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• ANTROPOLOGIA

AULA 1 – Introdução à Antropologia

Sou professor Diego Reis, filósofo, professor de Filosofia e filósofo Clínico. Então, eu vou
seguir com vocês durante 10 aulas, e a cada aula eu falo o tópico principal e a gente vai
desbravando esse fantástico mundo de olhar o homem. Então, pessoal, uma das primeiras
coisas que a gente, quando vai olhar o homem, vai estudar é antropologia. Então, a gente já
pensa na origem, né? Antropo, mais um logos, ou seja, um pensamento, né? Uma estrutura que
vai tentar olhar para o ser humano e de alguma maneira dominá-lo, né? Tentar dar um
pensamento, uma estrutura onde a gente possa se sentir seguro para abordar o homem,
direcionar a nossa vida, nos orientar, as pessoas. Esse é o foco principal da antropologia e uma
das primeiras perguntas que a gente se faz é: existe um método para isso? A gente, quando vê
as abordagens antropológicas, percebe olhando para a história, vê uma tentativa do homem de
dominar a si mesmo através de várias técnicas, de várias abordagens, quais sejam. Por
exemplo, então a gente vê os gregos tentando entender a própria vida, entender as pessoas,
entender o que tá acontecendo no mundo através de um olhar mitológico. Depois, a gente vê
os próprios gregos ainda tentando entender o homem, entender a origem de si mesmo,
abordando vários aspectos cosmológicos. Depois, a gente vê com advento do cristianismo,
homem olhando para si mesmo à luz de Cristo. A gente vê isso durante a Idade Média e, mais
na modernidade, a gente vê várias abordagens, como o próprio Karl Marx olhando para o
homem como um homem econômico, um homem que vive numa espécie de indústria de
fábrica.
A gente olha outros pensadores: o próprio Freud, olhando para o homem como
"homem dos Sentidos", vendo o homem a partir da sua angústia e tentando explicá-lo. Block
olhando para o homem como uma espécie de "Ciro Tópico Rider" como homem que existe e
quer, como o homem falido. E a gente vai percebendo que, apesar de eu ter citado essas
ciências mais humanas, vemos vários outros especialistas tentando olhar para o homem através
da neurociência, da química, da biologia. Então, com isso tudo, podemos dar essas locuções
adjetivas às antropologias que tentamos estudar. Em que sentido a gente vai ouvir falar ao
longo do tempo em uma antropologia paleontológica, olhando para o homem à luz dos
achados históricos? A gente vai ver uma antropologia teológica, uma antropologia cosmológica,
uma antropologia sociológica, uma antropologia psicológica. O que significa isso? Significa que
esse "logo", que é essa palavra, esse pensamento que utilizo para tentar dominar o homem,
carrega consigo um amor. Que amor é esse? O amor que eu tenho por algum desses poderes
que fui conquistando ao longo da vida. Então, se eu sou um bioquímico, um biólogo, é óbvio
que vou usar esses poderes. Como a gente viu, por exemplo, Charles Darwin tentando olhar
para o homem, explicar a sua evolução à luz do que ele estudou na Biologia. Esse é o primeiro
sentido que preciso que vocês entendam à luz do que a gente está fazendo quando olha para o
homem e, dentro desse contexto, saber que algumas antropologias carregam consigo suas
possibilidades e suas limitações.
O que significa isso? Significa que, quando eu olho para a parte biológica do homem, eu
consigo, com uma antropologia biológica, explicar certas coisas. Só que, quando uma pessoa
chega para mim e fala que está com falta de sentido na vida, talvez essa antropologia apresente
sua limitação. Então, o "logos" biológico, o pensamento biológico, a razão biológica que tenta
compreender o homem e dominá-lo, e dar uma explicação sobre o homem nesse sentido,
começa a mostrar sua falha. E aí, percebo que esse homem, além dos problemas biológicos,
também tem suas características sociológicas. E aí eu começo a pensar no homem como
alguém que vive dentro de uma sociedade. Eu começo a entender o homem sob uma
antropologia sociológica. Então, percebam que temos que conseguir olhar para as pessoas,
para seus domínios, e para o que elas estão tentando fazer ao homem. Para olhar e
compreender o homem, temos que saber até onde elas podem ir. O que isso significa na
prática? Bom, se eu estou olhando um médico, um psiquiatra falando sobre o homem com
aquilo que ele aprendeu na faculdade, na universidade, na residência, percebo que ele tem
suas limitações. Ele olha para o homem com aquilo que domina: com a sua parte neurológica,
com a parte bioquímica, através dos neurotransmissores, através do que podemos perceber no
desenvolvimento biológico do homem. Não posso esperar que essa pessoa, que tem essa
espécie de antropologia como instrumento, dê soluções, por exemplo, de um mundo ético,
onde ela vai decidir com essa antropologia se a vida do homem vale a pena ou não ao
encontrar com a morte. Porque percebemos que esse tipo de antropologia não tem poder, não
abarca esse tipo de resposta. Então, é óbvio que não podemos confundir quando perguntamos,
às vezes, para um técnico, para um químico: "Ah, vejo que você entende muita coisa do ser
humano. Você acha que vale a pena o ser humano praticar aborto?" Bem, acho que não
convém à antropologia de um bioquímico tratar esse tipo de coisa. Deveríamos discutir sobre
vários outros temas, assuntos, e tentar achar uma antropologia que compreenda e consiga
explicar o homem.

No limiar da sua vida, talvez tocando sentido já após a sua existência, tentando achar
esse tipo de solução, para conseguirmos conversar sobre esse tipo de assunto. Então, agora,
estou falando para vocês de um "Logos" com seus poderes, e em breve vocês vão perceber que
esse "Logos", que toca o "antropoce", que olha para o "antropus", que consegue dar para ele a
sua dimensão, a sua estrutura, suas capacidades. Esse "Logos", pelo qual tentamos olhar para o
mundo e responder "o que é o homem", existe em nós. Ele, de uma certa maneira, é espelhado
dentro de nós à luz de como esse "Logos" se encarna com os nossos amores. Então, vocês vão
ver que os amores que, através da nossa presença, vão se transformando na nossa vida, vão
dando tons desse "Logos" que vai dominar o nosso mundo e que tentaremos testemunhar para
as pessoas. Então, essa é a primeira grande consideração que precisamos entender sobre uma
antropologia. E é baseado nisso que vamos fazer um caminho, tentando achar uma espécie de
plataforma, de terreno, onde todos esses "Logos", todos esses amores encarnados por esse
"Logos", todas essas plataformas, tenham um ponto em comum. Com esses "Logos" que têm
poderes específicos, vamos tentar achar uma antropologia que tenha uma envergadura capaz
de explicar o máximo da experiência humana. Para isso, quais métodos, quais instrumentos
vamos utilizar para fazer o nosso método científico? Gosto sempre muito de usar uma
experiência. Que não tem, falava sobre o seu laboratório, onde ele podia aprender sobre o ser
humano. Ele falava que carregava consigo o próprio laboratório. O que isso significa? Onde
posso desvendar o ser humano? Acontece dentro de mim. Então, aqui, através da nossa vida,
do cotidiano, dos exemplos que estou dando, vamos tentar achar esses pontos comuns onde
consiga dirigir um olhar, onde consiga dirigir os meus sentidos. As coisas materiais mais simples
do nosso dia a dia são essenciais, e, ao utilizarmos nossas faculdades superiores, vamos falar
sobre elas. Seguimos esse caminho do ser humano e experimentamos diariamente. Como
olhamos sempre para os mesmos lugares, ouvimos os mesmos sons, tocamos os mesmos
corpos? Devemos incorporar tudo isso nesse processo, nesse "laboratório" que carregamos
conosco. "Tudo que é humano me é comum" é a frase de Montaigne que utilizamos como
método. Associado a isso, é crucial entender, e faremos isso com mais eficácia e tato, o que
Santo Irineu de Lyon falava. Ele explicava que se pode aprender o que é o metafísico através do
físico, o invisível através do visível, e o imaterial através do material. Vou compartilhar com
vocês as nossas experiências diárias dentro do nosso "laboratório", que somos nós mesmos, o
homem. E tentaremos captar um "Logos" de grande envergadura que possa explicar o que
dominamos, nossas experiências cotidianas e como nos relacionamos com as pessoas.
Nossos sentimentos, nossa busca pela verdade, como tratamos a educação dos nossos
filhos e como nos aperfeiçoamos na linguagem são fundamentais. Então, dentro dessa
experiência, uma das primeiras coisas que precisamos ter ciência ao olhar para o ser humano é
não ser sempre a cobaia das novidades que surgem. Por quê? Porque a novidade pode nos dar
alguma esperança de que as coisas estão funcionando bem, de que surgiu algo há 30 anos que
consegue explicar o ser humano. No entanto, sabemos que algumas questões em nossa vida
precisam passar pelo teste do tempo. Esse é um dos principais instrumentos que vou
compartilhar com vocês. Percebemos que existem algumas constantes na história e no
desenvolvimento da humanidade às quais podemos nos apegar. Outro ponto de referência é a
capacidade que o ser humano sempre teve, principalmente na antiguidade, de olhar para si
mesmo com simplicidade. Muitas vezes, ao observarmos sistemas modernos e complexos, não
conseguimos compreender as coisas mais simples, levando-nos a um emaranhado de
confusões, onde sentimos a necessidade de uma explicação antropológica diferente para cada
situação. Assim, nos vemos diante de um "Logos" fragmentado, tentando nos orientar. Quando
falo de Deus, uso um pouco de teologia, mas ao estar com meus amigos, essa teologia é
deixada de lado, pois ela não consegue explicar, por exemplo, a maneira como escolho tomar
um café. Não é isso que faremos; muito pelo contrário. Buscaremos conhecer a personalidade
humana e dar unidade a essa personalidade. Para isso, faremos um apanhado de algumas
características históricas essenciais para nós, que construíram grandes sistemas orientadores da
nossa vida. A primeira refere-se a ensinamentos que certas mitologias nos legaram. Por
exemplo, quando observamos o mundo grego, a origem do homem, a fundação do cosmos, a
organização e ordem desse universo, bem como o mundo que está acima do homem,
interferindo em sua vida, como a vida dos deuses retratados em "Ilíada" e "Odisseia" de
Homero, bem como em "Teogonia" e "Os Trabalhos e os Dias" de Hesíodo. Ao analisarmos
essas estruturas, também podemos considerar a mitologia judaico-cristã, observando o próprio
Livro do Gênesis. Notamos que existem muitas estruturas em comum, que hoje são
fundamentais para nos orientarmos e compreendermos o homem. Estamos em busca do
"Logos", um pensamento, uma razão, uma estrutura que domine e compreenda o homem – e é
exatamente isso que estamos tentando fazer aqui.

Por que vocês vão me ver várias vezes falando sobre esse domínio? Porque eu gosto
muito sempre de remontar à origem desse termo. O "domínio", como a gente conhece, na
estrutura de uma divindade, né? Tudo que é divindade, né? Tudo que, em latim, quando a
gente ouve esse termo "Dominus vobiscum" (Deus vos abençoe), percebe-se que existe uma
espécie de divindade nessa estrutura. Daquilo que é domínio: quando eu tenho certo domínio
sobre o mundo, é ter um certo domínio sobre a criação. Um domínio como conhecimento, eu
estou entendendo o que está acontecendo ali; um domínio como comportamento, eu consigo
agir em cima daquilo ali; e um domínio como criação, eu consigo criar e reordenar. Aqui, num
ambiente preponderantemente artificial, ou seja, onde praticamente tudo tem a mão do
homem, percebe-se que a gente tem uma espécie de Logos onde domina um pouco as
criaturas. A gente consegue reordená-las e dar função para elas, tá? É essa espécie de Logos
que a gente vai buscar na nossa antropologia. Então, dentro dessas estruturas primordiais,
passa sempre na nossa frente, está sempre fixo nos nossos olhos, essa estrutura do Gênesis. No
início, a terra era disforme, escura, vazia. Então, era uma espécie de caos, né? Onde não tinha
forma, não tinha potência, não tinha poderes. Ainda, na verdade, só tinha potência; ela não
tinha nada atualizado. Então, a gente pega essa potência ainda disforme, escura, e a gente vai
modelando esse caos, chegando numa espécie de ordenamento. Lembrando que esse Gênesis
da mitologia judaico-cristã já tem um acréscimo em cima da mitologia grega. A mitologia grega
a considera o caos como Deus primordial, né? Ou seja, parece que o que domina tudo
inicialmente é uma espécie de caos. Quando a gente olha alguma inteligência superior
ordenando caos e o transformando em ordem, em logos, em cosmos, onde funciona uma finis,
uma estrutura que tem um mar que é um fundamento de tudo, a gente percebe que o caos é
submisso. Então, essa espécie ainda de nada, essa espécie de nada, é uma espécie de nada que
está sob as mãos de um oleiro que vai ser moldada por alguém. Então, esse caos não é tão
primordial quanto os gregos falaram no começo, mas ele está nas mãos já de um ordenamento,
de alguém que vai levá-lo adiante. E, no fundo, o que a gente está tentando fazer um pouco
aqui é isso: ter uma espécie desse poder desse roteirista inicial do mundo e que pensa o mundo
junto com ele, e que pode moldá-lo, que pode olhar para o ser humano, compreender o que é
o ser humano, e fazê-lo, e reordená-lo ou ordená-lo a primeira vez. Ou, se ele estiver
desordenado, reordená-lo efetivamente. É dentro dessa estrutura que a gente sempre precisa
lembrar: existe algum caos em mim que eu preciso ordenar? Existe algum vazio em mim que eu
preciso preencher? Existe alguma coisa na minha visão que está caótica? Não está funcionando
bem. Eu preciso usar algum logos, alguma lógica, a lógica do oftalmo, que domine esse caos
que acontece na vista para que eu possa ordená-lo. Então, um logos que preenche esse caos. A
gente nunca pode esquecer essa estrutura. Essa estrutura de passagem de caos para ordem é
uma que perpassa todas as mitologias e que a gente tem como presente. O que é um homem
que, muitas vezes, precisa se ordenar e que não se sente como estivesse num filme de terror?
Ele não sabe nada do que está acontecendo ali na vida dele. A vida dele é um caos e ele
efetivamente precisa da ajuda de alguém de fora, que tem esse tipo de poder, que vá lá na vida
dele e transforme um pouco desse caos em ordem. O que a gente faz na antropologia é isso. Eu
vou tentar descobrir com vocês um logos que ordene tudo. E uma das coisas que, de cara, a
gente também percebe nessa história da busca do homem é que temos esse bem supremo que
orienta o ser humano. A gente o conheceu em Aristóteles e em outros filósofos com alguns
nomes diferentes, como a beatitude de Santo Tomás de Aquino, como o supremo bem de
Platão, e como a felicidade de Aristóteles. A gente percebe que somos puxados adiante, somos
movimentados para uma direção, através desse logo interior que sempre nos impulsiona para o
que podemos chamar de bem ou de felicidade.
Então, vejam: neste momento, algumas pessoas podem se questionar: "Caramba,
professor! Mas e as pessoas que, aparentemente, vivem uma vida que parece buscar
exatamente o contrário do que eu busco?" Por exemplo, neste momento tem gente que está se
prostituindo. Tem gente que está tentando se matar. Mas, essa pessoa também está buscando
o bem? Essa pessoa também está tentando ordenar um caos? Essa pessoa também está
tentando dominar uma parte do mundo? Sim, é óbvio que sim. Pare para pensar: um homem
que está tentando se matar, o que ele está tentando fazer na vida dele? Acabar com um grande
sofrimento. Ele está tentando ordenar um caos, está tentando dar sumiço naquele caos.
Obviamente, a gente vai perceber, depois, quando falar um pouco sobre a ética, sobre os
caminhos que o ser humano tem que seguir, sobre uma direção que parece ser onde a gente
caminha para esse bem, e uma espécie de direção paralela que tenta caminhar para esse bem,
mas que chega ao lado. Que passa ao lado desse bem ou então, como um atirador que tenta
acertar o alvo, que tenta o tempo todo acertar o bem, mas que, eventualmente, por algo mal
calculado ou mal percebido, ele acaba acertando ao lado. A gente é orientado sempre por esse
bem, a gente não consegue fugir. Se tentarem, por uma espécie de orgulho, vencer-me na
lógica agora, dizendo: "Vou tentar achar algo que eu busque por ser mal", vocês vão perceber
que esse mal que buscam é um bem que estão tentando alcançar. Muitas vezes, é importante
que a gente relembre isso. Às vezes, a gente está tentando buscar algo que é muito bom e,
eventualmente, isso vai fazer a gente funcionar mal. É porque a gente está buscando o mal em
si? Não, a gente não consegue fazer isso. Existe um movimento natural nosso, onde sempre
somos atraídos para o Supremo Bem. Depois, quando olharmos um pouco mais sobre a
consciência, veremos que existe um movimento, uma presença, que sempre nos puxa nessa
direção. Então, estamos buscando essas estruturas físicas. Darei uma introdução agora à
estrutura do ser humano e, obviamente, preciso que vocês entendam: antes de saber o que é
um ser humano, vocês precisam perceber onde o ser está fundamentado, os seres, para que
depois vejamos: "Ah, existem alguns seres que são humanos. Por que eles são humanos? Será
que algum ser humano vive aquém dessa humanidade? Ele seria outra espécie de ser? Ou seja,
ele seria uma espécie de ser humano imoral que não está sendo humano? Um ser humano
antiético que não está indo na direção, na finalidade, para a qual foi criado?" Quando olhamos
nessa direção do ser humano, vou montar com vocês algumas estruturas que foram
aparecendo, necessariamente, ao longo da história, para que vejamos que precisamos
obedecer a uma espécie de regra interior do ser humano para que consigamos caminhar. Às
vezes, ouvimos por aí que algumas coisas são ontológicas. "Ah, esse movimento interior do
homem em direção ao bem é ontológico." Sim, esse movimento é ontológico, porque acontece
com todos os seres. "On" em grego é "ser", então "ontológico" é realmente um movimento na
direção do ser, um movimento que caminha para realizar o ser, e que existe no ser, em todo
ser. Quando falamos que algo é ontológico no homem, essa característica é antropológica. Esse
"on" no grego é traduzido para o latim como "enso".
Como em "então", toda vez que falarmos de "ente", também estamos falando desse
"ser". Em alguns momentos, depois, quando usarmos algumas outras palavras, conforme o
nosso vocabulário das categorias humanas for se dilatando, vou mostrando para vocês onde
essas coisas vão se localizando na nossa experiência do dia a dia. Bom, existe uma grande
maneira de começarmos a perceber como caracterizamos o que vai acontecer na nossa vida e a
história dos nossos poderes, dos nossos domínios e das nossas características antropológicas.
Vocês vão ver que na minha apresentação no início, fui bastante sucinto, porque, de acordo
com o método que uso aqui, vocês vão, ao longo das aulas, conhecendo um pouco da minha
vida. E uma das características que vou utilizar bastante com vocês é o fato de eu ter uma
família relativamente grande. Uma família que tem crescido a cada dia. Então, como tenho
cinco filhos, consigo, ao longo do tempo, olhar para as crianças e perceber que existem algumas
características da nossa linguagem, alguns pequenos primeiros domínios que o ser humano vai
realizando e que vão demonstrando algumas coisas que precisamos dominar em antropologia
para nos orientarmos. Uma das primeiras coisas que percebemos nas crianças, na mais tenra
idade, é: que característica é essa? Quando olho para minha filha de um ano e sete ou oito
meses, a Maria Helena (desculpe, Maria Teresa), percebo que ela, às vezes, como está
aprendendo ainda o início da linguagem, olha por algum tipo de ser, algum ente no mundo. E
ela, que ainda nem faz as suas perguntas com perfeição, ou seja, ela tem certos movimentos
interiores, um ímpeto interior, uma interrogação, algo dentro dela que fala para ela apontar
para um ser. E, ainda que ela não saiba perguntar com linguagem, ela faz uma espécie de:
"Como quem diz assim, papai, como se chama aquilo aí?". Ela aponta e eu falo: "Bola, bola".
Quando ela aponta aquele dedinho dela, aquele dedinho dela pergunta assim para mim: "O que
é aquilo? Rapaz, o que é aquilo?" A resposta que damos para essa interrogação é uma
substância, um substantivo. Então, a nossa grande experiência inicial com esse mundo, daí as
interrogações que, às vezes, fazemos de uma maneira geral, sem saber muito bem o que está
acontecendo, acontece na tal da Idade da Razão. Seria muito melhor descrito se a gente
dissesse que, a partir de cinco anos, com sete anos, muitas vezes falam; seria muito mais
tecnicamente aplicável se falássemos, de repente, da idade da consciência e da Idade da Razão.
Toda idade é a idade da razão, porque existe um logos, uma razão, que consegue dominar,
inclusive, os sentidos mais baixos de um bebê. É uma razão, é um logos, que faz com que a boca
da criança peça ou se dirija em direção ao peito da mãe. É uma razão que faz aquilo ali. Ainda
que saibamos, através do filósofo, por exemplo, que isso é uma espécie de razão sensitiva,
logos sensitivo, ou seja, uma espécie de inteligência que existe nas coisas que ainda não são
conscientes, mas que existem e fazem aquilo caminhar, e que existe uma inteligência que
habita ali, dentro da realidade. Então, precisamos tentar, como dentro de uma pós-graduação,
conseguir, como alguém que domina aquilo, falar um nome com perfeição: que apontemos
para uma bola, saibamos que aquilo é uma bola e falemos "bola"; que apontemos para um
logos e saibamos chamar de "logos"; que apontemos para uma razão e saibamos chamar de
"razão"; que apontemos para um intelecto passivo e ativo e saibamos nomeá-los com precisão.
E que percebamos a vivacidade desses substantivos que são abstratos, mas que são
substâncias, que consigamos apontar e dar um nome para eles. Se olharmos para o ser humano
e começarmos a ter essa experiência de criança que aponta, e uma pessoa que domina aquilo
ali, saiba dizer o nome daquela experiência.
O que é aquilo? E você saiba chamar aquilo de felicidade, de tristeza, de alegria. Então,
esses são os primeiros movimentos que precisamos fazer, e que estamos fazendo aqui nessa
primeira aula. Na próxima aula, vamos adentrar nas próximas perguntas do ser humano, nos
próximos roubos interiores, naquilo que acontece sobre esse terreno. Depois que saibamos o
que é aquilo – "bola, bola" – o que é bola? – precisamos, como quem fica ali, como espectador
diante da bola, aprender todos os fenômenos, todos os aspectos que possam ser relacionados
àquele substantivo, àquele terreno. E precisamos ver o que aprendemos a chamar de
categorias e como isso passa para nossa linguagem, os desenvolvimentos de cada sentido
humano.

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