Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Aula 4 - A Justiça
“Receber injustamente uma bofetada, meu caro Cálicles, não é a maior ignomínia.
Como também o não é cair nas mãos de um assassino ou de um ladrão, mometer
contra mim tal injúria é muito é muito pior para o seu autor do que para mim a
quem a injúria se destinavam.”
Platão coloca essas palavras na boca de Sócrates no seu diálogo, gorges. Ele está
discutindo sobre a natureza da justiça. Ora, às vezes algumas coisas nos parecem
óbvias.
Que é justo? O que é injusto? O que é injustiça? O que é a justiça? Qual a
natureza da justiça enquanto virtude? Qual a natureza das ações justas?
É um exercício interessantíssimo. Ler nos diálogos platônicos as discussões sobre
a virtude, e você vai ver que se a civilização ocidental tivesse tido como base,
sujeitos como Cálicles. Ora as coisas seriam muito diferentes do que são. Não,
porque a natureza da virtude seja uma construção social.
Mas porque é um sujeito como o Cálicles que era um defensor dos tiranos,
entendia a virtude, como simplesmente a imposição do seu poder pela força.
Ora, hoje, infelizmente, há alguns que pensam assim, Carl Schmits, ele chega a
dizer que a virtude consiste em defender os amigos e atacar os inimigos.
A virtude da justiça desculpa a justiça propriamente dita.
Esse é um um tema riquíssimo que tem reflexos na ética, tem reflexos no direito,
certo? Na psicologia, para nós, nos interessa em compreender a virtude da justiça
no sentido de que ela é uma virtude moral, e, por conseguinte, ela visa a me levar
à Felicidade. Mas ela tem uma particularidade e nós vamos começar a estudar
agora a virtude da justiça e suas particularidades.
Voltando aqui, a frase do Sócrates que a gente falou que no início da aula. A
justiça, a reflexão que Sócrates traz sobre justiça, pode a gente concluir que;
cometer injustiça, cometer a injustiça, ela traz mais mal àquele que comete, do
que aquele que a sofre.
Tenho certeza que por mais que você concorde com essa frase, algo de
estranheza acontece dentro de você.
Porque nós somos filhos do pensamento moderno.
Nós já sofremos com as corrupções próprias do pensamento moderno.
Mas vamos lá, lembra. As virtudes são pra? São para quê? Para Felicidade, certo?
Ora, se eu cometo um ato contrário à virtude. Certo, eu estou me desviando do
meu fim último a Felicidade, certo?
Portanto, aquele que se desvia da prática da justiça se desvia da Felicidade. É
óbvio? A justiça se prende com a integridade ontológica do homem, diz Joseph
Piper no seu livro clássico sobre virtudes cardeais e teologáis.
Ora, não é à toa. Olha que que interessante, que o Piper está dizendo aqui, existe
uma natureza humana, existe uma integridade ontológica do ser humano. Existe
uma dignidade própria da pessoa humana.
Existe a finalidade da vida humana e quando você se desvia dessa finalidade, você
se desumaniza, você se torna menos ser humano e na medida em que você se
torna menos ser humano, você se torna mais infeliz. Qual o nome que a gente dá?
Que expressões a gente usa para se referir a uma pessoa que comete muitas
injustiças graves, injustiça? Ora, a gente diz que aquela pessoa é desumana. A
gente diz que falou no edital é um monstro, não é? O que é um monstro?
Um monstro é a deformação do humano. O desumano é aquele que se desviou e
que perdeu a sua humanidade, não é? Então, o injusto é desumano. E por isso é
infeliz.
Sócrates estava certo, Cálicles que estava errado, Ponto.
Só que foi difícil para a mentalidade grega daquele período compreender, assim
como para nós, na nossa mentalidade pós metafísica. Pós-realista, pós-
antropológica, pós ética, pós-humanista.
Entender essas realidades, que são mais próprias do ser humano, mas o nosso
exercício aqui é justamente fazer o exercício, acompanhar o movimento que a
nova psicologia tem feito. A psicologia que vem ali apontando com Adler, com
Franklin, com o Martin Seligman, cada um meio ali as apalpadelas. Vamos
continuar esse processo. Eles estão mostrando que era lá atrás que estava a
ciência que conduziu o homem à Felicidade de alguma maneira, né? Pera então
vamos lá, vamos na fonte certo? Então vamos encontrar aqui que o fundamento
da justiça é a natureza humana, o expressãozinha mais atacada nos dias de hoje.
As psicologias ficam assustadas quando fala em natureza humana. Falar em
natureza humana é perigoso, é complicado, faz com que exista um padrão, faz
com que a gente ache que eu preciso adequar as pessoas a um padrão. Não, nada
disso não é incômodo, não tem como falar em direitos humanos, lembra? Dá a
cada um o que é seu direito, não tem como falar em direitos humanos sem falar
em natureza humana.
Como que eu vou falar de direitos humanos se eu não sei que o ser humano é
algo que é próprio, que ele tem sua dignidade própria, que tem natureza de
pessoa, que tem Liberdade, que tem certas características, que lhe são próprias,
que são o seu direito e que por serem lhe serem próprias e serem do seu direito
eu lhes devo.
Eu devo a um ser humano aquilo que lhe é de direito.
Então eu devo ao ser humano o respeito a sua dignidade, a sua Liberdade, a sua
personalidade.
Certo? E para isso eu preciso da noção de natureza humana. Eu não posso me
afastar da noção de natureza humana, se afastar da noção de natureza humana é
precisamente aquilo que cria as maiores atrocidades, as maiores maldades,
porque na medida em que eu desumanizo o outro, eu o objetifico, ora, não se fala
tanto hoje em dia, de objetificação da mulher, por exemplo.
Fala-se, com razão, tornar a mulher um mero objeto da satisfação dos baixíssimos
desejos dos homens é objetificá-la.
É uma injustiça. E olha que coisa interessante, na medida em que, por exemplo,
eu Homem objetifico, uma mulher, me relaciono com ela de forma injusta, ou
seja, de maneira a pensar nela como um mero objeto de satisfação dos meus
desejos.
Então a justiça tem a ver com as ações humanas, as ações humanas, a potência
que mobiliza toda a estrutura entitativa do ser humano, para agir chama-se
vontade, ela move os outros apetites sensíveis, tudo o ser humano para provocar
uma ação.
Então, se a prudência tem sua sede no racional por excelência. A justiça tem sua
sede nas ações. Tem por objeto as ações e, portanto, sua sede na vontade que vai
guiar o ser humano para a ação.
Quem tem por objeto as paixões são as próximas virtudes que nós vamos estudar.
Tá, a gente vai falar sobre elas.
Então, veja bem.
Matéria=relações.
Sujeito= A vontade.
Objeto= As ações desta que desembocam, que desaguam nos outros, certo?
Orientação= A orientação da justiça é o que se chama na filosofia clássica de bem
comum.
Bem Comum está aí uma expressão também que foi muito corrompida. Pelo
pensamento moderno.
Bem comum, se entende como se tivesse em oposição a um bem pessoal ou
como se fosse algo é que nós todos temos que compartilhar e fazer uma divisão
aqui. Vamos lá, tudo isso pode ter seu sentido em um certo momento, mas não é
bem isso.
Bem comum é tudo aquilo que tem a ver com a relação, as relações da vida em
sociedade, aqueles bens que são partilhados, aqueles bens que eu compartilho e
que, em última análise, quanto mais eu compartilho, mais eles crescem.
Certo, esse é o bem comum e por isso a justiça supera em excelência todas as
virtudes Morais. Veja bem.
Você não disse Hugo que a prudência é superior? Mas lembre-se, a prudência, ela
é por excelência, uma virtude intelectual também uma virtude moral? Sim, mas
ela é, em primeiro lugar, intelectual. Então, quando Santo Tomás diz que a virtude
da justiça supera em excelência as virtudes Morais. Ele só está se referindo às 3
justiça, Fortaleza e temperança. Perfeito.
Então? Por quê? Por quais motivos? A virtude da justiça supera em excelência as
outras virtudes Morais? Primeiro quanto ao seu sujeito, ora, o seu sujeito é à
vontade, certo? Então esse sujeito o sujeito da justiça reside em uma parte mais
nobre do ser humano.
A dizer à vontade, que reside na parte intelectiva da estrutura, tentativa do ser
humano perfeito. Então quanto ao sujeito. Ela reside numa parte mais nobre,
então ela é mais excelente porque ela reside numa parte mais nobre, à vontade,
apetite intelectivo.
Mas ela também é superior quanto ao objeto, porque lida com os outros. O bem
comum é uma virtude bem fazeja que Visa o bem dos outros. Aristóteles dizia as
maiores virtudes são aquelas que concorrem mais para o bem dos outros. Sair de
mim é algo que me torna mais digno, me torna superior, me torna mais humano
sair de mim para querer desaguar no outro.
Entende, então, a virtude da justiça é superior primeiro porque reside em uma
parte superior do homem da vontade na parte intelectiva e segundo, porque
quanto ao objeto, ela lida com o objeto mais excelente que é o desaguar no
outro. Que é agir bem para o outro.
Perfeito.
Agora. Justiça também envolve, em alguns casos, algo polêmico, que é o julgar.
Bora, hoje em dia, existe um certo preconceito com a noção de julgamento. E
esse preconceito vem de várias raízes, né? Várias origens, às vezes de de certas
visões políticas, mas às vezes, até por exemplo, do cristianismo, né? Porque é, se
você pega na bíblia, no evangelho, você vai ter, não julgueis para que não não seja
julgado, né?
Vamos lá.
É lícito ou não é lícito julgar?
Segundo Santo Tomás de Aquino, é lícito julgar.
Desde que esse julgamento siga alguns critérios, respeite alguns critérios, alguns
requisitos, primeiro requisito.
Se esse julgamento proceda de uma inclinação vinda da justiça, ou seja, ele não é
um juízo temerário, ele é um juízo, um julgamento que Visa a um bem para o
outro.
Segundo que emane da autoridade competente. Ou seja que venha de alguém
que realmente esteja na posição de julgar.
Às vezes, na maioria das vezes, eu não sou chamado a julgar. Mas às vezes eu sou.
Vou falar mais sobre isso.
E por último, seja proferido segunda a reta, segundo a reta norma da prudência.
Certo? Veja, né.
Lá no evangelho, por exemplo, que eu citei a proibição de julgar se refere ao juiz o
temerário, que não cumpre os requisitos listados.
Agora, um particularmente importante, que eu quero falar são os nossos
pequenos juízos cotidianos.
Andar na rua.
“Nossa, fulana, tá com a saia aqui, estou vendo que não devo. Ela deve ser
uma...”
Fiz um juízo.
“Nossa, fulano de tal, tá gordo, mó panção. Esse cara deve ser um preguiçoso. Por
que que ele não malha?”
Olhei para frente. “Esse mendigo está pedindo dinheiro, nossa, que vagabundo,
né?”
“Poxa, por que que ele não arruma um emprego?”
“A dona dessa loja explora as suas funcionárias?”
“Poxa, que pessoa...” E a gente vai fazendo isso o tempo todo.
Quantos pequenos juízos foram? Façam esse exercício, passe um dia observando
e veja quantos pequenos juízos a gente faz.
Esses são os famosos juízos temerários.
Eles estão errados em vários aspectos, estão errados porque não procedem de
uma inclinação vindo da justiça.
Estão errados, porque não são proferidos segundo a reta norma da prudência e
também não emana da autoridade competência, quem é você para julgar cara
pálida? Para que tu está julgando? Que motivo você tem para fazer isso?
Não faz sentido, você não está chamado a julgar, e quando você faz isso, você se
torna menor. Você está usurpando uma função que não é sua. Você não está ali
para isso.
Perfeito.
Então, veja bem novamente, a gente percebe que.
Não agir com justiça, te tornando menor, te torna pior.
Mais do que a pessoa que está sendo julgada, por exemplo, aquela pessoa lá que
estava com a saia de tal jeito, a mecha no cabelo de tal jeito na barriga a pessoa
nem sabe o que você vai pensar, não é? Você se tornou pior naquele momento
que declarou mesmo que, internamente, aquele juízo.
Entendeu?
Classicamente se divide a justiça em duas, uma seria a justiça comutativa tá que
seria bem, lembra. Justiça tem a ver com a relação, dos outros, das pessoas
minha, com os outros, a comutativa rege as relações de parte a parte de um todo,
entendeu? De uma comunidade em uma comunidade de as relações de uma
pessoa com a outra e a justiça distributiva, que é a segunda parte da justiça ela
rege as relações do todo, da comunidade com as partes, repartindo o que é
comum de maneira proporcional, ou seja.
A maioria de nós está chamado a refletir sobre a justiça comutativa, porque ela
vai ser, em primeiro, em primeira instância o que vai reger minhas relações
mesmo com os outros, mas alguns de nós estarão em posições de governo, não
necessariamente governantes.
Governantes em vários sentidos, não é governantes executivos, governantes
legislativos, governantes judiciários, governantes que assumem papéis
importantes que se colocam na posição de julgar pelo todo. Essas pessoas têm
uma responsabilidade mais grave.
E são mais cobradas, de certa maneira, agir com justiça.
Entendeu? E eles estão no campo da justiça distributiva.