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INSTITUTO TERCEIRA VISÃO

:: Fundamentos da Terapia Reichiana ::

Ensino Multidisciplinar em Terapias Naturais,


Holísticas e Complementares
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HISTÓRICO DA VIDA E OBRA DE REICH

O austríaco Wilhelm Reich (1897-1957) foi um médico e cientista natural que, por quase
quarenta anos, desenvolveu uma ampla pesquisa sobre os processos energéticos primordiais,
vitais, tendo publicado inúmeros livros e textos a respeito. Considerado gênio por alguns e louco
por outros, foi considerado por muitos o maior revolucionário da Psicologia deste século. Pioneiro
da Revolução Sexual, precursor dos movimentos ecológicos e da psiquiatria biossocial, Reich
desenvolveu também artefatos usados na cura do câncer e na diminuição dos efeitos negativos
da energia nuclear.
Grande humanista, atuou transformando o campo social e pedagógico, tendo como
preocupação a canalização adequada do fluxo da energia para o bem-estar do indivíduo na
sociedade. Reich iniciou seu trabalho na década de 20, tendo como principal objeto de estudo o
funcionamento da "bioenergia" ("a função bioenergética da excitabilidade e motilidade da
substância viva").
O encaminhamento lógico e experimental desse trabalho conduziu-o à descoberta de uma
força básica que atua não só nos seres vivos, mas também no cosmos. Esse novo tipo de energia
foi experimentalmente comprovado por Reich no período de 1939-1940 e nomeado como
"energia orgone cósmica". Nesse momento, nasce a Orgonomia — a ciência que se dedica ao
estudo das manifestações da energia orgone no micro e no macro cosmos, no vivo e no
inanimado.
A Orgonomia surge, portanto, como resultado de quase duas décadas de trabalho, e Reich
desenvolve-a, ainda, por mais dezoito anos (até sua morte, em 1957), em várias dimensões:
Orgonoterapia; Física, Astrofísica e Biofísica Orgone; Pedagogia Orgonômica; Orgonometria, etc.
(O termo "orgonomia", além de indicar essa nova, vasta e promissora ciência, expressa, também,
o conjunto da produção científica reichiana).

Simultaneamente à pesquisa sobre os processos energético-vitais, Reich elaborou, no


decorrer de seu percurso científico, três técnicas terapêuticas: a análise do caráter (1923-1934),
a vegetoterapia caractero-analítica (1934-1939) e a orgonoterapia (1939-1957). E, também, um
novo método de pensamento e pesquisa— o Funcionalismo Orgonômico — que é uma inédita
técnica de ordenação das funções naturais, que associa as dimensões qualitativas e quantitativas
na pesquisa orgonômica — a Orgonometria.

Embora Reich tenha circulado pelas mais variadas áreas do conhecimento (Psicanálise,
Epistemologia, Sociologia, Antropologia, Biofísica, Física, etc.), o fio condutor e entrelaçado da
pesquisa reichiana sempre foi a investigação da especificidade dos processos energéticos básicos.
Inicialmente, nos domínios psíquico e social; depois, na dimensão biofísica; por fim, no território
cósmico.

Em seu livro “O Assassinato de Cristo” (4 ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1991),
Reich diz que “viver na plenitude é abandonar-se ao que se faz” , isto é, seja nas tarefas mais
simples e cotidianas ou nas tarefas mais grandiosas e de maior responsabilidade, viver com
plenitude é estar por inteiro em cada atividade ou relacionamento, no momento em que ele (a)
está sendo vivenciado.

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Durante anos, vários movimentos revolucionários recuperaram parte de sua obra,


sobretudo seus escritos sociopolíticos, seguindo a tese de que não há revolução social sem
revolução sexual, entendendo por sexualidade as relações afetivas, comunicantes, pessoais, etc.
Reich reivindicou a função da sexualidade não como uma mera realização do coito, mas como a
fusão com o outro. A vivência plena do amor e da sexualidade era vista por ele como fator
indispensável para a satisfação emocional.

Todo o seu pensamento indica que é preciso uma mudança radical nas relações humanas.
Associa a separação de um bebê do corpo da mãe na hora do parto com o assassinato de Cristo,
com a psicose, com o fascismo e com a função do orgasmo. A complexidade de seu discurso é
algo que vai além de sua época.

A sua mais importante contribuição, que revolucionou toda a Psicologia, foi provar que a
neurose é produzida socialmente, instalando-se em todo o corpo e não apenas na mente das
pessoas. Por isso, preocupou-se em desenvolver, no final dos anos 20, em Viena, um programa
de prevenção de neuroses, pois percebeu que muitas neuroses eram desencadeadas a partir da
pobreza e da repressão sexual.

O conceito de couraça neuro-muscular do caráter mostra como a neurose se dá através da


estagnação da energia vital. No livro "A Função do Orgasmo", Reich coloca que o orgasmo sexual
pleno e satisfatório é o regulador biológico da harmonia vital. Militante socialista, despertou a
atenção para o fato de que as neuroses eram provocadas pelo desvio da originalidade das
pessoas, através de bloqueios à sexualidade e à afetividade, portanto um fenômeno sócio-
político. A partir daí, passou a dar um novo enfoque a Psicologia, centrado no indivíduo, seu
corpo e suas relações sociais.

Wilhelm Reich foi expulso da sociedade Psicanalítica por divergências teóricas e ligações
com a política; e também do Partido Comunista por suas denúncias contra o autoritarismo
reinante. Perseguido pelo nazismo, após percorrer vários países europeus, se instala nos Estados
Unidos, onde passa a pesquisar fenômenos climáticos, caixas de acumulação de orgônio, etc. Em
1956, Reich é detido por se recusar a comparecer ao Tribunal para comprovar os efeitos
terapêuticos dos acumuladores. Um ano após sua prisão, Reich morre na cadeia deixando um
legado para as gerações futuras que ainda surpreendem-se com sua originalidade e rebeldia.

MODELO TEÓRICO E PRINCIPAIS CONCEITOS

Caráter 
De acordo com Reich, “o caráter é composto das atitudes habituais de uma pessoa e de seu
padrão consistente de respostas para várias situações. Inclui atividades e valores conscientes,
estilo de comportamento (timidez, agressividade e assim por diante) e atitudes físicas (postura,
hábitos de manutenção e movimentação do corpo). (REICH,1998).

O conceito de caráter já havia sido discutido anteriormente por Freud, em sua obra Caráter
e Erotismo Anal. Reich elaborou este conceito e foi o primeiro analista a tratar pacientes pela
interpretação da natureza e função de seu caráter, ao invés de analisar seus sintomas.

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Entendemos como caráter, a partir de Reich, o modo de reação típico, não vivido como sintoma ou
síndrome, constituinte da personalidade do indivíduo.

A couraça serve para restringir tanto o livre fluxo de energia como a livre expressão de
emoções do indivíduo. O que começa inicialmente como defesa contra sentimentos de tensão e
ansiedade excessivos, torna-se uma camisa de força física e emocional.

Couraça Caracterológica

Reich sentia que o caráter se forma como uma defesa contra a ansiedade criada pelos
intensos sentimentos sexuais da criança e o consequente medo da punição. A primeira defesa
contra esse medo é o Mecanismo de Defesa do Ego, o qual refreia os impulsos sexuais por algum
tempo. À medida que as defesas do Ego se tornam cronicamente ativas e automáticas, elas
evoluem para traços ou couraça caracterológica. O conceito de couraça caracterológica de Reich
inclui a soma total de todas as forças defensivas repressoras, que são organizadas num modelo
mais ou menos coerente no ego.

Traços de neuróticos não são a mesma coisa que sintomas neuróticos. A diferença repousa
no fato de que sintomas neuróticos são experimentados como estranhos ao indivíduo, enquanto
que traços de caráter neurótico são experimentados como partes integrantes da personalidade.
Temos como exemplos de sintomas neuróticos: medos e fobias irracionais e como exemplos de
traços de caráter neurótico: ordem excessiva ou timidez ansiosa. As defesas de caráter são
particularmente efetivas, e, além disso, difíceis de se erradicarem pelo fato de serem tão bem
racionalizadas pelo indivíduo e experimentadas como parte de seu autoconceito.

A couraça ainda pode ser móvel, flexível ou crônica. A couraça móvel é aquela que não
impede nossos movimentos básicos (o amor, o trabalho e o conhecimento). A couraça flexível
serve de proteção biológica e energética de um ego que se depara com ameaças externas e que
pode ser desfeita a qualquer momento pela vontade consciente do sujeito. A couraça crônica é a
expressão da couraça narcísica entranhada e enraizada na estrutura psíquica. Ela é dinâmica e
pode crescer ou diminuir durante toda a vida do sujeito. A couraça serve para restringir tanto o
livre fluxo de energia como a livre expressão de emoções do indivíduo.

As couraças também são classificadas de acordo com a sua localização no corpo:


- Couraças superficiais (sociais)
- Couraças intermediárias (perversões inconscientes)
- Couraças internas (cerne biológico).

A Couraça Muscular

Reich descobriu que cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente e que o
caráter do indivíduo é expresso corporalmente sob a forma de rigidez muscular ou couraça
muscular.

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Em seu trabalho sobre couraça muscular, Reich descobriu que tensões musculares crônicas
servem para bloquear uma das três excitações biológicas: ansiedade, raiva ou excitação sexual. Ele
concluiu que a couraça física e a psicológica eram essencialmente a mesma coisa. Com esse
raciocínio, as couraças de caráter eram vistas agora como equivalentes à hipertonia muscular. O
trabalho psiquiátrico de Reich lidava cada vez mais com a libertação de emoções através do
trabalho com o corpo.

Ele analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos a fim de
conscientizá-los de como reprimiam sentimentos vitais em diferentes partes do corpo. Reich
achava que a couraça muscular está organizada em sete principais segmentos de armadura, que
são compostos de músculos e órgãos com funções expressivas relacionadas. Estes segmentos
formam uma série de sete anéis mais ou menos horizontais, em ângulos retos com a espinha e o
torso. Os principais segmentos de couraça estão centrados nos olhos, boca pescoço, tórax,
diafragma, abdome e pelve.Aos poucos, Reich começou a trabalhar diretamente com suas mãos
sobre os músculos tensos a fim de soltar as emoções presas a eles.

A terapia reichiana consiste em dissolver cada segmento da couraça, começando pelos


olhos e terminado na pélvis, de modo que, livre dessas disfunções, a pessoa possa fazer aflorar
emoções e conteúdos psíquicos capazes de restaurar o fluxo livre e natural de energia,
proporcionando sua retomada de contado consigo mesma, com o outro e com a vida. Cada
segmento é uma unidade mais ou menos independente com a qual se precisa lidar
separadamente. Três instrumentos principais são usados para dissolver a couraça:
- Armazenamento de energia no corpo por meio de respiração profunda;
- Ataque direto dos músculos cronicamente tensos a fim de soltá-los;
- Manutenção da cooperação do paciente lidando abertamente com quaisquer
resistências ou restrições que emerjam. (Baker, 1967).

Na Metodologia Reichiana, como já citado, o corpo está organizado em sete segmentos,


incluindo os órgãos internos em cada anel.

A seguir, a partir da leitura que Fadiman e Frager (2003) fazem da teoria reichiana, uma
exposição dos efeitos do encouraçamento em cada um dos sete segmentos do corpo humano, e os
procedimentos adotados na sua dissolução:

* Manifestações da couraça dos olhos: A testa fica imobilizada e os olhos


apresentam uma expressão vazia, distante, funcionando, aparentemente, por
detrás de uma máscara. Técnica para a sua dissolução: O terapeuta pede que seus pacientes
abram bem os olhos, como se estivessem com medo. Eles devem mover as pálpebras e a
testa, e forçar a sua expressão emocional e movimento livre (movimentos oculares circulares e
fluidez da expressão da testa).

* Manifestações da couraça da boca (músculos do queixo, a garganta e a


parte de trás da cabeça): o maxilar nas condições de encouraçamento, pode
ser excessivamente preso ou frouxo de forma antinatural. As expressões

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emocionais relativas ao ato de chorar, morder com raiva, gritar, sugar e


fazer caretas são todas inibidas por este segmento. Técnica para a sua dissolução: a couraça pode
ser solta encorajando-se o paciente a imitar o choro, a produzir sons que mobilizem os lábios, a
morder e a vomitar e pelo trabalho direto com os músculos envolvidos.

* Manifestações da couraça do pescoço (músculos profundos do pescoço e a


língua): a couraça funciona principalmente para segurar a raiva ou o choro. Técnica para a sua
dissolução: o terapeuta deve exercer pressão direta sobre os músculos profundos do pescoço.
Algumas ações como gritar, berrar e vomitar são meios importantes para soltar este segmento.
* Manifestações da couraça torácica (músculos longos do tórax, os músculos
dos ombros e da omoplata, toda a caixa torácica, as mãos e os braços): a
inibição do riso, da raiva, da tristeza e do desejo são comuns, bem como da
importante função respiratória, no que ocorre também a supressão de toda a
emoção em grande parte no tórax. Técnica para a sua dissolução: a couraça pode ser solta através
do trabalho com respiração, especialmente o desenvolvimento da expiração completa. Os braços e
as mãos são usados para bater, rasgar, sufocar, triturar e levar a cabo o desejo da pessoa.

* Manifestações da couraça diafragmática (inclui o diafragma, o estômago, o


plexo solar, vários órgãos internos e os músculos ao longo das vértebras
torácicas baixas): a couraça é expressa por uma curvatura da espinha para
frente, de modo que há um espaço considerável entre a parte de baixo das
costas do paciente e o colchão. É muito mais difícil expirar do que inspirar. A couraça inibe
principalmente a raiva extremada. Técnica para a sua dissolução: os quatro primeiros segmentos
devem estar mais ou menos livres antes que o diafragma possa ser solto através do trabalho
repetido com respiração e reflexo do vômito.

* Manifestações da couraça abdominal (músculos abdominais longos e músculos das


costas). A tensão nos músculos lombares está ligada ao medo de ataque. A
couraça nos flancos de uma pessoa produz instabilidade e relaciona-se com a inibição do rancor.
Técnica para a sua dissolução: a dissolução da couraça, neste segmento, é
relativamente simples, desde que os segmentos mais altos estejam abertos. São solicitados
movimentos abdominais ao paciente.

* Manifestações da couraça pélvica (músculos da pélvis e membros inferiores): quanto mais


intensa a couraça, mais a pélvis é puxada para trás e saliente nesta parte. Os músculos glúteos
são tesos e doloridos, a pélvis é rígida, "morta" e assexual. A couraça pélvica serve para inibir a
ansiedade e a raiva, bem como o prazer. A ansiedade e a raiva resultam das inibições das
sensações de prazer sexual, e é impossível experienciar livremente o prazer nesta área até que a
raiva tenha sido liberada dos músculos pélvicos. Técnica para a sua dissolução: a couraça pode ser
solta primeiramente mobilizando a pélvis, e até a batendo contra o colchão, com o paciente
deitado. Pede-se ainda que o paciente chute os pés repetidas vezes.

A abordagem reichiana não busca nem a "psicologização" nem a "biologização",


mas insere um terceiro elemento nesta relação, e considera os outros dois,

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psique e soma, como derivações da energia. Os fenômenos psicológicos e


orgânicos são articulados como manifestações em níveis diferentes de um
mesmo princípio comum: a energia orgone. Poderíamos dizer que Reich faz uma
“energetização". O corpo sem a psique, o corpo-objeto, desprovido de sua fenomenologia
vivencial não é o corpo reichiano. A psique sem corpo, alma desencarnada, não é a psique
reichiana.

A energia quando presente no organismo vivo torna-se bioenergia, ou mais precisamente,


biopsicoenergia e então, passa a adquirir algumas leis próprias de funcionamento: as leis da
unidade psicossomática. Reich faz uma "biopsicoenergética". Neste sentido a obra reichiana
oferece-se como uma possibilidade de resposta à cisão moderna que ocorre frente à aparente
incompatibilidade entre a Medicina e a Psicologia, e também com a espiritualidade.

O Caráter Genital 
O termo Caráter genital foi usado por Freud para indicar o último estágio do desenvolvimento
psicossexual. Reich adotou-o para se referir especificamente à pessoa que adquiriu potência
orgástica. Para ele a potência orgástica era a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer
inibições, ao fluxo de energia biológica, era a capacidade de descarregar completamente a
excitação sexual reprimida por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.
Reich descobriu que assim que seus pacientes renunciavam à sua couraça e desenvolviam a
potência orgástica, muitas áreas de funcionamento neurótico mudavam de forma espontânea. No
lugar de rígidos controles neuróticos, os indivíduos desenvolviam uma capacidade para auto-
regulação. Reich descreveu indivíduos auto-reguladores como naturais, mais do que morais. Eles
agem em termos de suas próprias inclinações e sentimentos internos, ao invés de serem algum
código externo ou ordens pré-estabelecidas por outros.

Os caracteres genitais não estão aprisionados em suas couraças e defesas psicológicas. Elas
são capazes de se encouraçar, quando necessário, contra um ambiente hostil. Entretanto, sua
couraça é feita mais ou menos conscientemente e pode ser dissolvida quando não houver mais
necessidade dela.
Reich escreveu que caracteres genitais trabalharam sobre o complexo de Édipo, de maneira
que o material edipiano já não é mais tão intensamente carregado ou reprimido. O superego, para
ele, torna-se “sexo-afirmativo”, portanto o Id e o Superego passam a estar em harmonia. O
Caráter Genital é capaz de experimentar livre e plenamente o orgasmo sexual, descarregando por
completo toda a libido excessiva. Dessa forma, o orgasmo, o clímax da atividade sexual, seria
caracterizado pela entrega à experiência sexual e pelo movimento desinibido, involuntário, ao
contrário dos movimentos forçados ou até violentos dos indivíduos encouraçados.

A Energia Orgone

Na década de 1920, Reich iniciou seus estudos sobre as teorias da energia orgonômica e,
assim, se estendeu por cerca de 20 anos de trabalho. Logo após esta descoberta, deu
continuidade e permaneceu desenvolvendo a orgonomia por mais dezoito anos até sua morte, em
1957. Porém, essas teorias foram experimentalmente comprovadas com muito esforço por Reich

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no período de 1939 – 1940, pois o próprio sentia-se muito incomodado com o fato destas não
poderem ser testadas pelos rigorosos critérios da pesquisa científico-natural. Reich não
considerava a Orgonomia apenas como mais uma etapa de sua obra; considerava-a,
principalmente, como a expressão da totalidade de seu trabalho científico-natural.

A essa energia, descoberta em 1939 no domínio do Vivo e detectada, em 1940, no universo


inanimado, Reich nomeou como "Energia Orgone Cósmica". Nasce, então, a Orgonomia (a ciência
que investiga as manifestações da energia orgone nos domínios do vivo e do não-vivo, do orgânico
e do inorgânico, no micro e no macro cosmos), o Funcionalismo Orgonômico (um específico
método que espelha a dinâmica dos fenômenos orgonóticos), a Orgonoterapia (a experiência da
análise do caráter e da vegetoterapia somadas às descobertas orgonômicas) e vários outros e
promissores ramos de pesquisa.  

A Orgonomia rompe com os parâmetros de uma ciência mecanicista e apresenta um


pensamento funcional segundo o qual os aspectos físicos, energéticos e emocionais são indivisíveis
e influenciam-se mutuamente, interferindo no livre fluxo energético da natureza e de tudo o que
dela faz parte.

Partindo de constructos provenientes da Psicanálise (principalmente, os conceitos de


"impulso" e "libido"), da Filosofia (especialmente, a idéia de um élan vital, do filósofo francês Henri
Bergson) e das teorias dos Biólogos Vitalistas (que postulavam uma singular energia biológica),
Reich inicia, então, sua pesquisa, apoiando-se em um primeiro momento, exclusivamente na
prática clínica. E logo desenvolve uma nova terapêutica (a Análise do Caráter) que funcionará,
simultaneamente, como uma bússola para o trabalho clínico e como um  instrumento para a
compreensão da dinâmica do processo energético nos seres humanos. 

Podemos entender a respeito de Energia Orgônica: energia cósmica  que nos   seres vivos  
manifesta-se  como energia biológica específica  que  permeia o organismo todo e gera um  campo
energético  ao  redor,  na base  de todos os processos vitais, nas emoções,  intenção e
consciência. Decorre o entendimento de que mente e corpo, matéria e energia são aspectos de
uma mesma realidade;  a criação  é  um  processo  natural,  contínuo  e  observável. Emoção,  
vontade e  sensação são  partes  integrantes do processo criativo; a  natureza toda funciona como
uma unidade, integrando a todos, seres e fenômenos.

Um novo método de pensamento e pesquisa, o Funcionalismo Orgonômico, apresenta a


lógica que rege os processos energéticos funcionais. A simultaneidade impulso/defesa, a
potência orgástica, a dependência dos conteúdos psíquicos em relação ao estado energético, as
pequenas descargas que promovem  aumentos de carga, o trabalho sistemático com as defesas e
várias outras descobertas de Wilhelm Reich, através de estudos de casos clínicos, apontou a 
importância da atividade sexual propriamente dita, na evolução do tratamento de perturbações
mentais. Concentrou-se na questão da obtenção de satisfação ou desprazer e não apenas
na execução mecânica ou na fisiologia do ato sexual. Ou seja, afirmou veementemente que uma
vida sexual saudável está na base do equilíbrio emocional, mental e físico. Diferente da fome,
 sede e respiração que não podem ser adiadas ou modificadas podendo custar a vida do

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organismo, a sexualidade é uma função vital instintiva que admite transformação porém requer ser
saciada. Distinguiu no ato sexual uma fase inicial de movimentos e controle voluntário da excitação
que dá lugar a movimentos autônomos da musculatura e  perda do controle acompanhado de
convulsões rítmicas pelo corpo todo, no orgasmo.
Abaixo segue um gráfico demonstrando a excitação e descarga da energia sexual (o
orgasmo propriamente dito).

A capacidade para a máxima excitação e descarga da energia sexual e o abandono ao


funcionamento involuntário do corpo foi chamada, por Reich, de “Potência Orgástica” .
Quando não ocorre a plena satisfação no orgasmo, a energia sexual tende a  acumular,
gerando no organismo uma fonte energética de neurose e distúrbios psicossomáticos. Com isso vai
se perdendo a  capacidade natural de abandono ao funcionamento involuntário do corpo e
adquirindo medo de suas sensações.

  Para Reich, o estudo do orgasmo levou além da psicologia profunda e da fisiologia,


penetrando em terreno biológico até então inexplorado. Em outras palavras, a partir do momento
em que a sexualidade e o processo vital identificaram-se, novos caminhos foram abertos no campo
da biogênese, isto é, o que antes era visto só como parte da psicologia tornou-se, também,
biofísica e parte de uma genuína ciência natural experimental. 

No organismo humano encouraçado, a Energia Orgônica é presa nos espasmos musculares


crônicos. Após a perda de um anel da couraça, o orgon do corpo não começa de imediato a correr
livremente. Logo que os primeiros blocos da couraça são dissolvidos, nós descobrimos que, com os
fluxos e as sensações orgônicas, a expressão do “dar” se desenvolve cada vez mais. Entretanto,
couraças ainda existentes evitam seu desenvolvimento total.

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Estrutura Psíquica

A adaptabilidade do corpo, biológica, psicológica e social se afirma em múltiplas relações


sujeito/ambiente. É aí que situamos as funções da Estrutura Psíquica e do Caráter. Entendemos
como estrutura psíquica o modo de arranjo energético do sujeito e de suas funções. Esse arranjo é
a nosso ver determinado pela ancoragem da inscrição tópica profunda da relação mãe/filho. E a
relação mãe/filho, superdeterminada pelo fenômeno edípico.

No fenômeno edípico, relendo Lacan e Winnicott, propomos a função mãe limite, o outro, o
tu, corolário do narcisismo primário, próprio do id e fundador do ego, e a função pai, a terceira
pessoa, a lei, como fundadora do superego, sedimentador do ego. A estrutura é um todo,
reconhecidas as interrelações entre as partes, diferente da organização. O corpo substância essas
instâncias relacionadas. Assim distinguimos as seguintes estruturas:

* A da psicose, marcada pela possibilidade de forclusão e injunção, disfunções próprias do


limite. O foco energético é difuso, campo energético disperso com fluxos frouxos, pouco
concentrados.

* A neurose, basicamente disfunção da dimensão da lei. Ocorre contração do campo


energético, fluxos energéticos constantemente obstaculizados.

* A perversão marcada pela renegação com a cristalização do objeto relacional, disfunções


do limite e da lei. Há rigidez nos percursos energéticos, monótonos, e pouca disponibilidade de
energia para investimento.

* A psicopatia, marcada pelo isolamento afetivo da lei, pelo empobrecimento do


investimento libidinal sobre os objetos exteriores associado a introversão (desapego da libido sobre
os objetos exteriores com retração para o mundo interior – Jung) do limite. Há um campo
energético difuso com focos distintos rígidos bipolarizados (ou dentro ou fora).

O CRESCIMENTO PSICOLÓGICO E O ORGONOTERAPEUTA

Reich definiu crescimento como o processo de dissolução de nossa couraça psicológica e


física, tornando-nos, gradualmente, seres humanos mais livres, abertos e capazes de gozar um
orgasmo pleno e satisfatório.

O diagnóstico da estrutura e do caráter é de um grau de acuidade e profundidade


necessário e suficiente para a maior parte das intervenções esperadas em uma terapia reichiana.
O orgonoterapeuta é alguém que se instrumentaliza na busca do entendimento do ser humano
em suas expressões mais autênticas, não somente subordinadas a suas demandas adaptativas.

Em “O Éter, Deus e o Diabo” (Textos não publicados, traduzidos da edição francesa L’Eter,
Dieu et le Diable , Paris, Payot, 1973), Reich diz : “Trata-se exclusivamente de resguardar a

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integridade do aparelho sensorial, nosso instrumento de pesquisa. Esta condição não é um ”dom”
nem um “talento”, mas o resultado de um esforço contínuo, um exercício ininterrupto de
autocrítica e autocontrole... Sem um sistema sensorial perfeitamente límpido e sem meios de
desanuviá-los quando apresente opacidades irracionais, é impossível alcançar as profundezas da
estrutura caracterológica do Homem e descrever objetivamente os processos da Natureza”.

Outro ponto importante refere-se ao modo de pensar do terapeuta. Reich baseou suas
investigações e conceitos teóricos numa forma de pensar a que chamou de pensamento
funcional. Tal técnica de raciocínio inclui e considera as sensações do investigador diante de seu
objeto de estudo e se define por algumas regras quanto às funções existentes no ser vivo.
Considera as formas de pensar tradicionais como um obstáculo ao avanço do conhecimento, pois
se baseia no funcionamento encouraçado que determina duas formas típicas de pensar: a forma
mística e a forma mecanicista. Para Reich, só é possível sair dessa dualidade pelo resgate do
funcionamento do vivo dentro de si, e pela compreensão das regras deste funcionamento
integrado da energia e da matéria orgânica que se expressará sob a forma da pulsação conjunta.

FREUD E REICH

Wilhelm Reich forneceu importantes contribuições à psicanálise, especialmente no que se


refere ao desenvolvimento da técnica analítica.

Foram vários os temas que levaram ao afastamento de Reich e Freud. As opiniões de


Reich quanto a sua teoria da genitalidade, sua psicossomática e a tentativa de conciliar Marx e
Freud não foram aceitas pelos freudianos mais ortodoxos. Vários outros psicanalistas, mais tarde,
tentaram conciliar as teorias de Freud e Marx e, em que pese a desistência de muitos destes,
para Reich era perfeitamente possível a presença do materialismo dialético em formulações a
respeito do percurso da energia psíquica dos seres humanos, pois os freudianos tentavam
compreender a estrutura da mente para poder mudar o indivíduo, enquanto os marxistas
procuravam transformar a estrutura social. Ao contrário de serem tendências diversas, para Reich
tais teorias eram duas maneiras de ver o mesmo problema básico: a repressão.

Freud foi mestre de Reich, mas, quando este filiou–se ao partido comunista, interessando-
se cada vez mais pelas condições sociais dos pacientes, surgiram divergências entre eles. A
militância política de Reich é considerada por muitos como o grande ponto de atrito entre ele e
seu mestre.

Reich chamou de “miséria sexual” a falta de orientação para o controle da natalidade, a


falta de informação nas escolas, a falta de higiene, mulheres sem orgasmo e temendo
engravidar, outras morrendo devido a abortos clandestinos, o nascimento de crianças
indesejadas, etc. Para ele, não havia possibilidade de revolução cultural sem revolução sexual.
Discutiu a sexualidade como um todo, não se detendo apenas aos detalhes relacionados à libido,
e atentou para o caráter social das neuroses, colocando o modelo de família patriarcal e
monogâmica como base da ideologia social repressiva.

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Outro ponto importante que levou a divergências e ao afastamento entre Reich e Freud foi
o fato de que Reich retomou a teoria da libido freudiana, buscando investigá-la enquanto energia
biológica concreta, passível de ser mensurada.

Reich discordou de dois conceitos fundamentais da teoria psicanalítica de Freud: a pulsão


de morte e a universalidade do complexo de Édipo.

Freud havia elaborado uma teoria da cultura, como um dos suportes teóricos da
psicanálise. Para ele, a repressão produziria neurose, mas, ao mesmo tempo, não haveria cultura
sem repressão e o complexo de Édipo seria, de certa forma, o agente dessa repressão necessária
e, por isso, seria um estruturante universal.

Mais tarde, Freud reformulou sua teoria pulsional, apresentando a idéia de uma pulsão de
morte que seria ontológica, situando a destrutividade na própria natureza humana.

Para Reich, Freud estava errado, pois nem a repressão é condição para a cultura, nem a
destrutividade é um atributo da natureza. Reich busca no materialismo histórico de Marx e Engels
e nas pesquisas antropológicas de Malinowsky a base teórica e a prova empírica necessárias para
refutar a teoria freudiana. Reich afirma que a família patriarcal burguesa, com sua respectiva
moral, não é a versão final e acabada da organização familiar, já que se transforma de acordo
com os modos de produção historicamente estabelecidos e, além disso, existem culturas não
repressivas nas quais desenvolvem-se outros modelos familiares. Com isso, Reich mostra que o
triângulo familiar no qual se dá o complexo edípico não é um estruturante universal, mas tão
somente uma formação própria da sociedade patriarcal-autoritária, passível, portanto, de ser
transformada.

Já em relação à pulsão de morte, Reich toma como referência suas experiências clínicas
com masoquistas, considerando que o que acontecia era uma forma específica de angústia de
orgasmo e não uma pulsão. Para Reich, o masoquista não consegue viver o prazer porque a
angústia aparece, fazendo com que o prazer seja sentido como perigo antecipado. Não se trata,
portanto, de pulsão e sim de uma formação secundária, resultante da ação da cultura repressiva
e, por essa razão, desfigurada de sua natureza original.

Reich tem na natureza o grande modelo de referência para a sua concepção de vida e,
como as forças naturais (entre elas as pulsões) trabalham pela e para a vida, seriam
incompatíveis com a destrutividade que Freud lhes atribui. Por isso, para Reich, o mal não tem
origem na natureza e sim no campo da cultura, dos homens-em-relação. Quando a cultura se
opõe sistematicamente à natureza, acaba por degenerar suas forças, transformando-as em
antinaturais, irracionais e antissociais, causando, agora sim, destruição e sofrimento, como no
caso do impulso masoquista.

Podemos perceber, pelos elementos presentes, duas grandes e diferentes matrizes


filosóficas nas teorias de Reich e Freud, uma mais otimista e outra mais pessimista.

Freud vê o indivíduo como portador de tendências antissociais e usa o modelo de cultura


versus natureza, atribuindo à primeira o papel de corrigir a segunda em suas características

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egoístas e perigosas, propondo a dominação das paixões humanas e garantindo que os


interesses racionais (um atributo da cultura) se imponham como condição para a sociabilidade
e a política.
Já a teoria de Reich toma a natureza como modelo para a vida e para o social, fazendo um
resgate positivo das paixões e conferindo-lhes racionalidade e sociabilidade.

Se, para Freud, o modelo político racionalista desconfia acertadamente da natureza


humana, por ser esta sempre traiçoeira, propondo sua dominação, Reich procura mostrar que é
justamente essa dominação que leva à degeneração da natureza humana, transformando-a em
seu oposto, isto é, tornando irracional o que era racional, desprazer o que era prazer,
destrutividade social, crimes e guerras o que era sociabilidade. Segundo Reich, a própria
natureza é racional e social e, por isso, é necessária uma cultura capaz de dar livre fluxo à
natureza humana, única maneira de se construir uma sociedade realmente racional (e não
racionalista). Para isso, Reich defendeu a realização das pulsões, a “democracia natural do
trabalho” (sua teoria da sociabilidade) e apostou numa sexualidade natural, introduzindo o corpo
no setting terapêutico, postulando uma sociedade mais saudável e livre e combatendo, assim, a
visão mais pessimista de homem presente, segundo o modo de ver reichiano, na matriz filosófica
que embasa a teoria cultural de Freud.

REICH E A CONTEMPORANEIDADE

Considerações sobre questões contemporâneas segundo a visão reichiana.


Incompreendido à esquerda e amaldiçoado à direita, Wilhelm Reich foi um investigador e um
pensador heterodoxo, no sentido verdadeiramente revolucionário que este termo pode
apresentar.

Foi libertado do esquecimento e dos preconceitos, com os quais se deparou durante a


construção de sua obra, pela juventude europeia e americana dos diversos movimentos
contestatórios contemporâneos, pois tocou em questões que continuam atuais, o que o faz um
pensador inconformista e autenticamente progressista ainda nos dias de hoje.

O Paradigma Reichiano e a Multidisciplinaridade

O paradigma reichiano se define por uma autêntica fé na vida, desde que esta encontre
meios para se realizar. Reich apostava na esperança de que as sociedades do futuro serão
capazes de construir a verdadeira civilização humana, onde o sistema social não se oporá as leis
da natureza que se manifestam no homem desde sua concepção em fase embrionária. A vida
seria preservada pelas regras sociais desde seu surgimento até o último suspiro de cada ser
vivente e tal preservação se daria pela compreensão clara de todas as necessidades básicas do
ser humano nas principais fases de desenvolvimento, desde a infância.

A partir do conhecimento das leis de organização e funcionamento da vida, Reich propõe


uma mudança de paradigma que permite ao homem se reconhecer não somente pela sua
inscrição social (profissão, função familiar, capacidade de liderança, etc.), mas também por sua

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relação com a natureza. O conceito de cerne biológico nos permite estarmos abertos para uma
relação com a vida onde as prioridades são determinadas pelo contado com a essência de cada
um. Cabe, neste ponto, recorrermos ao entendimento das funções energéticas diferenciando as
autênticas expressões da vida das manifestações distorcidas do funcionamento humano
(couraças).

Além da mudança de paradigma, a perspectiva reichiana permite que se lance um olhar


multidisciplinar sobre o Homem e seu adoecimento.

As ideias de Reich estão presentes hoje em várias áreas do conhecimento humano, o que
o torna multidisciplinar. A área de saúde é apenas uma entre as inúmeras áreas que foram
influenciadas por suas ideias.

Grande humanista, Reich atuou transformando o campo social e pedagógico, tendo como
preocupação a canalização adequada do fluxo da energia para o bem-estar do indivíduo na
sociedade.

Preocupou-se, também, em desenvolver, no final dos anos 20, em Viena, um programa de


prevenção de neuroses, pois percebeu que muitas neuroses eram desencadeadas a partir da
pobreza e da repressão sexual.

Reich antecipou-se na visão de que os cuidados com o ser humano deveriam iniciar-se
antes mesmo da concepção, sendo desde o princípio desejado e consequência de um ato de
amor. Os cuidados deveriam se estender durante o período gestacional, o parto, e em todas as
fases do desenvolvimento psicoemocional do ser humano.

Criou o Centro de Pesquisa Infanto Orgonômico nos Estados Unidos, onde pretendia,
dentre outras coisas, cuidar das mães grávidas e dos primeiros anos de vida dos bebês. Ele
julgava que este tipo de trabalho era preventivo, evitando, assim, problemas de neurose do
futuro adulto. Esta concepção está presente hoje em várias correntes de promoção da saúde
voltados para o início da vida, tais como as que incentivam o parto humanizado e a prática do
aleitamento.

Reich julgava importante que o aleitamento respeitasse a demanda da criança, sem o


estabelecimento de um horário, acreditava ser importante a troca afetiva e a educação sem
cerceamentos desnecessários, desde que respeitasse os limites do outro. Segundo ele, estas
condições acima facilitavam o desenvolvimento das potencialidades do ser humano.

A idéia básica do pensamento reichiano, o homem genital, o homem saudável, pode ser
aplicado a várias disciplinas, pois ela é multidisciplinar. Trata-se de um ser humano sem
bloqueios excessivos que lhe impeçam a realização da sua capacidade, das suas possibilidades.
Sem bloqueios sexuais, musculares, afetivos, energéticos e intelectuais, tendo a integridade de
sua capacidade mantida.

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Reich e o Feminismo

Reich sempre afirmou que certas estruturas humanas são nativas a certas organizações
sociais. Assim, a condição feminina em uma sociedade patriarcal é muito diferente da sociedade
matriarcal. A primeira é acentuadamente demarcada por diferenças nos gêneros, colocando o
feminino, em muitos casos, como um subproduto social.

Desde o século XIX a mulher e seu útero estão associados à histeria. Reich,
diferentemente de Freud, coloca que o caráter histérico é identificado tanto no homem como na
mulher. Na Análise do Caráter ele afirma ser a histeria, na mulher, uma forma circunscrita das
defesas psíquicas, muitas vezes por razões morais, em relação ao desapontamento amoroso com
os homens.

Segundo Reich, quando a frustração na esfera heterossexual é relativamente fraca, a


inveja do pênis não tem muito significado na formação do caráter. Ao contrário de Freud, não
considerou como muito importante a inveja do pênis, pois deu maior ênfase em como essa
questão afeta o caráter, e quais sintomas produz. O ponto decisivo é se a identificação com a
mãe se organiza no ego; e também como essas expressões, que chamamos de femininas, se
estabelecem nos traços caracteriais.

Um ser feminino de caráter genital, isto é maduro, vive a entrega afetiva com seu parceiro,
na sua maternidade, no seu trabalho e não se aprisiona nas condições de submissão, pois seu
funcionamento está centrado na sua potência e sua realidade somática.

Reich na Universidade

A maioria das universidades brasileiras não possui matérias que abordem a teoria
reichiana, nem práticas supervisionadas de psicoterapias somáticas. Este fato é lamentável,
afinal, é função do curso de Psicologia oferecer aos seus alunos um vasto leque de opções
teóricas, dando-lhes a oportunidade de conhecer e se identificar com aquelas que melhor lhe
convierem.

Universidades que oferecem matéria específica com este tema têm comprovado que a
teoria do orgasmo, a análise do caráter e a peste emocional despertam interesse e
curiosidade. Apesar de ter sido escrita por Reich na década de quarenta, a peste emocional
tem um caráter atual dentro do momento em que vivemos.

O fato é que existem informações distorcidas a respeito de Reich, e estas limitam o


interesse em sua teoria. A universidade tem o dever de difundir de maneira correta as
informações, e ainda que não possa acabar com as distorções históricas, tem a função primordial
de minorá-las, substituindo o preconceito pelo conhecimento.

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A Ética Reichiana
 Reich define o sentido ético como a visão do todo, suas confluências e influências sobre
nós. Esse sentido é apreendido pelas sensações amorosas transmitidas pelo nosso corpo. Essas
sensações são apreendidas das percepções das nossas correntes orgonóticas e estas nos ligam a
tudo que é vivo e, em última instância, ao universo.

Quando pensamos em ética também pensamos na moral que é comandada socialmente ou


ainda na relação entre as noções de bem e de mal. Esses conceitos são uma construção coletiva
que busca orientar a sociedade, entre o bom e o ruim, o bem e o mal. Os conflitos são
administrados, privilégios distribuídos e a moral enunciada em nome de uma sociedade melhor,
mais feliz, mais justa. Quanto maior for a utopia prometida, maior é o despotismo que conduz à
ilusão do ter que se concentra nas noções de riqueza e poder. Essa situação representa a
adoração da própria imagem - o narcisismo - que evidencia o extremo da falha no sentido da
ligação empática que Reich chamou de contato.

Os poderes únicos são apoiados por nós, seja por omissão ou mesmo pela participação
direta. Para combatê-los, temos saberes. Se acreditamos na justiça, devemos construí-la dia-a-
dia, como um hábito introjetado. Caso contrário, estaremos sendo coniventes e participantes
da criação de pessoas incapazes de contato e de sociabilidade. A esse processo Reich chamou
de ética cotidiana e, para exercê-la, é necessário em primeiro lugar o contato com nós
mesmos e, em um segundo momento, o contato com os outros.

Considerações

Wilhelm Reich diz, em “Escuta, Zé Ninguém!”: “Amor, trabalho e sabedoria são as fontes
da nossa vida. Deviam também governá-la”. (pág. 7, 10 ed., Lisboa, Livraria Martins Fontes
Editora Ltda.).
O que podemos pensar a partir daí? Como viver da maneira que Reich propõe na
sociedade atual? Como voltar nossa energia vital nessa direção?

Existe um mundo a nossa volta que, numa relação dialética conosco, constrói e é
construído, desenvolve e é desenvolvido e, devido a isso, não há como fazer uma análise
dicotômica da relação homem/sociedade (ou natureza), uma vez que estes não agem de maneira
isolada. Seguindo essa análise, o que pensar de um homem que defende a liberdade, se em suas
relações íntimas ele se coloca como um opressor? E o que dizer sobre aqueles que em nome do
amor, do status, cerceiam a tão cara e preciosa expressão afetiva, sexual, emocional, seja do
próximo ou de toda uma sociedade?

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Cientes destas indagações questionamos se é possível vivenciar plena e satisfatoriamente


nossa energia diante de uma sociedade que - não apenas com armas, mas com leis e normas -,
se baseia fundamentalmente na exploração do homem pelo homem; que expropria nossa força
de trabalho a fim de aumentar o lucro de tão poucos; que expropria-nos o tempo de descanso,
do ócio, da criação, das relações interpessoais, a saúde, a vida; como estudar o psiquismo de
uma pessoa se a dissociamos da sua relação com o meio? E ainda, a quem interessa uma
sociedade doente, oprimida, neurótica?

Entender que há uma ponte entre o micro e o macrocosmo e que esta se consolida em nossas
relações cotidianas, é o primeiro passo para nos reconhecer parte deste sistema, desta natureza,
deste universo. É começar a entender que o valor a vida passa por tomarmos ciência de que a
energia vital, a sexualidade (não apenas no que diz respeito a libido), se faz presente em todos
os seres vivos e inanimados, e que isso é fundamental para a nossa saúde holística, ou seja, o
ser humano visto como um todo, não fragmentado. Reich acreditava nesta teoria, como diz em
“Escuta, Zé Ninguém!”: “Descobri que o teu espírito é uma função da tua energia vital, isto é, por
outras palavras, que existe uma unidade entre o corpo e o espírito”. (pág. 79, 10 ed., Lisboa,
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.).

Para alguém que entendia que para haver revolução cultural precisa haver revolução
sexual e que, para tal, precisávamos romper com uma sociedade opressora que nos impunha
tantas couraças energéticas as quais bloqueavam a energia em nossos centros vitais, dificilmente
teremos como ignorar a importância desta reflexão nos dias de hoje. Tomar o ser humano como
um ser meramente individual, é a maneira mais requintada de desqualificar o ser humano, pois
como diz Heidegger no Ser e o Tempo: “Ninguém é si mesmo. É o reino do a gente. A gente
vive, a gente se ocupa, a gente é. A gente não é ninguém. Esse tempo, a gente o perde”. Em
outras palavras, nós só somos na relação com o outro. O “cada um por si e Deus por todos” é
mais uma falácia desta sociedade opressora a qual Reich se referia, pois uma vez sozinhos,
isolados em nosso egoísmo, nos tornamos presas fáceis. Porém, quando nos manifestamos seja
num grito, num beijo, num riso ou numa passeata, o que aos olhos dos opressores é uma
baderna, uma ameaça, para nós é símbolo de liberdade, prazer, união e graça.

Portanto, procurar relações onde se respeita e prioriza a vida e o livre fluxo da nossa
energia criativa, é investir cada vez mais na saúde, é crer que somos o próprio cosmos, não
somente parte deste; que somos filhos deste universo, um Deus em formação; e que portanto,
temos todo o direito de estar aqui e ser feliz.

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Como, então, podemos exercer esse direito e viver melhor? Quando poderemos? Ouçamos
Reich, mais uma vez:

“Perguntas-me se poderei dizer-te quando saberás viver a tua vida em paz e segurança; a
resposta consiste no inverso da tua forma de ser actual: viverás bem e em paz quando a vida
significar para ti mais do que a segurança; o amor mais do que o dinheiro; a tua liberdade mais
do que as linhas directivas do partido ou a opinião pública; quando o modo de estar no mundo
de um Beethoven ou de um Bach for o tom habitual de toda a tua existência (...); quando a tua
forma de pensar estiver de acordo, e não, como hoje, em discordância, com a tua forma de
sentir; ... ; quando os professores dos teus filhos forem mais bem pagos do que os políticos;
quando tiveres maior respeito pelo amor entre um homem e uma mulher do que por um
certificado de casamento; quando puderes reconhecer os teus erros refletindo a tempo, e não
demasiado tarde, como o fazes hoje; ... ; quando a alegria que a tua filha adolescente possa
encontrar no amor for também a tua alegria, e não motivo da tua cólera; quando finalmente a
face humana do homem da rua puder expressar a alegria, a liberdade e a comunicação, não mais
a tristeza e a miséria; quando os seres humanos não mais povoarem a terra com as suas ancas
retraídas e rígidas e os seus órgãos sexuais enregelados.” (“Escuta, Zé Ninguém!”, pág. 106 e
107, 10 ed., Lisboa, Livraria Martins Fontes Editora Ltda.).

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BIBLIOGRAFIA

FADIMAN, James; FRAGER, Roger. Teorias da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Harbra, 2002.
LOWEN, Alexander. O Corpo em Terapia. 8. ed. São Paulo: Summus, 1977.
REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Reich, Wilhelm . O Assassinato de Cristo. 4 ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1991.
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo (1942 Renovado 1961). 18 ed. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1994.
REICH, Wilhelm. Escuta, Zé Ninguém! 10. ed. Lisboa: Livraria Martins Fontes Editora
Ltda,1982.
REICH, Wilhelm. O éter, deus e o diabo. (Textos não publicados, traduzidos da edição francesa
L’Eter, Dieu et le Diable, Paris, Payot, 1973)
REICH, Wilhelm. Paixão da Juventude: uma autobiografia, 1. ed. São Paulo: Brasiliense,1996.
SHARAF, Myron. Fury on Earth. New York : Dacapo Press, 1983.
VOLPI, José Henrique. Psicoterapia Corporal - Um trajeto histórico de Wilhem Reich. Centro
Reichiano,1999.

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