
Reich, mais uma vez:
“Perguntas-me se poderei dizer-te quando saberás viver a tua vida em paz e segurança; a
resposta consiste no inverso da tua forma de ser actual: viverás bem e em paz quando a vida
significar para ti mais do que a segurança; o amor mais do que o dinheiro; a tua liberdade mais
do que as linhas directivas do partido ou a opinião pública; quando o modo de estar no mundo
de um Beethoven ou de um Bach for o tom habitual de toda a tua existência (...); quando a tua
forma de pensar estiver de acordo, e não, como hoje, em discordância, com a tua forma de
sentir; ... ; quando os professores dos teus filhos forem mais bem pagos do que os políticos;
quando tiveres maior respeito pelo amor entre um homem e uma mulher do que por um
certificado de casamento; quando puderes reconhecer os teus erros refletindo a tempo, e não
demasiado tarde, como o fazes hoje; ... ; quando a alegria que a tua filha adolescente possa
encontrar no amor for também a tua alegria, e não motivo da tua cólera; quando finalmente a
face humana do homem da rua puder expressar a alegria, a liberdade e a comunicação, não mais
a tristeza e a miséria; quando os seres humanos não mais povoarem a terra com as suas ancas
retraídas e rígidas e os seus órgãos sexuais enregelados.” (“Escuta, Zé Ninguém!”, pág. 106 e
107, 10 ed., Lisboa, Livraria Martins Fontes Editora Ltda.).
18
Todos os Direitos Reservados – Instituto Terceira Visão
BIBLIOGRAFIA
FADIMAN, James; FRAGER, Roger. Teorias da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Harbra, 2002.
LOWEN, Alexander. O Corpo em Terapia. 8. ed. São Paulo: Summus, 1977.
REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Reich, Wilhelm . O Assassinato de Cristo. 4 ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1991.
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo (1942 Renovado 1961). 18 ed. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1994.
REICH, Wilhelm. Escuta, Zé Ninguém! 10. ed. Lisboa: Livraria Martins Fontes Editora
Ltda,1982.
REICH, Wilhelm. O éter, deus e o diabo. (Textos não publicados, traduzidos da edição francesa
L’Eter, Dieu et le Diable, Paris, Payot, 1973)
REICH, Wilhelm. Paixão da Juventude: uma autobiografia, 1. ed. São Paulo: Brasiliense,1996.
SHARAF, Myron. Fury on Earth. New York : Dacapo Press, 1983.
VOLPI, José Henrique. Psicoterapia Corporal - Um trajeto histórico de Wilhem Reich. Centro
Reichiano,1999.
19