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Agorismo: Ultra Hardcore e Consistente

Comprometimento com as Relações

Sobre este escrito:

Nesse escrito buscarei passar por algumas noções libertárias e


demonstrar através delas que o Agorismo possui uma posição moral e
ética superior e mais consistente ao atacar outras noções tanto
libertárias como não libertárias. Quero aproveitar esse intento e
relembrar uma noção sobre a propriedade que as pessoas esqueceram
junto de um autor que não vejo ser falado.
Os Eticistas

Muitas pessoas afirmam o direito de propriedade, muitas pessoas


afirmam que o Estado é uma gangue e muitas pessoas proferem a
palavra “ética”, mas essas muitas pessoas se afundam nisso. Essas
pessoas que jogam terra nas águas límpidas apenas para se afundar em
uma lama serão chamadas, apenas nesse escrito, de eticistas.
Os eticistas não possuem vergonha! Como podem afirmar algo com
a pretensão de fundamentar certos vínculos que se tem com os seus
bens materiais sem adquirir uma noção de responsabilidade individual
maior com o que se tem!? Como podem afirmar algo com a pretensão
de fundamentar as possibilidades de relações com as outras pessoas
sem adquirir a noção de importância de uma participação ativa nas
relações!?
A verdade é que os eticistas perceberam alguma coisa sobre ética e,
em um mundo imaginado, mataram ela logo depois. Os eticistas alçam
a bandeira de Hans Herman Hoppe e gritam: “Contradição
performática!!! Atacar!!!”. Mas, assim como fizeram com a ética,
apenas perceberam uma ínfima coisa sobre o Hoppe e mataram ele logo
depois. Não mataram apenas o Hoppe e a ética, mas mataram trabalhos
de uma vida inteira sobre o assunto em nome do falatório
aparentemente engrandecedor.
É isso mesmo! Por causa da postura dos eticistas, esse assunto se
torna objeto de puro conforto. “Finalmente! Agora posso dar uma
justificação quando digo que algo é meu! Não preciso ir longe, a
justificação está posta de forma imediata!”, é o que eles dizem. Nem
parece que estão falando de coisas que possuem uma relação direta
sobre quem são e o que serão se fizerem determinadas coisas, nem
parece que estão falando do bem e do mal. Sob um guarda-chuva que
remete ao ateísmo, dizem que essas coisas são subjetivas ou que é
impossível entender o que são essas coisas, matando a cor da vida,
matando a cor da ética. Nesse momento de morte a ética se torna apenas
um instrumento para as resoluções de conflito sobre quem deve possuir
algo, e as resoluções de conflito passam a significar apenas o cessar de
um embate, e o conflito passa a significar apenas um choque entre as
partes, então o roubo passa apenas a significar que uma propriedade foi
violada e o sistema jurídico passa apenas a estar fundado puramente na
coerência. É óbvio o absurdo! Reduzimos por necessidade das
afirmações essas coisas ao mesmo patamar de uma banana! Reduzimos
o assassino apenas a alguém que praticou apenas o ato de tirar a vida
de alguém que nada fez e a vítima apenas a alguém que morreu para
alguém!
Estão dando razão para a indiferença de Meursault sobre a vida, toda
a pretensão de expor o ridículo do ser solícito com o mundo em “O
Estrangeiro” ganha força.1 Graças a Deus, dou eu, que as pessoas estão
dotadas de intuição, sendo comumente estranho não dizer que um
genocida é mau, ou sendo comum dizer coisas que carregam esse
sentido no fundo da alma. Talvez se contradizer performaticamente
sobre certas coisas possua um ponto, pois, se a vida tem algo
significativo de fato, parece que contradizer partes de seu próprio ser é
contradizer a natureza do seu ser, sendo o caso que esse “você mesmo”
contradito é o ser que vive no mundo. Buscar performar algo que não
há como ser é como tentar fugir do que está colocado no mundo, e é
justamente esse seu ser que está sendo afetado pelas coisas, coisas essas
que dão condição para que algo significativo exista de fato. 2 Isso
significa que os eticistas não conseguem escapar das noções que
mencionei antes, podem apenas mentir para eles mesmos.

1 – “O Estrangeiro” é um livro de Albert Camus que conta a história de Meursault, alguém que olha
indiferentemente para a vida passando por situações complicadas de um jeito absurdo aos nossos olhos.
2 – Sobre isso, trabalharei melhor em escritos futuros. Mas já é possível ver uma ponta solta sobre
isso em meu escrito “Aspectos da Singularidade e Outras Consequências”.
O Forte Vínculo Estabelecido entre o Indivíduo e o
Objeto

Quando falamos em direito de propriedade privada, podemos falar


que o direito de propriedade privada é um forte vínculo entre indivíduo
e o objeto estabelecido através da mistura de trabalho com o objeto.
Veja que esse vínculo não é um vínculo qualquer como um vínculo de
causa e efeito, mas um vínculo existente, que deve permanecer segundo
a vontade do proprietário3 por causa de uma série de razões. Como esse
escrito não é só sobre ética, mas sobre o Agorismo e a sua consistência,
permitam-me citar Richard M. Weaver, agilizando o processo, para que
possam entender as consequências que falarei ao longo desse escrito:

“Devemos recorrer a dois postulados. São eles: (1) o homem é capaz de


conhecer e (2) querer. Alguns talvez os considerem vagos para serem levados em
conta, mas sem eles não há esperança de restauração", "A fenda aberta pela
rachadura que separou o material do transcendental é apenas a negação de que o
existente, pelo mero fato de existir, seja o correto”, “...eu gostaria de afirmar com
toda clareza que o último dos direitos metafísicos não oferece argumento algum a
favor daquela espécie de propriedade criada pelo capitalismo financeiro. Ao
contrário, esse tipo de propriedade viola a noção mesma de proprietas.”, “Esse
tipo de propriedade se torna uma ficção útil para a exploração das pessoas e
impossibilita a santificação do trabalho. A propriedade que defendemos como
ancoragem, por sua vez, mantém sua identidade com o indivíduo.”, “A solução
moral para esse problema consiste em distribuir a propriedade...”, se diz aqui da
propriedade falsa, “...em pequenas parcelas...”, “Nesses casos, a responsabilidade
individual passa a valorizar o direito sobre a propriedade. Esse tipo de propriedade

3 – Segundo a vontade do proprietário porque é possível abandonar a propriedade ou


transferir o título da propriedade.
faz com que seu dono tenha uma ampla margem de escolha por meio da qual ele
pode se tornar uma pessoa integral”, “Dizer isso equivale a afirmar que o homem
tem o direito inalienável a ser responsável. Essa responsabilidade não pode existir
quando esse direito essencial pode ser violado em nome de uma utilidade social
temporária...”, “Devemos deixar claro que a propriedade está baseada em
sentimentos pré-racionais porque nós a desejamos não apenas pelo fato de ela nos
“sustentar - isso a reduziria ao utilitarismo -, mas também porque de algum modo
ela é necessária para que o homem se expresse, isto é, para que revele seu ser
verdadeiro ou pessoal. O homem se identifica com aquilo que lhe pertence através
de algum misterioso processo de assimilação e fixação, de modo que a separação
forçada dos dois parece uma transgressão das leis da natureza.”, “A cidadela da
propriedade privada não somente torna possível a existência física do dissidente,
mas também oferece oportunidades indispensáveis para o aperfeiçoamento da
virtude. Como a virtude é uma condição do caráter ligada à escolha, ela só pode se
desenvolver na esfera da vontade”, “No âmbito da propriedade privada, a escolha
racional pode testar o homem; desse modo, ele transforma sua virtude em um
princípio ativo e a exercita.”, “Sem a liberdade, como uma pessoa pode superar
uma provação?”4

Podemos ver aqui, interessantemente, que Richard M. Weaver


aponta necessidades para a possibilidade moral e ética: “(1) Que o
homem é capaz de conhecer e (2) que é capaz de querer”. É muito
simples entender isso aqui. É impensável que levemos os leões ao
tribunal, pois é intrínseco aos leões determinadas ações, sendo eles
incapazes de determinar a sua vontade, ou seja, querer algo, não
fazendo sentido que existam determinadas coisas que atribua ao leão o
status de mau. Sobre a primeira, observe: “Devemos deixar claro que a
propriedade está baseada em sentimentos pré-racionais porque nós a
desejamos não apenas pelo fato de ela nos “sustentar” - isso a reduziria
ao utilitarismo -, mas também porque de algum modo ela é necessária
para que o homem se expresse, isto é, para que revele seu ser verdadeiro
ou pessoal”. Aqui Richard M. Weaver aponta para o reducionismo
utilitarista. Dessa forma, podemos conceber o que é preciso ser capaz
de

4 - Vários fragmentos retirados de “As Ideias tem Consequências”, Richard M. Weaver, no capítulo
“O último direito metafísico”, pela editora “É Realizações”
conhecer muito mais do que parâmetros de conforto para que o
“querer” seja importante na equação, então pode ser o caso que o
animal tivesse a capacidade de querer, mas todas as suas decisões
seriam baseadas em percepções de utilidade, conforto. Conhecer sem
conseguir querer também não tem sentido por motivos óbvios. Logo
percebemos que essas duas coisas são fundamentais para a ética e
moral, pois, em um só corte, se elas não fossem necessárias para o que
é correto, bastaria que Deus, ou seja lá no que você acredite, mantivesse
o mundo em um único estado, o estado em que nada estivesse errado e
tudo estivesse certo.
Depois disso, podemos ver outras coisas que Richard aponta: “A
propriedade que defendemos como ancoragem, por sua vez, mantém
sua identidade com o indivíduo...” e “Devemos deixar claro que a
propriedade está baseada em sentimentos pré-racionais porque nós a
desejamos não apenas pelo fato de ela nos “sustentar - isso a reduziria
ao utilitarismo -, mas também porque de algum modo ela é necessária
para que o homem se expresse, isto é, para que revele seu ser verdadeiro
ou pessoal”. Aqui vemos que a propriedade privada é necessária para
que o homem caminhe no mundo de acordo com os seus raciocínios e
vontades. O homem poderá ser julgado pelo mundo, i.e., vir a ser do
bem e do mau justamente por causa de suas escolhas, por causa de suas
ações. Essas ações só podem acontecer por conta dos meios, e os meios
transformados e defendidos representam as expressões desse homem.
De certa forma, o direito de propriedade privada é algo que carrega a
personalidade desse homem, carrega uma forma de diálogo desse
homem com o mundo em que o mundo vai mostrar para ele as
consequências de suas ações.5
5 – Essa noção me remete ao Malboro quando disse que os libertários fetichizam a propriedade
privada, pois me parece que os libertários perderam essa visão de consequência quando buscam se
aproximar de um discurso um pouco mais teórico. Curioso que podemos atrelar esse fetiche ao fato
Os Anarcoestatistas e os Lobisomens Hobbesianos
Contra os Anarcovillagers Agoristas

Finalmente! Chegamos ao ponto em que eu queria chegar. De um lado,


os que clamam por mudanças através do Estado para que cheguemos
em uma sociedade libertária, os Anarcoestatistas! Hoje, aliado aos
Anarcoestatistas, temos aqueles que temem o próximo, pois o homem
é o lobo do homem. Com uma escopeta apontada para a mãe, temos os
Lobisomens Hobbesianos! Hoje eles enfrentarão os campeões
mundiais, aqueles que não contradizem os seus princípios, aqueles que
estão em primeiro lugar no pódio moral e aqueles que não precisam de
uma colher de chá estatal! Os Anarcovillagers Agoristas! Hora do
combate!
Como o Estado é um monopólio jurídico de um determinado território
ao exercer a força sobre ele, o Estado faz com que a sociedade acabe
perdendo partes do lastro de pessoalidade das pessoas que compõe essa
sociedade de forma geral, sendo essa parte do lastro substituída pelas
pessoalidades de um grupo ou pela pessoalidade de uma única pessoa.
Isso quer dizer que o Estado não opera dentro das possibilidades
fornecidas pelo direito de propriedade privada, pois o seu sistema
jurídico não surge através de contratos corretamente estabelecidos
entre as partes que significam o lastro de pessoalidade de todos os que
estão sujeitos ao contrato, mas de contratos falsos que não são nada
mais nada menos que ameaças veladas. Isso significa que gastar energia
em ações que busquem promover mudanças dentro da estrutura estatal
para se chegar em uma sociedade libertária é uma tremenda idiotice dos
Anarcoestatistas!

que a propriedade privada é o único direito metafísico reconhecido existente para Richard, pois os
homens precisam algo em um sentido que remeta a ela para se expressarem, mesmo as piores coisas.
Por isso, acredito eu, que o direito de propriedade privada se manteve ao menos reconhecido. Foi por
isso, também, que foi preciso que ocorresse uma deturpação desse direito dentro de estruturas legais.
Sem a noção de consequência em vista, o fetichismo pela propriedade privada não possuirá força teórica
para se afastar da propriedade privada do, nas palavras de Richard, Capitalismo financeiro.
Os Anarcoestatistas acreditam que seria mais ético se o Estado
revogasse ou legalizasse as armas, as drogas e por aí vai. Só que, por
exemplo, se o Estado legalizasse ou revogasse as armas, ele estaria
colocando por cima das possibilidades contratuais de determinados
locais o direito de ter armas. Isso significa que me será dificultado viver
em um lugar onde o contrato estabelecido entre as partes naquela
localidade proíbe as armas, afinal, direitos, deveres e permissões
estatais acima de contratos! Como dão a entender por aí. 6 E, como
vimos antes, é feio que as ações dos indivíduos estejam voltadas para
essa imposição de pessoalidade, pois rompe com a responsabilidade
dos indivíduos naquele local acerca desses assuntos, significando então
que o Anarcoestatismo é um fracasso total tanto eticamente e
moralmente, por causa de suas inconsistências, quanto
estrategicamente, porque legalizar e revogar (fazer uma concessão) é
também estender noções Estatistas para esses lugares.
Agora temos os Lobisomens Hobbesianos. Os Lobisomens dirão a nós
que o homem é o lobo do homem, portanto, devemos ter o Estado para
que as pessoas não se matem, i.e., devemos castrar as pessoas. Os
defensores do Estado não dizem dessa forma, mas é uma consequência
de diversas noções. O argumento contra isso é muito simples. Se for
verdade que o homem é o lobo do homem, então por que diabos
estamos fomentando uma sociedade de falsos? Ou de 90% de falsos?
Uma sociedade de anestesiados pelo Estado que matariam você na
primeira oportunidade? Isso é insanidade e puro pessimismo! Se
obrigar a estar do lado de pessoas que matariam você dadas as
oportunidades é um dos piores cenários que eu consigo imaginar e,
obviamente, cria uma impossibilidade moral e ética caso os
Lobisomens estendam essa afirmação para todos.
Se essa afirmação não vale para todos, então venha para a Anarcovila
e vire um AnarcoLobisomem fora dessa loucura!

6 – Se os direitos, deveres e permissões estatais não estiverem acima dos contratos, então está resolvido!
Eu e os meus Anarcomanos sairemos dessa bagunça!
Agorismo Ultra Hardcore e Consistente na Moralidade
e na Ética

O Agorista busca uma Anarcovila, i.e., busca estabelecer convivências


que buscam fugir do Estado. Como Konkin III7 diria: “Quanto a mim,
a anarquia começa em casa”.8 Isso significa que será buscado uma
maior pessoalidade na convivência, criando um relacionamento em que
se participa ativamente, o que é o contrário das relações artificiais entre
as pessoas do Rio Grande do Sul e de Amazonas ou entre o sul de São
Paulo e o norte de São Paulo que um Estado cria, sendo essas relações
artificiais cada vez mais próximas quanto mais é a imersão nas noções
Estatais. Mas não é só isso. Como um Agorista se busca retirar a sua
propriedade de influências estatais, reforçando o senso de vínculo e
responsabilidade com o que se tem, ser Agorista é trabalho duro! Ser
Agorista é incomodar o Estado ao menos um pouco mais que as outras
pessoas, colocando um alvo maior em si próprio.
A estratégia Agorista para o alcance da sociedade Libertária é, também,
muito mais consistente com a moral e a ética. A ideia é difundir as
noções libertárias através dos vínculos com as pessoas, sendo um
desses vínculos a busca de um espaço de convivência comercial fora
do Estado, esse espaço foi denominado por Konkin de Ágora. 9 Dessa
forma, os sujeitos se acostumam com percepções de responsabilidade,
pois agora as relações estão mais próximas e menos sujeitas ao aparelho
Estatal que torna algumas condições de convivências esquisitas ao
homem. Isso significa, também, que suas amizades estarão mais
próximas, pois elas terão um vínculo mais significativo ao terem trocas
comerciais e noções em comum.

7 – Samuel Edward Konkin III é o primeiro teórico do Agorismo.


8 – Konkin escreveu a frase no artigo “Anarco-Sionismo”, acessível no livro “Esmague o Estado”, pg
49, por EDITORA KONKIN.
9 - Ágora era a praça em que os gregos se reuniam para determinadas coisas.

Interessantemente, o Agorismo não depende da vontade das pessoas


para que seja uma posição moral superior. Se for o caso, a ideia é se
emancipar dessas pessoas, pois a sociedade libertária deve acontecer
primeiro nas suas relações. Então, se por algum motivo, que eu
desconheço, a existência do Estado ou a influência dele, mesmo que
parcial, seja inevitável, lembremos que o direito de propriedade privada
não é só sobre ter alguma coisa, o direito de propriedade evoca noções
de responsabilidades, evoca questões muito maiores. Essas noções
podem servir para a sua vida independentemente do que aconteça. O
libertarianismo é muito mais que projetar a sociedade, pois isso cabe
aos Estatistas malucos e sem vergonhas ou aos que querem se ocupar
com os empreendimentos de cidades privadas para oferecer
possibilidades contratuais de relações melhores. O libertarianismo
precisa ser sobre uma vida consistentemente moral e ética, caso
contrário, o libertarianismo será como qualquer outra ideia vazia que
temos nas prateleiras.

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