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A Vontade humana

segundo
Jules Payot

Gabriel Vitor Souza Ribeiro


SUMÁRIO

 Apresentação

 O Autor

 A realidade do homem
o O que é o homem?

 Os afetos e impulsos
 A vontade

 O autodomínio

 Meios para se alcançar a liberdade


o Meditação

o Hábitos

o Meios externos

 Conclusão
APRESENTAÇÃO

Este trabalho visa explicar alguns poucos conceitos do que se diz a vontade humana.
Sabemos que nos dias de hoje falta a muitos o verdadeiro desejo de se viver uma vida
descente e que não só é possível como necessário que busque o desenvolvimento de suas
capacidades por meio do exercício das virtudes (do hábito), que só se realiza se se tiver
uma vontade educada.
Pela amplitude do tema e pela parca experiência de vida do que está expondo, este
trabalho não passará de uma mera exposição – extremamente humilde – das ideias
apresentadas por Jules Payot em A educação da Vontade. Não espere, portanto, nenhuma
“reinvenção da roda” ou uma grande teoria antropológica.
Visto também que as virtudes são tratadas separadamente da vontade propriamente
dita, não abordaremos com profundidade o tema, mas iremos nos voltar ao assunto mais
humano e psicológico do que é a vontade; sendo ela um meio para a aquisição de virtudes,
algo se falará sobre elas, mas sem nenhum aprofundamento.
A educação da Vontade é uma obra ilustre de Jules Payot, que merece, sem dúvida,
grande atenção; em seu livro, ele aborda o tema da vontade desde a visão mais natural,
ajudando a compreender melhor esse aspecto humano e tornando o livro uma obra voltada
aos jovens, tão necessitados de clareza no assunto.
Iniciaremos nosso trabalho apresentando alguns conceitos básicos de antropologia e
alguns termos que podem ajudar na leitura de Payot. Visto que o livro fala sobre um
aspecto importante da natureza humana, não podemos desprezar a importância da
antropologia filosófica no assunto.
Passaremos, então, para o assunto da vontade, propriamente. Analisaremos o
conceito de autodomínio e como ele se relaciona com a liberdade; e assim chegaremos à
análise dos meios práticos de se chegar à liberdade, da forma como Payot apresenta em sua
obra.
Espero que este trabalho possa, humildemente, mostrar a beleza deste assunto, que é
a educação da vontade; espero, também que possa ajudar de alguma forma na compreensão
de Payot (não que ele se mostre confuso em sua exposição), principalmente com alguns
termos e ideias utilizadas por ele.
Quero, por fim, recomendar a leitura das meditações particulares do livro, onde
Payot faz uma série de meditações que auxiliam no trabalho de educar a vontade. Não
conseguirei abordá-las aqui, neste trabalho.
Primeiramente, vejamos um pouco sobre a vida de Jules Payot.
O AUTOR

Jules Payot nasceu em 1859, na comuna francesa de Chamonix, uma pequena


cidade localizada nos Alpes, longe dos grandes centros franceses e afastada de tudo, sendo
uma “cidade do interior” da França; portanto, quando jovem, não teve muito contato com as
ideologias e pensamentos que estavam mais em voga na sua época. Chamonix teve grande
influência dos jacobinos liberais, o que fez com que Payot não tivesse muito acesso à
educação religiosa que era comum em seu tempo.
Pela influência de seus pais, Payot desde criança teve contato com os grandes
mestres da história. Mudou-se posteriormente, mais velho, para Bonneville, onde estudou
ciências humanas e tirou sua licença em letras. Algo que o marcou muito aí foi a influência
grega e romana na cidade de Bonneville, o que demonstra seu interesse pela educação e
pela filosofia clássicas.
Após tirar sua licença em letras, Payot passa a percorrer, como comumente faziam
os professores de sua época, muitas cidades francesas ensinando literatura, letras e filosofia.
Após um determinado período ensinando, Payot dedica alguns anos ao pleno estudo da
filosofia, voltando-se, principalmente, ao tema da educação.
Em 1894, publica sua obra-prima, o cerne do seu pensamento: A educação da
vontade: nascida de sua profunda experiência como professor, é uma obra que se dirige aos
jovens de sua época, estudantes do secundário (o que hoje seria o ensino médio). Payot
divulgava e testava suas ideias sobre a vontade não só como professor, mas também como
dirigente de instituições educacionais, como a própria universidade de Bonneville, onde
estudou, e na universidade de Chambéry, onde trabalhou posteriormente; teve também, de
certa forma, influência política, não por alcançar cargos públicos, mas por ser uma grande
influência no meio educacional.
Teve uma forte ligação com Emyr Chutain, um poderoso maçom da sua época, o
qual apoiava em muitas coisas, o que fez com que conseguisse um alto cargo que o
permitiu fazer grandes alterações no sistema educacional francês. Sua conquista ao alto
cargo dura pouco tempo por conta de circunstâncias que o impediram de avançar; no
começo do século XX, tenta assumir a cadeira de pedagogia na École Normalé, grande
instituição educacional francesa, mas perde o cargo para Emile Durkheim, influente
sociólogo na época. Em sua obra, Jules Payot critica o pensamento de Durkheim, o que o
torna um pensador contrário ao comum de seu tempo.
Poucos anos depois, no início da Primeira Guerra Mundial, Payot, por algum motivo
desconhecido, sofreu uma suspensão de suas funções de educador e uma supressão de
salário que o obrigaram a voltar a Chamonix, sua cidade natal. Dali, manteve seu trabalho,
escrevendo novas obras além da grande A Educação da Vontade. Em 1940, Jules Payot
morre na mesma cidade onde nasceu.
A REALIDADE DO HOMEM

O QUE É O HOMEM?
Muito se tentou responder à pergunta “o que é o homem?”; é fácil notar que o ser
humano não é um ser simplificado e que a resposta não será dada tão facilmente quanto se
pensa.
Para começar notemos que o homem possui diversas realidades e que, somente
quando vistas como um todo é que se poderá compreendê-las corretamente; acontece que
muitos encontraram no homem a evidência de apenas algumas dessas realidades; olharam
para o ser humano, viram uma parte de seu todo e a tomaram como o completo. Como não
queremos cometer tal erro, vejamos quem o cometeu antes de nós para evitá-lo.
É bom notar que, por nos atentarmos ao tema da vontade, e por esse tema se
relacionar com a psicologia, iremos começar por ver alguns filósofos que trataram o
homem apenas da visão psicodinâmica. “Psico” pois olharam o ser humano apenas pelo
aspecto da “psyché”, dos afetos, e trataram o homem como um ser movido unicamente por
seus estados afetivos, mas de modos diferentes. “Dinâmico” pois os filósofos que
analisaremos viam o homem como um constante movimento, um ser “dinâmico” (que vem
de “dínamo”, motor), que possui um impulso constante, um desejo por algo que quer que se
realize.
O primeiro deles é Sigmund Freud, o criador da psicanálise; a teoria psicodinâmica
de Freud é baseada na impulsividade: o ser humano está em busca de algo, mas não
encontra esse algo dentro de si mesmo, portanto, ele se sente incompleto, não consegue
suprir as necessidades que tem dentro de si, quando busca fora de si mesmo, a única coisa
que o move são seus impulsos animais, logo, estes devem apontar o que lhe falta dentro de
si mesmo, eles são, portanto, o motor do ser humano, são seu “dínamo”; na medida em que
o homem realiza a necessidade desses impulsos animais, é feliz. Freud coloca a dinâmica
do homem como um constante movimento para se auto satisfazer, e pior, coloca essa
satisfação e realização como sendo o atender às necessidades puramente biológicas guiadas
pelos afetos mais inferiores do homem. Freud reduz o homem a seus instintos.
Vejamos agora Skinner, da teoria comportamental: segundo Skinner, o impulso é
impossível de se ver, e, além disso, é impossível de controlar; mas existe algo que eu vejo e
controlo: os comportamentos. Se estou feliz e sinto um desejo, um impulso de sorrir, o farei
somente quando a situação me permitir; se estiver em um velório, por exemplo, irei segurar
o sorriso, visto que não é aceitável sorrir nessa situação. Assim, o ser humano não pode ser
movido apenas pelos impulsos, os impulsos são controlados pelo comportamento: a partir
das experiências de recompensa e castigo recebidas ao satisfazer determinada necessidade,
o homem aprende a controlar suas ações baseando-se nisso. O motor do ser humano, para
Skinner, é a aceitação, a aprovação de suas ações, o comportamento que tem. Skinner reduz
homem ao comportamento.
Passemos para mais um último pensador: Maslow, da teoria humanista. Para os
humanistas como Maslow, o ser humano busca sua plena realização; realizando-se, o
homem se satisfaz, é feliz, logo, o impulso primário de todas as ações humanas é a
autorrealização centrada em si mesmo; o homem não se guia só pela impulsividade ou pelo
comportamento, mas pela busca de realizar-se a si mesmo, não importando com os outros à
sua volta; o homem é feliz quando se realiza, quando faz aquilo que lhe apraz e se sente
realizado por isso. Maslow reduz o homem a si mesmo.
Podemos ver que os três cometeram dois erros aqui: a) desconsiderar a liberdade
humana e b) colocar o homem com um indivíduo, um ser que vive em função de si mesmo.
Mas o ser humano é mais que apenas impulsos, apenas comportamentos ou apenas
indivíduo, o homem é um ser que possui realidades que se unem e se complementam, são
elas: biológica, afetiva e espiritual; a realidade por si mesma, sozinha, é um reflexo do
homem, mas não o seu todo. Se satisfizéssemos todos os nossos desejos, por mais egoístas
que fossem, se nos dessem a chance de ter tudo o que queremos, ainda nos sentiríamos
vazios; é extremamente necessário olhar para o ser humano como um todo, como um ser
completo, como bio-afetivo-espiritual.
Vejamos então como é o ser humano verdadeiramente: a começar, ele é um ser vivo,
ou seja, o ser humano possui vida. Que isso significa? Que o ser humano pode mover-se
por vontade própria, sem uma causa externa, necessariamente; depois, o ser humano possui
uma unidade, pois se cortássemos um homem ao meio, por exemplo, ele já não seria mais
um homem, e não estaria mais vivo; o ser humano também possui imanência, ele pode
“colocar o mundo para dentro de si”; como? Nutrindo-se, por exemplo, ou conhecendo a
realidade. O ser humano possui essa capacidade de trazer o mundo para dentro de si e, de
alguma forma, acoplá-lo a si mesmo, a imanência é um dos, ou senão o mais importante
dos princípios vitais; além disso, o homem busca a autorrealização, um desejo por se
satisfazer, por ser feliz, veremos que no ser humano isso se dá de uma forma mais
específica; e, por fim, como ser vivo o ser humano possui um certo ritmo, um movimento
ordenado: ele nasce, cresce, convive com outros; existe uma série de ações naturais que os
seres vivos realizam durante sua vida, e muitas dessas ações são específicas de cada ser
vivo: o ritmo de um cachorro não é igual ao ritmo de um pássaro, apesar de os dois serem
seres vivos.
É possível notar na realidade que existem tipos diferentes de vida: uma árvore não
vive da mesma maneira que uma vaca. Existem três tipos de vida: vida vegetativa, vida
sensitiva e vida racional.
A vida vegetativa é aquela mais básica, a vida do simples cumprir das funções
biológicas: nascer, crescer, nutrir-se, se reproduzir e morrer. A vida vegetativa é própria
das plantas, por exemplo, que não passam dela. Todos os seres vivos possuem vida
vegetativa, e alguns chegam a passar de meramente seres vegetativos, chegando à vida
sensitiva.
Na vida sensitiva, os seres são capazes de interagir com o mundo externo. Como?
Existe na realidade algo que os atrai ou repele, a isso chamamos estímulo. O estímulo está
na realidade e o ser sensitivo o percebe por meio de seus sentidos; bom, esse estímulo gera
no ser sensitivo uma resposta, a que chamamos afeto ou sentimento; esse afeto é um
movimento da psique do ser sensitivo, movimento esse que gera uma ação, um movimento
muscular, externo, que faz com que o ser sensitivo aja no mundo. Os seres sensitivos
possuem mais imanência que os seres vegetativos, como podemos observar, logo, são mais
perfeitamente vivos que os seres vegetativos; ou seja, a imanência é o mais importante
princípio vital, pois, quanto maior o grau de imanência, maior a perfeição do ser vivente,
mais vivo ele é. Os seres sensitivos, então relacionam-se mais perfeitamente com o mundo
externo, agora podendo interagir com as coisas dessa realidade, nessa dinâmica de
estímulo-resposta-ação.
Existe, ainda, um terceiro tipo de vida, um tipo mais perfeito, próprio do homem, a
vida racional, ou intelectiva. Aqui, seguem os princípios dos impulsos e afetos, mas agora
acrescenta-se um novo elemento, que muda a forma de interação desse ser com o mundo: a
liberdade. O ser racional pode não só recusar o efeito dos afetos sobre suas ações, mas
escolher e ordenar o seu mundo afetivo de acordo com um determinado fim. Ou seja, o ser
racional conhece o fim a que quer chegar e ordena seus afetos e ações para que possa
alcançá-lo. Logo, o ser racional é capaz de aprender a buscar determinado fim, donde se
segue que, por possuir essa perfeição específica, o homem só se realiza quando é capaz de
buscar um determinado fim e ordenar como quer chegar lá. A conduta humana, então, trata-
se desse conhecer dos fins e dos meios e dessa decisão de escolher um tal meio para chegar
num tal fim – e não de uma mera resposta a recompensas e castigos, como dizia Skinner.
Sobre esse fim, muitos discorreram, e como vimos no início, alguns o colocaram como a
satisfação de uma necessidade biológica representada dentro de nós por um afeto
correspondente, outros o colocam como o exercício de um determinado comportamento e
outros como a autorrealização, o satisfazer-se a si mesmo. O fim do homem é próprio dele,
o fim do homem é diferente, pois o aspecto da liberdade permite a auto transcendência, o
mover-se para fora de si, a capacidade de buscar o outro, a outra pessoa, o fim do homem
está no colocar-se a serviço de algo que está fora e acima dele mesmo. Contudo, vemos que
a alma intelectiva do homem é, digamos, um “pequeno infinito”, ela anseia por algo
infinito, que não pode ser material e perecível, portanto, existe algo que satisfaz esse desejo
de infinitude do homem, assim como o ser vegetativo se satisfaz nutrindo, o ser sensitivo se
satisfaz atendendo a seus afetos, o homem se satisfaz buscando e se relacionando com as
pessoas, a saber: com Deus, com as outras pessoas e consigo mesmo; donde se segue que o
ser humano deve ordenar toda a sua conduta e toda a sua vida a esse encontro com Deus,
com os outros e consigo.
Vejamos, agora, dois aspectos importantes dos seres vivos: o corpo e a alma. O
corpo é simplesmente um sistema unificado, material, pelo qual o ser interage com o
mundo. Nos seres vivos, o corpo não possui uma única função específica; dependendo da
necessidade, ele age conforme a razão o oriente – isso nos seres intelectivos; nos sensitivos,
age conforme os afetos e nos vegetativos, conforme as necessidades de nutrição.
Geralmente, o corpo é tratado como um inimigo, um oposto da alma, mas logo veremos que
não é assim. Por um lado, só existe corpo vivo que é animado (que possui alma).
Por outro lado, a alma não é algo separado do corpo, pelo contrário, a alma é a
forma do corpo, a alma está contida no corpo, e é ela que dá a vida. Sem a alma, não existe
vida. É próprio do ser vivo ter alma; e o desenvolvimento do corpo interfere na alma, assim
como o desenvolvimento espiritual gera consequências positivas no corpo. A alma opera no
corpo por meio dos sentidos (externos e internos) e por meio do conhecimento.

OS AFETOS E IMPULSOS
Como vimos, existe no homem uma realidade afetiva que o move, fazendo com que
aja e que se relacione com o mundo exterior a ele. Os impulsos são os motores do homem,
eles levam o homem a agir, a fazer.
Bom, e como esses impulsos fazem esse trabalho de ação? Por meio da operação da
alma, como vimos, por meio dos sentidos. Primeiramente, os estímulos são captados pelos
sentidos; possuímos cinco sentidos externos e cada um deles capta uma parte única da
realidade material, a isso chamamos sensação; após esse primeiro contato, iremos nos
utilizar de uma outra potência da alma chamada percepção. A percepção unifica a
informação recebida por cada um dos sentidos externos, e atribui essas informações a um
único objeto.
Tendo recebido essas informações unificadas, a alma inicia o processo de
imaginação, onde esses conceitos unificados pela percepção formam uma imagem, uma
capacidade de reproduzir objetos percebidos e agora criar uma coisa nova, passível de ser
evocada pela vontade.
Teríamos ainda de falar sobre a cogitativa e a memória, mas não me estenderei tanto
aqui, portanto passemos para as funções apetitivas, que nos ajudarão a compreender melhor
o assunto do trabalho.
Basicamente, a cogitativa mostra para a razão se aquele objeto é ou não desejável e
a memória guarda as imagens formuladas, modulando a conduta diante de um determinado
objeto posteriormente.
Bom, feito esse trabalho de primeira apreensão, entram em ação as funções
apetitivas, que basicamente são essas inclinações naturais para a completude, para buscar
aquilo que falta. As funções apetitivas originam nossos desejos e passam a querer
determinadas coisas e não outras, baseando-se naquelas imagens guardadas pela memória.
É mister lembrar que as funções apetitivas se dirigem para o que for mais conveniente em
um determinado objeto.
Existem dois tipos principais de apetites: o sensível e o intelectual. O sensível age
no nossa cogitativa, enquanto o intelectual age na nossa liberdade, como veremos mais à
frente. O apetite sensível se divide também em dois: o apetite concupiscível e o apetite
irascível. O concupiscível é um desejo por um bem presente, um desejo por satisfazer
aquela falta imediata de algo, e que pode ser suprida nesse momento por um bem fácil de
alcançar; a possessão do bem desejado causa certo gozo, que é passageiro.
O apetite irascível é um impulso a realizar o necessário para se alcançar um bem
futuro. Esse impulso visa a satisfação por um bem que para ser alcançado necessita o
afastamento de outras coisas que impedem a posse dele; logo, o irascível é mais elevado
que o concupiscível, visto que trabalha na conquista de um bem árduo para conseguir, e o
seu gozo é mais duradouro que o do concupiscível. Por exemplo, o medo: diz-se que o
medo é um apetite irascível que busca afastar um mal presente, como a perda da própria
vida ou da segurança etc. Mas veja que o fim do medo, o objeto desejado, não é
propriamente o afastamento do perigo, mas sim, a posse da tranquilidade e da segurança,
causadas pelo afastamento do perigo; até porque, um mal afastado não representa
segurança, a não ser que tenha sido eliminado completamente. Ou seja, o apetite irascível
busca afastar aquilo que o impede de possuir o objeto desejado e assim desfruta mais
plenamente da posse deste objeto.
Finalmente, completado esse trabalho apetitivo dos afetos, o homem age para a
busca do bem desejado, para a posse desse bem. Lembremos que tudo isso é espontâneo,
aqui temos uma realidade que é involuntária, é uma ação em que nossa vontade não age
diretamente; ela só passará a agir por meio do apetite intelectual, que falaremos agora.

A VONTADE

Vimos então que o homem possui as realidades vegetativa, sensitiva e intelectiva e


vimos, também, mais detalhadamente sobre as atividades próprias da sensitiva: a ação por
meio dos afetos. Agora, iremos entender um pouco melhor sobre a realidade intelectiva,
que diferencia o homem do restante dos animais.
Dentre os três tipos de alma (realidades) que vimos, podemos dizer que existem dois
tipos de alma principais: as que se movem por algo intrínseco a elas: os afetos e as
potências biológicas, mas que não controlam seu movimento nem conhecem o fim de suas
ações; e também as que, além de possuírem essa causa internamente, podem conhecer o fim
de suas ações; esse segundo tipo de alma, próprio da alma intelectiva, pratica o que
chamamos de ato voluntário, ou seja, aquele ato que não só possui a causa dentro do
próprio ser, mas que conhece o fim do seu ato; o homem é um ser voluntário por
excelência, visto ser o único capaz de conhecer os fins.
Como todo ser, o homem busca o bem, mais especificamente, ele busca o próprio
bem, e como o próprio bem está em sua natureza e o homem possui uma natureza racional,
que participa da natureza divina, sua natureza busca o Bem em si, a essência do bem, que é
o próprio Deus; logo, a vontade humana e seus atos voluntários têm por fim o próprio Deus.
Os bens desse mundo participam em algum grau da essência de Bem, logo, a vontade
também se dirige a eles, na medida em que a razão lhe indique maior ou menor participação
desses bens particulares na essência de Bem. Portanto, o objeto universal da vontade é o
supremo Bem e o objeto próximo são os bens particulares, na medida em que participam da
essência de Bem. Por se dirigir preferencialmente aos bens que a razão lhe mostra, a
vontade é chamada de apetite racional ou intelectual.
Bom, a inteligência, então, é a origem do querer, visto que não pressupõe um querer
anterior para agir; os apetites sensíveis influem na nossa vontade também, mas só na
medida em que atrapalham a ação da inteligência. A inteligência move a vontade, e fazendo
isso, a vontade move a inteligência; vejamos um pouco mais sobre essa relação entre
vontade e inteligência.
Em si mesmas, a inteligência é mais elevada que a vontade, visto que se move a
algo mais absoluto e abstrato, a ideia de Bem; já a vontade se move para algo simples e
concreto: a ideia Bem que está na inteligência. Mas, a vontade é superior à inteligência, já
que o objeto da vontade é a própria realidade, as coisas em si, e o da inteligência, é voltado
ao próprio ser pensante. Então, quando a realidade está acima do ser que pensa, a vontade é
superior; mas quando a realidade está abaixo, a inteligência supera. O bem e o mal estão
nas coisas, o verdadeiro e o falso estão no espírito.
Existe uma outra relação entre a inteligência e a vontade: se tomarmos a inteligência
a partir do seu objeto universal, ou seja, a verdade e o ser universais e tomarmos a vontade
também a partir do seu objeto universal – o bem supremo. Neste caso, a inteligência é mais
elevada. Agora, se observarmos a inteligência em si, como faculdade intelectual que possui
uma determinada atividade e tomarmos a vontade pelo seu objeto universal, a vontade é
superior à inteligência e pode movê-la.
Por um lado, a inteligência é capaz de ver o fim da vontade e dos atos: o bem
conhecido, e por outro, a vontade coloca em movimento eficiente todas as potências
necessárias para se alcançar esse bem; e quando a vontade busca o bem, a inteligência passa
a desejar conhecê-lo mais perfeitamente. O ato é causado materialmente pela vontade, visto
que ela dá os meios e formalmente pela razão, que formula o apetite da vontade ao Bem.
Vejamos então, brevemente, o processo do ato voluntário:
 A inteligência apreende um objeto o vê como um fim a buscar;
 A vontade passa a se inclinar àquilo;
 A inteligência examina a possibilidade de se obter;
 A vontade passa a desejar mais concretamente;
 A inteligência passa a deliberar sobre os meios de se obter o bem desejado;
 A vontade consente com os meios propostos;
 A inteligência, por meio da razão prática, elege um meio para agir;
 A vontade escolhe também esse meio;
 A inteligência ordena que a vontade aja;
 A vontade põe em movimento os músculos necessários;
 Feito o ato, obtém-se o fruto.

Esse movimento discernido não acontece com frequência e ele não é assim
esquematizado; ele é uno e espontâneo; acontece que a vontade e a inteligência agem em
conjunto, em unidade e não de maneira separada; e esse ato é espontâneo, acontece pouco.
Bom, em resumo, naturalmente, a inteligência ordena a vontade e os apetites
sensíveis, fazendo com que eles busquem o bem conhecido pela razão. Por conta da nossa
natureza decaída, a inteligência embotou-se e o homem não busca mais o bem, mas
desordena suas ações colocando como fim da vontade o satisfazer dos afetos. Assim, não
vemos mais necessidade na luta por um fim nobre - como a relação com Deus -, mas
estamos sempre buscando apetecer nossos afetos, vivendo, portanto, num constante estado
de preguiça.
A verdadeira liberdade, de modo algum pode significar esse consentir com todos os
afetos, mas, pelo contrário, está exatamente no ordenar tudo o que somos para buscar o
Bem Supremo, pois em relação a Ele, nossa causa final e princípio motor, estamos
obrigados.

O AUTODOMÍNIO

Dito isso, passemos a analisar de maneira prática como a vontade atua sobre o
homem.
Bom, como vimos, as paixões têm algum poder sobre nós, mas esse poder não pode
ser total, visto que as paixões são transitórias e quanto mais fortes, menos duram. Portanto,
existe um estado natural de preguiça, que vem não de nossas paixões, mas de nossa
inteligência desordenada. Quando algo quebra esse estado natural, vemos como um esforço,
uma dificuldade quase impossível, esse sentimento não vem senão do pecado original, da
desordem interior. Mas, observe: a dificuldade está na quebra total desse estado, ou seja,
num esforço que é constante e prolongado e não em esforços curtos e esporádicos, já que
esses últimos são uma quebra parcial desse estado, não sendo impossível realizá-los.
Portanto, a quebra desse estado exige uma força, contrária à natureza decaída do
homem, e essa força dói, exatamente por quebrar, desfazer o nosso estado natural de
preguiça.
Existem dois instrumentos principais que nos tiram desse estado preguiçoso e nos
fazem exercer uma maior liberdade: a atenção e a meditação. Veremos eles com detalhes
mais adiante, mas para início, a atenção é o esforço de concentrar-se em algo presente
durante um determinado tempo; no começo, não colocamos atenção por tempo demais,
utilizamos apenas por curtos períodos que podem ter intervalos maiores ou menores, sendo
assim, mais constante. Uma boa atenção provém de esforços intensos e perseverantes, que
de início são apenas autodeterminação pura e, com o hábito e a repetição, tornam-se
enraizados, não representando mais uma dor, mas sendo quase um instinto, pois age
diretamente no nosso afeto. Dedicaremos uma seção do trabalho apenas para a meditação.
Visto isso, nosso trabalho aqui é elucidar como se deve passar desse estado natural
de preguiça e letargia a um estado de atenção voluntária, onde nossas potências inferiores
estejam submetidas à ação da razão e da inteligência, colocando de volta no lugar o nosso
apetite intelectual. O autodomínio consiste exatamente nisso: sujeitar nossa animalidade,
nossa vida vegetativa e sensitiva ao nosso apetite intelectual, à nossa inteligência, portanto.
Contudo, ainda possuímos uma natureza decaída, o que torna impossível a totalidade desse
domínio, mas, como somos livres, ele pode acontecer em uma boa medida.
Basicamente, esse trabalho se dá por três vias principais: as ideias, os afetos e as
ações. As ideias se definem por imagens ou conceitos formulados por nossa inteligência.
Esse é aquele objeto da inteligência que vimos anteriormente. Ora, existem três tipos de
ideias que agem sobre nossa vontade: os conceitos puros, as aproveitadoras e as ideias-
afeto. A maioria dessas ideias vem de fora, já que são essa adequação da mente a um
determinado objeto; e essa maioria estão sob o nosso controle, mas apenas intelectual e não
concreto. A essas ideias externas e sem poder chamamos conceitos puros.
É óbvio que o conceito puro não é capaz de mover nenhuma ação nossa; o agir puro
da inteligência nos dá um assentimento formal e, no máximo, nos mostra um bem a
alcançar, mas, novamente, nossa natureza decaída impede que a vontade assinta com isso e
não passamos sequer para o segundo passo do ato voluntário, não conseguimos agir por
nossa inteligência, mas, por controlá-la intelectualmente, temos uma falsa ideia de
liberdade.
Seguidamente a esse tipo, estão as ideias aproveitadoras, que são aquelas que se
aproveitam de um sentimento inferior passageiro, ou seja, elas até movem a nossa vontade,
mas apenas para um esforço esporádico, elas podem nos ser úteis já que conseguem ser um
ato um pouco mais voluntário, mas ainda não propriamente atos livres, já que dependem de
sentimentos pouco enraizados e não podemos contar com eles a todo momento. Para
elucidar, nos utilizaremos de um exemplo dado pelo próprio Payot: “por exemplo, alguém
acaba de passar vários dias em um semi preguiça, lendo, e sem tocar no livro que deve
escrever; repugna-lhe este esforço, apesar das excelentes razões que apresenta a si mesmo
para fazê-lo; subitamente, o correio traz a notícia do sucesso de um amigo, e eis que o
sujeito é açulado pela emulação, e o que as mais altas e sólidas considerações não
conseguiram produzir, uma onda emotiva de ordem inferior o faz incontinente”. Como
vemos, o sujeito tinha ideias claras da importância de trabalhar, mas não o faz exatamente
por não possuir os sentimentos que o movem; a partir da notícia do amigo, surge um
sentimento transitório ali, de certa inveja, ou de admiração, essa ideia do trabalho aproveita
o sentimento gerado e põe o sujeito a trabalhar. Portanto, essas ideias podem nos ser úteis
no início, mas não devemos nos apegar a elas.
Ainda mais profundamente, existem as ideias-afeto; ideias vindas de fora como
todas, mas que não são conceitos puros nem aproveitadoras de sentimentos, elas são um
quase afeto, pois se misturam com aquilo que está mais enraizado em nós, se misturam com
nossos estados afetivos mais constantes, portanto, são elas que produzem nossos atos
voluntários, são elas a causa da verdadeira liberdade, elas nos permitem a vivência das
virtudes e a busca pelo Bem.
A vontade age por excelência nestas ideias, da maneira como vimos anteriormente,
os afetos são orientados e ganham forma pela ideia, e a ideia ganha força e grandeza pelo
afeto.
Também podemos chamá-las ideias sentidas, visto que são ideias que ordenam
profundamente os sentimentos e não são somente entendidas.
Em uma palavra: temos controle total sobre nossas ideias, mas por outro lado, elas
não possuem meios concretos para nos mover. Vejamos os estados afetivos.
Entendemos aqui os estados afetivos, não como afetos propriamente, ou seja, os
impulsos brutos, mas como sentimentos, como um conjunto de coisas que decorrem
exatamente da atividade afetiva.
Os sentimentos representam nossa potência motora mais potente, já que eles são
capazes de nos levar à ação, e nos tirar de qualquer estado que estejamos. Existe nos
sentimentos uma realidade anterior, uma unidade, um motivo que os aumenta ou diminui.
Essa unidade chamamos de inclinação e ela unifica todos os nossos estados afetivos
fazendo com que eles tenham um sentido, uma orientação; todos os sentimentos dependem
dela. Essa inclinação não é nada menos que um, como diz Payot, querer viver; mas o que é
isso? O querer viver é o desejo por realização; a inclinação principal do homem é a busca
pela beatitude, pelo bem. Essa inclinação só se realiza numa atividade regulada pela dor,
que resulta num conjunto de movimentos dos músculos, ou seja, numa concretização real,
em atos, da inclinação propriamente.
Existe em nós uma energia central, que é o nosso querer viver; as ideias
compreendem esse fim, e veem nas coisas como podem alcançar o cumprimento desse fim
tão interior. Então, a ideia mais profunda compreende o fim, vê um objeto que leva àquele
fim, e gera uma inclinação, fazendo-nos mover naquela direção, em atividade. É claro que
os movimentos são sempre iguais em si mesmos, o que os diferencia é exatamente a nossa
energia central, que os coloca em atividade de diferentes maneiras.
Esse movimento tão forte interfere numa série de realidades nossas, a saber, a
percepção, os sentimentos fracos e as lembranças. Nossa percepção sensível é
profundamente alterada de acordo com nossos sentimentos. Payot nos dá um bom exemplo
disso quando nos mostra as mães que acham lindos os seus filhos porque os amam.
Também os sentimentos mais fortes interferem nos sentimentos mais fracos; basta ver
como nossa inclinação mais pujante, nosso defeito dominante, tende a expulsar de nós os
sentimentos verdadeiros que talvez até tenhamos experimentado; por exemplo, um
preguiçoso por dominância pode expulsar de dentro de si as alegrias do trabalho, se ele não
fizer o inverso, aumentando essas alegrias e diminuindo sua tendência natural. E as
lembranças também são afetadas por nossos sentimentos, mais ou menos da mesma forma
que as percepções.
É triste ver que a inteligência que não se sobressai aos sentimentos é dominada por
estes, e que os sentimentos são capazes de enganar nossa inteligência, fazendo-a pensar que
domina, quando, na verdade, é dominada; parece que delibera sobre os meios de chegar ao
Bem, mas não é assim, ela apenas se engana, se deixa levar. E, com efeito, em nossa
natureza decaída, o ato voluntário não acontece no âmbito puramente intelectual, como
vimos anteriormente, mas todas as decisões, ações e atitudes devem “colorir-se de paixão”
para serem executadas pela vontade. Portanto, todo ato voluntário é precedido de uma
afetividade em relação ao ato.
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OS MEIOS PARA SE ALCANÇAR A LIBERDADE

Vemos que não agimos nem podemos agir sobre nossos sentimentos, já que eles
produzem movimentos viscerais que nossa vontade não alcança. Bom, com o tempo, nossa
ação não que vá mudar os efeitos primários dos nossos sentimentos, mas poderemos atuar
sobre os secundários, ou seja, a expressão desses sentimentos. A expressão do sentimento
fortalece-o, assim como o querer da vontade fortalece o entendimento da inteligência. Para
nos libertar da soberania dos sentimentos, devemos ligar nossas ideias às nossas
inclinações, por meio de atos sólidos, impedindo a expressão física do sentimento. Portanto,
o conhecimento intelectual deve vir acompanhado de afetos, gerando, assim, uma
lembrança profunda, e sempre que nos vir à tona essa ideia, o afeto virá junto, trazendo
consigo a força motora de que precisamos.
O primeiro passo desse processo de ação perante os sentimentos é o de aumentar e
enriquecer os sentimentos já conhecidos por nós e que são favoráveis ao nosso domínio.
Nos utilizaremos daqueles sentimentos que já nos auxiliam na conquista da verdadeira
liberdade; um dos mais potentes, sem dúvida é o sentimento religioso, que nos leva à
conquista do Bem e ordena nossos atos para a virtude. Vemos que não é fácil ordenar esses
sentimentos, mesmo que favoráveis, mas é possível, por meio de hábitos sólidos.
Os sentimentos mais complexos são ligações de sentimentos mais simples, se
colocarmos nossa atenção neles, veremos que já possuímos sentimentos nobres capazes de
nos mover ao nosso fim último, o Bem. A atenção terá esse papel e veremos logo como
cultivá-la. Com efeito, é a inteligência que dá forma aos apetites da vontade, já o dissemos.
Portanto, se colocarmos no objeto a atingir a clara participação no Bem que ele possui,
nossa vontade passará a desejá-lo ardentemente, e colocará nossas potências em movimento
àquilo.
Mas, esses sentimentos complexos são raros e extremamente mutáveis, por isso
devemos aproveitar a vinda deles, e aproveitar, também, que eles são confusos e sem
sentido em si mesmos, fazendo com que seja possível direcionar esses afetos para onde
desejemos, por meio das momentâneas soberanias das ideias. Ou seja, os sentimentos
favoráveis que nos aparecem devem ser aproveitados, aumentados, fortificados, pois
deixaram em nós bons resquícios que futuramente poderão voltar e nos inspirar à ação.
Existem, também os afetos hostis, e esses são mais complicados de combater.
Primeiramente, eles tentam embotar a inteligência, fazendo com que ela deseje aquilo que
não lhe cabe, enganando-a, levando-nos a acreditar que é bom abandonar-nos às paixões;
para evitar isso, devemos, nas palavras de Payot: “refutar, destruir esses sofismas”. Como?
Tornando extremamente desagradável à inteligência e à vontade o objeto dessas paixões;
revestindo-o de toda forma grotesca e inútil, odiando-o com toda força.
Esse duplo trabalho não acontece de uma hora para a outra, é com o tempo que
conseguiremos vencer; pouco a pouco, aumentando o que nos ajuda, diminuindo e não
consentindo com aquilo que nos atrapalha.

A MEDITAÇÃO

A principal aliada nossa nesse trabalho será a meditação. Ela nos dará os meios de
fortalecer o que nos ajuda e diminuir o que nos atrapalha.
Bom, é importante notar que a meditação não é em nada parecida com um devaneio
da mente; ela é mais um estado consciente, onde a alma forja, solda o que está dentro e não
viaja no meio do turbilhão dos sentimentos.
A meditação pode ter dois fins: causar ódio ou causar amor; o ódio deve ser
consolidado contra aquilo que nos impede de prosseguir: o ódio contra a preguiça, contra
nosso defeito dominante, contra aquilo que nos afasta dos objetivos, e por outro lado,
provocamos amor aos nossos aliados: às alegrias do trabalho, aos exemplos que temos, aos
amigos que nos ajudam e nos inspiram.
Com efeito, a meditação tende à ação, pois deve criar em nós potentes afetuosidades
ou repulsas, por meio desta utilitária atividade meditativa, que busca aumentar o que é bom
e diminuir o que é ruim.
É preciso também, deixar que apenas um grande estado afetivo se consolide com o
tempo, ou seja, manter em nossa meditação, um sentimento único e grande, pois ele trará
para si os sentimentos mais simples, que vêm como que atraídos por um imã. Se não
deixarmos um sentimento forte crescer, ele não irá se consolidar corretamente e por isso
não trará os efeitos buscados. Logo, é preciso se recolher para meditar e olhar para as
impressões do mundo com um sangue-frio, sem deixar-se levar, pois assim aproveitaremos
as impressões que mais nos ajudarem.
A meditação possui três etapas: triagem, fixação e retirada. A triagem é o trabalho
de olhar para tudo que nos acontece e buscar, ali o que nos ajuda; é um olhar para a
realidade que sabe observar o que ajuda no cumprimento do fim. Depois, faremos uma
fixação dos sentimentos bons, associando-o a ideias vizinhas, tornando-o forte, guardando-
o na lembrança; se não tivermos nenhum sentimento dessa natureza, devemos transformar
as ideias mais frias em ideias-afeto, mantendo-as na mente e fazendo que se associem com
algum sentimento, por meio da ação, principalmente. E, finalmente, faremos um trabalho
de retirada de sentimentos desfavoráveis, primeiro não pensando neles em nenhum
momento, e se vierem até nós, expulsando-os por meio da quebra dos sofismas que os
tornam atraentes.
É bom que durante todo esse trabalho o agente busque meditar no concreto, levando
para a consciência os males reais daquilo que queremos expulsar e os benefícios daquilo
que queremos trazer.
Os trabalhos de fixação e repulsa devem ser feitos com calma e tempo, deixando
que ajam e se fortifiquem com o tempo; a triagem deve ser feita com calma, para que não
se corra o risco de se deixar levar pelas impressões exteriores.
Existem dois frutos que se deve buscar na meditação: as resoluções gerais e as
parciais. As resoluções gerais, basicamente, dão uma orientação para a vida, colocam claro
um fim a alcançar, e os principais obstáculos. Elas são a concretização de um ideal, vindo
de muita meditação; trata-se de uma “tradução, numa fórmula precisa e breve, de uma
inumerável quantidade de veleidades, experiências, reflexões, leituras, sentimentos,
inclinações”. A primeira resolução geral que devemos tomar é de sermos melhores, de
sermos bons, de agirmos conforme a moral, a partir daí, todas decorrem.
Quando temos essa resolução bem-feita, e bem sintetizada e enraizada em nós por
meio da meditação, é necessário querer chegar lá, e como chegaremos ao objetivo? Por
meio de pequenas decisões, de pequenos atos, também, que nos levarão ao cumprimento de
nossas resoluções gerais. Às vezes nos custa realizar uma determinada resolução particular,
como ler certo capítulo, escrever mais um pouco do trabalho, fazer algum trabalho
profissional; mas lembremos do método: a lembrança e evocação da resolução geral trará
com ela os sentimentos de amor que foram colocados, e com mais algumas poucas
reflexões, a ideia afeto move o sentimento e nos coloca ao trabalho necessário.
Para meditar, então, podemos nos utilizar de uma técnica ensinada por Payot: o
retiro interior. É simples, mas extremamente útil; basta que nos retiremos um pouco das
impressões agitadas do mundo, pode ser mesmo em casa ou saindo, a um passeio, por
exemplo, o importante é que seja silencioso e que não nos distraiamos; iremos, então, voltar
a nossa atenção ao objeto da fixação ou da retirada, fazendo com que as resoluções se
solidifiquem. Por exemplo, podemos prever situações que nos atrapalharão no futuro e
planejar como evitá-las, criando um plano para combater os inimigos. Feito isso,
escreveremos as resoluções tiradas da meditação, agora renovadas e fortalecidas, e as
colocaremos em prática.

OS HÁBITOS

Como pudemos ver, a meditação tem grande importância nessa luta pelo
autodomínio. Mas as emoções, em si mesmas, não bastam. O trabalho feito é guardado pela
memória, mas as atividades são guardadas pelos hábitos. Explico: em nossa vida, cada
pequena ação é registrada fortemente, e essas pequenas ações, somadas ao longo do tempo,
formam um grande hábito que se enraíza fortemente em nós. Os pequenos hábitos crescem
com o tempo, e, assim, em um momento o difícil será não fazer determinada ação.
Como vimos na nossa introdução sobre a vontade, a inteligência move a vontade e a
vontade move a inteligência; as ideias movem nossos pequenos atos, os pequenos atos
fortalecem as ideias, a ação sustenta o pensamento. Os pequenos atos são possíveis por
vontade pura, e eles nos ajudam a declarar, na realidade, as nossas resoluções. E como é
difícil assumir resoluções! Principalmente resoluções parciais que nos são desagradáveis;
mas o esforço pequeno, aliado à meditação firme do objetivo, com o tempo, nos levará a
fazer o grandioso, mesmo não sentindo prazer nisso.
A ação, portanto: cria os hábitos, transforma aquilo que é doloroso em necessário,
mostra à inteligência a luta que travamos, afirma as resoluções que fizemos.
Mas esses atos voluntários são raros, não conseguimos fazer muitos, por isso é que
devemos nos aproveitar bem deles, dando continuidade diária, sendo inteligentemente
ativos, ou seja, fortalecendo atos voluntários que, quando acabados, nos dão um delicioso
sentimento de realização, que deve, inclusive, ser levado para a meditação, deixando-o mais
forte e memorável.
Um bom exercício para realizar esses atos é o de definir o que será feito no dia
seguinte, de maneira muito específica; assim, já preparamos nossa vontade para o trabalho
e, com pequenos atos voluntários como esses, criamos hábitos enraizados que nos moverão
no futuro.
É bom lembrar que devemos sempre terminar essas atividades propostas, pois assim
é que teremos aquele sentimento de realização de que falei.
Em uma palavra, é bom e necessário esse trabalho ativo, constante e terminado, pois
nos ajuda a concretizar os sentimentos mais necessário para alcançarmos nosso fim.

MEIOS EXTERNOS

Existe, ainda, um último recurso, extremamente útil ao nosso trabalho: os meios


externos. Eles consistem, basicamente, na criação de bons sentimentos por meio do
convívio social.
A nossa luta não precisa ser solitária, pois o ser humano não possui uma natureza
solitária. “Se o impulso para o aperfeiçoamento da nossa vontade deve necessariamente
provir de nossa natureza moral íntima, esse impulso precisa ser sustentado por sentimentos
sociais muito potentes”.
O primeiro recurso é a opinião. Somos em grande parte movidos pela opinião
alheia, de modo que nos vemos afastados do trabalho se ele não é recompensado por uma
boa aprovação dos outros. Claro que não se deve abrir tudo à opinião pública, mas, sem
auxílio nenhum, é quase que impossível sustentar um bom trabalho ao longo do tempo.
Mesmo que essa opinião seja mínima, e, às vezes, só exista na nossa cabeça. Por exemplo,
quando somos movidos apenas pela ideia ou pelo desejo de sermos aprovados por uma
pessoa ou um grupo. Não que essa opinião seja nosso único motor, mas, com certeza são
um bom estimulante para nosso trabalho.
A opinião que ouviremos deve ser escolhida a dedo, apenas levaremos em conta a
aprovação ou reprovação de pessoas de confiança, que merecem nosso respeito e que
devem opinar, nos estimulando ou não. O problema é que essas pessoas são raras, e, em sua
maioria, os bons estudantes se veem sozinhos na luta.
Nesses casos de solidão, existe uma ótima figura que, além de sustentar e nos educar
a vontade, nos levará a um entendimento profundo de quem somos e do que precisamos
melhorar; falo da figura do diretor espiritual e do mestre intelectual. Basicamente, um
jovem sozinho é incapaz de olhar corretamente para a própria alma, precisa de alguém que
o mostre onde está e como sair dali. E não é possível juntar um grupo de estudos, por
exemplo, que não tenha um mestre que os guie.
Então, o recurso do grupo é extremamente útil a nós, já que sustentam e criam os
bons sentimentos em relação ao trabalho. E também o diretor, que dirige a consciência e
mostra o caminho à perfeição.

CONCLUSÃO

Para concluir esse trabalho, desejo convidar que leiam a obra de Payot, a educação
da vontade, e que busquem realizar esse trabalho tão frutuoso de educar a própria vontade e
ser capaz de sujeitar nosso corpo aos nossos grandes ideais.
Particularmente, fazer esse trabalho já foi um grande treino de educação da minha
própria vontade: o ter de me colocar na leitura diária, na meditação sobre os assuntos,
dedicar um grande tempo a isso, a conciliação de todo o tempo do dia, tudo isso foi nada
menos que uma grande obra empreendida na minha educação da vontade. E ainda me
ajudou no discernimento da minha própria vocação, especialmente dedicada a trabalhos
como esse, que com certeza continuarei realizando.
Vemos que o trabalho de educar a vontade é constante e duradouro, que não é de um
dia para o outro, e que, por isso, não somos vontade pura, e muito menos condenados a um
movimento afetivo, a impulsos animais; por conta de nossa natureza decaída, não nascemos
mais devidamente ordenados, mas somos capazes de ordenar, por isso devemos empreender
esse trabalho.
Esse tema ainda se estenderia mais, sendo possível abordar a educação da vontade
em outras áreas da vida, como nos filhos, na fé, nos estudos, mas isso é para outro tempo.
Espero que nossa breve introdução sobre a antropologia tenha ajudado na
compreensão do assunto e, se ajudar alguém, já terá cumprido seu papel.

BIBLIOGRAFIA

O trabalho foi baseado, basicamente, em três obras:


1. A EDUCAÇÃO DA VONTADE; PAYOT, JULES;
2. FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA; STORK, RICARDO;
3. SÃO TOMÁS DE AQUINO; AMEAL, JOÃO.

ESTE TRABALHO FOI FEITO EM OSASCO, SÃO PAULO,


A 15 DE NOVEMBRO DE 2021
POR GABRIEL VITOR SOUZA RIBEIRO
A PEDIDO DO COLÉGIO SÃO JOSÉ DA DIVINA PROVIDÊNCIA.

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