Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
O Pensar Intuitivo na Ação e
no Diálogo
Uma introdução à “Filosofia da Liberdade” de Rudolf Steiner
2
Conselho Editorial Acadêmico
3
Para Suely Cerávolo e Celso Calia. Desfrutar o prazer de
praticar o pensar intuitivo é sentir gratidão pela educação que
vocês me proporcionaram com tanto amor e diálogo.
4
Como docente universitário, tenho lecionado sobre duas metodologias de
gestão colaborativas:
A primeira parte é bem simples. Vamos relatar casos reais meus e seus, em
que cada um de nós realizou uma ação genuína sem máscaras, por meio do pensar
intuitivo.
Na quarta e última parte, vou lhe apresentar um resumo dos quinze capítulos
do livro “Filosofia da Liberdade” de Rudolf Steiner.
5
PRIMEIRA PARTE
Em Viena, Rudolf Steiner trabalhava como educador dos filhos de uma família.
Um dos meninos, o garoto Otto Specht, sofria de hidrocefalia, uma patologia que, além
de outras consequências, faz com que a cabeça tenha grandes proporções devido ao
excesso de líquido.
Era muito desafiador dar aulas para o garoto Otto. Depois de quinze minutos
de aula, o menino já perdia a concentração e começava a ter mal-estar.
O jovem educador Rudolf Steiner passava horas planejando uma única aula de
poucos minutos. A sequência dos assuntos e a forma de explicar eram
cautelosamente trabalhados para que o menino pudesse ter o máximo de
compreensão da matéria, no menor tempo, a fim de não causar qualquer mal-estar
àquele corpo tão frágil.
Fato é que a hidrocefalia do garoto Otto foi regredindo e, depois disso, ele
pôde participar do sistema oficial de educação. O menino ficou curado.
6
momento, o melhor de si para o melhor benefício das pessoas no contexto em que
estava presente.
Quando nos sentamos para ler, de modo teórico, sobre a ação livre e genuína
no livro “Filosofia da Liberdade”, podemos nos assegurar de que o autor desta obra
não estava elucubrando. Rudolf Steiner viveu várias ações livres e genuínas
concretamente, e a reflexão sobre o que vivenciou, ele compartilhou na forma de
ideias claras e lógicas no livro “Filosofia da Liberdade”.
Ele checa uma série de várias ações no arquivo de sua memória, para, em
seguida, identificar em que tipos de ação ele se sente mais livre e em quais se sente
determinado por alguma coisa que não seja sua própria vontade consciente.
Por meio deste método, Rudolf Steiner notou uma característica significativa
em todas as ações em que se sentia mais livre: percebeu que o motivo delas não foi
definido pelo jeito usual e superficial de pensar, mas por meio de uma experiência
criativa que chamou de “pensar intuitivo”.
Steiner notou, portanto, que se sentia mais livre nas ações que foram criadas
pelo pensar intuitivo.
Quando a pessoa realiza uma ação sem utilizar o pensar intuitivo, parece que
não é ela mesma a verdadeira autora daquela ação. Nestas situações, ela se sente
apenas executando a ação sem consciência aprofundada do motivo, por estar sendo
condicionada por um instinto ou por um sentimento impulsivo, ou ainda por seguir
normas de grupos sociais sem refletir se fazem sentido.
7
A experiência de realizar uma ação pelo pensar intuitivo é bem diferente disso,
porque a pessoa percebe que a ação vem genuinamente do seu próprio ser. É a partir
da própria individualidade que a pessoa sente surgir uma ação criada pelo pensar
intuitivo.
8
Trata-se de um processo bem simples: identificar as ações recordadas que
mais proporcionam um sentimento de liberdade e checar qual é o papel do pensar
intuitivo nessas ações.
Na ação livre e genuína nós não somos movidos por um poder estranho, mas
reconhecemos os aspectos mais autênticos da própria individualidade em ação.
9
Visão de Conjunto do Livro de Steiner Como um Todo
10
1. Desafio de encontrar o pensar intuitivo na própria ação genuína
11
Um Caso Ilustrativo de Ação Genuína
Eu tinha por volta de 16 anos de idade quando, ao acordar de manhã, na casa
do meu pai, no bairro Interlagos, cidade de São Paulo, abro a porta do corredor para ir
tomar o café da manhã e me deparo com um homem portando um revólver na mão. É
um assalto. “Todos pra sala! Agachem. Mãos pra trás”, diz ele, em tom de voz
agressivo. Ele amarra forte meu pai, eu e o casal de caseiros, o que incomoda
bastante.
Ele dá um soco no peito do meu pai em castigo por ter dito que não tinha
nenhuma arma em casa – tinha, e o bandido a havia encontrado. Bebe
compulsivamente uísque na garrafa, e o pior de tudo: seus dedos oscilavam num
tremor intenso bem nos mecanismos do revólver! Pensei: “ele tem que se acalmar”.
Vi meu corpo tremendo com uma intensidade como nunca tinha visto antes.
Muita concentração mental para não urinar nas calças.
Até aqui, não havia nenhuma possibilidade de eu realizar uma ação genuína.
Estava preso por detrás de máscaras que inviabilizavam o meu senso de presença.
Tive a intuição desse conjunto de ideias interligadas numa relação lógica entre
elas. Tudo foi pensado num relance só, diante de mim, rapidamente; pensar intuitivo.
12
situação e passei a definir a mim mesmo como um “facilitador de um diálogo
potencialmente autotransformador”.
Com isso, caiu a máscara que me impedia de ver a mim mesmo. Superei o
medo e dei vida ao sentimento de fascínio intelectual. Superei a autodefinição como
vítima e passei a me ver com meu senso de propósito que busco realizar até hoje.
Testo o bandido aos poucos, de acordo com aquela pergunta que visualizei
pelo pensar intuitivo. Puxo papo; ele pode participar da conversa ou não. Participa e
conversa. “Ele é um bandido comunicativo”.
Tomo coragem e testo o bandido mais um pouco. Falo para ele: “As coisas
que você tirou de mim não vão me fazer tanta falta. Mas o relógio de pulso que você
pegou, foi a minha avó quem me deu. Amo a minha avó e esse relógio é a lembrança
que eu tenho dela. Seria muito bom se você pudesse devolver esse relógio para
mim!”. O tempo para; a respiração para. Suspense. Parece que tudo está em câmera
lenta.
Ele me devolve o relógio! Agora cai a máscara que me separava de uma visão
completa dos fatos. Esse é um bandido agressivo e nervoso, sim, mas ele também é
um bandido comunicativo e colaborativo! Passo a ver os fatos de modo bem mais
completo e com mais riqueza de detalhes. Vejo os fatos de modo mais criativo.
No momento em que comecei a ver os fatos com outros olhos e constatar que
aquele era um bandido comunicativo e colaborativo, passei a viver aquela realidade de
modo bem diferente: como um facilitador de diálogos autotransformadores. Sem medo
e sem me sentir como “vítima”. Realmente, “vivemos na realidade que somos capazes
de compreender”.
13
Minha ação genuína foi a de testar o bandido pouco a pouco para ver se ele
era comunicativo e colaborativo. E o meu pensar intuitivo visualizou a pergunta
decisiva. A ação genuína é o efeito, e o pensar intuitivo é a causa.
Nessa ação genuína, eu tomei consciência, pela primeira vez, do meu senso
de propósito biográfico: ser um facilitador em diálogos potencialmente
autotransformadores.
Durante aquela ação genuína, eu estava sentindo o meu próprio ser “mais
inteiro” do que normalmente sinto, porque as atividades racionais, emocionais,
existenciais e sociais não estavam fragmentadas, mas estavam em sinergia num todo
coerente.
Não há segredo para a pessoa que quer identificar em sua memória algumas
ações genuínas que ela realizou no passado.
Uma visão diferente e inovadora dos fatos ocorre, quando temos um insight e
vemos novos significados numa clara conexão de ideias. Algumas vezes, notamos que
primeiro vemos este insight mentalmente, e só momentos depois é que nos chegam
as palavras que descrevem as ideias contidas nele. Vários pensadores, matemáticos e
físicos chamam este tipo de insight de “pensar intuitivo”. O pensar intuitivo
complementa o jeito de pensar intelectual analítico usual.
14
● Emoções de envolvimento com o processo criativo
● Identificação pessoal
Toda ética que exige do ser humano que ele reprima a sua vontade, a
fim de realizar tarefas que ele não quer, não conta com o ser humano
inteiro, mas com um ser humano no qual falta a capacidade de ter
desejos intelectuais (espirituais).
Para o ser humano desenvolvido de modo harmônico, as assim
chamadas ideias sobre o bem não estão fora, mas estão dentro da
esfera do seu ser.
Capítulo 13
Como o pensar intuitivo surge a partir das fontes do próprio ser, a pessoa
sentirá um poderoso desejo legítimo que energiza a sua determinação de realizar esse
pensar intuitivo numa ação genuína.
Capítulo 13
15
A pessoa que age a partir do pensar intuitivo transborda o próprio ser nesse
processo criativo, e isso também se reflete num sentimento de amor pela ação. É
muito comum observar amor pela ação, por exemplo, em empreendedores, inventores,
inovadores, artistas, ambientalistas e ativistas sociais.
Apenas quando eu sigo o meu amor pelo objeto, sou eu mesmo que
estou agindo.
Eu não reconheço nenhum princípio exterior para a minha ação, porque
eu encontrei em mim mesmo o motivo da ação, o amor pela ação.
Capítulo 9
Além disso, a ação genuína gerada pelo pensar intuitivo pode ter um bom
resultado ético, na medida em que for cautelosamente contextualizada no ambiente
em que for realizada.
Primeiro, a pessoa lembra de uma ação genuína que ela já realizou em sua
biografia: a situação daquela ação, os resultados, as pessoas envolvidas etc... Em
seguida, a pessoa se esforça para lembrar como aconteceu a atividade criativa do
pensar intuitivo que gerou aquela ação genuína.
16
Desenvolvemos um “faro” para reconhecer novas oportunidades de ações
genuínas em nossas vidas, quando praticamos este exercício de lembrar e recapitular
os processos criativos que já geraram ações genuínas pelo pensar intuitivo em cenas
do passado.
EXERCÍCIO 1 – Descrever uma ação genuína sua que foi gerada pelo pensar
intuitivo
Descreva por escrito uma ação que você realizou em sua biografia profissional
ou pessoal e que você considera ser mais genuína do que a maior parte das demais
ações
a) Pensar criativo – Qual foi a nova forma de ver os fatos? Como foi o momento de ter
o insight? Qual foi a ideia criativa?
d) Em que medida essa ação gerada pelo pensar intuitivo proporcionou um sentimento
de liberdade?
17
SEGUNDA PARTE
O esforço para observar como ocorre o próprio pensar gera dois benefícios:
Isso nos desafia para fortalecermos cada vez mais a “tocha da própria
atenção”, para que ela possa iluminar os caminhos inicialmente “escuros” da nossa
atividade mental durante os processos criativos que geram a ação genuína.
18
Imagine que você realize um exercício de reflexão intelectual qualquer, que não
seja nem muito difícil, mas nem muito automático, e que demande o seu pensar
conceitual. Por exemplo, você escolhe um exercício de prova de vestibular ou de livro
de ensino médio. Um exercício de física ou de geometria, por exemplo. Ou, se não
gosta de exatas, você pode lembrar de um conflito que vivenciou e que resolveu
depois de se esforçar para compreendê-lo intelectualmente e para criar o conceito de
uma solução.
Vamos trabalhar aqui alguns destes exemplos para termos mais consciência de
como ocorre a vivência do ato de pensar. Começaremos com um caso simples de
geometria para praticar o pensar e em seguida para tentar observar como ele
funciona.
Veja que não são coisas excludentes. Obviamente acho muito interessante ler
sobre as descobertas científicas de neurocientistas sobre como funciona o ato de
pensar e o ato de observar nos seres humanos em geral.
É só assim, observando a própria vivência mental, que você vai saber de fato
como o seu ato de pensar e de observar funcionam na prática e como você pode
desenvolver com mais atenção a sua capacidade de pensar e observar para ser uma
pessoa cada vez mais criativa e cada vez mais autêntica e genuína. Nem tudo vale a
pena terceirizar plenamente…
Então vamos lá. Façamos um exercício bem simples. Primeiro, vamos tentar
criar um estado de calma interior para concentrar a nossa capacidade de atenção e,
em seguida, realizaremos mentalmente o exercício.
19
Exercício 2 – Funcionamento do ato de pensar
Ok? Sugiro, que você pare de ler, feche o livro ou o computador e faça isso
mentalmente: “Pense conceitualmente uma circunferência. Explique o que é o conceito
da circunferência”.
Fez? Ok.
Irritante, não é?
20
Esse exercício é decisivo para compreender a Filosofia da Liberdade. O foco
da Filosofia da Liberdade é a relação entre a ação e o pensar. Mas muita gente nem
entende com clareza a diferença entre “pensar” e “ter imagens mentais”!
“Pensar” é uma atividade mental que chega a um conceito. “Pensar” não é uma
atividade mental que manipula imagens mentais.
Conceitos são abertos, no sentido que podem ser compreendidos por todas as
pessoas. As imagens mentais costumam ser mais “fechadas” e compartilhadas por
alguns grupos de pessoas e não por todas as pessoas racionais.
Ativar o pensar conceitual é saber usar um trampolim para conseguir pular para
fora das gaiolas mentais limitadas e alcançar horizontes mais amplos e arejados que
proporcionam plataformas funcionais de compreensão e de diálogo com as outras
pessoas.
21
Façamos um outro exercício. Novamente, primeiro vamos criar um estado de
calma interior e nos preparar para uma outra reflexão simples com o objetivo de
vivenciar o pensar conceitual conscientemente.
Recomendo novamente que você pare, feche e desligue tudo e realize esse
simples desafio para observar como o seu próprio pensar funciona.
Ok? Feito?
Dependendo dos conceitos que usamos para nos definir, estamos lançando
pontes para o passado ou para o futuro; estamos lançando pontes para becos sem
saída ou para direções promissoras; estamos lançando pontes na direção de pessoas
22
que vão nos boicotar ou na direção de pessoas com as quais vamos ter bons frutos
em colaborações produtivas. Conceitos são pontes.
Um exercício ainda mais desafiador e que nos tira ainda mais da zona de
conforto é o exercício de “observar a atividade do pensar”. Uma das finalidades deste
exercício é intensificar a força de atenção.
Quando a explicação que reativou lhe fez sentido, então você concluiu este
primeiro passo do exercício e segue para o segundo passo. Acalma a sua atividade
mental e se concentra para esse próximo desafio.
23
Exercício 4 – Observar o pensar mentalmente
Passo 2 – “Resgate pela memória a atividade de pensar que você acabou de realizar
para explicar a circunferência e observe mentalmente essa atividade de pensar que
você realizou, ou seja, observe o seu pensar conceitual sobre a circunferência”.
Sugiro novamente que você simplesmente pare de ler, feche e desligue tudo,
refaça a primeira parte e, depois, faça esta segunda parte do exercício.
Ok? Fez?
Que passo do exercício foi mais fácil realizar: o primeiro ou o segundo passo?
Por quê?
24
Eu observo a mesa e eu realizo o pensar sobre a mesa, mas eu não
observo esse pensar no mesmo instante.
Primeiramente, eu preciso me transpor para um ponto de observação
fora da minha própria atividade, quando eu quiser, além de observar a
mesa, também observar o meu pensar sobre a mesa.
Enquanto que observar os objetos e processos e pensar sobre eles são
estados plenamente cotidianos que estão presentes continuamente na
minha vida, a observação do pensar é um tipo de estado de exceção.
Capítulo 3
A maior parte das pessoas que fizeram este exercício comigo não chegaram a
nada concreto. Mas, pelo menos, só essas tentativas “frustradas” já proporcionam o
real “resultado” que é o de fortalecer a capacidade da atenção. Esse é o resultado
desejado.
Mas para que isso tudo? Para satisfazer alguma excentricidade “cult”?
Não. Para algo extremamente aplicado, tanto na vida prática, como na vida
ética. O exercício de observar o pensar e de se acostumar a contemplar o próprio eu
(o próprio senso de identidade) em atividade cria um sensor pessoal. Com este
sensor, conseguimos ser mais autocríticos durante todas as tomadas de decisão para
checar: “Será que sou eu mesmo quem está tomando esta decisão? Ou será que
estou apenas permitindo ser manipulado por “programações” já pré-estabelecidas de
como conectar imagens mentais em “decisões” que apenas aparentam serem
minhas?”
Em conjunto, estes elementos fazem com que a nossa experiência com o ato
de pensar se transforme. O salto qualitativo em clareza e em autenticidade desenvolve
ainda mais a capacidade pessoal para o pensar intuitivo.
26
Observar Como Funciona o Próprio Ato de Observar os Fatos
Um caso ilustrativo
No momento em que a minha filha nasce, eu direciono o meu olhar para ela.
Eu a esperei por tantos meses e a sentia por debaixo da pele da barriga materna, mas
não a via. Finalmente chega o dia em que a verei. Ela ainda está encoberta dentro do
ventre, na sala de parto, e eu fico esperando numa outra sala, já que informei a equipe
que costumo desmaiar ao ver muito sangue…
Depois de a médica abrir uma camada, duas, três camadas do ventre, agora só
falta a última, e podem chamar o papai. Eu entro na sala, fico meio de lado e, quando
a médica abre a última camada, ouço sons encantadores de um choro. Desloco o meu
pescoço e direciono o meu olhar, tudo em câmera lenta. E a vejo.
Minha filha! Você. Seus traços, seu semblante, suas cores, seus gestos.
27
Permaneço aberto ao afluxo de sensações. Mergulho na essência do que vejo
e ouço, para viver plenamente aquele momento de ver, pela primeiríssima vez, a
minha filha tão amada.
De repente, vejo algo. Um vulto vindo na direção do meu carro. Vou diminuindo
a velocidade ainda mais, até parar. Mas o que é aquilo? Uma pessoa? Um animal?
Que animal? Um cachorro? Uma vaca?
Sei que algo está diante de mim, mas não sei o que é. Situação perfeita para
observar como funciona o ato de observar. Nem tenho como me apoiar nas muletas
das ideias preconcebidas e das interpretações descontextualizadas. Só vejo um ...
“hããããã”. Só “hããããã”. Indefinido. Não sei o que é. Não me vem nenhuma palavra
interpretativa, nenhum conceito explicativo. Só “hããããã”.
28
consciência, a cada momento, sempre se encontra carregado com
conceitos nas mais variadas formas.
Do que esse ser tomaria consciência neste momento antes que ele
colocasse o seu pensar em atividade: esse é o conteúdo puro de
observação.
Esse tipo de exercício faz com que o objeto se torne como que uma pista de
aeroporto livre, limpa e desimpedida, para que os conceitos contextualizados possam
aterrissar sobre as asas do nosso pensar intuitivo e esclarecer aquele conjunto de
sensações, explicando-as aqui e agora num mergulho mais completo e criativo.
Quando o ato de observar é bem mais intencional e atento do que o usual, ele
dribla as representações mentais descontextualizadas e nos faz ver os níveis mais
profundos da essência daquele objeto.
29
“Como a marca nos encontra? Podemos observar isso claramente quando se
trata da marca de um comércio: Entramos em uma loja. Ainda antes de
visualizar alguma coisa em particular, observamos a sua atmosfera específica.
Surge um sentimento espontâneo de simpatia ou antipatia. A iluminação, a
instalação, os quadros e imagens, os produtos apresentados e, sobretudo, o
tom de como os colaboradores falam e se comunicam com os clientes, tudo
isso atua em conjunto nesta primeira impressão.
Quando mergulhamos na atmosfera de uma loja, vivenciamos uma quantidade
inacreditável de aspectos. Isso acontece de modo tão rápido e direto que, nas
situações específicas, nós nem nos damos conta. Apesar disto, essa
impressão é decisiva. Ela toca toda a nossa sensação de bem estar.
E tudo isso é vivenciado como algo que nós atribuímos imediatamente à
empresa, é vivenciado como expressão desta empresa, como mensagem da
marca.”(5)
30
Aqui me vem uma analogia. Os cientistas compreenderam mais sobre o
espectro da luz quando eles foram além das cores óbvias que todo mundo vê no
arco-íris e desconstruíram as noções tradicionais sobre a luz.
De um lado extremo do arco íris, os cientistas foram investigar o que vai além
da cor roxa e encontraram o ultravioleta, que não é uma cor que se vê usualmente,
mas é um fenômeno químico que se constata em condições especiais de laboratório.
31
Conviver com Perguntas Essenciais
Tudo isso, faz com que você olhe os fatos e as situações com “óculos” que são
só seus. Tudo isso faz com que, para interpretar a realidade, você configure imagens
mentais que são só suas e bem diferentes das imagens mentais de outras pessoas
para os mesmos fatos.
32
Como a forma de ver e observar é muito pessoal, as imagens mentais que
você cria destes fatos também serão pessoais. Por decorrência, os questionamentos
que lhe surgem para você buscar explicações também serão muito pessoais. É por
isso que as perguntas essenciais são muito individuais.
Conforme você convive dias, semanas, meses ou até mesmo anos, com a
mesma pergunta essencial, ela lhe desafia a direcionar a sua atenção para você
observar mais profundamente os fatos. A pergunta essencial também estimula o seu
pensar intuitivo para buscar uma nova relação de conceitos que expliquem melhor os
fatos.
De que modo ela lhe ajudou a observar os fatos de novos modos e a ter novos
insights?
33
Síntese do “Laboratório Mental” para Desenvolver o Pensar Intuitivo
Agora podemos sair deste laboratório mental, onde realizamos exercícios tão
teóricos e sem nenhuma utilidade imediata, e podemos perceber que conquistamos
novas perspectivas.
Será que o pensar intuitivo renovado nos abre possibilidades inéditas para o
auto-conhecimento?
Será que o pensar intuitivo amplia a nossa capacidade para compreender a outra
pessoa com mais veracidade?
34
Será que o pensar intuitivo nos ajuda a comunicar mais genuinamente a própria
essência pessoal, para aumentar a chance de cada um de nós ser compreendido por
outro ser humano?
Será que, nos voos do pensar intuitivo, podemos encontrar novos pontos de
convergência e sinergia para as nossas intenções?
35
TERCEIRA PARTE
Na primeira parte deste livro, vimos que o pensar intuitivo já está disponível
para todos nós dentro das ações genuínas já realizadas na biografia de cada um. Na
segunda parte, viajamos a um laboratório mental e praticamos exercícios sistemáticos
para desenvolver ainda mais a capacidade do pensar intuitivo.
Agora, na terceira parte, veremos como o pensar intuitivo fortalecido pode ser
praticado no autoconhecimento e nos diálogos para a compreensão mútua, para a
superação de conflitos e também para a identificação de novas oportunidades de
colaboração.
Até mesmo nas fases de vida mais fartas de calor humano dos amigos e familiares à
nossa volta, a solidão pode bater forte em nossas portas existenciais mais íntimas.
Na sua vida atual, quantas pessoas você percebe que realmente compreendem a sua
individualidade genuína e o seu senso de propósito? Cinco pessoas? Duas? Dez?
Zero? Uma pessoa? Quantas?
Por outro lado, quantas pessoas se sentem, de fato, compreendidas por você,
enquanto individualidades genuínas?
36
Minha clareza sobre as camadas mais superficiais do meu
senso de propósito é o que me proporciona firmeza na vida. Graças a
essa clareza, pude conquistar o meu espaço atual nos ambientes
profissionais e pessoais, porque um número razoável de pessoas me
compreende e me apoia nessas camadas mais superficiais do meu
propósito.
37
O modo como uma pessoa específica pensa, não é possível deduzir a partir de
alguma idéia generalizante sobre a espécie humana. Para isso, a medida
decisiva é apenas o próprio indivíduo.
Também não é possível definir, a partir do caráter do ser humano em geral,
quais metas concretas o indivíduo quer almejar.
Quem quiser compreender um indivíduo em particular, tem que chegar até o
seu ser único, sem parar nas características típicas. Nesse sentido, cada ser
humano específico é um desafio e um “problema” a ser compreendido.
Capítulo 14
Isso significa que, para compreender uma outra pessoa, temos que abrir mão
da forma como nós a interpretamos. Em vez disso, devemos tentar compreender como
ela compreende a si própria.
Para todos os outros objetos, o observador tem que obter os conceitos por
meio de suas intuições; para compreender uma individualidade livre, trata-se
de captar em nosso intelecto (espírito) os conceitos dela, pelos quais ela define
a si própria. Temos que captar esses conceitos dela de modo puro (sem serem
misturados com os conteúdos dos próprios conceitos do observador).
Capítulo 14
E como fazer para ter mais clareza sobre os conceitos que você sente fazerem
sentido para se autodefinir? Tenho feito este exercício com centenas de pessoas em
várias cidades, e percebi algumas armadilhas.
Para não cair nestas armadilhas, recomendo que a pessoa pratique o exercício
de se auto definir sem idealizar nem complicar muito. A pessoa faz o exercício agora
na medida em que for possível e vai melhorando esse exercício, por exemplo, em
revisões a cada ano.
39
São sentimentos existenciais que, em raros momentos, nos surgem e nos
presenteiam com a sensação de sermos tocados sutilmente pelo mais significativo
potencial do nosso próprio ser.
Na primeira parte deste livro, eu relatei uma ação genuína que realizei aos 16
anos de idade durante um assalto em casa, no qual o pensar intuitivo me ajudou a
perceber novos fatos sobre o assaltante, me ajudou a me preencher de envolvimento
emocional positivo com o processo criativo e me ajudou a descortinar com clareza
conceitos da minha autodefinição como um facilitador de diálogos potencialmente auto
transformadores. Visualizei essa autodefinição num relance durante aqueles instantes,
mas só muitos anos mais tarde é que eu pude ter a plena consciência sobre o
significado dela e desse momento biográfico.
Eu tinha nove anos de idade; estava com minha família, indo de carro, à
noite, de São Paulo para a nossa casa em Campos do Jordão. Ao subir a Serra
da Mantiqueira, eu sentei no colo da minha mãe em um longo abraço. Então,
olhei pela janela e visualizei o amplo panorama do céu estrelado. Parecia que
dava para tocar a via láctea.
40
Essa melancolia foi, ao menos, atenuada pela vivência: “Ao contemplar
as estrelas e ao contemplar o amor de mãe e filho, este momento, de algum
modo, se torna mais do que um momento”.
Hoje, quando reflito sobre os sentimentos existenciais desta vivência que tive
aos nove anos, obtenho maior clareza conceitual para definir a mim mesmo como um
pesquisador de práticas contemplativas de meditação e mindfulness.
Escreva para você mesmo sobre uma vivência existencial específica que tenha
sido significativa na sua biografia e que lhe inspira para encontrar os conceitos que
mais lhe fazem sentido para você definir a si mesmo.
Pode ser qualquer tipo de vivência existencial da infância ou da vida adulta que
lhe sinaliza sobre o significado da sua vida.
Uma opção, por exemplo, é uma situação, na qual você realizou uma ação
genuína que lhe permitiu ter mais clareza sobre o seu próprio senso de propósito e lhe
permitiu encontrar uma forma mais autêntica de você ver a si mesmo e definir a si
mesmo.
b) Com base nisso, expresse, por escrito, como você define a si mesmo. Ou seja,
expresse, por escrito, os conceitos que lhe fazem sentido para se autodefinir.
c) De que modo essa vivência existencial (ou essa ação genuína) proporcionou maior
clareza sobre o seu senso de propósito e sobre os conceitos que você vê sentido
escolher para definir a si mesmo?
41
a) Em duplas. Uma pessoa fala durante 5 a 15 minutos e a outra somente escuta. A
pessoa que fala apresenta:
c) Troca de papéis na dupla: quem falou agora escuta, e quem escutou agora fala
sobre os tópicos acima e, então, prosseguir com o diálogo livre.
Observação:
Tente escutar a outra pessoa sem interpretá-la. O desafio é “captar em nosso intelecto
(espírito) os conceitos dela, pelos quais ela define a si própria. Temos que captar
esses conceitos dela de modo puro (sem serem misturados com os conteúdos dos
próprios conceitos do observador).
Para isso, precisamos nos esforçar para desenvolvermos uma certa sensibilidade para
captar os movimentos do pensar intuitivo do outro.
Imagine duas pessoas que já convivem relativamente bem. Cada uma delas
começa a desenvolver ainda mais o seu pensar intuitivo e a sua própria
individualidade genuína. A convivência entre elas vai continuar a ser viável ao longo
do tempo ou a conexão entre elas vai se romper?
42
Mas como é possível uma vida conjunta entre os seres humanos,
quando cada um só busca fazer valer a sua individualidade?
Capítulo 9
Para lidarmos com esta questão, utilizaremos aquela distinção entre “pensar” e
“ter imagens mentais” que já vimos na parte anterior do nosso estudo. Relembrando:
com frequência, achamos que estamos pensando, mas não estamos. Essa confusão
acontece, quando conectamos imagens mentais passivamente.
Para ilustrar a distinção entre pensar versus “ter imagens mentais”, vimos que
o conceito de uma circunferência pode se expressar como “a figura geométrica de
uma linha que une pontos equidistantes de um mesmo ponto central”. Esse conceito
explica o que a circunferência é, sendo que essa explicação faz sentido para mim aqui
e agora, e também faz sentido para inúmeras outras pessoas, ao pensarmos
ativamente a respeito da circunferência.
Vimos também que a imagem mental limita esse conceito para apenas uma de
suas inúmeras possibilidades de operacionalização; como, por exemplo, a imagem
mental de uma circunferência vermelha de 3 metros de diâmetro, que é bem diferente
de uma outra circunferência azul de 2 milímetros de diâmetro. Se eu acredito que a
circunferência tem que ser vermelha e você acredita que a circunferência tem que ser
azul, então nós não nos entenderemos. Mas se nós dois ativarmos a nossa
capacidade de pensar, então chegaremos ao mesmo conceito universal do que é uma
circunferência e nós nos entenderemos.
43
Obviamente, ao longo da convivência entre duas individualidades genuínas,
podem surgir conflitos. No entanto, individualidades que sabem praticar o pensar
intuitivo conseguem descobrir várias soluções para o conflito. Isso porque o pensar
intuitivo nos ajuda a encontrar os conceitos decisivos sobre os objetivos e as
necessidades legítimas em jogo para identificarmos novas alternativas viáveis de
como atendê-los(6).
Mas também é possível observar situações bem diferentes que não são
limitadas pelas imagens mentais: pessoas que solucionam um conflito por meio de
diálogos transparentes e que alcançam conceitos mais amplos para ver o conflito “com
novos olhos” e encontrar os pontos de sinergia entre as intenções dos envolvidos.
44
conflitos sem sentido. Essa é a base para eu e você iniciarmos uma convivência
colaborativa.
Com isso, fica óbvio visualizarmos soluções para os conflitos que naturalmente
surgem ao longo da nossa convivência. Com isso, fica óbvia a potencial sinergia entre
os meus propósitos e os seus propósitos em promissoras colaborações.
Nas palavras de Rudolf Steiner, “Quando nós dois realmente nos abastecemos
a partir da ideia e não seguimos nenhum estímulo exterior (físico ou intelectual), então
nós necessariamente nos encontraremos nas mesmas aspirações e nas mesmas
intenções”.
Parece-me que é essa a linha de raciocínio de Steiner, ao afirmar que “um mal
entendido ético, um embate está fora de cogitação no caso de seres humanos
eticamente livres”; ele considera que o “ser humano eticamente livre” é a
individualidade que contribui com o bem maior a partir de ações genuínas, do pensar
intuitivo e do diálogo.
46
a) Descreva uma situação de resolução de conflito que você participou.
iii) Qual era sua intenção legítima e qual era a intenção legítima da outra
pessoa? De que modo as intenções convergiram (se harmonizaram) após a resolução
do conflito?
b) Descreva uma situação em que você, junto com uma ou mais pessoas,
aproveitaram uma promissora oportunidade de colaboração.
QUARTA PARTE
47
O livro conta com três partes. A primeira parte vai do capítulo 1 ao capítulo 7 e
é intitulada “Ciência da Liberdade”. A segunda parte contém os capítulos 8 ao 14 e é
denominada “A Realidade da Liberdade”. E a terceira parte com o título “As Questões
Finais” contém apenas um capítulo.
Capítulo 1
Será que o ser humano pode ser livre ao realizar uma ação? Ou será que as
pessoas sempre são forçadas a agir do modo que agem?
Por esse motivo, os primeiros sete capítulos do livro (de um total de quinze
capítulos) buscam compreender como funciona o nosso processo de ter conhecimento
e qual é o papel do pensar intuitivo nesse processo.
Capítulo 2
48
Em que contexto real nós vivenciamos as motivações mais fortes para
ativarmos a busca por conhecimento?
Capítulo 3
Imagine que você está observando uma jogada de bilhar. Você observa tudo
com os olhos, mas decide NÃO pensar a respeito do que você observa. De repente,
alguém impede o seu campo de visão com uma espessa cortina, logo depois de você
ver o taco movimentar a bola branca em direção a uma bola verde. O que você saberá
dizer a respeito da direção e intensidade do movimento da bola verde, se você se
limitar à observação sem o pensar? - Nada. Não será possível prever nada sobre os
fatos que não são compreendidos, mas apenas observados.
Então, mais uma vez, lhe encobrem o campo de visão com a espessa cortina
que lhe impede de acompanhar os fatos, logo depois de você ter visto o taco
movimentar a bola branca em direção a uma outra bola, a amarela. O que você saberá
dizer dessa vez sobre os acontecimentos que estão ocorrendo atrás daquela cortina? -
49
Tudo. Você será capaz de saber a direção e a velocidade da bola amarela, por causa
dos conceitos que o pensar relacionou. Os conceitos gerados com o pensar fazem
com que você participe dos acontecimentos mesmo sem vê-los.
A sua atividade de pensar, se for realizada com precisão, lhe permitirá prever o
que vai acontecer, mesmo sem ver os fatos com os olhos.
Tudo que aparece no campo de nossas vivências nós notamos, por meio da
observação: O conteúdo de sensações, objetos, opiniões, os sentimentos, atos
da vontade, sonhos, fantasias, imagens mentais, conceitos e ideias, todas as
ilusões e alucinações nos são dadas, por meio da observação.
50
experiências mentais anteriores ao me recordar da minha atividade de ter pensado
sobre aquele objeto (durante o primeiro passo). Ou seja, no segundo passo, eu
contemplo (em observação interior) a atividade de pensar que realizei momentos
antes.
Imagine uma situação em que você observa um fato que não compreende
direito no primeiro momento e, em seguida, você se esforça e ativa a sua capacidade
de pensar para identificar os conceitos que melhor explicam aquele fato.
Qual vai ser o foco da atenção naqueles momentos de pensar sobre o fato? O
seu foco da atenção vai estar sobre o fato ou sobre as características da sua própria
atividade mental ao pensar? O foco da atenção estará plenamente dedicado aos fatos
que a pessoa quer compreender e não sobre a própria atividade mental. Durante os
momentos de pensar ativamente, o conteúdo da nossa consciência está “para fora” de
nós e para dentro dos fatos do mundo sobre os quais estamos pensando.
Faz parte da natureza peculiar do pensar o fato de que a pessoa que está
pensando se esquece que está pensando enquanto realiza o pensar. Ela não está
ocupada com o pensar, mas apenas com o objeto observado sobre o qual ela está
pensando.
51
É o próprio eu que, estando dentro do pensar, observa a sua própria atividade.
Capítulo 4
Por meio do pensar, surgem conceitos e ideias. Mas não é possível dizer com
palavras o que é um conceito.
Conceitos e Ideias
52
O Pensar nas Explicações pela Lógica de Causa e Efeito
Na medida em que a pessoa observa uma coisa, essa coisa lhe aparece como
algo dado. Na medida em que a pessoa pensa, ela aparece para si mesma como um
ser atuante. Portanto, a pessoa considera que aquela coisa é o objeto, e considera a si
mesma como o sujeito pensante.
A pessoa tem consciência dos objetos, porque ela direciona o seu pensar para
os fatos observados; e ela tem consciência de si mesma (autoconsciência), porque
direciona o pensar para si própria. Isso significa que é graças ao pensar que nós
conseguimos nos definir como sujeitos em contraposição aos objetos. Por esse motivo
não faz sentido considerar que o pensar é subjetivo!
O pensar não é objetivo nem subjetivo. O pensar vai além do que é objetivo e
do que é subjetivo, já pelo simples fato que é o próprio pensar que define esses dois
conceitos: “objeto” e “sujeito”. O pensar define todos os conceitos.
Não é pelo motivo de ser um sujeito, que o sujeito pensa. Mas é pelo motivo de
ser capaz de pensar que ele se manifesta a si mesmo como sujeito. Por isso, a
atividade que o ser humano exerce como ser pensante não é uma atividade subjetiva,
mas uma atividade que não é nem subjetiva nem objetiva, por ser uma atividade que
ultrapassa esses dois conceitos.
53
Não é o meu sujeito individual que pensa, porque é graças ao pensar que
surge a minha vida individual como sujeito.
Imagine que uma pessoa plenamente inteligente e adulta surja do nada pela
primeiríssima vez entre nós. Como serão os primeiros momentos dessa pessoa ao
olhar, ouvir, cheirar e sentir o mundo ao seu redor? Como serão esses primeiros
momentos em que ela simplesmente observa o mundo, sem nenhuma ativação do
pensar?
Esse exemplo hipotético é radical, porque nós todos já temos uma enorme
quantidade de conceitos e de imagens mentais atuantes conscientemente ou
inconscientemente dentro de nós, a todos os momentos.
Essa pessoa adulta e inteligente recém surgida, do nada (e sem ativar ainda o
seu pensar), estaria com zero conceitos em sua consciência e zero imagens mentais
interpretativas. Ela observaria o afluxo de sensações visuais, auditivas, táteis, olfativas
etc, sem rótulos, sem explicações, sem conexões. O mundo para essa pessoa seria
um aglomerado desconexo de sensações e mais sensações.
54
Quando uma nova observação nos leva em contradição com as explicações
que tínhamos anteriormente sobre as coisas, então nos sentimos na obrigação de
corrigir essas explicações anteriores e constatamos que as árvores naquela avenida
têm todas aproximadamente o mesmo tamanho, que a lua está muito mais distante do
que o nosso braço pode alcançar, e que o sol não gira em torno da terra.
Portanto, temos que realizar constantes correções sobre o sentido das nossas
observações. As pessoas ingênuas acreditam que a realidade dos fatos ocorre
exatamente do modo como os seus sentidos observam esses fatos.
A árvore, eu observo fora de mim, no mundo, por meio dos meus órgãos dos
sentidos. A imagem da representação mental daquela árvore, eu observo dentro de
mim, na minha memória.
Capítulo 5
Muitas pessoas acreditam que a realidade dos fatos não tem nenhuma relação
com os conceitos. Essas pessoas são da opinião que os conceitos e pensamentos são
apenas fabricações pessoais sem nenhuma participação na realidade.
55
Será que o mundo não faz com que o conceito de uma planta surja na cabeça
do observador humano de acordo com as leis da natureza e com a mesma
necessidade que faz com que a flor surja naquela planta?
Por que esse conceito da planta pertenceria menos à planta como um todo do
que as folhas e flores?
Você pode retrucar que as folhas e as flores aparecem mesmo sem que um
sujeito esteja lá observando aquela planta, enquanto que o conceito da planta só
surge quando um ser humano se coloca diante da própria planta. Sem dúvida que sim.
56
O ser humano é um ser limitado. É, de início, um ser entre outros seres. A sua
existência pertence ao tempo e ao espaço. Por isso, a cada momento só lhe é
dada uma limitada parte do universo como um todo.
Porém, essa minha parte limitada faz fronteira a sua volta com outras partes
que não são minhas: tanto temporalmente, quanto espacialmente.
Por causa da nossa limitação, nos parece que uma coisa é algo isolado,
enquanto que, na verdade, não é algo isolado.
Por exemplo, em nenhum lugar a qualidade isolada “vermelho” ocorre de modo
separado em si mesma. Essa qualidade sempre está acompanhada de outras
qualidades, ela sempre pertence a outras qualidades. Sem essas outras
qualidades, o “vermelho” não tem existência.
No entanto, é uma necessidade nossa termos que fazer recortes do mundo e
contemplarmos cada recorte isoladamente.
57
Portanto, a auto-observação é limitada e resulta num conjunto de
características que apenas descrevem a minha personalidade atual sem abrir novas
perspectivas.
Nesse sentido, sou um ser duplo. Pela observação, estou fechado no âmbito
da minha personalidade; e pelo pensar, sou o portador de uma atividade que define a
minha existência limitada, a partir de uma esfera mais ampla.
Nós vemos uma força absoluta vir à existência dentro de nós, uma força que é
universal. Mas não tomamos conhecimento dessa força no momento em que
ela brota a partir do centro do universo, mas sim a partir de um ponto na
periferia.
Se fosse o primeiro caso, nós teríamos a solução para o enigma de todo o
universo, assim que a nossa consciência despertasse.
No entanto, por estarmos num ponto da periferia e por nos encontrarmos
restritos em limites específicos, precisamos tomar conhecimento das regiões
que estão fora do nosso próprio ser, por meio do auxílio do pensar que surge
com ímpeto dentro de nós a partir do ser universal geral.
58
É justamente por esse motivo que aparece em nós o desejo pelo
conhecimento: é porque o pensar se sobrepõe ao nosso ser particular e se relaciona
com o ser universal geral.
Seres que não pensam não têm o desejo pelo conhecimento. Quando outras
coisas aparecem diante deles, não aparece nenhuma pergunta. Por isso, essas outras
coisas permanecem exteriores a esses seres.
Intuição e Observação
Fragmentação e Unificação
59
Conhecimento e Ação
Nós só conseguiremos ser atuantes com plena força quando compreendermos bem o
objeto exterior ao qual queremos dedicar a nossa atividade.
Capítulo 6
Individualidade e Sentimentos
Até agora, refletimos sobre a busca por conhecimento. Mas além de sermos
seres pensantes, também somos seres com sentimentos. Como a nossa vida de
conhecimento se relaciona com a nossa vida de sentimentos?
60
Por meio do pensar, estabelecemos uma relação do objeto observado com o
conceito; e por meio do sentir estabelecemos uma relação do objeto observado com a
nossa própria subjetividade, na forma de prazer ou desprazer.
O pensar é o elemento da nossa natureza humana que nos permite participar
dos acontecimentos gerais do mundo e do universo; e o sentir é o elemento da nossa
natureza humana que nos permite voltar para dentro do âmbito do nosso próprio ser.
Nosso pensar nos une com o mundo; nosso sentir nos direciona para dentro de
nós mesmos e nos torna indivíduos.
61
Um segundo aspecto da individualidade humana é o modo pessoal e único de
conectar sentimentos específicos com os fatos e acontecimentos que observamos.
Capítulo 7
Limites do Conhecimento
Existem limites para o conhecimento? Esses limites são iguais para todos os
seres humanos ou são limites pessoais? Como superar esses limites?
Em dado momento, a pessoa pode não ter as respostas que satisfaçam a sua
pergunta de conhecimento individual, por encontrar limites que a impedem de
respondê-la. Mas estes limites individuais ao conhecimento para responder a própria
pergunta são limites passageiros. Eles são condicionados pelo tempo ou pelo espaço
ou pelas condições pessoais.
Por isso, esses limites podem ser superados em outro momento mais
adequado no tempo ou em outro campo de observação mais adequado no espaço ou
em uma situação em que as próprias capacidades pessoais de pensar e observar
estejam mais desenvolvidas.
62
Se nós nos colocamos uma pergunta que não conseguimos responder, então o
conteúdo da pergunta não pode estar claro e nítido em todas as suas partes.
Não é o mundo que nos coloca perguntas, mas somos nós mesmos que as
colocamos.
Eu posso imaginar, que me falte toda a possibilidade de responder uma
pergunta que eu encontre escrita em algum lugar por aí, sem que eu conheça a
esfera de onde o conteúdo da pergunta foi obtido.
No nosso conhecimento, trata-se de perguntas que nos surgem, quando uma
esfera de observações (condicionada pela localização, pelo tempo e pela
organização subjetiva) se confronta com uma esfera de conceitos (que indica
em direção da unidade do universo). Minha tarefa consiste em equilibrar essas
duas esferas que me são tão familiares.
Mas, o que não é encontrado hoje, pode ser encontrado amanhã. As limitações
condicionadas desse modo são passageiras e podem ser superadas, por meio
do progresso da observação e do pensar.
Capítulo 8
63
Dentro do mundo das observações, nós observamos a nós mesmos. Essa
auto-observação permaneceria equiparada às múltiplas outras observações, se
não surgisse, a partir do centro dessa auto observação, algo que se mostra
capaz de conectar os objetos da observação em geral entre si e capaz de
conectar o conjunto de todos os objetos de observação com a observação do
nosso self (observação de si mesmo).
Esse algo que surge não é mais apenas objeto de observação. Esse algo não
é simplesmente encontrado, como no caso dos objetos da observação. Esse
algo vem à tona, por meio de atividade. E ele aparece, inicialmente, ligado com
o que observamos como sendo o nosso self. Mas o significado intrínseco
desse algo vai além do nosso self. Esse algo anexa determinações de
significado em cada objeto observado. Essas determinações de significado se
relacionam entre si e se fundamentam em um todo.
E, de modo semelhante como faz com todos os objetos observados, esse algo
também determina o que constatamos pela auto-observação. Determina-o com
conexões de significado e posiciona-o como sujeito ou “eu” diante dos objetos.
Esse algo é o pensar e as determinações de significado são os conceitos e as
ideias. Portanto, o pensar se manifesta, de início, no contexto da observação
do self.
No entanto, o pensar não é subjetivo, porque é com a ajuda do pensar que o
self se define como sujeito.
Essa relação de pensamentos consigo mesmo é uma definição de vida para a
nossa personalidade. Por meio dessa definição, nós conduzimos uma
existência de ideias e nos sentimos como seres pensantes.
64
Esforço-me para compreender o sentido desses sentimentos e impressões
existenciais. Tempos mais tarde, me surge um insight, e vejo com clareza as ideias e
conceitos que me dizem o que aqueles sentimentos e impressões existenciais
significam. Nos vívidos conceitos de auto-definição que brotaram daqueles
sentimentos existenciais, agora eu sei, mais genuinamente, quem eu sou.
Capítulo 09
Imagine que duas pessoas diferentes têm a mesmíssima ideia de fazer uma
caminhada de meia hora. A primeira pessoa logo desiste da caminhada e permanece
no sofá, enquanto a segunda pessoa sai de casa e realiza, de fato, a caminhada de
meia hora.
Por que será que uma mesma ideia gerou ações tão diferentes nas duas
pessoas? Essa diferença ocorreu devido à variação na predisposição pessoal
mobilizadora (em inglês, o drive) dessas duas pessoas em relação à ideia da
caminhada.
65
Portanto, dois fatores são necessários para que uma ação ocorra: o motivo
(meta) da ação é o primeiro fator; o segundo fator é a predisposição pessoal
mobilizadora (drive) para transformar efetivamente esse motivo, essa meta, em ação.
O motivo da ação, em geral, é algo que ocorre no curto prazo e é definido por
uma ideia ou por uma imagem mental sobre a finalidade da ação. A predisposição
pessoal mobilizadora para a ação depende de características que tendem a ser mais
estáveis no longo prazo.
A predisposição mobilizadora para a ação pode ser gerada por diversos tipos
de características pessoais, como os instintos básicos, o padrão das reações
emocionais, a experiência prática, o estilo pessoal de pensar e a capacidade de ter
intuições.
Por fim, a capacidade de ter intuições pode se manifestar como mais uma
categoria de predisposição mobilizadora para a ação. Diante de um desafio novo, a
pessoa não conta com experiências práticas anteriores e cria uma solução inovadora a
partir do pensar intuitivo. Para isso ser possível, é muito conveniente que a pessoa
tenha tido estímulos na escola, na formação profissional e, sobretudo, nas práticas de
autoconhecimento para desenvolver em si mesma a predisposição pessoal capaz de
ativar o pensar intuitivo.
66
As intuições que obtive no passado, por meio do pensar intuitivo, me
proporcionam um “estoque” de conceitos vívidos que podem ser mantidos de modo
latente em mim. Depois de dias, meses, anos ou décadas, pode surgir um novo
desafio específico como uma oportunidade para que um destes conceitos vívidos
realize o papel de ativar uma ação, por já estar presente em mim como predisposição
mobilizadora.
67
pensar intuitivo e cria uma ação para atender a uma necessidade específica no
contexto diante de mim.
Quando esse conjunto muito individual de ideias obtidas pelo pensar intuitivo
se direciona para ações práticas em sociedade, ele pode ter um significado ético
bastante genuíno e benéfico para o todo, quando é movido por um amor genuíno pela
ação. Essa é a ideia do “individualismo ético”.
Esse amor pela ação não costuma estar presente quando a pessoa realiza
uma ação apenas por obrigação para se adequar à uma regra social.
A minha ação gerada pelo pensar intuitivo vai gerar efeitos tidos como “bons”
se ela for contextualizada adequadamente na situação geral em que ela se insere. O
pensar intuitivo gera a ideia da ação e também compreende o contexto da ação para
harmonizar a ação com o contexto.
68
Existem concepções moralistas que acreditam que o único mecanismo que
viabiliza uma vida em sociedade é o mecanismo das regras sociais que são impostas
e obedecidas por todos.
O que leva um ser humano a rejeitar outro ser humano? A pessoa que segue
apenas o instinto da natureza ou uma norma social predileta rejeita outra pessoa que
não segue os mesmos instintos nem as mesmas normas sociais.
Etapas de Desenvolvimento
69
A natureza faz do ser humano um mero ser natural; a sociedade, o faz um ser
que age de acordo com leis; um ser livre só ele mesmo pode realizar a partir de
si mesmo.
A natureza libera o ser humano de suas amarras em um certo estágio de seu
desenvolvimento; a sociedade conduz esse desenvolvimento até um ponto
adiante; o último polimento, só o ser humano pode realizar em si mesmo.
Capítulo 10
O ser humano toma ação em parte de modo livre e em parte de modo não livre.
Ele surge no mundo como um ser não livre e pode, passo a passo, se desenvolver até
o ponto em que encontra a si mesmo e realiza o espírito livre.
É o indivíduo que realiza as intuições que criam as novas ideias de ações. Por
isso, os objetivos coletivos não surgem da coletividade, mas são concebidos por
indivíduos que fazem parte dessa coletividade.
70
coletiva de um conjunto humano é apenas o resultado da ação da vontade de
cada um dos indivíduos.
Vamos refletir sobre uma aparente contradição. A pessoa livre busca o motivo
da sua ação a partir da intuição de conceitos e ideias. Como a pessoa pode ser livre e
agir a partir de sua individualidade única se as ideias e conceitos são elementos
universais que valem para todas as pessoas?
Aqui é necessário observar que a vida humana é como um pêndulo que oscila
em direção da atividade de conhecimento, por um lado, e se move também em direção
da realização de uma ação livre, pelo outro lado do pêndulo.
Capítulo 11
Na natureza, uma causa é um objeto ou processo que atua sobre o efeito que
é outro objeto ou processo. Não é uma ideia que atua diretamente como uma causa
para um efeito, no âmbito da natureza; mas a ideia se expressa como lei da natureza
que rege a ligação lógica entre a causa e o efeito e a causa é um objeto ou processo
real.
71
Capítulo 12
Não é possível a intuição de uma ideia ser diretamente realizada em uma ação
que transforma os fatos observados, porque as ideias são universais e gerais e podem
ser realizadas de inúmeras maneiras específicas.
O que faz a ponte entre a ideia intuída e os fatos transformados pela ação? É a
imagem (ou representação mental) gerada pela capacidade de imaginação criativa. A
imagem mental é o elo intermediário entre uma ideia e um objeto observado.
A pessoa que descobriu o espírito livre em si mesma vai além dessas opções e
realiza uma primeiríssima decisão, graças à sua capacidade de imaginação criativa,
que, a partir da ideia intuída, define a imagem mental de como realizar a ação
transformadora dos fatos objetivos.
Pessoas abstratas, que têm ideias de ação vagas, não são produtivas. Elas
falam de ideias e mais ideias, mas não conseguem condensá-las em possibilidades
concretas de ação. Apenas as pessoas com a capacidade de imaginação criativa são
produtivas na vida prática e na vida ética.
72
Até aqui, demos o passo que parte da intuição da ideia (por meio do pensar
intuitivo) para criar uma imagem mental da ação (por meio da imaginação criativa). O
próximo passo, no sentido da concretização da ideia, parte da imagem mental da ação
para chegar à técnica de ação que transforma efetivamente os fatos observados.
De que modo uma pessoa pode constatar se uma ação sua é caracterizada
pelos atributos da liberdade? Só por meio da própria observação mental individual.
73
Capítulo 13
Steiner tem uma visão bem diferente da visão de Hartmann. Por exemplo, se
uma pessoa ama a vista panorâmica da paisagem a partir do topo de uma montanha,
então essa pessoa vai aceitar realizar uma expedição difícil e trabalhosa passando por
vários obstáculos até chegar ao topo da montanha. Nesse momento, a pessoa não se
questiona se foi maior o prazer proporcionado por atingir o objetivo de ver a vista no
topo da montanha ou se foi maior o sofrimento pelo cansaço diante dos obstáculos ao
longo da caminhada.
74
A ética pessimista acredita precisar mostrar ao ser humano que a caça pela
felicidade seria uma busca impossível, a fim de que o ser humano se dedique
às suas verdadeiras tarefas éticas.
No entanto, essas tarefas éticas não são nada menos do que a satisfação dos
desejos naturais e intelectuais (espirituais) concretos; e a satisfação deles será
buscada apesar do desprazer que ocorre durante essa busca.
Mas as tarefas que o ser humano tem que realizar, ele realiza, porque, pela
força do seu ser, ele as quer realizar, quando ele realmente reconheceu o ser
das tarefas.
O ser humano não precisa negar a sua própria natureza a fim de ser ético,
porque a ética consiste em buscar realizar uma meta reconhecida como sendo
justificada. Faz parte da natureza humana buscar uma meta assim.
A ética não consiste no extermínio de toda a busca por prazer, para que ideias
anêmicas e abstratas possam imperar onde não exista mais a oposição a
essas ideias que vinha da presença do forte desejo pelo prazer da vida.
Mas a ética consiste da vontade forte carregada pela intuição de ideias e que
atinge sua meta, mesmo quando o caminho para isso é cheio de espinhos.
75
Ética, Inteireza do Ser e Desejos Intelectuais (Espirituais)
Toda ética que exige do ser humano que ele reprima a sua vontade, a fim de
realizar tarefas que ele não quer, não conta com o ser humano inteiro, mas
com um ser humano no qual falta a capacidade de ter desejos intelectuais
(espirituais).
Para o ser humano desenvolvido de modo harmônico, as assim chamadas
ideias sobre o bem não estão fora, mas estão dentro da esfera do seu ser.
A ação ética não consiste na eliminação de uma vontade própria unilateral,
mas no desenvolvimento da natureza humana por inteiro.
76
Com frequência, pessoas não maduras e desprovidas da imaginação moral
acreditam que o conteúdo completo da sua experiência humana se limita aos instintos
de sua natureza parcial. Por isso, vão repudiar ideias éticas que não foram criadas por
elas, para que possam desfrutar a vida plenamente sem serem perturbadas.
Para essas pessoas, obviamente não se aplica a reflexão válida para a pessoa
madura que realiza o “bem” ao concretizar a sua vontade direcionada pelo pensar
intuitivo e pela imaginação moral. O papel da educação é justamente auxiliar as
pessoas para que a natureza ética delas rompa a casca de ovo dos instintos e paixões
básicos.
[...] a ética surge a partir do ser humano, quando ele desenvolve em si mesmo
a vontade ética como um membro de seu ser inteiro, de modo que cometer um
ato antiético lhe pareceria como uma mutilação e deformação do seu próprio
ser.
Capítulo 14
77
Qual é a relação entre as manifestações únicas de uma individualidade e os
comportamentos típicos dos grupos a que ela pertence?
Uma pessoa nasce em grupos conforme, por exemplo, a sua raça, seu povo,
seu gênero (masculino ou feminino), e atua em agrupamentos humanos como sua
nação, sua comunidade religiosa etc. As características desses grupos humanos se
expressam até mesmo na fisionomia e no estilo das atitudes de cada pessoa.
A forma como uma pessoa observa os fatos e conecta conceitos para explicar
esses fatos não é uma forma fixa e determinada por padrões de grupos humanos.
Pelo pensar intuitivo, cada pessoa pode conquistar uma forma bastante individual e
criativa de compreender os fatos com um conjunto muito único de conceitos
78
interligados de um modo também único. Cada indivíduo tem a sua própria visão dos
fatos.
O modo como uma pessoa define metas para a sua vontade também pode
ajudá-la a se libertar dos modos padrões típicos e grupais, quando ela manifestar o
seu estilo pessoal de concretizar o pensar intuitivo na ação.
Para todos os outros objetos, o observador tem que obter os conceitos por
meio de suas intuições; para compreender uma individualidade livre, trata-se
de captar em nosso intelecto (espírito) os conceitos dela, pelos quais ela define
a si própria. Temos que captar esses conceitos dela de modo puro (sem serem
misturados com os conteúdos dos próprios conceitos do observador).
Pessoas que, para julgar um outro ser humano, misturam imediatamente seus
próprios conceitos, não conseguem nunca alcançar a compreensão de uma
individualidade.
79
Capítulo Final
Qual é a conexão da minha vida tão particular e limitada com a vida ampla e
ilimitada do universo como um todo?
Observo uma árvore e vou refletindo passo a passo sobre tudo o que permite a
existência dessa árvore com a finalidade de compreender o sistema de interconexões
do qual ela faz parte. A árvore não existiria sem o solo e sem a grande complexidade
das características geológicas e mineralógicas deste solo. A árvore também não
existiria sem a água que circula em seu ambiente e também não existiria sem as
múltiplas interconexões do seu bioma tanto no nível micro quanto no nível
macroecológico. A existência da árvore depende de relações climáticas próximas e
distantes; e a árvore só vive graças aos raios de sol, de modo que a existência da
árvore está diretamente relacionada com este corpo celeste solar tão distante.
80
Essas reflexões tão óbvias e disponíveis em qualquer enciclopédia podem ser
transformadas (pela observação aprofundada e pelo pensar intuitivo) numa
experiência mental sobre o todo do qual fazemos parte.
Depois de tanto trilhar ao longo das décadas, posso parar para uma reflexão
existencial decisiva e realizar uma colheita de todos os significados conquistados até
agora em minha vida. Nessa reflexão existencial, posso perceber que obtive
conhecimento aprofundado sobre diversos assuntos e, em cada um deles, conquistei
um campo gerador de insights que me faz sentir participante da vida.
81
Conforme ganho mais maturidade e mais conhecimentos aprofundados pelo
pensar intuitivo, esse processo de sentir-me participante da vida do universo vai se
consolidando e ampliando mais e mais.
Além de obter essa consciência a partir da experiência pessoal, posso dar mais
um passo e buscar compreender também as experiências semelhantes realizadas
pelos meus amigos. Com isso, vejo como cada pessoa conquistou o seu conjunto de
campos temáticos enriquecidos com os conhecimentos aprofundados pelo pensar
intuitivo, proporcionando-lhe o sentimento de participar da vida do universo.
Posso então ter o insight de que é justamente nesse conjunto das minhas
experiências com o pensar intuitivo e das experiências similares de todos os demais
seres humanos que temos acesso à vida divina do universo como um todo.
Cada ser humano abrange com o seu pensar apenas uma parte do mundo das
idéias total e, nessa medida, os indivíduos também se diferenciam, por meio do
real conteúdo do pensar deles.
Mas esses conteúdos estão inseridos num todo encerrado em si mesmo, que
abrange os conteúdos do pensar de todos os seres humanos.
Com isso, o ser humano apreende, em seu pensar, o ser arquetípico comum a
todos e que permeia todos os seres humanos.
82
Participar da vida, a partir de conhecimentos aprofundados pelo pensar intuitivo
abre a possibilidade de participar conscientemente da vida divina do universo.
Bibliografia
1. Steiner, R. (2000). A Filosofia da Liberdade (GA [Catálogo Geral] 4). Trad. M. da Veiga.
São Paulo: Ed. Antroposófica.
2. Selg, P. (2007), Rudolf Steiners innere Situation zur Zeit der 'Philosophie der Freiheit':
Eine Studie. Dornach : Verl. am Goetheanum.
3. Strube, J. (2010). Die Beobachtung des Denkens: Rudolf Steiners" Philosophie der
Freiheit" als Weg zur Bildekräfte-Erkenntnis. Verlag für Anthroposophie.
5. Werner, G. W. (2006). Führung für Mündige. Subsidiarität und Marke als Kennzeichen
einer modernen Führung, Karlsruher Universitätsverlag, Karlsruhe.
83
6. Fisher, R., Ury, W., & Patton, B. (2005). Como chegar ao sim: negociação de acordos
sem concessões. Imago.
7. Dietz, K. M. (1996). Gemeinschaft durch Freiheit: Perspektiven für die Zukunft des
Geisteslebens. Ed. Hardenberg im Verlag Freies Geistesleben.
8. Dietz, K. M., & Kracht, T. (2002). Dialogische Führung. Frankfurt am Main: Campus.
84
RESUMO
85