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O SENTIDO DE UM ABRIGO PSÍQUICO

PARA UMA VIDA MENTAL

Alicia B. D. de Lisondo
Organizadora

2003
AS AUTORAS

ADRIANA CAMPOS CERQUEIRA LEITE


Doutora em Psicanálise e Psicopatologia Fundamental, pela Universidade Paris VII
Doutora em Saúde Mental, pela UNICAMP
Pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da UNICAMP

ALICIA BEATRIZ DORADO DE LISONDO - organizadora


Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Membro do Núcleo de Psicanálise de Campinas e Região
Analista de Crianças e Adolescentes
Docente do Curso de Formação de Psicanálise de Crianças e Adolescentes da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo

ANA MARIA QUEIROZ GUIMARÃES PROTTI


Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Membro do Núcleo de Psicanálise de Campinas e Região
Curso de Psicanálise de Crianças e Adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise
de São Paulo (concluído)

CLÍCIA ASSUMPÇÃO MARTARELLO DE CONTI


Docente do Curso de Especialização de Fonoaudiologia da UNIMEP
Membro da Sociedade Psicanalítica de Campinas
APRESENTAÇÃO

Este Projeto - Um Abrigo Psíquico foi escrito por psicólogas e psicanalistas com vasta
experiência na área clínica e na área das investigações psicanalíticas no campo dos infans,
crianças e adolescentes. Elas fazem parte da equipe do Serviço de Psicologia Psicanalítica, na
Unidade de Atendimento Infantil (UAI) do Centro de Controle de Investigação Imunológica Dr.
Antônio Carlos Corsini.

As autoras pretendem que este trabalho seja explorado por profissionais da área da saúde
e contribua para um enriquecimento pessoal na compreensão mais profunda sobre a
complexidade psiquê e soma (mente e corpo), juntamente com o relacionamento humano na
intimidade da vida institucional evidenciando a questão da subjetividade do ser em formação.

O conteúdo deste trabalho constitui a base epistemológica da aplicação clinica do Serviço de


Psicologia Psicanalítica nas áreas:

1. Da Observação de Bebês às Intervenções precoces

2. Avaliação Psicanalítica

3. Psicoterapia Psicanalítica às Crianças e Adolescentes

4. Grupo Operativo

5. Acompanhamento Terapêutico

6. Grupo de Pais

7. Formação de Aprimorandos e Estagiários

8. Pesquisa e Divugação na Comunidade Cientifica

9. Embasamento para o Curso “Conceitos Fundamentais da Teoria e da Técnica de


Psicanálise - Infans, Crianças e Adolescentes”
“A Psicanálise chega para pôr tênue luz aos cantos inconscientes escuros da alma encolhida”

Alicia Lisondo
(da poesia Cruz e Luz)
ÍNDICE

SENTIDO DE UM ABRIGO PSÍQUICO PARA A VIDA MENTAL .............................................. 1

A FUNÇÃO MATERNA E PATERNA NA SITUAÇÃO EDÍPICA ................................................ 7

OS ALICERCES DA IDENTIDADE HUMANA. A FUNÇÃO MATERNA E PATERNA NA


CONFIGURAÇÃO EDÍPICA. ................................................................................................. 22

A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA INTERSUBJETIVIDADE .................................... 25

POR QUE O PRIVILÉGIO AOS INFANS.................................................................................. 31

COMPLEXO FRATERNO – A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PRÓPRIA .......................... 36

POR QUE O ESPELHO – SEU SENTIDO E USO..................................................................... 42

USO E ABUSO DA TV E COMPUTADOR................................................................................ 45

PROJETO MINHA HISTÓRIA DE VIDA .................................................................................. 47

O LUGAR DAS HISTÓRIAS INFANTIS/ DO BRINCAR / DA REPRESENTAÇÃO DA


CRIATIVIDADE........................................................................................................................ 49
POR QUE OS CLÁSSICOS CONTOS DE FADA?..................................................................... 52

A QUESTÃO DA VERDADE .................................................................................................... 54

QUADRO COMPARATIVO DAS DIFERENÇAS ENTRE A FAMÍLIA “SUFICIENTE-MENTE


BOA” E O INFANS NUM ABRIGO .......................................................................................... 56

PROPOSTAS CONCRETAS ...................................................................................................... 59

FILIAÇÃO SIMBÓLICA E FILIAÇÃO DIABÓLICA.................................................................. 61


BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................................66
SENTIDO DE UM ABRIGO PSÍQUICO PARA A VIDA MENTAL

“... Maldição!
Ter vindo ao mundo para endireitá-lo”. (p. 47)
“Teria sido melhor que a minha mãe não me houvesse dado a luz.” (p. 75)
Hamlet

Pretendemos pensar sobre o abrigo para crianças vítimas daquela que é talvez a grande
epidemia do final do século XX e que infelizmente invade o século XXI ainda com a marca da
tragédia - embora já podendo contar com muitos avanços do campo médico -. Como toda
tragédia, essa também nos toca de maneira muito mais contundente quando nos deparamos com a
história de cada uma das crianças atendidas pelo Centro Corsini. Quando os números ganham
nomes, rostos, histórias e singularidades tomam imediatamente outra dimensão, a dimensão da
subjetividade. Pois bem, é justamente esta dimensão singular que mobiliza o olhar da psicanálise
e que orienta este projeto.
A psicanálise é a ciência e arte que no inicio do século revoluciona a epistemologia da
época quando descobre a dimensão inconsciente do ser humano. O mito do homem racional é
descentrado de sua hegemonia num cambio significativo e copernicano. Freud da voz ao infantil
vivo e presente na vida de todos . A sexualidade humana tem lugar de destaque nos primórdios da
vida mental e vida fora. A satisfação do bebê mamando no seio de sua mãe transcende a
necessidade biológica. Este primeiro modelo de relação afetiva, poética, misteriosa e estruturante
da vida humana tem sido motivo de inspiração na arte em todas as suas manifestações.
Sexualidade não é, portanto, sinônimo de genitalidade.
Cabe a Melanie Klein, a tripeira genial, segundo Lacan, descobrir o bebê presente em
todos nós. Com ela a psicanálise de crianças é consagrada com a sua força terapêutica e a
revolução dos paradigmas teóricos. Ao colocar brinquedos para ir ao encontro da criança lá onde
ela está; permite que outra linguagem se escute e veja na cena analítica. A criança faz ou deixa de
fazer usando o recurso da linguagem pré-verbal. Seu corpo na realidade, como o corpo do ator na
representação, é um palco expressivo, aquém e além da palavra. A caixa de brinquedos é o seu
alfabeto e assim conta, revela, nesse espaço sagrado do consultório para, com, contra ou dentro
da pessoa da analista afetos, fantasias, pensamentos, figurações que permitem o contato com esse
ser em formação (Klein, 1930,1952,1959) .
Bion, seu seguidor é o analista do pensamento. Ele enraíza no encontro do feminino-
continente e do masculino-conteúdo, a preciosa capacidade humana do pensar. Não há
conhecimento divorciado do mundo emocional. Aqui jaz a divisória de águas entre a psicanálise e
o cognitivismo. O pensamento humano não é só obra de um sistema neuronal. É preciso um
aparelho psíquico para poder pensar, um espaço mental esculpido por obra de uma mãe com
revêrie que exige a presença da função paterna (Protti, 2001).

1
2

Bion provoca o terceiro escândalo psicanalítico ao derrubar a clássica divisão entre o


neurótico do universo freudiano e o homem sadio. No ano de 1957 contribui com seu célebre
trabalho “Diferenciação da parte psicótica e não psicótica da personalidade”. Todos temos algo
de loucos. A diferença está no alcance, profundidade, áreas de comprometimento ou inibição das
funções dessas partes psicóticas que invadem a vida psíquica como um câncer com suas
manifestações surdas ou barulhentas (Bion, 1957).
Winnicott chega à psicanálise após longo percurso na pediatria. Resgata a psicanálise de
um certo individualismo ao propor uma teoria ambientalista. Não há bebê sem mãe. É a mãe
“suficientemente boa” capaz de “preocupação materna primária” a responsável pelo
“verdadeiro self” do bebê e a garantia da vivência de continuidade do ser. É este o autor que dá
estatuto teórico ao célebre “ursinho” acompanhante do infans desde o primeiro ano de vida. Este
“ursinho” é e não é a mãe. Ocupa um “espaço potencial” assim como a cultura e a obra de arte.
Está a caminho do processo de simbolização, isto é, a renúncia concreta à materialidade de sua
existência. O símbolo exige elaborar o luto da presença da “coisa em si”.
Lacan influenciado pelo estruturalismo enfatiza a importância do Outro, da cultura e da
linguagem que antecedem o nascimento do infans. A importância do “nome do pai” (fig. 1)
como portal do mundo simbólico; a reformulação do complexo de Édipo ao compreendê-lo como
manifestação da relação simbiótica, imaginária e dual da mãe com o bebê como falo e a fase do
espelho 1 têm trazido importantes contribuições em especial a diferenciação da ordem do real,
imaginário e simbólico.
Importa destacar que apesar das divergências do pensamento psicanalítico atual, pela
diversidade de leitos epistemológicos, há uma convergência, qual seja :
A importância do Outro na constituição do psiquismo do infans e a força estruturante do
infantil.
Ante a desintegração do núcleo familiar pela morte dos pais, pela destituição do Poder
Familiar ou pela rejeição materna primária do infans entre outras complexas configurações
psíquicas, sociais, religiosas, míticas, legais e culturais o abrigo surge como uma alternativa
possível, ciente da impossibilidade de substituir plenamente uma família “suficientemente boa”,
isto é, capaz de propiciar o processo de humanização, o desenvolvimento mental, a constituição
da subjetividade nas inevitáveis passagens estruturais para vir a ser um sujeito social, pensante,
criativo com uma identidade sexual capaz de simbolização e aprendizado.
Assim, sob o vértice da psicanálise pretende-se, neste projeto, introduzir e problematizar
algumas questões que possam contribuir para que o abrigo que protege a integridade física da
criança possa constituir-se também em um abrigo que promova e proteja a vida psíquica. Não
dizemos olhar a toa, é pelo olhar, olhar do Outro que vai se constituir aquilo que chamamos
subjetividade. Mas não serve qualquer olhar. Trata-se de um olhar desejante, um olhar que espera
algo daquele ser que inicia a vida, um olhar de alguém que está de tal forma envolvido com o
bebê que chega a confundir-se com ele ainda que, depois, precise dele se separar. É um olhar
atento que como um imã atrai o infans a querer penetrar no mistério do Outro. Toda relação
amorosa se inicia com o olhar ( Meltzer ,1994; Haag,1991; Geissmann, 1993).
O abrigo protege a vida da criança incapaz de cuidar-se e deve, além disso, constituir-se
num espaço que propicie o crescimento psíquico, um “espaço potencial” para a criação.

1
Ver item “Porque o espelho – seu sentido e uso” neste trabalho.
Figura 1 - “Adoración del Niño” - Corregio

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3

A relação dos cuidadores com as crianças e adolescentes está regida pelas leis trabalhistas
que nem sempre contemplam a especificidade, complexidade e exigências do trabalho necessário
para criar a vida mental. O sistema trabalhista atual de turnos de oito ou doze horas e conseqüente
alternância permanente dos funcionários para cobrir o dia e a noite dificulta a criação de uma
estrutura psíquica pelo infans. A qualidade da relação que se cria entre os cuidadores e os
hospedados é fundamental e ela depende da disponibilidade e qualidade afetivas do cuidador. O
contato mental, a partir da interpretação afetiva dos cuidados sensoriais, estrutura a vida psíquica.
Todos os sentidos são conclamados a orquestrar o reconhecimento do cuidador através da
voz, do olhar, do contato físico, do perfume e das sensações proprioceptivas e cinestésicas. Ante
o “desaparecimento” do cuidador o infans pode viver angústias catastróficas, de liquefação, de
precipitação, sentindo-se despedaçado e desintegrado. O desaparecimento do cuidador é vivido
como definitivo afinal, ele não tem ainda a representação psíquica do outro ou a capacidade de
simbolizar ou pensar, ficando impedido de compreender a noção de transitoriedade que implica
em noções de tempo e espaço. Para o infans o cuidador não vai e volta como quando é capaz de
viver a experiência afetiva de dizer “tchau”, de brincar de despedida quando a mamãe vai
embora, ou o típico jogo de esconde- esconde.
Remetemo-nos a experiência do “fort-da” relatada por Freud (1920). Seu neto, na
ausência da mãe, balbuciava esses sons que no alemão se assemelham ao som das palavras
usadas para se despedir e para o reencontro enquanto lançava um carretel segurado por uma
corda. Ele lançava o carretel para, em seguida, recuperá-lo puxando-o pela mesma corda. Esta
experiência foi sabiamente interpretada por Freud como a representação de uma mãe que vai e
volta. Na brincadeira, contudo, a criança adquire o controle sobre uma situação que na realidade
lhe escapa completamente vivenciando-a ativamente buscando suplantar a angústia
experimentada pela passividade com que vivencia a experiência que dá origem à brincadeira.
Pedimos ao leitor que guarde esta experiência em mente para compreender a importância do
brincar na expressão das vivências psíquicas e a elaboração das angústias. O espaço do percurso
do carretel é sagrado assim como qualquer templo religioso (Luzuriaga, 1970).
A cada afastamento repete-se uma situação traumática que inunda o self primitivo e frágil
de uma angústia indizível, irrepresentável que esfacela o ser em formação num encadeamento de
traumas cumulativos. Contra essas experiências o psiquismo precisa de um escudo protetor e esta
é uma das funções maternas2: dosar a estimulação prevenindo a perigosa sobre-excitação. Para o
bebê o mundo é o que ele pode apreender sensorialmente.
A constância da presença atenta e capaz de contato mental do cuidador e a regularidade
no exercício de sua função não garante, mas é condição necessária e de fundamental importância
nos primórdios da vida mental (Houzel, 1997). O cuidador alfabetiza emocionalmente o bebê ao
interpretá-lo: “Você está bravo porque demorou a mamadeira” ou “Você está alegre porque
encontrou o ursinho” (Ferro, 1977).

2
Observe-se que não dizemos funções da mãe mas sim, função materna. A possibilidade do exercício dessa função, em geral atribuída a mãe,
existe para aquele capaz de identificar-se com o bebê

3
4

O cuidador é o Outro num vínculo de amor, ódio e conhecimento. Quando dizemos ódio
referimo-nos a algo diferente de Thanatos ligado a destrutividade. A célula originária das
relações sociais é concebida entre o infans e o Outro capaz de criar sentido e fazer com que a vida
tenha sentido. O primeiro objeto estético, fonte de curiosidade, é o corpo, o rosto, e a mente do
cuidador a serem tocados, agarrados, cheirados, lambidos, enfim, explorados. O valor da vida
humana não depende da manipulação mecânica de um corpo coisa. O valor é dado pela atribuição
de sentido que o cuidador outorga. Ser a “majestade o bebê” é um passo necessário da regulação
narcísica na construção da auto-estima (Freud, 1914). A desilusão é um processo que deve vir
posterior e gradualmente.
Não pretendemos criar um ambiente sem falhas. Isso não é real nem mesmo para a criança
que se desenvolve num lar saudável e estável. As falhas ambientais, desde que aconteçam em um
momento apropriado permitem e promovem o crescimento.
A desilusão só pode vir no momento em que o bebê puder diferenciar eu e não-eu. Antes
disso qualquer desilusão é vivida como uma perda no próprio eu, como uma amputação cuja “dor
fantasma” é insuportável. A desilusão é necessária e deve ser lenta e gradual, do contrário, ela
adquire o estatuto de um trauma que só pode ser para sempre repetido sem ser jamais elaborado.
A transcendência da ordem material, a possibilidade de ir além da vida vegetativa, a
fundação do humano depende da formação do superego formado pela introjeção das figuras
parentais. São eles os responsáveis pela transmissão de valores sociais, culturais, éticos. A
filogênese palpita nesse superego que protege e condena. Por trás do simples gesto de oferecer
uma mamadeira o infans engole um mundo de valores e sentidos (Aulagnier, 1979).
Bion (1962), chama de “splitting forçado” o mecanismo ao qual recorre a criança vítima
de uma desilusão precoce: o seio é cindido entre, de um lado, a materialidade do leite e, de outro,
o amor, fonte de segurança, que recebe junto com o leite. A cisão vem no lugar da ilusão.
Não é suficiente, embora auspicioso, cuidar do nome para não estigmatizar o paciente
portador de HIV. Deixar de se referir a ele como “aidético” é, sem dúvida, importante, mas acima
disso está a necessária compreensão do infans com uma mente a ser parida num nascimento
psíquico. Este é o desafio e o sentido de um Serviço de Psicologia Psicanalítica para crianças e
adolescentes. Trata-se da construção da subjetividade de um ser humano para que não esteja
condenado a ser um morto em vida. Ainda que não haja um comprometimento anatômico,
enzimático, metabólico ou outras dificuldades orgânicas, as dificuldades psíquicas aparecem
como palco privilegiado para o desvelamento das falhas na estruturação do aparelho mental.
(Geissmann, 1993).
O cuidador proporciona um útero mental a um corpo pulsional, desejante. Aprende-se a
amar quando se é amado, aprende-se a pensar quando se é pensado, “aprende-se” a sonhar
quando se é sonhado, entra-se na linguagem quando se é interpretado pelo Outro e, fatalmente,
aprende-se a destruir, ou a refugiar-se no isolamento autístico quando o ser sofre a insuportável
dor da desintegração e/ou quando não se tem quem acuda a súplica do choro e/ou do esperneio,
quando se sofre a incapacidade de penetrar no coração de um Outro significativo. A angústia de
separação é catastrófica quando se impõe antes da necessária simbiose. O infans aninhado no
corpo da mãe forma uma envoltura psíquica que o infans vive como desgarramento, quando não
há modulação entre os encontros e as separações (Anzieu, 1987; Tustin, 1984). Quando se cai no
abismal vazio sem ter quem segure e ofereça sentidos verdadeiros para a vida. A angústia a qual
nos referimos encontra sua expressão em várias obras de arte tais como: “O grito” (fig.2).

Figura 2 - “O Grito” - Edvard Munch 4


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“Não existo” (fig.3) é o desenho de um adolescente adotado aos 6 meses de idade após ter
vivido entre várias amas de leite, refugiado de canto em canto escapando de seu destino: a morte.
Em sua tribo de origem havia uma lei que não devia ser transgredida: quando uma mãe morria no
parto seu filho também devia morrer.
As falhas na estruturação da subjetividade são o portal das mais graves patologias:
autismo, psicose, perversões, psicopatias, problemas na aprendizagem, doenças psicossomáticas,
condutas anti-sociais, tais como: roubo, mentira ou homicídio. Há ainda, os casos de suicídio,
anorexia e outras das, assim chamadas, patologias do vazio (Rosenfeld, 1992). Esse é o risco
quando o abrigo não pode substituir a função materna e paterna (Lisondo, 2000). O
cumprimento de papéis pseudomaternais, e pseudopaternais podem significar um pseudopapel
de cuidado. Isto é, cuida-se da materialidade de um corpo que exige enorme dedicação porque
sobre ele paira o fantasma da morte, mas se pode negligenciar a construção da vida psíquica
quando o infans não é visto, compreendido, aninhado, segurado corpo a corpo, abrigado na mente
e no coração. Ele precisa ser fonte de inspiração das canções de ninar, do brincar e da poesia
sendo, assim, interpretado como ser humano. Cuidar da vida de um ser humano é algo maior que
o sinistro vírus do HIV, a nova praga de Tebas ( Lisondo, 2002) .A sintonia de um cuidador com
um infans pode evocar metáforas artísticas como a de bailarinos, ou da soprano na ópera que dá
voz ao coração.
O desfile de personagens inconstantes manipulando estes seres a cada turno de trabalho só
permite identificações superficiais, de extrema fragilidade. O inconsciente é atemporal e não
compreende a leis trabalhistas. Assim como o choro, o desespero e as agonias intensificam-se
com um cuidador estranho a cada hora. Dessa agonia, o “falso self” será o corolário, a forma
possível da criança proteger-se (Winnicott, 1971).
O “falso-self” comporta desde uma dimensão saudável e adaptativa até uma dimensão
patológica. Trata-se de uma adaptação do bebê às falhas ambientais. Por vezes, a criança sente
que essa proteção é de tal modo necessária que se torna difícil a vivência de um “self verdadeiro”
provocando um sentimento perturbador de irrealidade, de não existência. Isso acontece quando o
“falso self”, originário da necessidade de proteção de um “self verdadeiro”, teme tanto às
agressões ambientais que permanece em ação todo o tempo. Este é o sentido das armaduras
defensivas, a “segunda pele”, a concha autística (Huberman de Chiappini, 1997; Bick, 1968;
Tustin, 1984, Franch, 2001) . Desse modo, o verdadeiro contato humano, nutriente da vida
psíquica, fica absolutamente prejudicado. O que torna tal dificuldade mais preocupante é que a
criança pode parecer aparentemente adaptada. Assim, a criança desenvolve um “falso self”
(Winnicott, 1949), uma mente cuidadora que visa à suplantação das falhas ambientais. A criação
desse “falso self” impõe um grave prejuízo ao processo de integração deixando o campo livre
para as patologias psicossomáticas.
O ideal familiar e/ou institucional da criança independente, auto-suficiente, sobre
adaptada, “boazinha”, “bem comportada” e “obediente” pode inibir a expressão dos afetos, os
traumas, as perdas, os lutos onde está em destaque a orfandade, a morte real dos progenitores. O
sofrimento impingido pela doença não pode dessa forma ser expresso.
Na gênese da patologia somática está o congelamento na circulação dos afetos, o déficit
representacional, a incapacidade para simbolizar, a escravidão a um mundo primitivo e concreto.
Ser doente e ao menos ser alguém no apelo desesperado para existir.

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Figura 3 - “Não Existo” - realizado por uma criança da UAI
6

O último suspiro humano consistiria em desistir da vida, procurar inconscientemente a


morte deixando prevalecer o trabalho do negativo finalmente realizando o desligamento (Green,
1994). Nos delírios da psicose escutamos o berro agudo de restituição, a “solução” para tramitar
as mortes, a orfandade, a dor de um corpo espetado, retalhado, entubado, sondado, cortado,
furado, mutilado...
O destino sombrio do infans pode ser a morte psíquica ou a morte da subjetividade
quando falha a função materna e paterna.
O corpo berra o que a psique não pode expressar através da linguagem pré-verbal: o
choro, o grito ao vento ante a retirada do Outro como no grito de Munch (Fig. 2). O esperneio, os
pesadelos, os sonhos, a brincadeira, os desenhos, a pintura, os contos de fada, as representações
teatrais, a escrita, o diário secreto, o devaneio, os diálogos imaginários, as conversas...
Ante os traumatismos cada ser humano tem um limiar de tolerância. Cabe aqui lembrar
que o infans pelo desamparo estruturante, e a vulnerabilidade extrema da condição humana,
depende do OUTRO para ser, como revela a patologia do pânico (Costa Pereira, 1999). Muito
além da satisfação da necessidade, da fome, o bebê requer um útero mental, um seio pensante,
fonte de mistérios, objeto estético que o alfabetiza emocionalmente. O bebê é um filósofo em
potencial que sabe e aprende o essencial da condição humana. Ele sabe quando sua vida tem
valor através da linguagem sensorial, do olhar, da expressão facial, do calor dos braços que o
aninham, da calidez do suporte corpo a corpo, do tom da voz que tal qual um manto sonoro o
embala (Anzieu, 1987). O infans sabe da dor da rejeição quando a sua dor não é compreendida,
quando seu choro suplicante não encontra escuta, quando o tremor de seu corpo não pode se
refugiar no perdido corpo materno ou substituto, quando seu olhar não encontra em quem se
fixar, quando não há ritmo nem constância e, sobretudo, quando encontra a cada vez um estranho.
Tudo lhe é estranho: o cheiro, o timbre de voz, o rosto, a força e, finalmente, a forma diferente de
ser. Nesse caso, a depressão cava o buraco na alma como um abismo sem fim, a angústia de
precipitação (Houzel, 1991), a angústia ante a queda sem fim da desintegração do self.
Essa vivência muito precoce de “não existir” para sua mãe, faz o infans sentir-se como
inanimado. Seus objetos são também sentidos como inanimados. A esse respeito foi muito útil o
conceito de alucinação negativa desenvolvido por Green (1999), e de vazio como morte
fenomenal, desenvolvido por Winnicott (1963). A quarta figura revela os caminhos possíveis
ante a súplica humana: a compreensão ou a rejeição. Destes caminhos depende o destino de uma
outra vida.

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Figura 4 - "L’Implorante ou La Suppliante" - Camille Claudel, 1900
7

A FUNÇÃO MATERNA E PATERNA NA SITUAÇÃO EDÍPICA

O processo de humanização do bebê exige que o pai e a mãe tenham construído os


alicerces da identidade masculina e feminina na própria triangulação edípica anterior à gestação
do bebê. O vir a ser homem, mulher, pai e mãe são realizações em permanente transformação. Na
relação do casal em que prevalece Eros, ou seja, pulsão de vida, ou ainda, amor; a função materna
e paterna transformam o frágil e vulnerável bebê biológico em um sujeito.
A identidade sexual, a relação com o Outro como Outro - na alteridade -, o pensamento, a
reparação simbólica, a linguagem, o conhecimento, a criação do espaço mental, são também as
conquistas da "alfabetização emocional" (Ferro, 1995) iniciada pelos pais, os primeiros modelos
de identificação. A ordem do constitucional não é negada no processo de vir a ser. A
configuração edípica sustenta a função materna e paterna.
Para que a mãe possa exercer a função materna, precisa realizar na maternidade o aprés-
coup da feminilidade (Anzieu, 1989).
A função materna pressupõe a função paterna. O pai é, à luz da triangulação edípica, o
outro do objeto e não um segundo objeto (Green, 1994). O pai simbólico e real gesta em
complementaridade com a função materna a identidade do filho.
Kancyper (1994), nos fala do ressentimento e da temporalidade no vínculo pais-filhos.
Fala-nos ainda de uma compulsão à repetição que mantém situações da história do sujeito
congeladas através do tempo, enquistadas pelo rancor, impedindo o processo de integração
temporal. Prosseguindo, o autor acrescenta que o sujeito ressentido não retorna ao passado com o
fim de restaurá-lo e assim poder rescrever sua história, mas sim, faz um uso particular do
passado, com fins distintos, detendo o processo de humanização.

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A SUBJETIVIDADE ORIGINA-SE, ESTRUTURA-SE E CONSTITUI-SE


NA INTERSUBJETIVIDADE
A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO

- O bebê nasce entre a natureza - o corpo biológico - e a cultura


humana.
- Sua vida virtual é inviável após a cesura do parto. O corte do cordão
umbilical o desliga da natureza apenas carnal.
- Este bebê é sujeitado a uma rede de vínculos narcisistas que por
ele aguardam.
- Ele ingressa numa sociedade como propriedade e proprietário, amo
e escravo: S. e O.
- Para compreender a proibição do incesto como geradora do
ingresso à cultura, cabe mergulhar nas raízes da relação mãe-bebê,
constitutivas do psiquismo humano.
- A separação, a discriminação, o desprendimento surgem de uma
matriz fusionada, indiscriminada e unida. A função paterna separa a
simbiose original na díade inicial.
- O bebê não pode renunciar a esta mãe e a este pai. Ele não
escolheu nascer de onde nasceu. Ele pertence à espécie
irrevogavelmente.
- A filiação é o ninho dos laços intersubjetivos. Há um continuum
entre indivíduo e sociedade. Há um continuum entre natureza e cultura.

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- Narciso contém Édipo e Édipo contém Narciso. É Narciso quem


precisa responder em cada encruzilhada os dilemas traçados pelas
“crenças” da completude narcisista: a origem, a morte, a diferença dos
sexos, a diferença entre gerações.
- Em cada encruzilhada é preciso renunciar aos objetos parentais
incestuosos.
- A conquista edípica é a humanização do ser humano. O caminho
prévio de Édipo foram os avatares do percurso narcísico.
- A possibilidade de o bebê objetivar um mundo exterior dependerá
de que se possa, no objeto, encontrar um Outro. Com o Outro aprenderá a
reconhecer os lugares do O. e do S.
- O Outro, os pais, precisam tomar a forma que a fase do
desenvolvimento exige.
- Há um tempo preferencial para a perda dos objetos que o ego irá
deixando para posicionar-se em novos deslocamentos.
- Este tempo está dado em Freud pela anatomia do ser humano, sua
particular constituição, as cargas filogenéticas e as influências culturais.
- Este processo tem um percurso e um término com as perdas dos O.
auto-sensuais, incestuosos edípicos mãe - pai.
- O complexo edípico em Freud se “resolve” como a resolução do
auto-erotismo, com a culminação das vicissitudes das perdas dos objetos
auto-eróticos, com o tempo do desenlace do narcisismo.
- A batalha auto-erótica do “meu-meu” e do “teu-teu” permite brincar
de perder e de recuperar a completude, a atemporalidade, o fálico, a
bissexualidade.

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- Para que o bebê venha a ser sujeito, a mãe o sujeita e a ele se


sujeita. A mãe se torna objeto por estar sujeita e então permite que o bebê
seja um sujeito.
- O processo de humanização que se inicia na ligação mãe-bebê
precisa de tempo para percorrer o que a humanidade demorou séculos
para evoluir.

“Eu sou o seio” (Freud, 1938).


Caminho do “amor irrestrito a si mesmo” ao
amor do Objeto.

- Os pais permitem elaborar os lutos da completude oral, anal, fálica,


edípica pelas perdas do seio, fezes, dos objetos incestuosos e oferecem
substitutos para as perdas (jogo do carretel).

A sociedade deveria permitir o cumprimento do rol materno e paterno.

Na luta contra a doença mental e com


as prevenções precoces.

O CASAL permite o diálogo entre o corpo do bebê e o mundo ao estar em


contato mental com o filho.
Flexibilidade suficiente para promover o desenvolvimento mental.

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A SUBJETIVIDADE ORIGINA-SE, ESTRUTURA-SE E CONSTITUI-SE


NA INTERSUBJETIVIDADE

FUNÇÃO PATERNA (fig. 5)

Pai - PROTEÇÃO
RÊVERIE À MÃE
HOLDING
SER OBJETO DE RIVALIDADE NO TRIÂNGULO EDÍPICO
TRABALHO PSÍQUICO:
- INVESTIMENTO LIBIDINAL AO BEBÊ
- LIMITAÇÃO DA LOUCURA MATERNA
- GARANTIA DE TRANSFORMAÇÃO DA LOUCURA MATERNA
- AFIRMAR A POTÊNCIA FÁLICA NA TRIANGULAÇÃO,
ATRAVÉS DO BEBÊ
- INTERDICÇÃO
- Importância do pai real (Salas) e simbólico (Dor) -
- A presença do pai e seu investimento pulsional em relação ao bebê são
fundamentais para a constituição psíquica.
- A função paterna é um falo ordenador.
- O pai separa a simbiose original na díade inicial.
- Propicia a mudança catastrófica para caminhar da dependência até a
independência, da fusão até a separação.
- O pai permite elaborar a relação dual e especular da mãe com o bebê.
- Aparece como o terceiro, o Outro da mãe (Green), para separar o bebê

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Figura 5 - San Cristóbal, 1637 (São Cristóvão) - José de Ribeira
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da relação incestuosa na origem da vida.


- Diferenciação mãe - bebê: S. - O, fusão/ separação.
- Proíbe a realização edípica incestuosa. O pai é estruturante da
CULTURA, alicerce de todas as diferenciações posteriores (continente e
conteúdo), da repressão originária com a autoridade proibidora.
- A função paterna é mediadora da família à cultura . O pai interfere na
identificação narcisista onde um se duplica no outro.
- O pai permite outros nascimentos metafóricos a cada cesura que o
desenvolvimento exige: desmame, postura ereta, a penetração no
mundo etc.
- O pai, com sua presença, garante a inclusão do filho na fileira das
gerações. Garante a transmissão geracional.
Metáfora Paterna:
Nome do pai, acesso à ordem simbólica.
Estruturação das instâncias psíquicas.
1- Primazia do falo na ordem da cultura.
Na origem, o filho é o desejo do desejo da mãe. Origem das
identificações alienantes.

2- O pai diz para a criança: " não dormirás com tua mãe".
O pai diz para a mãe: "o filho não é o FALO".
- O pai interdita, proíbe, diz não, coloca os limites necessários para o
desenvolvimento mental.
- O pai permite o encontro com a lei, o outro do outro.

3- O pai reinstaura a instância do falo como o desejado pela mãe.

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Pai :
- faz suportável a renúncia incestuosa.
- recebe impulsos deslocados da mãe.
- permite o acesso a ambientes mais amplos (Dor).

- Na posição (P.D) de M. Klein ele permite a passagem do seio ao pênis


(dentição, marcha, linguagem). O pai permite elaborar o processo de luto
pela perda do seio. O investimento libidinal do seio se dirige ao pênis na
configuração oral.
- O pai faz a aparição na “organização genital primária”. Início da P.D.
kleiniana. Triangulação edípica.
- O pai tem uma presença potencial num espaço, também potencial, que
introduz a distância para o surgimento da função de Terceiro e da lei.
- Acesso ao simbólico.
- Importância do Pai real na criação de imagens cinéticas e visuais das
representações de coisa no INCONSCIENTE (Salas, Maldavsky).
- O Pai é aquele que priva a mãe do falo. O pai renuncia à sua
onipotência.
- Pai não é criador da lei, é o REPRESENTANTE.
- Declínio do Complexo Edípico (Lacan).
- A identificação com o pai forma o ideal do ego (Janine Smirgel,
Aragonés).
- A identificação primária com o pai da pré-história pessoal é direta e
imediata.
É a forma mais primitiva de ligação afetiva com um Outro (Freud).
- A identificação secundária e a castração "humanizam" o pai e ao filho.
- Ambos são homens, eles têm a mesma descendência e pertencem à

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condição humana.
Lei: - Parentesco
- Proibição do incesto: Ligação filial simbólica no SOBRENOME

- A função paterna, fundante da cultura permite elaborar a identificação


narcisista do filho com a mãe, em que há uma duplicação no outro.
- Ocupação de diferentes lugares. A função paterna garante a
“passagem” do três potencial ao três afetivo. (Green)
- O pai é fonte de identificação masculina tanto na menina quanto nos
meninos, dada a condição bissexual do ser humano.
- Tanto na heterossexualidade quanto na homossexualidade há uma
“fase passiva feminina”.
- A paternidade está ligada ao nascimento da homossexualidade no
menino.
- O pai lança o filho à procura do mundo externo, na descoberta do
desconhecido, penetração do conhecimento.
- Permite que o filho caminhe do desejo de gestar na fase passiva
feminina, identificado com a mãe, ao desejo de fecundar.
- Permite ao filho diferenciar seu sexo e renunciar ao outro.
- Permite a origem materna do rol paterno.

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A SUBJETIVIDADE ORIGINA-SE, ESTRUTURA-SE E CONSTITUI-SE


NA INTERSUBJETIVIDADE
FUNÇÃO MATERNA

Freud - Lacan e continuadores.


A mãe permite se doar para fazer parte do ego narcísico inicial do filho.
Reciprocamente, o bebê faz parte do narcisismo da mãe.
A mãe é um escudo protetor (Freud, 1920).
No contexto narcísico, jaz a raiz da intersubjetividade.
“A sua majestade o bebê” (Freud) rejeita a dor da separação.
A dor de perder a completude atemporal, a bissexualidade, o falo no
auge da onipotência e da onisciência.
- Os pais tecem um projeto identificatório para o filho (P. Aulagnier).
- A mãe, com sua ação específica ao satisfazer as necessidades
alimentares, é um objeto anaclítico (Freud):
- Apoio físico; Escolha objetal apoiada.
- Modelo.
- Não tomar posse do filho como sendo a sua “propriedade privada” - o
seu falo-, na crença de que com ele se completa, no auge da auto-
suficiência. (Lacan)
- A aliança narcísica do início da vida é transitória. A relação muda é
transformada do narcisismo ao socialismo da fusão indiscriminada até a
alteridade.
- A mãe cria uma relação narcísica num vínculo endogâmico. A relação

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incestuosa é insubstituível.
- O ego, o objeto e o auto-erotismo constituem uma unidade.
- A mãe oferece o sorriso diferente do “seio bom”no trabalho de des-
corporalização (Green).
- O bebê internaliza a “estrutura enquandrante da mãe”- superfície de
representação -.
- A mãe precisa consentir a separação (Green).
- A “loucura materna” é uma loucura “normal”. É a expressão de toda a
onipotência que a mãe tem sobre o bebê.

Pensamento Kleiniano
Posição autista-contígua (Ogden) P.S. P.D. ( Ogden integra o
pensamento de Bion e Winnicott).
Posição adesiva (E. Bick) P.S. P.D.

- A mãe gesta a experiência de segurança básica ao tolerar e


transformar a dependência originária do filho.

- Criar no filho o desejo da maternidade e paternidade na organização


genital inicial entre os 6 e 12 meses, com a iniciação do triângulo edípico.

- A mãe estabelece uma relação comensal que se apoia em K. (Bion).

- A mãe cria uma “relação de intimidade” (Meltzer) delimitada pela


atenção seletiva, isto é, a mãe é um objeto continente (Bion).
- A mãe é capaz de comunicação psíquica com o bebê. O rêverie. Ela
permite, no encontro mental, a “realização” da pré-concepção (Bion).

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- A mãe é um container pensante.


- O “rêverie”, conceitualizado por Bion, é um estado mental da mãe
capaz de devaneio. É a atitude aberta e receptiva da mãe para acolher
qualquer conteúdo do bebê.
- O rêverie é uma função do pré-consciente materno (Guignard).
- A função materna é desintoxicante das IP do bebê - capacidade
transformadora.
- Conduto vincular da díade.
- Modelo para o aprendizado (Sor-Senet).
- O rêverie é um conduto para injetar devoção e paixão.
- A função do rêverie abre a Cc. rudimentária do bebê para:
- o contato humano
- o contato com os sentimentos
- o contato com os pensamentos
- O rêverie permite acolher os conteúdos do bebê em AT-ONE-
MOMENT.

- A função rêverie é posta em cena da ação à função alfa da mãe no


vínculo com o bebê em uma relação emocional profunda.
Esta função permite a criação :

- Da barreira de contato.
- Do véu da ilusão, véu de conjecturas.
- A função do rêverie abre a Cc. Rudimentária do bebê que é sensorial.
- A parceria mãe - bebê é fonte e matriz do crescimento.
- A Cc. de si mesmo não é sensorial.
- Cc. órgão que permite a percepção básica da qualidade psíquica do “si

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mesmo”.
- A mãe transmite, ensina e sustenta a função alfa do bebê.
- Ela inicia a atividade K. da mente e capacita o bebê para a mudança
catastrófica.
- Ensina ao bebê a brincar e criar a tolerância à frustração numa
misteriosa alfabetização emocional (Ferro).
- Ensina à mente do bebê a qualidade onírica.
- Permite ao filho diferenciar seu sexo e renunciar ao outro.
- A mãe cria uma relação narcísica num vínculo endogâmico. A relação
incestuosa é insubstituível.

O Pensamento de Winnicott
A mãe suficientemente boa e a preocupação materna primária: ambiente
facilitador.
- Propicia o estado fusional do bebê com a mãe (narcisismo primário de
Freud).
- Garante o sentimento da continuidade do SER do bebê.
- Permite o desenvolvimento do verdadeiro self no interjogo de ilusão e
desilusão.
- Permite o viver criativo e o gesto espontâneo, manifestações do
verdadeiro self.
- Permite a construção do objeto subjetivo.
- O papel de espelho do olhar da mãe. Concordância e harmonia entre o
estado interior do bebê e a expressão do olhar da mãe.
- A mãe exerce a função de “holding”.

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A SUBJETIVIDADE ORIGINA-SE, ESTRUTURA-SE E CONSTITUI-SE


NA INTERSUBJETIVIDADE
CASAL PARENTAL

- A mãe e o pai são modelos de identificação.


- Os pais são os historiadores.
- O casal, na relação genital complementaria (continente e conteúdo),
recíproca, criativa, suficientemente, amorosa e transcendente, constitui, em
alteridade, os lugares simbólicos da triangulação edípica. Esta parceria é o
primeiro modelo de relação afetiva e de vínculos que oferece uma imagem
social de comunidade. Estes lugares simbólicos assimétricos permitem
criar a perspectiva, o espaço mental, a projeção temporal para vir a ser.
- Um EU intérprete é capaz de aprender a pensar, criar, simbolizar,
na experiência emocional do bom encontro.
- O casal discriminado permite a percepção realista da diferença
entre os sexos: continente diferente de conteúdo.
- Na cultura, gestam-se os tabus básicos: parricídio e incesto.
- As relações de parentesco sustentam o Édipo como estrutura: o
conjunto de relações da criança com seus pais - (Freud).
- Super-ego aparece como desenvolvimento do ego sob a influência
da autoridade dos pais.
- O super-ego forma-se pelo modelo do super-ego dos pais.
- Os pais são o veículo ou mensageiros de uma instância moral
superior.
- O super-ego está enraizado ao I.D.

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- Antes de resolver o conflito edípico ele tem que ser formado.


O conflito edípico se passa na constituição de 3 pares.
a) Par mãe-filho – função reverie
Aprendizado dos usos – eixo horizontal da tábua de Bion – Prepara para o
crescimento vertical.
b) Par pai-filho – inclui o crescimento no sentido de eixo vertical da tábua.
Aquisição da capacidade semântica. Avance nas estruturas do pensamento
abstrato.
c) Formação do par do filho observador e do casal parental combinado. Na tábua como
modelo seria a hipotenusa do triângulo formado com os dois anteriores. “Marca o
crescimento na tábua.”

Par mãe-filho usos

Par pai-filho Filho que

observa a relação virtual

entre o pai

Cresc. capacidade de abstração e a mãe

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A SUBJETIVIDADE ORIGINA-SE, ESTRUTURA-SE E CONSTITUI-SE


NA INTERSUBJETIVIDADE
O DESENVOLVIMENTO DO SELF DOS PAIS

- Os pais precisam ter elaborado a situação edípica: diferença de sexos e de


gerações.
- Os pais precisam elaborar as mudanças catastróficas na passagem
transgeracional até a independência do filho e elaborar os lutos na crise da
metade da vida, o devir, o envelhecimento, a morte.
- Os pais precisam ter a capacidade de abandonar o lugar em que a
onipotência do filho, pelo desvalimento da condição humana, os tinha
colocado.
- Capacidade de aceitar o papel do filho como testemunha das realizações e
das frustrações da vida dos pais no balanço existencial.
- Não abortar nem perpetuar a adolescência.
- Os pais devem elaborar a resistência às mudanças catastróficas que
implicam o desenvolvimento do filho, sem exigir que precise ser "um adulto
antes da hora", "um ser clonado", "uma possessão narcísica".
- O filho e o OUTRO numa relação de ALTERIDADE.

O FILHO PERMITE A TRANSCENDÊNCIA, A CONTINUIDADE NO TEMPO


DA ESPÉCIE HUMANA, A SOBREVIVÊNCIA DO NOME NO CORPO, O
SANGUE NO SER DO OUTRO.

“Com neuróticos, é como se estivéssemos numa paisagem pré-histórica


– por exemplo em Jurássico, os grandes Sáurios ainda correndo por
todo canto” (Freud, 1941)

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OS ALICERCES DA IDENTIDADE HUMANA. A FUNÇÃO MATERNA E PATERNA


NA CONFIGURAÇÃO EDÍPICA.

“Teria sido melhor que a minha mãe


não me houvesse dado a luz.” (p. 75)
Hamlet
a) As falhas nas funções materna e paterna no mito edípico
Na psicanálise contemporânea o objeto ganha fôlego no seu duplo estatuto de objeto
interno e objeto real. A subjetividade do ser humano é construída numa relação intersubjetiva:
mãe- pai- bebê.
Este modelo teórico liberta a psicanálise do solipsismo e permite abordar numa matriz
dialética a estruturação da subjetividade do infans. (Kaes,1993)
O conceito de “configuração edípica” (Faimberg, 1992), amplia e aprofunda o célebre e
tradicional complexo de Édipo freudiano ao incluir a qualidade mental e a história dos objetos
edípicos: os pais. A pergunta sobre a origem da vida em Freud é constitutiva da configuração
edípica.
A configuração edípica permite alinhavar, na matriz metapsicológica, a dimensão
narcísica e edípica da constituição da identidade humana.
O célebre mito é usado neste trabalho como metáfora para focar o lugar dos pais na
construção da identidade humana. Este foco privilegia uma posição teórica, uma reformulação
técnica, uma perspectiva terapêutica: a esperança e fé científica na potencialidade da psicanálise
para ajudar a crianças, adolescentes, pacientes psicóticos e pais a transformar o destino trágico da
deterioração mental numa vida mais humana e com sentido.
Este enfoque não pretende excluir a importância da ordem do constitucional. A relação
parental é o modelo social inicial e um filho nasce das entranhas do ventre para, e numa cultura.
A função materna e paterna muito além de satisfazer as necessidades biológicas, podem
transformar o ser primitivo do bebê num ser pensante capaz de aprender na experiência
emocional, brincar, significar, se expressar na linguagem pré-verbal e verbal, construir uma
identidade sexual, simbolizar, sonhar, criar e viver na alteridade das relações humanas.
Na versão de Graves (1955) todo filho nascido de Jocasta seria seu assassino. Laio, tendo
conhecimento da nefasta profecia oracular, abandona Jocasta. Ela, no entanto, sem saber das
razões do parceiro e sem poder aceitar a separação, o embriaga e concebe Édipo. Ao seu
nascimento, Laio lhe atravessa os pés com um prego, os amarra juntos e o abandona no monte
Citeron. O seu nome condensa esta história. O buraco nos pés é o “pictograma” do buraco preto
do self primitivo (Aulagnier, 1979). O trauma inicial não pode ser contido, re-significado,
elaborado.

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Jocasta aparece nesta versão como omissa. O filho não nasce de um encontro estético,
genital e consciente, numa penetração afetiva. Nasce de uma atuação, numa noite de embriaguez.
A perda do enamorado não é tolerada, ela se apropria de Laio. Será que o filho não seria o seu
falo? A perpetuação da fantasia de completude incondicional? Jocasta não reconhece Édipo como
filho no leito nupcial. Ela não faz o trabalho de elaboração do luto pela morte do marido. Não
pode elaborar a perda da juventude e aceitar a passagem geracional na sua meia idade quando o
filho ocupa o lugar de marido no leito nupcial. Ela não alimenta a mente de Édipo com a verdade
possível. Ela, como Laio, obstaculiza o caminho do saber possível na rede de intrigas, mentiras e
segredos. Estes pais eram pais mortos desde sempre, parafraseando Green (1994). A transgressão,
o filicídio, a adoção, os segredos e mentiras regem o destino trágico do herói antes do seu
nascimento biológico.
Que casal é este como modelo de relação afetiva e social? Édipo está travado na procura
de sua verdade histórica, guardada na sua cripta mental (Abraham; Torok, 1995). Ele não pode
pensar sobre si mesmo - desliga os fatos e os símbolos - nem alinhava com a função narrativa os
elos (elementos alfa), que lhe permitiriam alcançar a verdade para promover a mudança
catastrófica (Bianchedi,1999) na sua história. Ele evita a ansiedade catastrófica (Meltzer, 1984)
que o precipita à catástrofe.
Pensar é fazer relações (Segal, 1992) e o primeiro modelo de relação afetiva é o casal
parental. Jocasta erotiza o filho narcisicamente e o induz ao incesto. Ela não é mensageira da
relação erótica sexual e genital com o marido porque não há o estatuto de um outro diferente- seu
homem- no mundo interno (Athanasiu, 1982).
Laio estava condenado à infertilidade segundo a voz do oráculo de Delfos. Ele é o pai
narcisista, onipotente, que decide tiranicamente sobre a vida e morte do filho. O pai intruso que
se apropria de seu destino. Édipo é seu duplo narcisista, sem tempo e espaço psíquico próprio. O
único objeto narcisista para o pai e o filho é a mesma mulher: Jocasta. Ele não pode conceber um
projeto identificatório exogâmico, para que Édipo venha a ser um Homem. Laio intenta matar o
filho duas vezes. Após o nascimento e na encruzilhada existencial da passagem geracional,
provocando-o sem reconhecê-lo. O pé é novamente ferido. A angústia de precipitação
(Houzel,1991) − impensável e inominável −, do secreto filicídio na catástrofe psíquica primitiva
da não integração (Bick,1968; Winnicott,1956; Tustin,1984; Bion,1977; Bianchedi, 1999), é
reavivada.
A profecia oculta, o não dito, a mentira, (Bianchedi,1997) está na gênese do filicídio, a
partir da gestação e gerando a posterior adoção do herói. Ele perde as referências genealógicas ao
ignorar a identidade dos objetos edípicos. Os pais reais não só são pais desconhecidos como são
pais que não podem conceber um filho numa filiação simbólica. Os pais adotantes não instauram
uma relação simbólica de parentesco que possibilite a transcendência.
Os pais adotantes, Mérope e Pólibo, denegam a adoção, sem poder lidar com a dor mental
ante o luto pela perda do filho próprio pela esterilidade (Lisondo, 2002).
Laio e Jocasta, ao transgredir e desafiar a proibição divina, não podem aceitar a castração
estruturante denegando a lei divina e superior. Jocasta não aceita o rompimento do namoro, não
pode aceitar a separação.

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A prisão narcísica condena aos pais biológicos, adotantes e à Édipo e sua descendência ao
destino trágico. O pai amarra os pés e a vida a uma sinistra sepultura, tece o projeto
identificatório de um transgressor assassino sem perspectiva de alteridade humana, sem a criação
de um espaço psíquico potencial. A mãe é cúmplice da trama.
O bebê perde a função protetora da mãe e do pai. Não há uma relação simbólica de
parentesco. Édipo não pode construir a própria identidade. Ser homem como o pai, perder a mãe
como objeto erótico (Freud,1923) e, paradoxalmente, ser diferente do pai. Na adolescência, num
outro nascimento metafórico, a sexualidade humana é re-estruturada. Ele pergunta ao oráculo
sobre o por vir, o futuro, o destino, quando se depara com a evidência da adoção. A pergunta do
jovem e a resposta do Deus enigmaticamente silenciam a profunda questão inconsciente passada-
presente de sua origem, de seu nascimento. “Quem sou eu? De onde eu venho? (Freud,1913;
Lisondo,1996). Onde está a função paterna estruturante (Dor, 1998)? Onde está a função
materna capaz de criar uma mente ao nomear as agonias primitivas? ( Lisondo, A., 1992).
Numa outra versão do mito, Laio está proibido de conceber um filho pela
homossexualidade perversa e não pelo estado mental homossexual comum na cultura grega
(Meltzer,1974). A psicanálise discrimina entre estados perversos- que se devem a bisexualidade
estruturante da sexualidade humana- e a estrutura patológica perversa centrada na destrutividade
do Outro. Esta é a lição de Sofócles. Édipo é um homicida porque foi assassinado na sua
subjetividade quando infans e vida afora. Esta é uma oportuna contribuição da psicanálise para o
direito de família, no que diz respeito à adoção. Além dos critérios jurídicos, sociais, legais,
médicos, deveria se ter em conta critérios psicanalíticos ante a complexidade da adoção tal qual
revela nossa preocupação no apêndice sobre “Adoção simbólica e adoção diabólica”.
A teoria e a técnica no trabalho psicanalítico para dar “pensabilidade” à função materna e
paterna será no nosso projeto posta em prática com a criação de um grupo de pais biológicos,
adotantes, e familiares que exerçam a função materna e paterna, aberto à comunidade.
Não se trata de responsabilizar unicamente os pais pelo sofrimento psíquico da doença
mental assim como parece ter sido enfatizado por uma mítica cultura psicanalítica. Os
paradigmas científicos contemporâneos (ciências da complexidade) apontam para a aceitação da
incerteza indo muito além das interpretações de causas e efeitos diretas e lineares.
Os pais condenam-se culpam e censuram a si próprios pela desgraça. Libertá-los desta
prisão imobilizadora faz parte do desafio psicanalítico.
A questão em foco trata de ampliar a percepção dos pais para possibilitar o
reconhecimento e a continência intrapsíquica das próprias histórias, tomando mais consciência
das fantasias, defesas e desejos inconscientes ao invés de atuá-los e/ou repeti-los
compulsivamente nos filhos, visando a evitar a perpetuação do desnecessário sofrimento mental.
A teoria inspira e sustenta a técnica. Os pais tem sido, às vezes, eternos pacientes sem ter
podido realizar a pré-concepção psicanalítica da personalidade. Isto quer dizer que não tem tido a
oportunidade de se beneficiar da psicanálise em seu viés terapêutico e preventivo.

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A ampliação e o aprofundamento teórico permite, na psicanálise atual, dar um estatuto


metapsicológico ao trabalho com pais. Ampliar a consciência, perceber a realidade mental do
filho, lidar com a ferida narcísica quando o filho não alcança os ideais paternos (Geissmann,
1993), resgatar a verdadeira capacidade dos pais que chegam à consulta, permitir a compreensão
com olhos e ouvidos psíquicos das queixas dos filhos, transformar o lugar que o filho ocupa no
espaço mental dos pais, encorajar com paixão e fé científica a esperança nas mudanças possíveis,
dar sentido ao “porque” da análise de um filho, discriminar o alcance e as limitações do trabalho
com pais, encaminhar respeitando o timing.
“Parece que eu precisei passar por esse martírio todo com Gui para aprender a ser mãe”

A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA INTERSUBJETIVIDADE


(Fig. 6)
a) Pinceladas sobre a vida pré-natal do infans na instituição
Os níveis mais primitivos da mente em seu estado “proto-mental”, o pré-natal, o “soma-
psicótico” estão pouco diferenciados do corporal (Bion,1976; Rascovsky,1977; Bianchedi,
1997). Estes níveis perduram na personalidade nascida. A relação entre estes diferentes níveis da
mente é conflituosa. Os níveis primitivos, o proto-mental e os níveis pós-natais da mente do bebê
podem funcionar como línguas incompreensíveis, uma torre de Babel, em que não se podem
comunicar. A partir de 1976, Bion conceitualiza estas formações arcaicas que perduram na
personalidade como “vestígios de fenômenos pré-natais”. As proto-emoções são conceitualizadas
por este autor como “terror sub-talâmico”. Este medo de auto-agressão, que leva ao ataque ou
fuga, não está controlado pelos níveis superiores da mente e, portanto, não tem significado
mental. A personalidade total para (1997) inclui os aspectos pré-natais, aspectos do bebê, do
latente, da criança, do adolescente e do adulto. O corpo, as identificações no ego corporal (Haag,
1991) e os aspectos primitivos da mente coexistem. Estes aspectos primitivos podem também ser
fonte da criação e originalidade.
O bebê intruso, não desejado, não sonhado, não nomeado ou “produto à venda” está
também gerando em seu corpo um ego corporal e um psiquismo primitivo. Este eu gesta relações
objetais primitivas no útero (Aray,1985). Neste nível primitivo, o eu, para Meltzer (1984), não
pode realizar representações mentais das experiências emocionais, mas as traduz como estados
corporais e, ao mesmo tempo, reage frente a elas com estados corporais e ações. O corpo é o
cenário onde explodem as angústias psicóticas avassaladoras que a mente não pode elaborar.
As pressões, as oscilações desagradáveis no meio amniótico, as contrações prematuras
e/ou a contração muscular do ventre materno etc. podem provocar alterações somáticas
vivenciadas como emoções cruas: o pânico, o medo bem como a agonia ante a ameaça da vida
despertada por um desequilíbrio na bio-regulação deixam suas marcas no caráter do bebê. Para
Freud (1913), em “Totem e Tabu”, a filiação filogenética é um protótipo privilegiado e mítico da
matriz - o tempo mítico, no “eterno retorno” (Eliade,1984) - e não uma referência cronológica.
Este tempo vivo tem o poder da gênese. É o mesmo Freud que, em “Construções em Análise”
(1937), analisa o “mito científico” como uma construção.

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Figura 6 - Estruturação da Subjetividade - Diagrama Alícia Beatriz Dorado de Lisondo
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Trata-se da construção de uma verdade histórica representada pela organização dos traços
depositados pelas vicissitudes do destino pulsional e da relação intersubjetiva. Assim o mestre
articula sua hipótese onto e filogenética. A hipótese é de que pode haver neste infans uma maior
vulnerabilidade e fragilidade psíquica já ao nascer. Ante a falta do objeto continente conhecido e
compreensivo, o infans bebê é forçado a uma exigência de sobreadaptação prematura na procura
e encontro com outro objeto. Este bebê traumatizado será mais sensível ao trauma do
desencontro. Mesmo no momento das identificações adesivas há um contato íntimo, como, por
exemplo, nos estados autísticos (Meltzer,1984). As marcas destas emoções cruéis que emanam
deste soma em sofrimento estão no núcleo do inconsciente (Andrade,1998; Anzieu,1995).

b) O abrigo como situação traumática e fonte de angústia psicótica na metapsicologia do


desamparo
“O desamparo inicial do ser humano é a fonte primordial de todos os valores morais.”
(Freud,1895)
O infans abandonado sofre, além do trauma do nascimento - “vivência arquetípica” que
gera respostas atávicas e fonte primordial de angústia (Freud,1926) - uma situação traumática
cumulativa. A perda do ventre materno, aquele paraíso inóspito para o infans não desejado, não é
suficientemente compensado. O infans no hospital e/ou abrigo precisa enfrentar o trauma do
abandono. A privação é a falta do objeto diferentemente da frustração que é uma não realização
(Green,1988). O infans também precisa se adaptar aos desconhecidos e estranhos (Freud,1919)
cuidadores. A criança, além da perda e separação de “um corpo para dois” (McDougall,1987),
sede do psiquismo pré-natal durante a vida intra-uterina, perde, às vezes para sempre, o corpo
familiar da mãe biológica e, com o corte do cordão umbilical, pode instaurar-se a narcísica ferida
sangrante ao ser separado da relação humana sem o “apego”, como estuda Bowlby (2001), com
figuras confiáveis que acalmem a angústia de separação. O momento do nascimento está muito
próximo do momento da morte.
Há uma fratura real entre a filogênese e a ontogênese na vida pós-natal. Freud, em 1937,
é categórico ao escrever que não significa qualquer supervalorização mística da hereditariedade
crermos que, mesmo antes de o ego existir, suas linhas de desenvolvimento, tendências e reações
que exibirá mais tarde já estão traçadas.
Para o infans, sua mãe é o mundo e é Deus. Kierkegaard, ao explicitar a angústia ante o
nada, faz referência à experiência humana do desamparo. A obra mística de João da Cruz, quando
revela a ascese do homem rumo à perfeição “união de amor com Deus”, torna-se um modelo da
experiência de sintonia mental de um infans com a sua mãe como objeto estético (Meltzer,1994),
ou da adesividade normal no olhar e contato atento da mãe. O Nada remete às trevas profundas
da “noite escura”. O abandono não é o dado anacrônico de uma história passada, ele se encarna
nas dificuldades para estruturar a subjetividade do bebê, num re-conhecimento simbólico
(Geffray,1990): “Meu filho. Meus pais”.
Para Freud, a angústia é afeto e sua origem é a experiência de desvalimento do
nascimento; uma reação contra o perigo que repete pautas adquiridas durante a adaptação
filogenética ante a ameaça de uma situação traumática.

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O ego do bebê adotado corre o risco de perpetuar a vulnerabilidade e fragilidade inicial.


No bebê desgarrado da mãe biológica, que às vezes nunca mais voltará a encontrar, a couraça anti
estímulos pode não se formar (Freud,1920). A invasão de estímulos pode ser vivida como uma
intrusão. Não há uma consciência que se possa criar para começar a perceber qualidades
psíquicas se falta a função materna adequada que possa modular, dosar e tornar compreensíveis
os estímulos com sentido. A ansiedade catastrófica, o terror sem nome, o pânico, a não integração
abrem o caminho para as intensas ansiedades de queda sem fim e de estar liquefeito.
O desamparo inicial - Hilflosigkeit - e o sentimento de insegurança podem nortear a vida
do bebê que não tolera a falta de garantias de existência (Pereira,1997). Este ego é a sede da
angústia ante a ameaça da situação traumática, seja a angústia de separação, de castração ou ante
a perda de amor. O paciente adotado, clama na sala de análise por “provas de amor”, para ser
especial e único. Ele ausculta nas entranhas do analista os limites da condição de
“analisabilidade” (Fédida,1988; Ferro,1997). Também em análise o paciente adotado entra em
angústia extrema quando se aproxima das questões sobre o nascimento, a origem, a vida intra-
uterina, as inevitáveis separações no processo analítico. A angústia extrema tem como fonte a
repetição da situação traumática (Garma,1985). Defesas maníacas podem encobrir sentimentos de
invalidez e enfermidade. A identificação com super-heróis permite a criação de um nascimento
mítico (Lisondo,1992).
O bebê adotado pode viver e repetir vida afora, pelo profundo desamparo inicial, a
experiência traumática do pânico. Neste caso, o pânico aparece como o prenúncio, o berro
existencial que antecipa a possível queda no abismo e a catástrofe psíquica. Assim Winnicott
(1963) entende o pânico, como uma tentativa de dominar as impensáveis agonias primitivas. O
bebê não pode se defender eficazmente ou agir ante um perigo real. Para quem chorar, berrar,
espernear? Entretanto, estas primeiras experiências vitais, quando a sensorialidade está no
apogeu, são a matéria-prima para a construção do psiquismo, como mostra a literatura
psicanalítica.
Para Melanie Klein (1935), a angústia é o vínculo significativo do ego com os objetos. O
instinto de morte, gerador de desejos, fantasias e relações de objeto, é a resposta do medo pela
vida ameaçada. O ego ligado a Eros faz face ao instinto de morte. A perda real do objeto lança o
bebê ao iminente e terrível perigo de aniquilamento da vida. A angústia de morte é
correlacionada à angústia paranóide. Quero destacar que o surgimento da angústia paranóide é
menos grave, mais limitada e específica que a ansiedade catastrófica (Bick,1968), experimentada
no estado de falta de integração como uma experiência passiva de total desamparo. A
desintegração, através dos processos dissociativos, é uma operação defensiva ativa a serviço do
desenvolvimento.
A história traumática pode levar a consolidar defensivamente a concha autística como
garantia de sobrevivência. Com esta cobertura, tapa-se o buraco aberto e desgarrado da ferida não
cicatrizada (Tustin,1984) por uma separação traumática e catastrófica com a mãe biológica, se o
bebê não encontra uma mãe pensante capaz de um bom rêverie na unidade primária adotiva,
capaz de interpretá-lo como sujeito. Com o corpo da mãe que desaparece, desgarra-se o próprio
self (Rosenfeld, D.,1992).

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A adoção é uma situação traumática que deve ser compreendida tendo em conta a
predisposição, a precipitação e a perpetuação (Pollock,1967). Há fatores na história de um sujeito
que, sem serem em si traumáticas, podem precipitar um transbordamento de angústia, por ser ele
mais sensível, isto é, estar predisposto. As respostas à situação traumática podem se perpetuar se
o bebê está exposto à repetição da situação. As experiências de separação vida afora podem ser
vividas como traumáticas.
O “objeto buraco” (Quinodoz,1996), que corresponde a um “sujeito buraco”, faz
referência a um objeto vivido, na transferência, como inexistente gerando “buracos de
ansiedade”. É um objeto sem representação, um “buraco na fantasia”. A autora exemplifica tal
conceito, na situação clínica, através da paciente para quem os pais biológicos eram inexistentes e
não ausentes, tanto quanto a analista na transferência. “Eu nasci quando tinha seis meses de
idade”. Através de mecanismos defensivos bastante primitivos, tais como: negação, onipotência e
cisão; a paciente amputava a origem traumática de sua vida e o sentimento de ser inexistente
para os pais biológicos. Nascer do Nada é ser Nada. Ela repetia em atuações a tragédia de sua
origem (Lisondo,1992), que era irrepresentável, inominável. O Projeto “Minha história de vida”
pretende registrar através do álbum fotográfico e dos filmes, a passagem do infans, criança e
adolescentes pela Vila das Pipas. A figurabilidade e o contorno das experiências emocionais
registradas, aquilo que o olhar pode resgatar, se transforma em matéria prima para a
representação, como forma imagética.
A experiência traumática pode obliterar o repertório emocional. Um sobrevivente de um
campo de concentração explica: "a experiência vivida... tem sido invivível.” (Semprun, 1997, p.
25). A radicalidade da experiência traumática fica atenuada na seqüência: situação traumática -
desamparo - angústia automática - angústia sinal. Não raras vezes os bebês dados em adoção são
comparados a sobreviventes de um campo de concentração.

c) A sobreadaptação como exigência institucional.


O bebê adotado pode fracassar na organização de sistemas mentais, continentes do self
emocional e corporal, pelo interjogo entre a privação no vínculo materno e paterno e a tendência
à sobreadaptação (Liberman,1982). Os pais adotivos podem, inconscientemente, fazer drenar o
self infantil impondo ideais e exigências que negam a história singular do bebê, sua fragilidade e
vulnerabilidade e as próprias dificuldades na função materna e paterna. A ferida narcísica e a
depressão severa se instauram (Bleichmar,1991). O bebê pode refugiar-se numa segunda pele, ou
falso self.
Na adolescência, esta específica configuração mental pode ser revelada na possessão de
uma ideologia que segura o self como bengala de sustentação, os skin heads, por exemplo. Perder
a “aderência” a estes ideais é como cair no vazio, na desesperança etc. A questão não radica só no
conteúdo da ideologia, muito embora a sua escolha seja reveladora da constituição da
subjetividade. Importa a relação e o uso, no sentido metapsicológico, que o adolescente mantém
com essa ideologia e com o grupos. Diferenciar, na clínica, a necessária “sábia loucura e a
doença do sonho” no remanejamento identificatório (Guignard,1997) da psicopatologia no
adolescente, é fundamental.

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A criança chega mais ou menos sempre tarde à família adotiva. O bebê entra em uma
outra encruzilhada identificatória com os pais adotivos (Garma,1985). A intolerância pré e pós-
natais às sensações, percepções e proto-pensamentos, pela turbulência emocional que geram,
pode ser excessiva e realizar-se em ódio para a realidade interna e externa. Trata-se de uma
intolerância excessiva à frustração e à dor provocadas nestas crianças pelo abandono inicial e
pelo peculiar espaço psíquico a ocupar na mente dos pais adotivos.
Dos pais adotivos também é exigido um esforço de adaptação ao receber um bebê
desconhecido, estranho. Eles dão nome a um corpo desconhecido (Garma,1985). Os pais adotivos
podem vivenciar enormes dificuldades na função materna e paterna para garantir o
imprescindível contato afetivo e mental na simbiose fusional primária e, na situação edípica
(Mac Donnell,1981), para construir a subjetividade. O espaço mental para o bebê pode estar
obstruído. Essas falhas primárias não permitem ao bebê a criação da mente humana na vivência
de continuidade do ser.
A filiação simbólica (Geffray,1990), a identidade masculina e feminina e a relação
intersubjetiva entre os pais e com o bebê como alteridade (Matos, O.,1996) são decisivas no
destino da adoção (Schechter,1967; Zavaschi,1988).

d) Quando uma mãe morre durante o parto ou na prematura infância


Desde “Inibição, sintoma e angústia” em 1926, Freud estabeleceu a relação entre a
angústia de separação, a dor, o luto e a depressão. A dor é, para o mestre, a verdadeira reação à
perda de um objeto e a angústia, a reação ao perigo que tal perda traz consigo. Assim, por
exemplo, uma mãe deprimida ameaça a continuidade da existência do filho porque o
investimento no seu próprio sofrimento não lhe permite o olhar atento e fascinado para seu bebê.
Lasar Segal revela artisticamente o olhar perdido e vazio no horizonte da mãe. O seu filho não
tem expressão facial. O seu rosto é um contorno. Um homem de costas, afastado da díada,
completa uma triangulação sinistra.
Ao nascer, sujeito e objeto não estão diferenciados. A angústia de separação da criança
pequena guarda um valor prototípico com a depressão anaclítica do bebê, isto é, a reação aguda
ante a perda real do objeto por períodos prolongados. O hospitalismo corresponde à ausência total
e prolongada da mãe e de toda figura materna.
Siedman de Armesto (1997) lembra, inspirada na teoria de Spitz, que a profundidade da
marca deixada por esta separação deve-se à falta da instância superegóica. Não há função
materna e paterna introjetada. Para Spitz, amparado na teoria pulsional, é o desentrincamento
pulsional que lhe permite explicar a depressão. Ante a falta do objeto, as pulsões se desviam até o
sujeito, a agressividade faz o trabalho de destruição e a libido empurra o bebê já não ao auto-
erotismo - para Tustin (1984), a auto-sensualidade - mas ao narcisismo primário. A agressividade
contra si mesmo é a tentativa desesperada de encontrar o objeto no lugar do objeto perdido. A
incapacidade para realizar o trabalho de luto pelo objeto perdido seria a conseqüência de uma
ausência prolongada do objeto sem substituto representável. É o impasse do vazio na repetição
do círculo vicioso em que a ausência chama indefinidamente à ausência. A aparição de outros
objetos com a função materna permitirá construir o ego infantil. Para Sami Ali (1991), na
depressão anaclítica o bebê é a aporia do não rosto, o rosto da ausência.

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Em etapas prematuras, a perda do objeto representa um traumatismo semelhante à perda


de uma parte do corpo, cuja condição de elaboração é a capacidade de fantasiar o objeto ausente.
A criança pode abrigar o desejo de recuperar o objeto perdido. A cólera e as reprovações pela
culpa inconsciente guardam relação com o desequilíbrio narcisista originado no sentimento de
fracasso em poder fazer aparecer ou desaparecer objetos ausentes como no Fort-Da (Freud,
1920).
O luto na prematura infância implica uma situação traumática que trás a ameaça de
desintegração do aparelho psíquico. O Eu, ferido na onipotência, vivencia o fracasso e a
impossibilidade de possuir (diferente de recuperar) o objeto desaparecido, psiquicamente
inacessível. A mãe é o objeto que segura a regulação narcisista. O processo de desinvestimento
do objeto perdido trás cargas thanáticas, assim como a incorporação do objeto morto. Durante o
processo analítico é preciso dar sentido ao inominável no percurso de historicização do sujeito,
para permitir, no trabalho de ligadura, a possível elaboração da situação traumática. A fig. 4., o
adolescente adotado em sessão analítica, mostra a vivência de inexistência ao ser ameaçado pelo
escorpião como predador terrorífico. Ele nomeia a sua obra “Medo da Sombra”.
A Figura 7 mostra o peso das mortes que o mesmo paciente carrega como sombras e cujo
peso vergam as costas e a vida permeada pela culpa inconsciente. O garoto sente-se com o poder
demoníaco de ter matado a mãe no mesmo parto que lhe permitiu nascer. Esses cadáveres estão
vivos no seu mundo interno. Ele se mata ao não poder elaborar o luto pelas perdas precoces. Aqui
se evidencia o desmoronamento melancólico (Cerqueira-Leite, 2002).

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Figura 7 - "As Cruzes", 1950 - Candido Portinari
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POR QUE O PRIVILÉGIO AOS INFANS


“Assim como o bebê mama o
seio, mama a mente da mãe”.
Meltzer

O infans vem ao mundo em um estado psíquico de desamparo, dependência e


indiferenciação, necessitando totalmente de cuidados materiais e emocionais para sobreviver. O
lugar mais adequado para ele crescer e se desenvolver é na família em “... uma relação calorosa,
íntima e contínua, com a mãe (ou quem a substitua), na qual ambos encontrem satisfação e
prazer”(Winnicott).
Emoções básicas já são detectadas no feto humano, em sua protomente, de uma forma
indiferenciada do corporal. Piontelli(1992), destacada psicanalista italiana, utilizou-se dos
recursos tecnológicos da ultra-sonografia e através das imagens realizadas da vida intra-uterina
observou cientificamente o feto em seu ambiente natural. Com um acompanhamento longitudinal
pós-parto, desenvolveu importantes estudos inéditos quanto às origens da vida emocional do ser
humano.
Com o trauma do nascimento (Freud,1926 e Otto Rank, ) cria-se uma situação emocional
entre o bebê e a mãe carregada de emoções que exigem um esforço de adaptação ante a invasão
de estímulos.
É de fundamental importância alguém que exerça a função materna para modular e
transformar o impacto dessas fortes impressões sensoriais causadas pelo novo ambiente e pelas
necessidades biológicas e pulsinais do bebê. Dois grandes autores psicanalíticos ampliaram e
enriqueceram nossas possibilidades de pensar este assunto: Bion com o conceito da função
materna e rêverie e Winnicott com o de “mãe suficientemente boa” e preocupação materna
primária. Na Fig. 8 Picasso como tantos outros artistas, ressalta através da mesma cor amarela a
vivência de continuidade entre a mãe extasiada no seu bebe. Ambos se encontram “olho no
olho do Outro”
As emoções para o Infans têm um sentido puramente expressivo como manifestações de
terror, ameaça, tranqüilidade, agitação, descarga motora, satisfação, etc... São expressões de
emoções que fazem pressão em direção a figurabilidade, buscando uma representação
simbólica. Toda essa seqüência do processo de simbolização da vida emocional do bebê,
necessita da função materna como modelo de funcionamento ao seu incipiente aparelho psíquico.
Gradativamente, ele vai se fortalecendo e se capacitando para suportar a dor dessas
emoções criando recursos psíquicos para conseguir levar adiante seu crescimento mental.
Os conhecimentos psicanalíticos estão bem mais especializados porque os estudos têm
acompanhado uma seqüência ao longo do tempo. Descreveram por exemplo, um tipo de
comunicação intersubjetiva, quase musical: ritmo, sincronia, diálogo, ondulações, alternâncias,
tipo de conversa, amplificação. A psicanálise contemporânea avança no estudo dos primórdios
da constituição do psiquismo humano quando assume o desafio de tratar pacientes autistas,
psicossomáticos ou adictos com sucesso (Tustin, 1987; Meltzer, 1984; Houzel, 1991; McDougall,
1987; Haag, 1991; Geiissmann, 1993; Rosenfeld, 1992; Huberman de Chiappini, 1997; Souza
Fontes, Franch 2001, Lisondo, 2002).

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Figura 8 - "Maternité" - Picasso
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A psicanálise amplia realmente o leque de patologias ao seu alcance. Isto não é uma
audácia nosológica. É afirmar que só um tratamento capaz de criar a estrutura psíquica pode vir a
dar condições para o verdadeiro processo de humanização: aprendizado, pensamento e
simbolização. É lamentável que após 100 anos da existência desta ciência o mundo acorde para a
existência das perturbações emocionais ante a existência de jovens bombas, o homicídio de
índios no Brasil por jovens e/ou o caso Susane, a adolescente que com o namorado planeja e
realiza o assassinato dos pais, ou ainda, os adolescentes que usam seringas contendo sangue
contaminado como ameaça aos outros.
Desde seu início de vida, o Infans já estabelece um contato visual com a figura materna,
reconhece sua voz e cheiro, busca contato e vida. Além de se sentir gratificado e tranqüilizado,
esses contatos despertam seu interesse vital que darão força em direção ao seu crescimento.
Só o fato de ouvir o som da voz humana que lhe é familiar, o infans desenvolve a
capacidade de discriminar uma voz de outra, de responder ritmicamente, aliviar assim sua
angústia e desfrutar prazerosamente dessa comunicação. Esta experiência o provê com
instrumentos a serem utilizados para padrões posteriores, de prazer, de gratidão, que tecem uma
base para o amor. Os impedimentos que interferem no desenvolvimento emocional de uma
identificação normal, interferem também no processo de desfrutar a satisfação, o belo, a alegria
de viver. As conjunções construtivas e criativas da mente inspiradas em EROS se diferenciam,
das uniões bizarras, úteis apenas para os aspectos sádicos e onipotentes da vida psíquica, ao
serviço de Thanatos.
Falhas na maternagem no nível bem primitivo poderão propiciar a entrada da doença
mental, que avança sobre o ser em formação, atacando e inibindo funções psíquicas que
desembocam em psicopatias e/ou psicose. Distúrbios em outras áreas, da inteligência ou
somáticas, poderão camuflar estados mentais patológicas graves.
O autismo, por exemplo, pode ser compreendido como uma negação onipotente de um
relacionamento simbiótico do bebê com a mãe, ou seja, autismo e simbiose são extremos opostos.
No autismo a criança se defende do contato humano.
A angústia de queda sem fim leva o bebê a agarrar-se na figura materna e estabelecer uma
dependência simbiótica normal. Se ele não encontra essa mãe, ele agarra-se a si mesmo que
corresponde a formação da “falsa pele”, uma conseqüência da dependência simbiótica patológica,
que com sua imobilização e controle, paralisa o funcionamento dinâmico projeção – introjeção.
Novamente ressaltamos a importância da constância dos cuidados com o bebê. A pulsão
conclama o objeto. Se o infans é o centro, é a mãe o contorno. Numa figuração geométrica, a
mãe precisa ser contida para o exercício de sua função por outro círculo concêntrico e maior. É
neste contorno específico que o serviço de Psicologia Psicanalítica pretende agir. O grupo com
pais para criar a função materna e paterna pensante é uma das atividades planejadas para o ano
2003. A assistência domiciliar psiquicamente qualificada é a atividade a ser desenvolvida com o
amadurecimento da equipe de aprimorandos e estagiários nos anos sucessivos para acompanhar
os familiares adotantes. Assim, não só a criança externada do abrigo será psiquicamente tratada.
A família será ajudada na detecção precoce e assistência psíquica através do método de
intervenção precoce na infância (Lebovici,1999). Esta técnica pressupõe o conhecimento e
experiência com o método de Observação de bebês de Esther Bick (2000).
Muitas vezes essas mães não estão disponíveis levando a criança a destruir seus próprios
egos a fim de sobreviver. (Meltzer,1984)

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Com a separação traumática da mãe, cria-se um conflito que poderá causar um sentimento
intolerável de arrancamento. O autista vai construir sua concha de auto-sensualidade para não
sofrer esta dor. No interior dessa concha, poderá negar toda experiência emocional de separação,
de distanciamento, de espera, de frustração, de alteridade. A fantasia de arrancamento é um
processo dinâmico de aspiração num buraco negro que absorve toda matéria e toda energia que
cae em seu campo gravitacional.
A etiologia do autismo poderá ser encontrada no diálogo interdisciplinar. Devido ao
vértice psicanalítico, estamos focalizando mais os fatores psicológicos no desenvolvimento
mental, relacionadas às experiências dolorosas primitivas na ligação materna. O problema da
interação familiar e dos pais com dificuldades emocionais são os motivos mais identificados no
desenvolvimento de quadros de deterioração mental em crianças: psicose, psicopatias, problemas
de aprendizagem etc.
As concepções de Bick foram expandidas por Meltzer (1984), Athanassiou (1982),
Anzieu (1987) que analisaram a estruturação do psiquismo infantil e desenvolveram interessantes
idéias relacionadas à dimensionalidade da mente em quatro categorias quanto à evolução das
identificações: espaço unidimensional, bidimensional, tridimensional e tetradimensional.
1 – Um espaço unidimensional (quando o self e objeto são apenas um ponto), é o que se
define como e pelo impulso, que chega, toca e se vai. Tempo e espaço se fundem em uma
dimensão linear do self e o objeto. Os objetos são atrativos ou repelentes e o tempo não se
distingue da distância, um tempo fechado, uma mescla de distância e velocidade. O ponto
unidimensional é o modelo do encontro da boca com o seio.
2 – Um espaço bidimensional, quando graças à relação de objeto, o sujeito pode
constituir uma identificação adesiva, um espaço de contatos, de superfícies. Depende das
qualidades sensuais que podem ser captadas em sua superfície, e com isso o self também é
vivenciado como uma superfície sensitiva. O pensamento não pode desenvolver-se porque falta
um espaço dentro da mente, um espaço para o pensamento experimental, no qual pudesse ter
lugar a fantasia. O tempo é vivido como circularidade. Daí a importância do sensorial como
matéria prima para a passagem à dimensão mental.
3 – Um espaço tridimensional – quando o mundo interno pode estabelecer a identificação
projetiva e o objeto foi vivenciado como resistente à penetração, constituindo o conceito de
orifícios no objeto e no self. O tempo é vivido como oscilatório através da fantasia de entrar e sair
do objeto, uma tendência direcional própria, um movimento inexorável de dentro para fora do
objeto.
Todas essas três abordagens têm a característica comum relacionada com a
inautenticidade ou com uma certa ingenuidade.
4 – Um espaço tetradimensional é a forma acabada de identificação, a identificação
introjetiva, e inclui uma escolha de objeto e uma capacidade do ego de introjetar o objeto,
conservá-lo dentro de si apesar da ausência e interiorizá-lo. Esse tipo de identificação se funda
em uma concepção do tempo e do espaço de que o tempo passa mas não volta, e reconhece a
existência e a autonomia do objeto (o outro). É quando se instala o tempo do luto pelo objeto.
Essas idéias estão relacionadas ao desenvolvimento infantil no primeiro ano de vida e
como as noções de espaço e tempo são construídas na criança. Estes são os fundamentos para a
aprendizagem das disciplinas escolares como história, geografia, português etc.

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Sabemos que o somático interfere no psiquismo infantil e enfocando a doença grave dos
portadores de HIV positivo a. precocidade da doença irá interferir de diferentes formas e graus no
processo de subjetivação, na formação de identidade, de acordo com a capacidade emocional de
cada criança.
O desprazer, a dor, a ameaça da morte que provem do corpo doente causam uma confusão
em seu esquema corporal, afetando de diversas formas seu processo de identificação normal.
Representa um esforço extra, muitas vezes devastador para a difícil tarefa de estruturação
psíquica da subjetividade.
Numa perspectiva reversível podemos afirmar que a criança deprimida pode vir a
deprimir as defesas imunológicas na desistência de viver/continuar vivo. As infecções podem
ocupar o lugar da vitalidade psíquica.
Algo que possa sair tão errado na vida do Infans trará muitas implicações e danos graves
no seu desenvolvimento como ser humano. O modo como eles serão cuidados terá a maior
importância no sentido preventivo de psicopatologias graves.
Quando a perda é prematura, os processos de luto geralmente tomam um curso
patológico. A saudade e a raiva ficam sem elaboração, a angústia de separação e a privação
causam uma condição emocional que não é uma simples carência, mas um verdadeiro
desapossamento conforme definiu Winnicott (1975)
A maior parte das influências de formação da personalidade, são aquelas recebidas nos
primeiros anos de vida, especialmente na relação com a mãe e no contexto familiar. O infans é
impelido por sentimentos tanto de amor quanto de ódio em relação aos pais e aos irmãos. Daí a
importância dada à rivalidade entre irmãos e ao ciúme edipiano. O fundamental aqui é que dessa
ambivalência entre amor e ódio, o conflito resultante seja tolerado. Assim, a ansiedade e a culpa
engendradas possam ser sentidas de modo saudável levando a um crescimento da vida psíquica.
O mesmo conflito básico entre amor e ódio reflete-se no conflito intra-psiquico entre os
impulsos sexuais e agressivos e também entre os instintos de vida e de morte.
O conflito é uma condição normal das transações humanas e se o infans seguir um
caminho favorável, recebendo amor e proteção de sua mãe e de seu pai, crescerá sem uma
pressão exagerada de seus anseios libidinais e sem uma propensão para odiar. Com isso, se
sentirá apto a dirigir e controlar no seu íntimo seus impulsos contraditórios.
O perigo está nas condições adversas que interceptam o desenvolvimento emocional
como a perda dos cuidados maternos e de um meio familiar típico. Muitos desvios parecem
resultar de uma experiência traumática desse gênero levando a formação de uma personalidade
perturbada. Através de manobras defensivas que propiciam evasões, o conflito é negado ao invés
de aparecer e ser enfrentado. O infans e a criança se adaptam falsamente a situação distanciando-
se de seus sentimentos e tornando-se indiferentes ao próprio sofrimento.
Assim podemos compreender o quanto sentimentos como raiva, ódio, saudade, desespero,
ficam sufocados em seu íntimo, mas potencialmente ativos. O trauma vivido favorece a um
ressentimento e aos sintomas de tendências anti-sociais.
Se esta situação emocional, traumática, não for cuidada adequadamente, poderá evoluir
para estados de ansiedade e para a doença depressiva e\ou a formação do caráter delinqüente a
uma personalidade psicopática.

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As tendências anti-sociais como roubo, mentira, conduta desordenada, incontinência,


destrutividade, tem a peculiaridade de causarem um incômodo, um poder que a criança descobriu
para se manifestar ativamente sobre o ambiente que necessita de mudanças urgentes. Suas
atuações são em grande parte inconscientes e representam a busca de algo importante que
perderam e não o sentido moral que o adulto atribui.
Na base de uma tendência anti-social está uma boa experiência a ser resgatada. A
capacidade do ego possibilita a percepção que a causa foi uma falha externa, pressionando o bom
que foi perdido. Essa percepção é que determina o desenvolvimento da tendência anti-social e
não da doença psicótica.
Podemos observar que a tendência anti-social ocorre em duas direções. Primeiro, quando
a criança procura incessantemente por algo com a esperança de encontrar, típico do roubo
associado à mentira. Ela furta um objeto, mas ela não quer o objeto roubado e sim, o bom que foi
perdido (a mãe, a família, um bem querido). Em segundo, quando a criança está em busca de uma
atitude humana que lhe traga uma estabilidade ambiental e emocional, para que contenha sua
excitabilidade. A tensão resultante do comportamento impulsivo encontra na destrutividade uma
maneira de se expressar e mobilizar suprimentos ambientais. É o caso das delegacias policiais ou
outras localidades que sirvam de moldura para conter a violência das emoções intensas.
Na delinqüência, o que nos chama atenção é a necessidade aguda de uma autoridade que
represente um pai rigoroso e forte e ajude a criança ou adolescente a recuperar seus impulsos
primitivos de amor, de culpa e a capacidade de desejar corrigir-se.
Já na personalidade psicopática, realiza persistentemente atos e crimes contra a sociedade
e a família (crueldade, promiscuidade sexual). Também age contra si mesma ou contra outra
pessoa (toxicomania, suicídio, homicídio). Quando conseguem criar vínculos, estes são caóticos e
desordenados, com uma implacável exigência com a outra pessoa (dinâmica sado-masoquista).
Enquanto psicanalistas, podemos pensar em um lar substituto adequado com uma
assistência ambiental especializada e que ofereça uma base pessoal segura. Através de um
funcionamento saudável, possa encontrar uma figura de ligação afetiva estável para desenvolver
no infans e na criança a capacidade de confiar em alguém e de discriminar quem mereça sua
confiança.
Sob o aspecto científico, a prática clínica tem demonstrado resultados promissores para
impedir que a psicopatologia se instale. A psicoterapia psicanalítica é orientada no sentido de
capacitar a criança para completar seu desenvolvimento emocional e elaborar o luto,
manifestando seus sentimentos de ódio e de pesar. Também procuramos trabalhar os sentimentos
de envolvimento e culpa para abrirem caminho aos primeiros impulsos de reparação. Isto abre-
nos à tarefa terapêutica, de tentar reconstruir funções essenciais da mente que foram danificadas,
desenvolvendo na criança uma capacidade de tolerância à angústia depressiva, fator fundamental
à capacidade adaptativa frente às perturbações de sua história de vida.

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COMPLEXO FRATERNO – A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PRÓPRIA

Nos abrigos podem proliferar perigosos e contagiantes virus mentais tais como:
•As fantasias, desejos, e angustias em “TER QUE SALVAR”
•A CARIDADE.
•A PATOLOGIA DA ASSISTÊNCIA, vítima inconsciente de um suposto saber e poder sobre a
vida de um OUTRO.
- A denegação das reais possibilidades para abordar a deterioração mental.
O paciente que sofre de Aids como a nova praga de TEBAS pode nos defrontar com
a culpa e o conseqüente castigo ante os desvios sinistros da sexualidade humana.
A equipe profissional pode então clivar a própria parte psicótica que convive com a
parte não psicótica, (Bion, 1957). Sempre serão encontrados alvos dentro dos
quais projetar esta parte psicótica: O governo, o sistema de saúde, os pais das
crianças, etc. serão os responsáveis de plantão. A questão está no uso que se pode
vir a fazer das instituições, da equipe de saúde, dos familiares, dos parceiros. Isto
não invalida uma postura científica transformadora. A recusa à realidade dolorosa
pode ser uma forma de bloquear o trabalho psíquico possível para transformar essa
dor.
É imprescindível discriminar para efeito deste projeto:
A) A vida de uma família estruturada “suficientemente boa”, na qual os irmãos, sendo
seres diferentes, aprendem a conviver com os pais, cobiçados objetos primários de
amor. ( Fig. 9)
B) A vida de irmãos biológicos sem a experiência contínua da convivência psíquica.
C) O destino dos irmãos com e sem contaminação de HIV e sem a experiência
contínua da convivência psíquica. O vírus é um significante que marca a presença
do sinistro já na origem da vida: a relação sexual / genital dos progenitores, a
transmissão da doença, o descuido durante a gestação.
D) O complexo fraterno - filhos de sangue e filhos adotivos.

Vejamos a definição de complexo:


Complexo é para Laplanche e Pontalis (1971) um conjunto organizado de representações
e de recordações dotadas de intenso valor afetivo, parcial ou totalmente inconscientes, alertando
que a noção de complexo tende a confundir-se com a de um núcleo puramente patógeno que
convém eliminar. Deste modo, perde-se de vista a função estruturante que, em determinados
momentos do desenvolvimento humano, possuem os complexos.
As fantasias no peculiar complexo fraterno (Kancyper, 1996) entre irmãos são, entre
outras, fantasias fratricidas, fantasias furtivas, de excomunhão:

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Figura 9 - "A Adoração da Criança" - Gherardo Delle Notti
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1.Fantasias fratricidas - Caim e Abel


Na bíblia, a história mítica de Caim e Abel revela as fantasias fratricidas e pode
inspirar um modelo para a compreensão da tragédia entre irmãos, portadores de HIV e não
portadores, irmãos adotados e legítimos. O sacrifício precioso oferecido a Deus por Abel, o
pastor, é acolhido. O fogo arde em chamas como reconhecimento simbólico de seu valoroso ser.
Deus, o pai mítico, é capaz de dar sentido e enaltece este gesto de amor. Abel realiza a
experiência do encontro humano intersubjetivo, é capaz de criar, como Winnicott (2002) prefere,
e fazer brotar o fogo ardente da paixão bioniana em um vínculo humano.
Já Caim, o agricultor, sente-se descontente, mais cobrado que Abel, ao seguir o duro
trabalho paterno e ser injustiçado pelo destino. Por que precisa seguir este caminho? Será que
esta identificação não está à procura de uma primeira relação afetiva? (Freud, 1921). Seu
sacrifício não arde em chamas. Ele não é reconhecido, não é observado e interpretado como um
sujeito capaz de criação e gerador de bondade. Incapaz de criar o fogo como chama viva,
geradora de vida, aceitação e gratidão, seu gesto se transforma em fumaça negra. Caim
potencializa esta fumaça com ódio, ciúmes, inveja, ressentimento de seu irmão, o eterno rival,
para conquistar um lugar e uma identidade, mesmo que negativa. Ocupar o lugar do morto para
talvez poder ser...
Como castigo, Caim é expulso. Ele perde a terra e seu conhecido lugar. Ao ser desterrado,
é marcado concretamente na testa. As feridas da alma são invisíveis. A marca na face, como os
pés de Édipo, é o gérmen de sua identidade. Ela condensa, metafórica e metonimicamente, a
marca pelo assassinato do irmão, mas também a presença protetora de Deus Pai na cabeça do
filho. O vírus de HIV é a marca visível / invisível quando a- sintomática da filiação biológica
diabólica thanatica, destrutiva, ao invés da filiação simbólica erótica amorosa e vital .

2.Fantasias furtivas e de excomunhão - Esaú e Jacó


Isaac e Rebeca compartilham uma longa história de esterilidade durante 20 anos. Só aos
60 anos de Isaac, na maturidade cronológica da vida, Rebeca engravida de gêmeos. Durante esta
gravidez, trava-se uma luta interna em suas entranhas com grande dor. “Por quê?", pergunta a
Deus. Abraão, pai de Isaac, o avô, sentencia: “Estavam preocupados porque não tinham filhos.
De agora em diante vocês se preocuparão porque os tiveram. Do seio de Rebeca nascerão dois
povos. Um haverá de dominar o outro. Prestem atenção: o irmão mais velho haverá de servir ao
mais jovem ”.
O primogênito, Esaú, é o preferido do pai. Rebeca devota mais amor a Jacó. Os pais não
estabelecem uma situação triangular edípica com os filhos. Na relação do casal não há verdade.
Cada pai se “completa” com um filho.
Rebeca transgride a Lei do pai e veste ao filho Jacó com a pele de animais e com as
roupas do irmão para enganar ao marido. Ela é cúmplice da mentira para que Jacó seja abençoado
como primogênito pelo pai moribundo. Vestir-se com a pele do irmão é assumir um falso self -
ser Esaú - exigência para ser querido, reconhecido e abençoado pelo pai e pela mãe. Jacó não tem
vez. A pele é o envelope psíquico, na interface entre o mundo externo e o mundo interno, função
do pré-consciente como função osmótica entre vida psíquica e realidade externa. A pele é o Eu
psíquico, o primeiro continente para alcançar a experiência de integridade corporal (Anzieu,1995;
Anzieu, Houzel et al., 1987).
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O eu é para Freud, 1923, um eu corporal. A anatomia marca o destino. Denegar a


significação da marca de HIV num dos irmãos não é vestir a um ser com a pele do Outro em aras
de forjar a aceitação? O apelo a dogmas morais, religiosos, assistenciais, jurídicos etc. impedem o
pensamento científico.
As obrigações morais que inspiram “TER QUE ”, enraizadas no masoquismo e/ou a
crueldade superegóica são perigosas, assim como as reparações maníacas, as identificações
alienantes , delírios de bondade etc.
É possível obrigar alguém a amar uma criança tendo em conta a perspectiva fundante do
inconsciente humano?
A tragédia entre Jacó e Esaú não é reveladora do conflito entre filhos legítimos e filhos
adotados? Diferentes constelações mentais se constituem. Na legitimidade do próprio filho, o
próprio sangue e o corpo conhecido, familiar, se transcendem no bebê sonhado, desejado,
esperado, investido libidinalmente. O filho adotado chega de outro corpo, outro sangue, outra
história sinistra. A questão não está na diferença, testemunho de diferentes histórias, identidades,
constelações mentais, subjetividades, mas na atribuição inconsciente do valor e do lugar psíquico
que cada filho ocupa no espaço mental dos progenitores. Assim, José, o primeiro filho carnal de
Raquel e Jacó, é o primeiro da numerosa prole. Os filhos se vêem da forma como a mãe os vê
(Winnicott, 1978). Os pais esculpem identificações inconscientes alienantes, que só se podem
tornar conscientes em um processo analítico.

3.Fantasias de geminação - Rômulo e Remo


Entre os gêmeos existe a dinâmica narcisista e paradoxal do duplo em todas as suas
formas: especular, ideal, imortal, bissexual. A estruturação da própria identidade pode ser uma
dura conquista. Estes duplos encarnam o maravilhoso e o sinistro (Kancyper,1997,
Shakespeare,1995).
O irmão gêmeo é o alvo preferido das partes escondidas, dissociadas, das personalidades
que se personificam e externalizam, como mostrou Bion em 1967. Entre a mesmice e a
alteridade, as angústias encontram lugar na confusão de identidades. Na dialética perigosa entre
nascimento e morte, dependência e independência, liberdade e escravidão, um parece se afirmar
como sombra do outro que ocupa o lugar de vítima privilegiada. Na adoção de irmãos gêmeos, os
riscos psíquicos se potencializam.

A) A vida de uma família estruturada “suficientemente boa”, na qual os irmãos,


sendo seres diferentes, aprendem a conviver.
É entre irmãos do mesmo sangue, portanto, supostamente com um mesmo repertório
hereditário que o nível psíquico da estruturação humana alcança seu apogeu. Mesmo quando se
trata de concepções múltiplas os infans não são idênticos. A recusa em perceber a diferença está
na gênese dos transtornos da identidade.

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O sexo do filho desejado pelos pais, os sonhos tecidos já na terna infância sobre a
paternidade e a maternidade, o sentido atribuído a concepção, os desejos que pairam sobre filho,
a qualidade da relação entre os progenitores, o projeto identificatório tecido para o infans, o nome
escolhido, a constelação psíquica dos pais no momento da concepção, o lugar que se ocupa na
prole, entre outros fatores tem o poder de tecer diferentes tendências no destino humano. Assim
como Heráclito traz à humanidade a consciência da mudança e o movimento quando afirma que
ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio, podemos afirmar que os irmãos nunca habitam o
mesmo útero mental porque os pais não podem ser iguais para todos os filhos. Não é o mesmo,
ser o primogênito homem sonhado, que ser “fêmea, raspa de tacho”.
Os pais com os filhos constróem a própria história nesta mítica rede de relações
familiares. Condições materiais tem sentidos e significações que podem se sufocar e/ou exilar
justamente porque estão enraizadas em complexos relacionais inconscientes fontes de dor e
sofrimento. Os inventários judiciais, por exemplo, são sempre e necessariamente inventários
afetivos que implicam o reconhecimento da morte dos progenitores, a vivência de desamparo
ante o infantil, e uma re-significação das relações familiares. Os bens a dividir e herdar tem valor
afetivo.

B) A vida de irmãos biológicos sem a experiência contínua da convivência psíquica.


O direito a uma vida humana que permita a construção da subjetividade, o SER como
garantia de existência psíquica, e a identidade sexual é prioridade do processo de
humanização.
A adoção psíquica é possível. Entretanto ela implica numa situação traumática para o
infans e para os pais adotantes. A criança é uma estranha. Há uma história sinistra e desconhecida
na origem da filiação biológica. Os pais adotantes precisam elaborar o luto da fertilidade
impossível e/ou lidar com a esterilidade enigmática. O filho adotado não é o sonhado filho
biológico. Os pais precisam atravessar a cesura, a brecha, o tumulto e turbulência para aceder ao
nascimento metafórico da paternidade e fertilidade psíquica.
Esta cesura pode vir a ser uma fratura intransponível quando não é possível reconhecer o
filho numa filiação simbólica. Freud (1926) , com sabedoria afirma a continuidade entre a vida
fetal e a vida pós- natal. Na criança adotada, a falta de continuidade, é fonte de angustia
impensável.
A lei não tem o poder de legislar afetos, desejos, fantasias, complexos, sonhos. A lei é
humana e a história do direito mostra as mudanças através dos tempos para garantir a
convivência, a ordem, a vida social. O paradoxo é que a exigência psíquica, a potencialidade
traumática, na adoção de irmãos se potencializa. O risco da deterioração mental no destino das
crianças adotadas se amplia. Não se trata de negar o pretender sepultar na trama de segredos e
mentiras a existência de uma prole, nem privar ao infans da convivência familiar. A questão é
que a família nuclear não existe e/ou sofreu a desintegração. A culpa inconsciente estará no
âmago da vida do irmão “premiado” com melhor destino, porque a fantasia pode ser que vive a
custas, ou que abandonou o irmão desfavorecido entre tantas outras possibilidades tecidas pelos
complexos inconscientes. Não tem ser algum que possa escolher “ser concebido”, os pais
biológicos que dão a vida, os pais adotantes, o nome, a prole. A impotência da condição humana
nos remete a uma ordem superior.

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Um ser humano pode construir vida mental e só assim será capaz de sentir dor,
compaixão, sofrimento, e conquistar a consciência possível ante a diferença entre a própria vida
e a dos irmãos.
Será que na tentativa de evitar a dor necessária e o sofrimento ante a privação de uma
família, ante a praga herdada, ameaça permanente à vida, que marginaliza, isola a um ser
humano, não se sepulta o destino do irmão salvo do HIV , dificultando, postergando, e/ou
barrando a adoção?
Se na família, primeiro modelo social, a convivência é perturbada, essa deterioração
transcende na sociedade através de todas as patologias mentais, que não encontram nem
acolhimento, nem compreensão, nem tratamento específico, e assim sendo, a ordem, a vida
civilizada almejada pela Lei é difícil de alcançar.
A situação de gêmeos merece atenção especial.

C) O destino dos irmãos com e sem contaminação de HIV e sem a experiência


continua da convivência psíquica. O vírus é um significante que marca a presença do
sinistro já na origem da vida: a relação sexual dos progenitores, o desligamento ante o
cuidado possível durante a gestação.
É humano condenar aos irmãos a um mesmo destino? Uma questão é promover a relação
entre irmãos, outra é a patológica colagem adesiva. Na família suficientemente boa (item A), ao
conquistar a consciência da diferença entre os irmãos, se propicia que cada um seja tão Senhor
de si mesmo, da própria vida, do SER, quanto possível porque o inconsciente na sua essência
estrutural nunca será totalmente conhecido. O importante é que a vida dos filhos possa se
desenvolver com independência, reconhecendo a dependência do Outro.
Quando o legislador apela para a preservação dos vínculos entre irmãos, a psicanálise
pode dar a sua contribuição com questões para pensar cientificamente que não pretendem ter o
poder da resposta, muito menos de certezas:
a) O Infans, criança e adolescente precisa primeiro ser capaz de se relacionar em
vínculos significativos com AMOR, ÓDIO e CONHECIMENTO.
b) Antes da preservação dos vínculos, é necessário a sua criação. Para a vida de
relação a experiência com um Outro é fundamental. A adoção elaborada e
pensada quando os pais são “suficientemente bons” pode verdadeiramente vir
a criar um ser humano pensante, capaz de vínculos significativos, e uma vida
criativa.
c) O relacionamento entre os irmãos não é proibido quando só um é adotado.
d) Há uma perda real ao não compartilhar da convivência entre irmãos.
Mas a privação da função materna e paterna é fonte primeira de dor impensável .
Essas questões levantadas servem como um convite para um diálogo interdisciplinar.

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D) O complexo fraterno - filhos de sangue e filhos adotivos .


Quando há uma prole de filhos adotados e filhos legítimos, a inversão da novela familiar
de Freud (1909) permite ao filho adotado negar a diferente origem dos irmãos na relação básica
com os pais. Quando o filho é sonhado, desejado e gerado na carne, é testemunha, como criação,
da fertilidade e da vida sexual do matrimônio. Há uma continuidade entre a filogênese e a
ontogênese. Diferente é a origem sinistra da criança adotada e/ou sua história traumática que gera
sua orfandade. O que chega na adoção é um semelhante, mas também um intruso e um estranho
que encarna o sinistro.

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POR QUE O ESPELHO – SEU SENTIDO E USO


“Esta sou eu!”3

O espelho, com sua propriedade reflexiva tem uma importância significativa no


pensamento psicanalítico, tanto em sua real concretude quanto em seu sentido abstrato, como
metáfora.
Vários autores psicanalíticos enfatizam suas concepções associadas ao ato de olhar e à
função especular desde as mais precoces etapas evolutivas.
Freud referiu-se primeiramente ao espelho nos seus estudos: sobre a cena primária; sobre
o espelho d’água em que Narciso se mirava e sobre sua “regra de neutralidade” em 1912, no
artigo “Conselhos aos Médicos no Tratamento Psicanalítico”. Outra referência pouco citada foi
quanto ao seu neto de um ano e meio, mais conhecida como o do “jogo do carretel”, que também
viveu um júbilo quanto ao “jogo do espelho”, encontrando um modo de fazer desaparecer a si
próprio. Agachando-se fazia sua imagem ir embora, reafirmando a existência e a integração da
imagem corporal. Esta passagem encontra-se no rodapé do artigo de Freud, 1920, “Além do
Princípio do Prazer”
No jogo do espelho, admiravelmente ilustrado neste exemplo, observamos um primeiro
ato de simbolização com a alternância do desaparecimento e reaparecimento do próprio corpo da
criança. Esse corpo é substituído por um símbolo: o jogo do aparecer-reaparecer da sua imagem.
Ao desligar-se do real do corpo a criança, de forma lúdica, toma distância, se vê e a imagem
refletida reproduz a realidade fornecendo à ela um ponto de referência possível de sua própria
identidade, referenciando-se a si mesma.
Mais adiante, neste mesmo artigo, Freud cita a passagem de Platão, em “Symposium”,
dando importância ao jogo das imagens especulares. Finalizando, ele aborda em 1938 as
vicissitudes do processo identificatório à maneira de espelhos confrontados que, permitem uma
reflexão reverberante e constante na relação entre o indivíduo e o seu universo objetal, no artigo
“Achados, Idéias, Problemas”.
Jacques Lacan (1949), importante psicanalista francês, retomou as idéias de Freud e
descreveu o conceito do “Estádio do Espelho”. Nos primeiros meses de vida, o bebê não tem uma
experiência da imagem corporal como uma unidade integrada e percebe o seu corpo como uma
dispersão de todas as suas partes: “corpo despedaçado”. Haveria tantas parcialidades do corpo
quantas funções fisiológicas existissem, sensações semelhantes à ilustração da pintura de J.
Bosch; “O Jardim das Delícias ” (Fig. 10). Essa dispersão ocorre por falta de maturação
biológica do lactente e ele fica submetido a uma confusão de sensações desordenadas e
diferenciadas que ele não sabe de onde vem. Este estado acompanha o infans até
aproximadamente os seis meses de idade e propicia a fantasia do corpo dividido juntamente com
a angústia de despedaçamento, encontrada nas manifestações psicóticas.
O “Estádio do Espelho” compreende uma etapa dos seis aos dezoito meses
aproximadamente, abstraídos em três períodos:
1º A criança percebe o reflexo no espelho como se fosse um outro ser e real.

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Helena (34 meses)

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Figura 10 - "Jardim das Delícias"- Bosch
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2º A criança descobre que o outro não é um ser real, mas uma imagem.
3º A criança tem a revelação de que aquela imagem refletida é dela própria. É um
momento de intenso júbilo e ela passa a brincar com os movimentos do próprio corpo no
espelho.
Esta fase situa-se no registro imaginário e a captação que o infans faz do ser pela imagem
humana refletida no espelho, permite-lhe que se delineie os contornos do reconhecimento de si,
momento inaugural da identificação.
O reflexo do próprio corpo favorece as noções de unidade e localização espaço-temporal,
transformando o sentimento de despedaçamento da fase anterior. Nesse estádio, desenrola-se todo
o drama da relação dual que o priva da consciência da sua subjetividade.
Lacan também entende que o espelho é uma metáfora do vínculo entre a mãe e o filho que
vai da ilusão de completude onipotente até o da dimensão simbólica com o domínio da palavra. O
advento da ordem simbólica ocorre com o afastamento da mãe pelo interdito do pai. A criança
renuncia a onipotência de seu desejo e aceita uma Lei que limita e organiza. É a saída do
complexo de Édipo, configurando-se a singularidade juntamente com a aquisição da linguagem
verbal.
A oposição imaginário – simbólico encontra-se em todos os graus do desenvolvimento
humano. A essência do imaginário é uma relação dual, um desdobramento em espelho que
dissimula a si mesmo e se perde nos reflexos. É a dimensão psíquica desenfreada da vida afetiva,
dos sentidos e das idéias.
A passagem da relação dual, imaginária à uma relação triádica, edípica, simbólica, efetua-
se progressivamente, por etapas, cada vez mais formadoras e decisivas. Esta ultrapassagem da
relação dual alienante para a ordem simbólica triádica é a essência do Édipo.
A potência fundadora da ordem simbólica é o interdito, vindo da Lei do pai. A Lei torna-
se então libertadora. Separada da mãe, a criança dispõe de si mesma, orienta-se em relação a um
futuro, insere-se em seu lugar na família, no social, na cultura.
Winnicott, inspirou-se em Lacan para desenvolver o tema do espelho como sendo o rosto
da mãe.
Desde as primeiras fases do desenvolvimento emocional, gradativamente o bebe vai
saindo de um estado indiferenciado e vivendo a separação entre eu/não-eu . Essas modificações
realizam-se principalmente, quando a mãe vai sendo percebida como objeto externo,
objetivamente falando, separada dele.
Se esta mãe com sua atitude estável e contínua não está ali como referência, a tarefa em
termos do desenvolvimento emocional torna-se muito complexa. ( Fig. 11)
Quando um bebê está mamando, ele não olha para o seio, ele olha para o rosto da mãe e
vê a si mesmo, recebendo de volta o que estão dando. O bebê é manejado (handling), deve ser
segurado (holding) de tal forma que sua experiência legítima de onipotência não seja violada e
ele não perca essa ilusão. Ele usa o objeto-mãe como se fosse um objeto subjetivo, criado por ele.
Depois é que ele vai se acostumando com a idéia de que, quando olha, o que é visto é o rosto da
mãe, que não é o espelho.

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Figura 11 - "Mãe Preta"- Laser Segall
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É a descoberta do significado no mundo das coisas vistas é um auto-enriquecimento em


que a percepção toma lugar em seu mundo emocional. Evidentemente, há variações entre os
bebês quanto a sua singularidade e fases intermediárias nesse esquema descrito. Há também os
casos patológicos em que o bebe examina, investiga o rosto da mãe e não “algo a ser olhado”. Em
distúrbios mais graves ele poderá crescer sentindo dificuldades em relação ao espelho no sentido
real e no sentido figurado, sua própria capacidade criativa começa a atrofiar-se e o episódio passa
a ser traumático por ser contrário ao processo de maturação.
Nesse contexto, vemos a importância do recíproco espelhamento mãe-bebê na formação
da identidade da criança. Através das sucessivas experiências do “bom” olhar materno é que se
estabelece na criança o quanto ela é um ente amado e está nascendo uma entidade. Nesse
processo identificatório, a passagem do estado de entidade para o de identidade começa a partir
da instação da confiança básica, que juntamente com uma constância da figura materna, cria-se
uma coesão interna, e conseqüentemente ocorre a dessimbiotização.
Desse modo, a patologia da identidade do indivíduo tem uma relação direta com a
patologia das identificações.
Nos casos de identificação adesiva (Bick,1968; Meltzer,1974; Anzieu,1987) o sujeito não
conseguiu introjetar uma função especular própria e vai prolongar para toda a vida uma forma de
espelhamento e imitação. A adesividade é uma maneira de recompor a ameaça de desintegração,
em um funcionamento que não é de projeção – introjeção, mas simbiótico.
Paulina Kernberg (1997), uma destacada psicanalista norte-americana desenvolveu uma
metodologia interessante sobre o papel e o uso do espelho como um instrumento de
desenvolvimento do sentido do self e de como a pessoa se sente a respeito de si mesma. Sua idéia
básica é a de que o espelho-objeto é um símbolo da relação que alguém tem com sua mãe. Em
seus estudos, ela descreve condutas diante do olhar-se no espelho, desde os dois meses de idade
até a etapa adulta, correlacionando as reações emocionais com o significado psicológico
correspondente.

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USO E ABUSO DA TV E COMPUTADOR

Da mão do mestre quando a sua preocupação clínica e teórica era fazer consciente
inconsciente, o nosso desafio atual com os infans, crianças e adolescentes privados da função
materna e paterna , seja transformar o sinistro preto do abismo da desesperança lá onde a vida
perde o sentido de ser nas patologias do vazio, numa luz esperançosa que possa construir o
sentido possível para uma vida humana. Para Lutenberg (1999), o vazio mental corresponde a
uma ausência da condição humana dentro da mente.
Não é a intenção aqui negar a revolução tecnológica, comparada à invenção da imprensa
neste novo século. Para a psicanálise a questão é sobre o USO que se faz da TV e/ou do
computador que pode estar enraizado em EROS ou disfarçadamente em THANATOS porque há uma
cumplicidade patológica, numa sociedade autista. É normal segundo critérios estatísticos.
Nas patologias do vazio sempre há uma “fome psíquica” de experiências reais, autênticas.
Quando há uma confusão entre a realidade virtual e a realidade ”real”, a experiência de assistir
TV. ou se debruçar sobre a realidade virtual, é de um maior e mais profundo vazio. Criatividade
mental e vazio mental são pares antitéticos. A tentativa de preencher com realidade virtual o
vazio existencial é trágica.
A gênese do vazio aninha a orfandade mental crônica: não se sentir querido de verdade
pelos pais, irmãos, avós, namorados, professores, cuidadores etc. A eterna “fome” pode criar uma
relação de tirania, de domínio e posse ante a atenção impessoal da maioria dos programas
televisivos regidos, quase exclusivamente pelo mercado quando os programas artísticos e
culturais são a exceção. Há uma recepção a- crítica de qualquer programa. Sobre estimulação
erótica, destrutividade, voyeurismo, banalização do sagrado, exibicionismo , consumismo, não
são alimento para a mente humana. Muito menos para um ser abrigado.
A construção da subjetividade exige viver a própria realidade psíquica e real. Substituir
esta realidade, pela virtual é cair na deteorização mental e potencializá-lo.
O pensamento nasce do sentimento. A ilusão surge do universo emocional e é o coração
da criatividade. O divorcio entre o sujeito e o coração emocional leva a incessante procura
errática do zapping num deambular sem meta para passar o tempo.
Os seres abrigados têm já perdido muito tempo no abismo infernal do desencontro
humano. Tem sobrevivido como exilados de campos de concentração a torturas psíquicas e
privações humanas. O tempo é ouro para a construção da subjetividade e para o trabalho mental.
Se a deteorização mental é como um câncer metafórico que carcome a vida, se trata e com
urgência de que o tempo não passe sem ser um marco para as experiências significativas plenas
de sentido.
A TV é uma falsa companhia porque mecânica, inanimada e “incondicional”. Ex : a Xuxa
não é uma mãe para os baixinhos telespectadores; não há uma relação humana singular, não há
frustração, nem amores, nem ódios. Há uma imitação de imagens superficiais que não leva a
identificação estruturante do aparelho psíquico, há uma amálgama fusionada com as figuras
oferecidas. Uma cascara é formada no EU de um ser vazio. Tudo é superficial sem profundidade e
transcendência. Cabe aqui questionar que modelo de feminilidade é a Xuxa para um ser abrigado
onde há uma carência de modelos humanos ?.

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Assistir um programa e ficar impregnado é radicalmente diferente a brincar de casinha


como mamãe/ filho; médico/ paciente; ladrão/ policia; na alternância de personagens que se
personificam com um Outro, com o argumento singular no espaço potencial entre realidade e
fantasia. O vazio de verdadeiras figuras protetoras com capacidade para conter, sustentar,
compreender e revelar o universo emocional, congela a existência humana.
Na droga, a promiscuidade, o roubo, a morte do inimigo, o suicídio se encontrará então
alucinadamente a onipotente solução mágica, falsamente protetora que “tudo resolve” quando se
está a beira do abismo. A televisão estimula o mundo da sensorialidade Ela pode ser usada como
objeto auto- sensual. A imagem e o som são refúgios perigosos na tentativa de forjar um self . As
adições tem a mesma estrutura. Não é o objeto-droga, parceiros sexuais, roupa, alimentação,
bebida- é a estrutura da subjetividade que revela o dano.
Os limites firmes e amorosos ensinam a diferença entre fantasia e realidade; o EU e o
OUTRO, o feminino e o masculino, EROS e THANATOS no processo de humanização. Os programas
televisivos escravos da pós-modernidade, da globalização e da era da imagem pregam o auge da
onipotência narcísica na auto-suficiência, que se opõe ao aprendizado pela experiência emocional
e a identificação.
A TV induz a regressões profundas, que convidam à imobilidade, e à passividade.
Enquanto se assiste TV o brincar, o pensamento, a exploração do mundo regido pelo pulsional, o
devaneio, a dramatização, a curiosidade pelo mundo, a representação gráfica, a linguagem, estão
inibidos. É na convivência humana que é possível lidar com a inveja, os ciúmes, a destrutividade;
o amor, a solidariedade, a tolerância.
O barulho incompreensível, o manto sonoro ensurdecedor de explosões, tiros,
desmoronamentos, risos está longe da interpretação materna na adquisição da linguagem e são
matéria prima da mão das imagens assustadoras da sobre-excitação que impossíveis de serem
elaboradas pelo psiquismo são evacuadas nas atuações motoras e os terrores noturnos.
A criança pequena precisa da constância, regularidade e continuidade do objeto para seu
registro. A imagem fugaz da TV é fonte de vivências confusionais, por tanto terroríficas.
O abrigo como uma sala de trabalho de parto, deveria poder parir, ao dizer de Sócrates,
graças ao bom “parteiro” as potencialidades humanas escondidas:
• Sonhos, ao invés de terrores e pesadelos.
• Projetos identificatórios inspirados em EROS , “quando eu for grande eu quero ser...” ao invés
das identificações destrutivas thanaticas permeadas pela morte e o trabalho do negativo
(Erikson 1966, Green, 1995)
• Trabalho mental ao invés de apatia , passividade, refúgios defensivos etc.
• Criatividade, ao invés da repetição compulsiva dos caminhos da morte que contornam o vazío.
• Vínculos e relações humanas ao invés da esteriotipia mecânica , os refúgios defensivos do
isolamento e das conchas (SHELL) autísticas.
• A capacidade de brincar, desenhar, dramatizar ao invés da apatia da morte psíquica, a atuação, a
transformação em alucinose.
• O pensamento ao invés da onipotência, a repetição, a arrogância, a inibição de funções mentais.
• Enfim, a criação da subjetividade para alcançar e sustentar o EU SOU.

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PROJETO MINHA HISTÓRIA DE VIDA


Documentário social é algo que pode ter uma força tal que, a partir dele, o mundo, tudo aquilo que
deixávamos de lado com indiferença, passa a se oferecer a todos nós muito além das aparências. (...) Vai extrair de
uma pessoa comum, ao acaso, sua beleza interior ou sua caricatura, vai revelar a ação escondida de um gesto.
(Jean Vigo in A proposta de Nice, 1931)

O trabalho videográfico junto ao trabalho de fotografia é essencial para a documentação


da vida das crianças do Centro Corsini. O trabalho vídeográfico pretende, bem como o trabalho
fotográfico, documentar o cotidiano de cada criança do centro. Além de captar imagens de
arquivo que consolidam a história social de cada criança, como brincadeiras com os colegas,
datas comemorativas, eventos sociais que reúnem todas as crianças, a proposta se amplia no
caráter qualitativo, no sentido de se criar, com as possibilidades da linguagem do audiovisual, um
pequeno documentário de cada criança-membro da instituição mostrando sua relação com o
meio, com o seu próprio eu, suas ambições, seus medos, suas esperanças e suas dores.
O resgate do passado e da realidade imaginária que pode evoluir na construção do
símbolo em cada criança feito pela fotografia conclui o caráter cinematográfico da
documentação.
O projeto consiste na utilização dos meios fotografia e cinema para a criação de um
álbum, onde cada criança terá contada e recontada a sua história de vida. A criança será
documentada, assim como sua origem, através de fotos dos pais destas e de quaisquer outras
pessoas, lugares e experiências significativas que possam representar sua história pessoal. Este
projeto esta intimamente ligado ao serviço de psicoterapia psicanalítica.
As fotos e os filmes servirão de ferramentas para que a criança possa re-contar sua
própria história e se identificar em relação ao mundo que a cerca. Para isso, acreditamos que a
imagem pode permitir a criança a criação destes laços afetivos com sua vida e com as
experiências e pessoas que fazem parte dela. Essa experiência oferecerá à criança algo além das
imagens produzidas, ela encontrará um interlocutor para compartilhar a experiência estética
evocada pelo material artístico.
A psicanálise é a ciência da origem. Tanto o auto retrato quanto a auto biografia foram
estilos estéticos consagrados do renascimento.
Para Freud (1911) o paciente mental é um doente de história, sofria de reminiscências. Só
que esta história é inconsciente, só se fazendo consciente na paciente histérica do inicio de século
através da sintomatologia. A força pulsional cria verdadeiras peças de teatro inscritas no
inconsciente numa linguagem especial. Os atores se expressam pela paralisia. A psicanálise da
voz a estes personagens petrificados no silêncio do indizível.

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A foto e o vídeo em si são só a oportunidade para o inicio de um processo de historização


quando um Outro possa dar sentido afetivo a construção da própria história. “Era uma vez”,
“quando eu nasci..” permite que o sujeito possa se situar afetivamente num lugar e um tempo
permeados de sentidos onde o infantil pulsa. Muito além da ordem cronológica há uma origem
mítica. O passado pulsa no presente e o futuro se pré- anuncia em projetos e sonhos. A
compulsão a repetição de Freud revela a força desse passado e a sua rebeldia para as mudanças.
As histórias re- escutadas e revistas atendem a um apelo da ontogênese da alma humana onde
sincronia e diacronia se coagulam tal a concepção freudiana das séries complementarias e da
sexualidade humana. A construção da própria história é estruturante do ser. A re-significação é
trabalho psicanalítico. É a conquista da tetra dimensionalidade psíquica, a densidade existencial,
que permite ao ser humano saber de sua morte, paradoxo que ilumina o sentido da vida.
O anonimato, a falta de registro, o branco, o impensável, constitutivos do inconsciente
estrutural, sepultam a experiência humana permeada de afetos e marcas “congeladas” que
irradiam o frio que paralisa, barra caminhos, empobrece e des vitaliza a vida mental.
A revelação artística da verdade através da imagem e do vídeo pode possibilitar que o
sujeito perceba que a sua alma foi vista e compreendida por um Outro quando esse álbum e esse
filme compartilhado possa ser tema de diálogos y narrativas.
Quando o horror não é abordado, a sua força arrasadora se potencializa. Trabalhar com o
horror, o sinistro, é a única possibilidade verdadeira de transformação e mudança. Não falar de
uma mãe morta, não retira o cadáver da alma infantil. Os segredos, mentiras e silêncios
potencializam a força demoníaca do morto que arrasta, nos lutos melancólicos, não elaborados,
a vida do filho.
“Ela ( mãe da criança falecida por ser portadora de HIV) queria tampar o horror maldito, só
que foi muito pior. Na vida a gente tem que enfrentar”.4

4
Pai de uma criança do UAI em entrevista psicanalítica.
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O LUGAR DAS HISTÓRIAS INFANTIS/ DO BRINCAR / DA REPRESENTAÇÃO DA


CRIATIVIDADE

Para Winnicott (1971), o crescimento humano possui relação direta com a provisão
ambiental, e é pela importância vital dada a ela que abordar o sentido de um abrigo psíquico para
a vida mental supõe que tomemos para os infans, as crianças e os adolescentes a perspectiva
inequívoca de um viver criativo.
Já em Freud (1911) é a arte que reconcilia o homem ao princípio de prazer, meio pelo
qual ele concede à sua vida anímica liberdade através da fantasia, sendo capaz contudo de
retornar à realidade, oferecendo aos outros homens novos tipos de verdades apreciadas e
valorizadas como obras que revelam os anseios mais profundos de sua própria natureza.
O trabalho cultural da humanidade é assim concebido como produto das transformações
da sua vida pulsional, onde forças de extraordinária grandeza deslocam a sua meta sexual para
outras metas, permitindo então que se realize a capacidade de sublimação, como uma forma bem
sucedida de renúncia a um objetivo instintual originário (Freud 1908).
Fora Freud ainda que ao observar a motivação que têm as crianças para o brincar,
encontra nessa atividade o mesmo sentido de realização cultural, que abarca a renúncia à
satisfação instintual, a capacidade de transformação de uma experiência psíquica em jogo e pelo
jogo, e a passagem da situação de passividade ao papel ativo. Segundo ele (1920), elas repetiriam
ao brincar todo o vivido que causa-lhes forte impressão, para tornarem-se assim menos
impactadas pela experiência, construindo através da brincadeira a possibilidade de que
significados sejam gerados.
Este ponto articula-se intimamente com a posição depressiva descrita por Klein (1935),
para quem o processo de formação simbólica está relacionado à mesma dinâmica. Nesta posição
o ego do bebê torna-se mais integrado, diminuindo os processos de projeção e permitindo-lhe a
percepção de sua realidade psíquica, que contém a ambivalência de seus próprios instintos.
Concomitante a isso o aumento de sua percepção da realidade externa e da mãe como objeto total
ambivalentemente amado dá origem a sentimentos de culpa e de auto-reprovação, trazendo-lhe
temores de que tenham sido causados danos a esse objeto, provocados por suas fantasias . O
sentimento de luto é experimentado pela criança, assim como os impulsos reparadores podem
agora ser desenvolvidos para restauração do objeto interna e externamente, o que consistiria nas
bases da criatividade e da sublimação.
Assim, os jogos infantis emergem como resultado dos progressos da diferenciação objetal,
convertendo-se em procedimentos simbólicos, para que a mente possa transformar as relações
penosas com as imagens introjetadas. O ego da criança é impelido a projetar, desviar, e distribuir
desejos e emoções, como condições prévias ao desenvolvimento exitoso das sublimações.
Dentro dessa compreensão, também Segal (1981) enfatiza a capacidade de lidar com a posição
depressiva como pré-condição tanto da maturidade genital como da artística, dando valor
preponderante à sublimação e aos aspectos reparadores na gênese da criatividade humana.

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A caminho dessa diferenciação objetal, Winnicott (1951) observa contudo, a existência de


objetos e fenômenos transicionais, que guardam uma importância essencial na evolução das
relações de objeto , marcando uma etapa organizadora entre a necessidade que a criança tem
deste objeto e a sua fantasia alucinatória. Ele dá um lugar à criatividade, que a separa da idéia de
criações de obras de arte, mas situa-a intimamente ligada às diferentes abordagens do indivíduo à
realidade externa. Para além do processo de criação de uma obra de arte, toda inclinação saudável
para o ato de viver suporia criatividade. E essa experiência se localizaria no espaço potencial
existente ente o indivíduo e o meio ambiente, lugar de origem do brincar imaginativo, e da
experiência cultural.
Num período de dependência máxima, esse espaço apenas se daria com base num
sentimento de confiança do infans na figura do cuidador capaz de configurar fidedignidade aos
elementos ambientais.
Pelo contacto com o mundo subjetivo e pela adaptação não submissa à realidade externa,
a abordagem criativa dos fatos pode vir a resultar numa experiência onde a vida seja digna de ser
vivida.
A provisão ambiental, que passa pelas qualidades mentais daquele que se constitui como
objeto de vínculo, proporciona ao infans uma vivência de confiabilidade, levando-o a crer que
todo objeto da realidade fora por ele descoberto, e então sua experiência de ser constituir-se-á
num exemplo do viver criativo, e o seu brincar constituir-se-á na descoberta do self.
Quando essa experiência de confiabilidade não se realiza, as áreas do brincar ou da
experiência cultural podem perecer, fracassando também a possibilidade de que vínculos com
herança cultural se constituam, ou ainda que a contribuição do indivíduo para o patrimônio de
uma cultura se efetive.
O empobrecimento das experiências no campo cultural evidencia o lamentável fenômeno
da criança privada, onde o brincar não é possível, e a perda desse viver criativo deixa-nos
conhecer estados mentais de indivíduos para quem a vida não parece ser real ou significativa.
Importa-nos nesse contexto não apenas que uma criança brinque, mas sobretudo observar
com que qualidade uma criança vem a brincar, pois isso nos dá indicadores de sua estruturação
psíquica, da natureza de suas ansiedades, de suas defesas psicopatológicas, da configuração do
outro no seu mundo interno. Nesse campo mora a possibilidade de detecção precoce de suas
inibições, de sua capacidade de ir dando representabilidade ao proto mental, figurabilidade às
experiências de amor e ódio, expressão às angústias diversas que resultem num brincar
compulsivo ou repetitivo, ou que se esgote na exploração e gratificação sensorial, diferente de
um brincar elaborativo, como caminho da simbolização enquanto portal da pensabilidade e da
humanização (Bion-1962).
O verdadeiro jogo, no dizer de Liberman (1981), distingue-se de configurações de
conduta que parecem um jogo, mas não o são. Modalidades distintas do brincar infantil podem
indicar-nos diferentes graus e qualidades de sofrimento psíquico, observadas pela atuação, pela
transformação em alucinose, pela ação dramática, pelo jogo estereotipado, pela evitação do jogo
ou pelo estilo festivo, segundo a classificação deste autor, que aproxima-se da psicopatologia
infantil, tomando também o brincar como uma organização específica da comunicação própria
da criança.

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A se percorrer o caminho para o verdadeiro jogo e a capacidade de brincar, há que se


considerar, conforme sistematização de Jan Abram (1996), sobre o pensamento de Winnicott:

a) Que o bebê e objeto estão fundidos um ao outro. O bebê o concebe


subjetivamente, e aquela que faz a função de mãe empenha-se em tornar
real aquilo que o bebê está prestes a descobrir.
b) Que o bebê experimenta a onipotência, enquanto vai concebendo objetivamente
o objeto, de forma gradual, numa relação de confiabilidade.
c) Que só então funda-se a capacidade de estar só, dentro do paradoxo de se estar
só na presença do outro.
d) Que é possível enfim abrir-se o caminho para um “brincar com”.

As histórias, os brinquedos e as brincadeiras infantis permeiam uma terceira área que nem
é a da realidade psíquica interna ou a do mundo real em que vive a criança, mas uma área da
experiência no espaço potencial entre a criança e o meio ambiente, aquele espaço que é a um só
tempo o da separação e o da união entre dois seres, ligados numa experiência geradora de um
sentido para a existência. ( Winnicott-1971).
Assim contextualizadas, as histórias infantis ganham importância não pela função
pedagógica que exercem ou pelo caráter moralizante que possuem, mas porque oferecem, no
campo potencial, oportunidades de irem conferindo representabilidade à realidade emocional da
criança, nomeando, explicitando, ordenando e atribuindo sentidos às suas experiências.
Klein nos demonstra o quanto é essencial permitir à criança dar vazão à sua agressividade,
e reitera que por meio de brincadeiras e brinquedos ela pode vir a expressar a ampla variedade de
suas fantasias de destrutividade e culpa, assim como seus temores de retaliação, sentimentos de
frustração, rejeição, ciúmes, inveja e suas necessidades de reparação, numa linguagem própria do
jogo infantil (Klein-1953/55).
É pelo deslocamento que a criança opera dos impulsos sádicos, originalmente dirigidos ao
corpo da mãe, que para Klein (1930) a capacidade de brincar inaugura por assim dizer a
capacidade de formação de símbolos, processo pelo qual as ansiedades sofrem transformação,
conferindo ao seu mundo mental a experiência de alívio e prazer, permitindo ainda que o mundo
externo seja dotado de interesse.
No entanto, carrinhos, bonecas, bem como papéis e tintas não representam apenas coisas
que interessam as crianças por si mesmas. No seu brincar eles se investem de significados
simbólicos sagrados, gerados pelas suas fantasias, desejos e experiências como um modo arcaico
de expressão, familiar à linguagem dos sonhos, e que assim como nos sonhos tornam-se aptos a
irem sendo representados, ganhando sobretudo figurabilidade por imagens visuais (Freud 1900).

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POR QUE OS CLÁSSICOS CONTOS DE FADA?

Inseridas numa relação da criança com alguém cuja disponibilidade mental caracterize-o
como uma presença viva, as histórias podem se constituir num convite ao sonho, onde
paradoxalmente ao se tomar distância da concretude dos fatos e da força devastadora das
impressões sensoriais e das experiências emocionais (elementos beta), a criança encontra pela
continência do outro que a ela se dirige (Bion,1962), dotado de uma capacidade compreensiva,
uma aproximação de si mesma, transcendendo pela simbolização sua própria natureza anímica.
Os clássicos contos de fada, transmitidos através de diversas gerações, revelam na sua
perenidade um sábio repertório sobre as verdades da condição humana. Eles são verdadeiras
realizações culturais repetidas com o peso da tradição oral e escrita que os revitaliza a cada nova
geração. A criança encontra neles alívio ante a possibilidade de dar figurabilidade, forma e
narrativa a seus conflitos mais profundos. As personagens das histórias se oferecem à criança
para com elas se identificar na célebre clivagem humana entre idealizadas princesas e bruxas
malvadas, o bem e o mal, o seio bom e o seio ruim, Eros e Thanatos. Um longo caminho precisa
ser percorrido até que o infans ou a criança aprenda a ser continente de suas próprias angústias e
ansiedades, e possa reconhecer que todo ser humano alberga o divino e miserável dentro de si.
Um fator básico, para Klein (1929), da tendência de personificação no jogo infantil é a
ocorrência dos mecanismos de identificação projetiva e introjetiva, através dos quais o conflito
intrapsíquico se expressa, e a criança busca encontrar alívio da pressão super-egóica pela
projeção de imagens extremamente bondosas ou cruéis, que se não fossem exteriorizadas
provocariam perseguição interna, ansiedade e sintomatologia. As histórias infantis personificam
dentro dessa mesma compreensão os prazeres pulsionais do ser humano, por vezes representados
nas figuras de animais, assim como suas próprias crises de desenvolvimento são simbolizadas nas
figuras de heróis com natureza humanizada, fadas bondosas ou bruxas perseguidoras
(Bettelheim-1980).
As recorrentes polarizações entre o bem e o mal expressam uma posição de cisão, que
permite num dado momento do desenvolvimento do self infantil, que os efeitos inibitórios dos
sentimentos de culpa se dissipem, aliviando as pressões do super-ego primitivo, permitindo que
as raivas sejam vivenciadas sem culpa, o que abre caminho para uma possibilidade maior de
integração do mundo mental. Pelos mesmos mecanismos de cisão e projeção, a existência nesses
contos de alguém que personifique a mãe boa idealizada que surge nas horas de dificuldade, pode
circunstancialmente ser o meio capaz de tornar para a criança a dor psíquica suportável, mesmo
nos momentos mais difíceis.
Muitas metáforas de morte falam às crianças da possibilidade de desapegos de velhos
modos de funcionamento psíquico e da possibilidade de se renascer em planos mais elevados da
existência: superação das fugas narcísicas, descoberta da alteridade.
A provisão ambiental suficientemente boa fornece enfim sustentação e compreensão às
indagações cruciais do ser humano, cujos contos de fadas podem instrumentalizar a tarefa
singular de cada um, em buscar sentidos que respondam às indagações:

Quem sou eu?


Como é possível lidar com as adversidades da vida?

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Sob a forma de aventuras os heróis são impelidos a desenvolverem recursos para


superarem seus impasses como o narcisismo mortífero revelado pelo célebre conto da Branca de
Neve e a Madrasta, na cena em que ambas se encontram no espelho. Nesse lugar onde o outro é
sentido como aquele que tem tudo o que se deseja, e a sobrevida de um depende da morte ou do
exílio de outro, perdura uma mesma (outra) guerra observada entre palestinos e judeus, uma
mesma (outra) divisão observada entre as crianças portadoras de HIV e as não portadoras,
trazendo-nos a baila questões da universalidade humana que advertem sobre as conseqüências
funestas do narcisismo:

Quem morre e por que?


Quem é adotado e sai do Abrigo?
Quem não é o “escolhido”?
Quem precisa “morrer” para que um outro possa vir a viver?

As profundas ansiedades paranóides e depressivas, bem como as agonias primitivas dos


primórdios da constituição do self encontram figurabilidade nos enredos que contém também
sempre a perspectiva de uma ajuda possível para um final feliz, num propósito aparente de
esperança, promovendo por vezes efeitos que levam a construção de um sentido, através do qual
as atribulações são vividas sem que se perca a auto-confiança, condições para que os obstáculos
sejam pensados, e saia-se das lutas de forma vitoriosa, rompendo-se as prisões do
desenvolvimento pré- edípico, da desintegração, da sensorialidade rumo à expansão da própria
humanidade.
Entre os ferozes animais das tendências impulsivas e das mais primitivas e devastadoras
ansiedades, ou no mais sombrio abismo da densa mata existencial, o recurso útil desses contos
consiste na sua potencialidade de narrar, e a do narrador de encarnar o quanto é possível gerar
coragem e força de luta, para não se desanimar frente à tarefa da descoberta concomitante de si
mesmo e do mundo.
Observamos que os casamentos e reinados felizes que comumente finalizam os enredos
possam inspirar, ao invés da negação da dor mental, a sua transcendência, pela via da busca do
reinado de cada um sobre si mesmo, no sentido do auto-governo e do predomínio do princípio de
realidade sobre as tendências do princípio de prazer, transformando enfim o desespero em fé no
encontro humano.

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A QUESTÃO DA VERDADE
A questão da verdade sobre a origem da vida

De quem nasci? É diferente da pergunta sobre a origem das crianças, como a célebre
teoria sexual infantil apontada por Freud (1908-09). A sexualidade presente na origem de toda
vida e a morte são as eternas questões humanas. No bebê dado para adoção, ambas se
entrecruzam de forma peculiar. Um bebê, na origem de sua vida, é engendrado em uma singular
relação sexual em que Eros é arrastado e sufocado por Thanatos na auto-conservação da vida.
Esta relação entre Eros e Thanatos é um fator nada desprezível nas patologias traumáticas, pois o
apego ao trauma é um modo de extrema fixação introdutora do caos, oposta à ordem inerente a
Eros (Maldavsky, 1995). Esta relação biológica e psíquica com o bebê é clivada. A pulsão de
morte se faz mais ou menos presente quando se abandona ou se rechaça o filho não reconhecido
como uma obra criadora, transcendente e estética, como mostra Meltzer (1995). Aqui a questão
crucial é a fratura, quase impensável e irrepresentável, da relação primordial com os pais
biológicos, no primeiro triângulo edípico que dá origem à vida, que se entrecruza com a possível
“orfandade psíquica” (Lisondo, 1984) com os pais adotivos.
O filho adotivo pode estabelecer um vínculo narcisista com uma história anacrônica
anterior ao seu nascimento. O não reconhecimento dos pais adotivos como pais pode ser uma
forma de resistir narcisicamente à situação edípica (Zusman, 1996). A mentira pode ser o
mecanismo defensivo que exclui da integração evolutiva uma dolorosa área da origem de uma
vida.
O enfrentamento, a oposição e o ódio são necessários para o desenvolvimento psíquico e é
preciso diferenciá-los do ressentimento e da violência que figuram em Thanatos. O adolescente
adotado pode viver a re-significação edípica, tendo a sexualidade como alvo, com atroz
ressentimento fixado no primeiro triângulo que origina sua vida. O círculo do deterioro mental
demoníaco pode potencializar-se quando os pais adotivos são pais mortos, no dizer de Green
(1980), que repetem a tragédia original. Ante a ferida narcísica, Pólibo e Mérope, pais adotivos
de Édipo, evitam, afastam-se e isolam-se da questão da adoção. Ao não haverem elaborado o
gesto da adoção e ao não poderem enfrentar a dor mental, perdem o filho. Ao esconderem a
verdade, fonte permanente de dor, eles abandonam o filho à sentença oracular. Os buracos do
corpo do mítico “herói grego” - marca metafórica da ferida narcísica no ser - perpetuam-se
(Lisondo, 1992).
A verdade só é alimento para a mente humana se é uma verdade amorosa, dosada e
oportuna, que possa ser tolerada para permitir o desenvolvimento mental. A verdade sem amor é
crueldade (Bion, apud Rezende, 1996). Quando Édipo sabe a verdade de sua história, atua e
repete a diabólica tragédia de sua origem. Faltou ao criado a sabedoria, o timing, a arte para
transformar o impensável, o inominável, a sinistra sentença oracular numa triste melodia
significativa, capaz de tocar na ferida da alma, ser suportada e levar ao insight. O criado alimenta
o vínculo -K. A arrogância, a curiosidade voraz e invejosa e a estupidez (Bion, 1967) incendeiam
o ódio de uma relação parasitária mutuamente despojadora e destrutiva (Sapienza & Junqueira
Filho, 1996).

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A verdade capaz de alimentar a mente é a verdade humana, aquela que pode ser tolerada e
que pode ampliar a rede de significação de uma história, quando a frustração e a dor do
conhecimento em torno da origem podem ser suportadas. O sujeito alcança a consciência da
experiência emocional. Para Bion e Kant, a realidade última é desconhecida e incognoscível. A
dúvida precisa ser tolerada tanto quanto o sentido de infinito. A criança busca, curiosa, o saber,
através do instinto epistemofílico, quando as fantasias destrutivas em torno do corpo materno não
inibem o aprendizado, segundo Klein. O vínculo K, para Bion, representa um vínculo ativo numa
experiência emocional. Conhecer a verdade sobre si mesmo - a realidade psíquica - é uma função
psicanalítica da personalidade. Adquirir um conhecimento, resultado do trabalho de elaboração e
das transformações da dor, é diferente da possessão arrogante do conhecimento como baluarte
para evitar a dor.
A denegação, a evacuação mediante identificação projetiva não realista e a cisão, que
pretendem eliminar a penosa origem da adoção, implicam empobrecimento e perda da
contribuição vital que a configuração mental desta origem, sede dos arcaísmos, pode fazer à
personalidade total.

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QUADRO COMPARATIVO DAS DIFERENÇAS ENTRE A FAMÍLIA “SUFICIENTE-


MENTE BOA” E O INFANS NUM ABRIGO .
Fig. 12 e Fig. 13
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Família “suficientemente boa” Abrigo
Há uma fronteira entre a vida pré-natal e a pós-natal e/ou
Há uma continuidade entre a vida pré-natal e pós-natal.
a vida pré-natal, a primeira infância e o abrigo.
O infans sofre traumas cumulativos. Além do necessário
Os infans sofrem o trauma do nascimento, protótipo da
trauma do nascimento a morte real ou simbólica dos pais
situação de angústia.
biológicos. A privação da função materna e paterna, a
Freud (1926)
rejeição, a mudança permanente de cuidadores...
Os pais biológicos “adotam” os filhos num nascimentoOs pais biológicos rejeitam e/ou estão impossibilitados de
metafórico. exercer a função materna e paterna.
Os pais biológicos não podem nomear a um corpo
Os pais biológicos nomeiam um Ser conhecido.
conhecido/desconhecido.
O infans é exilado da origem e da árvore geneológica
O infans ocupa um lugar numa história transgeracional. presente na ordem real e carnal (de um corpo que
denuncia a filiação – Ex: HIV).
Na origem da vida do infans “EROS” abre o portal daNa origem da vida do infans “THANATOS” – a
Transcendência. destrutividade da vida- abre o portal do horror.
O desamparo da condição humana é potencializado ante a
Ante o desamparo desestruturante da condição humana, aprivação da função materna e paterna.
função materna dosa os estímulos para que possam seremO ser do infans é despedaçado ante o acúmulo de
suportados pelo frágil e vulnerável infans. estímulos sem uma referência psíquica. Ex:
procedimentos médicos.
Não é possível criar a necessária simbiose porque a
Na simbiose necessária inicial a função materna é “uma
função materna não é exercida continuamente pelo mesmo
mente para dois” num útero mental (Mc Dougall, 1987)
cuidador.
O aparecimento e desaparecimento do cuidador obedece
O ritmo e a alternância entre a presença e a ausência da
ao regime das condições de trabalho com turnos,
função materna e o infans está regido por um misterioso
alternância de períodos e folgas, e não as condições
vínculo de amor, ódio necessário e conhecimento.
psíquicas do infans.
O handling, os cuidados materiais do corpo é o objetivo
O handling, os cuidados materiais do corpo são
que se separa do sentido. Falta o cuidado como expressão
acompanhados do holding ,SENTIDO.
do amor pelo valor da vida do infans.
Os pais interpretam o filho como aparição sinistra,
Os pais investem o infans na vida intra-uterina, e namaldição do cruel destino, castigo divino, frutos do
história da história dos pais com um projetopecado, culpa ancestral a pagar, etc. O filho encara o
identificatório, onde o filho é sonhado, nomeado,estigma do negativo, o desinvestimento, a marca preta da
interpretado numa mítica cultura familiar. tragédia. Nesta constelação psíquica, o HIV é o
significante do horror.
O infans é visto, interpretado, cuidado como um ser
O infans é visto, interpretado, cuidado como SER. “A
doente, coitado, abandonado, rejeitado. A desqualificação
majestade o bebê” é o lugar de privilégio do infans que
do ser é potencializada. Ser portador de HIV é sua carteira
evoca o infantil dos pais.
de identidade.
Há na origem, uma relação amorosa, entre os pais,
Há na origem, um “acidente do destino”, uma relação
suficientemente boa (nunca perfeita). O filho é obra de
perversa, uma resignação. O filho denuncia quando
arte transcendente dessa relação criativa que garante a
contaminado de HIV o sinistro mundo psíquico dos pais.
continuidade da vida.
O infans vivencia a vertigem da queda abisal a angústia de
A função materna e paterna criam a segurança básica da
precipitação (Houzel), a angústia catastrófica (Meltzer,), o
continuidade da existência.
terror sem nome (Bion) a cada fronteira dos vínculos.

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Figura 12 - Stefano Borsi Masaccio
Figura 13 - "O Caminho do Deterioro Mental" - Diagrama de Alicia Beatriz Dorado de Lisondo
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Família “suficientemente boa” Abrigo
A função “materna” é exercida, quando existe, por vários
A constância do Objeto à função materna exercida pela
cuidadores. Necessariamente cada um é diferente do
mãe permite a experiência de consensualidade, e o
outro. O infans perde as referências, em cada despedida há
reconhecimento do Objeto e de si mesmo.
uma vivência de não integração, de desintegração.
O pai real e simbólico é o Outro da mãe. O pai podeO pai real pode ser desconhecido, desaparecido, não
separar a necessária simbiose no início da vida quando areconhecido, rejeitado. A função paterna não é exercida a
mãe sabe que não é tudo e aceita a complementaridade dopartir do “lugar masculino”. O infans abandonado pode
Outro ao reconhecer sua identidade. ser prótese, fetiche, duplo de personalidades perturbadas.
O infans não é compreendido. O desespero se transforma
em desistência quando reiteradamente não encontra o
O infans é compreendido – O desespero é transformado
coração, o desejo, a mente da função materna e paterna.
em esperança de acolhimento quando encontra o coração
Deixar de chorar, a “passividade” não é o poder de estar
e a mente, o desejo na função materna e/ou paterna.
sozinho, é a retirada do mundo humano. O início das mais
sérias patologias. A paz do sepulcro mental.
A função materna exercida por vários cuidadores só pode
conseguir fazer integração precárias - não há um
A função materna integra. Há um aprendizado na e da
aprendizado pela experiência emocional. Aqui faz o
experiência emocional “uma colherada para a mamãe e
enraizamento dos problemas no aprendizado. A função
uma para o papai” – a função materna é um seio pensante.
materna é um seio material que não exerce a função do
modelo pensante.
O infans ocupa o “não lugar” da loucura. A origem
biológica deixa marcas no Inconsciente. O sinistro na
O infans ocupa um lugar na triangulação edípica ▲ que
triangulação edípica. Outro Triângulo se forma com os
garante a criação da perspectiva, o esforço mental para o
pais adotantes. O valor da vida do infans, o lugar psíquico
ser um Eu intérprete.
desqualificado é conseqüência da desvalorizaçãooo da
vida nos vínculos primários.
O infans pode se proteger ante a dor de não encontrar o
objeto disponível na auto-suficiência e sobre a adaptação
O infans pode vivenciar a dependência de um Outro.
para sobreviver. “Ser grande antes da hora” e “ser pai dos
pais”
A criança encontra a revelação ante a necessáriaA criança não encontra o sentido possível ante o
curiosidade sobre a sua origem. As perguntas sobre aimpensável, indizível do horror de sua origem.
sexualidade encontram os mitos familiares, albúns dePor que nasci?
fotos, filmes e história evocados e rememorados. Por que eu com HIV?
O infans desenvolve funções mentais na companhia vivaO infans inibe e sepulta funções mentais potenciais
do Outro, o diálogo, o brincar, as histórias, dramatizações,quando não encontra o Outro disponível para a criação de
personificações que permitem o desplegne da pulsãouma relação subjetiva. O outro pode ter uma companhia
epistemofílica. transitória, passageira, fugaz.
O infans inicia a criação de um aparelho mental obra do infans não cria um aparelho mental ou ele é frágil,
O
Outro. O EU é responsável de caras funções mentais: variável, sem espaço para as representações.
1.Percepção O Eu frágil não pode desenvolver as caras funções
mentais fundamentais para o aprendizado. A criança e o
2.Atenção adolescente não aprendem pela impossibilidade estrutural;
3.Julgamento Não há aparelho para pensar;
4.Atribuição Não aprender pode ser um sintoma psíquico que esconde
5.Discriminação verdades a serem recalcadas.
Não aprender pode ser obra de Thanatos, trabalho do
6.Memória negativo, do desligamento.
O infans e a criança ao invés da ausência, vivenciam a
Na alternância significativa da presença e da ausência, a
falta à privação do Objeto. Não há esperança de
criança constrói o símbolo. O jogo de esconde -esconde
reencontro, porque faltou a experiência continuada do
“O Fort-da”, anuncia esta conquista. O símbolo permite a
encontro. A criança não pode criar o símbolo, ela vive na
criação do objeto na ausência , no sentido de sobreviver.
concretude de um mundo sígnico.Zusman (1994).
O infans ante a experiência de frustração – não seioO infans além da frustração vive inevitáveis experiências
disponível pode criar a experiência alucinatória dede privação. Há uma “fome mental”. Ao invés de trabalho
gratificação, isto é, trabalho mental. mental, o infans evita a dor psíquica em refúgios
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59

5
Família “suficientemente boa” Abrigo
A “chupeta” pode alucinadamente ocupar o lugar do seiodefensivos como o isolamento.
até que a realidade da fome se impõe. O infans alucina negativamente, quando a mamadeira é
oferecida. É como se não existisse o que existe.
NEGATIVISMO/ANOREXIA.
O infans, criança e adolescente têm modelos de
Os pais são modelos de identificação:
identificação transitórios, descontínuos, “não
•cumprem a função anaclítica suficiente/bons”.
•O progenitor do mesmo sexo do infans é o rival na•O cuidador não pode cumprir a função anaclítica que
disputa do Objeto de amor até que na adolescência exige uma presença contínua.
num outro nascimento metafórico o jovem percorre o
•O infans, criança não vive a experiência de uma relação
caminho para encontrar seu próprio AMOR
amorosa entre um homem e uma mulher.
A sexualidade genital no adolescente não implica
profunda penetração afetiva coração a coração.
O adolescente pode usar de si e do outro como uma “coisa
em si mesma” num mundo superficial, sensual onde só
importa o próprio carnal do prazer em manipulações
mecânicas de uso.
A experiência emocional é transformada, banalizada,
vulgarizada em FATOS CONCRETOS, SENSUAIS. NA
PERVERSÃO A DESTRUTIVIDADE DO OUTRO É A
META.
O infans, a criança e o adolescente, pela carência de
relações afetivas significativas não integra o sentido, a
significação às vivências que ficam despojadas de
As impressões sensoriais são transformadas em emoções,
vitalidade psíquica.
afetos quando nomeadas em SENTIMENTOS. O sentido
Quando recebem uma doação, nem sempre há um vínculo
significativo é construído numa história de relações
com o doador que é um “fornecedor anônimo, sem rosto”.
afetivas. Por que te amo, te cuido.
A alegria do encontro, de se sentir amado e da gratidão
não se realizam, fica a gratidão momentânea e/ou as
manifestações de coisas, e não de gestos humanos.
A alteridade, o respeito pelo Outro, a reciprocidade se
É importante destinguir a “colagem adesiva” da relação
“mamam” no dia a dia. Ex: O controle da moral
afetiva. Estar grudado num outro não implica a
esfincteriona implica em adquirir os hábitos de higiene
diferenciação entre eu e não eu, muito menos uma relação
por AMOR a papai e mamãe e renunciar dos prazeres
de alteridade.
próprios.
Ante a desintegração do núcleo familiar, importa que um
SER humano possa vir a ser capaz de estruturar a
subjetividade para se relacionar. Antes de conservar os
vínculos fraternos é importante criar vínculos.
A exigência de adoção simultânea de irmãos inibe, limita
Na família se aprende com os irmãos a lidar com as
e dificulta à adoção. Um casal precisa de um profundo
profundas emoções que encara o rival, a inveja, o ciúmes.
trabalho de elaboração mental para criar uma fertilidade
A disputa é pelo Objeto de AMOR primários- os pais.
psíquica, para criar um filho adotado.
A adoção múltipla potencializa os obstáculos para a
criação da filiação simbólica. A criança adotada é um
SER já traumatizado.
Não é possível AMAR por decreto.

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PROPOSTAS CONCRETAS

1)Um diálogo interdisciplinar com todas as ciências implicadas nas atividades do abrigo do
Centro Corsini.
2)Inclusão da psicanálise no diálogo com as políticas de assistência social, porque consideramos
que a saúde mental ou a deterioração mental estão decisivamente em jogo no infans, na
criança e no adolescente abrigado.
3)O uso da televisão em diferentes constelações mentais:
4)Tal como fundamentam vários autores ( Soifer 1981, Vasconcelos 90, Reich, Toffer e Toszac,
1981 apud Soifer,1981) sustentamos que:
a) O infans não deveria assistir televisão.
b) Na primeira infância deve-se limitar o uso da televisão a 30 minutos por dia.
c)Na latência deve-se assistir três ou quatro vezes por semana por não mais de uma hora.
d) Aos adolescentes deve-se limitar o uso da TV a uma hora por dia ou no máximo duas
horas quando se assiste a filmes previamente escolhidos.
e) Muitas atividades podem substituir o tempo antes gasto com a televisão. Sugere-se além
das atividades desenvolvidas no núcleo as atividades sugeridas neste projeto no ítem “Histórias
infantis”.
5)Seria conveniente que os berços pudessem ter grades que possam ficar baixas, para que a
criança possa ter a visibilidade de todo o ambiente.
6)É importante que o cuidador converse, olhe no olho da criança, cante, e acaricie o seu corpo.
7)O infans que chora suplica por compreensão. É importante que o bebê seja acolhido, segurado
com firmeza, sustentado com o calor do corpo do cuidador, que um manto sonoro embrulhe o
bebê em melodioso canto para transformar o terror sem nome em esperança de acolhimento.
Não receber a sensibilidade do bebê é matá-lo psiquicamente.
8)É importante que os pais biológicos e os familiares possam visitar os filhos, sendo
acompanhados, mesmo quando destituídos do Pátrio Poder. É importante assinalar que esta
destituição é temporária, porque o ser humano não precisa ser eternamente condenado a esta
destituição. Quando a criança encontra novamente os pais biológicos necessariamente são
estranhos.
9)Filmar e fotografar cada criança para registrar através do álbum e do vídeo uma história
afetiva. A imagem, acompanhada das narrativas pode construir o sentido nutriente da mente
humana.
10)Colocar uma câmara para vídeo durante 4Hs alternadas entre os diferentes períodos do dia
para acompanhar e observar a vida do infans na Instituição.
11)É importante que a criança possa se entregar ao sono sendo acompanhado nessa passagem. O
canto, a narrativa e/ou leitura de histórias infantis no quarto, o beijo, a arrumação das roupas
de cama ajuda a elaborar as despedidas e entrar num estado que a humanidade tem
relacionado com a morte. Os pesadelos, a insônia , os terrores noturnos são evidências dos
severos transtornos do dormir.

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12)Ao regressar das atividades escolares é importante que alguém possa olhar, se interessar,
conversar sobre as atividades desenvolvidas, as conquistas no aprendizado. A atenção é
vivida pela criança e adolescente como manifestação de amor.
13)O infans, a criança e o adolescente precisam aprender a brincar com um adulto. Nos jogos
lógicos – quebra-cabeças, memória, construções, armar objetos, etc.- é importante colocar
desafios e alimento perturbador para a mente para o despertar das funções mentais.
14)Nas horas das refeições é importante poder propiciar o diálogo, compartilhar projetos,
conversar sobre visitas, saídas, peças de teatro etc.
15)É importante a presença sempre contínua, freqüente e estável, de ao menos uma figura
masculina. Que o residente em Pediatria toque, examine, converse, explique, para ser quem
sabe aquele que acompanha o crescimento, acordando a etimologia do ser pediatra.
16)O adolescente precisa ser acompanhado nos espaços culturais e sociais que lhe permitam se
abrir ao mundo, entrar com o conhecimento de outros grupos sociais etc.
17)É importante que o infans, a criança e o adolescente quando internado seja acompanhado e
visitado num horário a combinar, por um estagiário que possa brincar, desenhar, conversar,
perceber as questões e as angustias, saber dos desejos do internado, facilitar o diálogo com a
equipe médica para elucidar as inquietações sobre a doença.
18)É importante que os infans escutem música clássica, e que quando hospitalizadas possam
escutar as mesmas músicas para facilitar a vivência de continuidade da existência. Da mesma
forma é importante que o infans ou criança possa levar ao hospital o seu objeto de afeição
preferido, objeto transicional e ou autístico, fonte de segurança.

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FILIAÇÃO SIMBÓLICA E FILIAÇÃO DIABÓLICA

I- ADOÇÃO

V.1252 Édipo: “Venha o que venha, quero conhecer a minha origem, por mais obscuro
que seja ... A sorte é minha mãe, o desenvolvimento dos meses de humanidade me fez grande.
Com tal princípio, o que me importa do resto? Porque não hei de saber da onde venho?”
Todo ser humano é adotado. A concepção e o nascimento biológico não garantem o
nascimento psíquico.

2. FILIAÇÃO SIMBÓLICA.
(Fig. 14)

A ADOÇÃO QUE PERMITE UMA BOA RELAÇÃO.

V.357 Édipo: “Quem são? Quais foram os mortais que me gerarão?”


Os pais com uma elaboração sempre dinâmica e oscilante, da própria identidade na
situação edípica podem criar o lugar simbólico para o filho em uma relação de alteridade.
a) Os pais podem perceber a realidade mental própria e a do filho, ampliando a
consciência e o contato com a realidade. A filiação simbólica é uma conquista
que exige trabalho mental. Ao dar um nome a um corpo desconhecido,
oferecem ao filho um lugar simbólico em uma história edípica transgeracional.
O Infans sempre tem sofrido traumatismos. Na pintura de Picasso a criança
abraça a pomba como houvesse desejado ser acolhida neste mundo por braços
firmes com handling e holding. Esta menina é a pomba assustada que para ser
representante da paz precisa conquistá-la na sua vida intima.
b) Os pais podem elaborar um duro e sofrido trabalho, o luto pelas perdas da
função procriativa, a fertilidade potencial do companheiro, o sonhado filho
biológico, quando a adoção é posterior as sofridas limitações que a
esterilidade impõe.
c) O filho adotado pode ocupar o lugar de um Outro que constrói a identidade na
alteridade. O espaço da triangulação com os pais adotivos é estruturante do
SER.
d) Os pais podem construir uma relação intersubjetiva real, podem tolerar a
frustração e a dor mental quando seus ideais egóicos são desafiados.
e) Os pais podem aprender emocionalmente com o filho ao ter acesso a Pd.
sempre em oscilação com a Ps. Os pais alcançam uma genuína preocupação
depressiva, são capazes de gratidão, perdão, compaixão, autêntica

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Figura 14 - “L'Efant au pigeon”, 1901 - Pablo Picasso
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generosidade (oposta aos delírios de bondade). Discriminam o filho como


objeto total. As separações são genuínas , realísticas e simbólicas.
f) Os pais podem aprender com a experiência emocional e a dor mental. Eles
podem estabelecer um vínculo K( conhecimento) apaixonado, com equilíbrio
entre L,H,K ( amor, ódio, e conhecimento) que tende a “O”, O SER. A mãe
com revery pode intuir a verdade dos sentimentos do bebê, o ajuda a saltar as
brechas para a mudança catastrófica, o ensina o sentido da paixão ao
interpretá-lo. Ela é parteira do pré-consciente, berço da linguagem, realiza a
pré-concepção humana ao humanizá-lo, o acompanha a tolerar a frustração, a
ter paciência, a saber esperar, a contemplar o seio pensante como misterioso
objeto estético.
g) Na cesura mútua do bebê que chega e dos pais que o acolhem, se constrói a
vivência possível de continuidade de ser pai –mãe -filho. É possível elaborar
os traumas quando EROS predomina.
h) Os pais entre si e com o bebê estabelecem um vínculo simbiótico. Há cordial
acolhida do filho como projeto messiânico que, inevitavelmente, ameaça
subvertir e aniquilar o já estabelecido e familiar. As condições para tolerar o
vazio e as incertezas darão suporte devido à paciência, perseverância, e amor à
verdade – para acontecer novas formas de ser. A vitalidade será provada com
ousadia e prudência. Os pais renovam a esperança em atos de fé.
i) O pai está psiquicamente presente no mundo mental materno e pode exercer a
função paterna simbólica mesmo quando, na realidade, pode não estar
presente.
Ex. quando falecido.
A presença real do pai e da mãe permitem que o filho possa viver um modelo
de relação “suficientemente bom”. As experiências com o pai real ajudam a inscrever
sua existência no inconsciente através da qualidade sensorial e afetiva, matéria prima
das representações da coisa.
O falo não é a possessão narcísica, mas o elo de união e criatividade inspirada
em EROS. O “nome do pai” permite exercer o poder da lei, abre seu espaço ao
separar o necessário duelo fusional mamãe-bebê. A castração elaborada permite Re-
segnificações . É possível a reestruturação do triângulo edípico e do espaço mental que
permite mediar as mudanças catastróficas em uma articulação temporal e espacial.
j) Os pais podem tolerar a confrontação a oposição e o ódio necessário para a
conquista da separação e independência principalmente na adolescência.
Compreendem a gestação da fantasia da novela familiar invertida.
k) Os pais podem assumir a identidade masculina e feminina na
complementaridade do casal que cria “elos” amorosos de ligação entre seres
diferentes. Este é o primeiro modelo vivo de pensamento (criar relações entre
as idéias) e o primeiro modelo de relação social para o filho.
l) Os pais podem revelar a verdade possível sobre o gesto de adoção . Esta verdade
é alimento psíquico para a alma humana. Para Bion, a falsidade implica a

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impossibilidade de alcançar a verdade em si porque ela é, em essência,


desconhecida e incognocível.
A falsidade é diferente da mentira que precisa do mentiroso para ocultar,
deformar, alterar a realidade.

3. FILIAÇÃO DIABÓLICA.
( Fig. 15)
A ADOÇÃO QUE PERPETUA A MÁ RELAÇÃO

V.1363 Édipo: “Ai de mim! Tudo é claro agora! Oh luz do dia, te vejo pela última
vez, eu que nasci de quem não deveria nascer, e me casei com quem não deveria casar-
me, e matei a quem não devia matar!...”
O destino do menino adotado corre o risco de deterioração mental quando a gênese
da adoção está permeada por uma constelação narcísica, pré-genital, perversa que não
pode oferecer condições psíquicas para a estruturação da subjetividade.
a) A perturbação mental dos pais se arraiga em uma constelação narcísica. A
paternidade psíquica está seriamente perturbada. O filho é objeto de possessão.
b) O filho aprisionado no registro imaginário, no tenebroso espelhismo narcísico,
precisa encarnar a continuidade dos pais para sepultar o limite e a morte. O
infans é condenado a atender os ideais egóicos paternos, herdeiros do
narcisismo, em uma identificação narcísica alienante. O infans precisa ser o
“baluarte” das realizações paternas. Não há reconhecimento dos filhos como o
Outro da alteridade.
c) Na adoção não há trabalho de elaboração do luto pela perda da função
procriativa, nem do sonhado filho biológico que, como sinistra sombra, pode
sepultar a vida do filho adotado.
d) O filho ocupa o lugar de um fetiche quando a castração é recusada. O infans é
privado de um lugar simbólico na configuração edípica e privado do processo
de humanização.
e) O filho pode estar prisioneiro a perpetuar a simbiose patológica no registro
imaginário dual, narcísico, sem permitir a entrada da função paterna e a
necessária triangulação edípica.
f) Os pais não permitem o conhecimento sobre a origem, a aproximação à verdade.
Não se trata de uma informação racional despojada de amor que pode ter o
efeito de uma bomba explosiva que dinamita o aparelho psíquico.A verdade
sem amor é crueldade. Quando o Édipo sabe “a verdade” provoca a cegueira,
porque não pode perceber a mais terrível das privações : a falta de amor.

64
Figura 15 - Desenho feito por criança da UAI
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Um triângulo diabólico se estabelece entre a ignorância, a curiosidade voraz e


invejosa, e a estupidez numa relação mutuamente “despojante” e destrutiva. A
mentira ocupava, em Édipo, o lugar do possível caminho para uma aproximação à
verdade.
g) Os pais com dogmas fanáticos e sentenças vigorosas freiam o questionamento
sobre as manifestações do Pathos no filho, Eles, no apogeu da onisciência e
onipotência tomam posse como amos absolutos, de falsas realizações. Os pais
evitam a dor da frustração, apelando para as defesas mais primitivas, que como
trincheiras em plena posição esquizoparanóide, fazem uma clivagem é em um
splitting forçado, entre a função paterna cosificada na materialidade da
concretude e a experiência emocional amorosa na compreensão que promove o
desenvolvimento mental.
h) Para Freud, viver significa se sentir amado pelo superego, como representante
do Id e da instância paterna, o sentir-se amado provém da realidade dos pais
pela dependência do ser humano. O filho é aqui vítima da paixão tirânica como
Piera Aulignier aprofunda.
i) O bebê adotado sempre chega tarde demais. A travessia nas sombras da rejeição
no triângulo patológico dos pais biológicos, não é re-significado no processo
de humanização da ontogênese com as experiências transformadoras da
relação emocional pai –mãe -infans no triângulo dos pais adotivos.
Os traumas são potencializados. O bebê pode ser hiper- excitado bombardeado
com estímulos que rompem a couraça de proteção na gênese do trauma. A
impossibilidade de introjetar um continente gera a angústia da não integração. A vida
psíquica está em risco.
j) Os pais criam um vínculo parasitário com o filho, que se mantém altamente
idealizado, como objeto onipotente, tanto no absolutismo benigno como na
tirania maligna. O hóspede se prende a esse grandioso anfitrião como se fosse
um apêndice parasitário, como a extensão de um objeto mutilado, em intensa
desvalorização e destruição. Estão criadas as condições para uma mútua
destruição. O bebê entra na “trampa psicótica” . O vínculo “k” e a mentira
permeiam a relação.
k) O filho não é reconhecido como sujeito digno de amor em um vínculo amoroso
regulador da auto-estima e de seu valor.
l) Falta a função paterna. O masculino não tem espaço em um mundo mental
materno, não há possibilidade de criar a triangulação edípica. Por exemplo, na
produção independente se recusa a diferença sexual, a incompletude da
condição humana, a diferença geracional, o limite, a norma, a lei.
m) O menino adotado pode querer provar a firmeza do desejo dos pais adotivos e a
força da continência no mundo mental. A confrontação, a oposição e o ódio
necessários para o desenvolvimento mental, são interpretados por pais
perturbados , na sua concretude, como expressão de maldade e ingratidão do
filho. O vínculo demoníaco se potencializa, as feridas narcísicas sangram as
transformações em alucinações ‘tampam’ a dor mental e afastam os pais do
contato real com o filho.

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n) A trágica adoção de um bebê por pais perturbados, onde prevalece a parte


psicótica da personalidade. Os pais ante uma angústia psicótica realizam
identificações projetivas patológicas no filho. O bebê é usado como continente
da loucura parental. O aparelho mental é dinamitado. O infans é um deposito.
O bebe é pai de seus pais.
o) A trágica adoção por pais com estrutura perversa merece um capítulo
diferenciado. A adoção do bebê é “prova do poder absoluto” na sexualidade
pré-genital, polimorfa, sádica, destrutiva. O bebe é tratado como sendo um
objeto inanimado. Se assassina a um bebe. Com freqüencia o adolescente
contaminado tenta contaminar a seus parceiros por vingança assassina e
ressentimento.
p) O infans é interpretado como um “estranho” que desperta horror e terror ao
desafiar os ideais egóicos na “senda” do narcisismo. Ele ilumina e revitaliza o
familiar que poderia estar oculto, escondido.
Édipo Rei Arauto: “... os males mais terríveis são aqueles que cada um faz a si próprio.”

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