Justiça Social - Parte 1 16 e 17 de dezembro de 2013
Utilitarismo x Jusnaturalismo ❖ PNA = meio ou fim em si mesmo?! ❖ Quando entendido como meios, a liberdade e o direito à propriedade passam a ser vistos como condições de realização da maior prosperidade econômica.! ❖ Faz-se necessária uma teoria universal que sustente que, sejam quais forem as circunstâncias sócio-histórico- culturais, uma maior liberdade individual e o respeito à propriedade privada produzem mais riquezas.! ❖ Praxeologia. Pobreza ❖ Desse ponto de vista, a pobreza generalizada torna-se problema social solúvel, ainda que a longo prazo.! ❖ Aceita-se que o sistema resulte em desigualdade, mas a condição dos menos favorecidos, nesse sistema, seria preferível à sua situação em condições de igualdade material.! ❖ Assim, de certa forma, o princípio da diferença de Rawls seria espontaneamente contemplado.! ❖ Argumenta-se justamente que, sob outras regras econômicas, o princípio da diferença seria violado, ou seja, haveria maior igualdade às expensas dos menos favorecidos. Pobreza ❖ Já para o libertário jusnaturalista, a pobreza, por si só, não é um problema a ser solucionado política ou juridicamente.! ❖ O jusnaturalista toma o libertarianismo como uma teoria da justiça, e não da eficiência econômica.! ❖ Tal teoria, por fim, não qualifica a pobreza per se como uma situação de injustiça.! ❖ Por quê? 05 Grandes Questões ❖ Uma teoria do jusnaturalismo libertário deve responder ao menos 05 questões:! ❖ 1) Qual o conteúdo do direito natural?! ❖ 2) Qual o fundamento do direito natural?! ❖ 3) Seria a propriedade privada um direito natural?! ❖ 4) Como decidimos atribuições de posse com base no direito natural?! ❖ 5) Quem deve ser o executor do direito natural? Objetivo
❖ O objetivo da presente exposição é reunir apontamentos
que joguem alguma luz sobre as duas primeiras questões.! ❖ As questões de número 3. e 4. serão objeto de nosso próximo encontro, amanhã.! ❖ Não lidarei com a última questão. Direito Natural
❖ Mas, antes de mais nada, ou seja, antes que pipoquem
acusações de falácia naturalista que costumeiramente tem por algo o jusnaturalismo, devemos precisar o que entendemos por qualquer “direito natural”.! ❖ Essa questão semântica precede a questão de quais seriam, afinal, os direitos naturais. Herbert Hart ❖ Um direito natural (se existe) é: ! ❖ i) um direito que alguém possui enquanto ser humano, e não enquanto membro de alguma sociedade ou enquanto parte em algum tipo de relação com outra pessoa.! ❖ ii) um direito não criado ou conferido por ações voluntárias dos seres humanos.! ❖ “Are There Any Natural Rights?”, The Philosophical Review, v. 64, n. 02. (Apr., 1955), pp. 175-176. Apenas um Direito Natural ❖ Via de regra, libertários jusnaturalistas admitem apenas um direito natural:! ❖ O direito de não ser agredido.! ❖ Formulação deste direito que julgo defensável e profícua:! ❖ “Liberdade (independência de ser constrangido pelo arbítrio de outro), na medida em que ela pode coexistir com a liberdade de todos os outros de acordo com uma lei universal, é o único direito original pertencente a todo homem em virtude da sua humanidade.” (MS, 06: 238) Origem do Direito Inato
❖ O que Kant quer dizer com um direito que “pertence a
todo homem em virtude de sua humanidade”?! ❖ Não se trata de uma tentativa de fundação de um direito sobre uma base descritiva de certas características peculiares ao homo sapiens, já que, humanidade, para Kant, já constitui um conceito moral.! ❖ Vejamos então o que significa ser humano. A Fórmula da Humanidade ❖ Para Kant, denominamos de “pessoa” os agentes cuja “natureza [moral] já os assinala como fins em si mesmos, isto é, como algo que não pode ser usado meramente como meio, por conseguinte [como algo que] restringe nessa medida todo arbítrio (e é um objeto do respeito).” (GMS, 04: 428)! ❖ Pouco adiante, o princípio da humanidade como fim em si mesmo, uma das formulações do imperativo moral, é simplesmente declarado “a condição restritiva suprema da liberdade das ações de todo homem” (GMS, 04: 431). Problema: O Quarto Exemplo ❖ Considerando que o quarto exemplo de aplicação da fórmula da humanidade na GMS consiste justamente no dever de promover, na medida do possível, os fins dos outros (GMS, 04: 430), por que coloco ênfase nas passagens em que Kant apresenta a fórmula da humanidade como o fundamento de um princípio meramente restritivo da liberdade de ações?! ❖ Em outras palavras, por que não apresentar a dignidade humana como o fundamento de um princípio da promoção do outro, enquanto fim a ser moral e positivamente perseguido? Possível Saída ❖ O quarto exemplo, segundo a letra de Kant, diz respeito a um dever meritório que, como tal, não pode ser objeto de legislação externa, mas apenas de auto-imposição.! ❖ A razão para tanto é justamente o fato desse dever prescrever um fim a ser perseguido positivamente. ! ❖ Ora, se outro me obrigasse a agir de acordo com a perseguição de um fim contra a minha vontade, eu estaria sendo tratado como um simples meio para o arbítrio desse outro. Nas palavras de Nozick, eu seria um mero recurso para ele (ASU, p. 33). De Volta à MS
❖ Em consonância com a apresentação da fórmula da
humanidade como uma condição meramente restritiva no tocante a ações externas na GMS, há que se reconhecer que, na MS, Kant reconhece como direito inato, não o direito positivo de ter seus próprios fins promovidos por outro, mas sim o direito negativo à independência do arbítrio de outro. Liberdade e Direito
❖ Realmente, não faria sentido que, ao tratar do conteúdo
de um direito em sentido moral, portanto, de um direito correspondente a um dever da parte de outro cujo cumprimento pode ser reivindicado pela força, Kant definisse a liberdade de uma maneira internalista, seja negativa ou positivamente. Liberdade Interna Negativa
❖ Negativamente, a liberdade interna é a capacidade de
um arbítrio de não ser determinado pelas inclinações que o influenciam, ou seja, é a ausência de coerção interna.! ❖ Ora, ninguém poderia garantir a outro um suposto direito de não ser internamente determinado, mas apenas afetado, por suas próprias inclinações. Liberdade Interna Positiva
❖ Positivamente, a liberdade interna é a capacidade do
arbítrio de ser determinado por uma lei imanente à sua vontade (entendida como razão prática), isto é, é a autonomia.! ❖ Ora, nenhum agente finito poderia dotar a outro agente com tal capacidade. Liberdade Interna e Direito ❖ Em suma, a liberdade interna do arbítrio é de tal natureza que não pode ser impedida ou fomentada por outro agente externo, portanto, não pode ser um direito. ! ❖ Se formos seres determinados pela natureza, o recebimento de todos os recursos materiais do mundo não mudará esse fato. ! ❖ Agora, se formos seres autônomos ou não determinados pela natureza, por outro lado, o aprisionamento de nosso corpo em um calabouço por toda nossa existência tampouco mudará esse fato. Liberdade Externa e Direito ❖ Assim, sendo um direito moral a contra-parte de um dever que pode ser objeto de coerção externa, Kant tinha mesmo que descrever a liberdade a que temos direito como uma independência de coerção do arbítrio de outro, e não da coerção de circunstâncias externas ou internas.! ❖ Afinal, como um sujeito A poderia ter o dever de libertar um sujeito B de circunstâncias que eventualmente exerçam coerção sobre seu arbítrio, considerando que tais circunstâncias não sejam ações do próprio sujeito A? Autonomia e Direito ❖ Nesse sentido, a autonomia ou liberdade interna do arbítrio, ainda que fundante do direito inato à liberdade, não pode ser confundida com a própria liberdade a que temos direito. ! ❖ Temos direito, porque somos autônomos, mas não temos o direito de sermos autônomos, simplesmente porque não teríamos a quem reivindicar tal direito e nem teríamos qualquer direito a reivindicar se já não fossemos autônomos. Liberdade e Escassez ❖ Deve ainda ser notado que o problema da liberdade tal qual formulado por Kant, seja enquanto liberdade externa a que temos direito ou liberdade interna fundante desse direito, não tem a ver com escassez de bens ou prosperidade.! ❖ Dado que a liberdade interna é a ausência de coerção por inclinações e a liberdade externa é a ausência de coerção por outro arbítrio, o número de alternativas disponíveis para a escolha do arbítrio não determina um grau maior ou menor de liberdade. Liberdade e Escassez
❖ Kant estaria aqui de acordo com Herbert Hart, para
quem, os marxistas confundiriam dois males diferentes ao identificarem a pobreza com a falta de liberdade. ! ❖ Por mais pedante que seja apontar a quem morre de fome que ele é livre, o fato é que ele é. ! ❖ “Are There Any Natural Rights?”, The Philosophical Review, v. 64, n. 02. (Apr., 1955), p. 175, n. 2. Autonomia e Escassez
❖ Contudo, ainda podemos considerar condições
extremas de escassez material, como o caso de quem morre de fome, como incompatíveis com o florescimento/manutenção da autonomia, por mais que a presença da última, é verdade, não possa ser considerada um fato passível de averiguação empírica. Autonomia e Escassez ❖ Mesmo que assim seja, a questão permanece: ! ❖ Um direito em sentido moral, tenho insistido, implicaria em um dever que poderia ser objeto de coerção externa. ! ❖ Assim, um direito a condições mínimas para preservação da autonomia por parte de B implicaria na autorização moral para que A fosse forçado a prover tais condições, o que implica em tornar A, que não tem o fim de ajudar B, em um instrumento a serviço da vontade de outro.! ❖ A seria dependente de constrangimento do arbítrio de outro. Auto-Soberania
❖ É exatamente porque não podemos ser tratados como
simples meios ou fonte de recursos para a realização de fins de outros, por mais eticamente recomendáveis ou meritórios que sejam tais fins, que nosso único direito inato é a auto-soberania perante os demais seres humanos. Direito e Dever
❖ Certamente, como um direito, em sentido moral, vale
igualmente para todos os seres humanos, ao mesmo tempo em que tenho o direito de não ter minha liberdade externa constrangida pelos demais, tenho também o dever de restringir minha liberdade para não cometer o mesmo tipo de constrangimento para com os demais. Direito e Coerção ❖ É fundamental que entendamos que, aqui, diferentemente do caso do dever meritório, ou do fim que é também um dever, trata-se de um dever cujo cumprimento pode ser imposto pela força sem ônus ao nosso direito inato à liberdade.! ❖ Trata-se, aliás, do único caso em que o direito natural autoriza o constrangimento do arbítrio de um por parte de outro. O Problema do Direito ❖ Como conciliar heteronomia (= coerção do arbítrio de um por parte do arbítrio de outro) e o direito inato à liberdade externa? ! ❖ Há que se provar que, ao contrário do que ocorre no caso em que o sujeito A seria forçado a prover o sujeito B com condições mínimas para a manutenção de sua autonomia, há um dever que pode ser externamente impostos sem que o direito inato à liberdade seja violado. Reformulando o Problema ❖ O domínio jurídico é o domínio da coerção externa. ! ❖ Vimos que a coerção externa a fins (mesmo os meritórios) violaria o direito inato à liberdade.! ❖ Mas por que a imposição de um dever jurídico meramente restritivo ou negativo não o violaria igualmente? ! ❖ Como o uso da coerção externa poderia ser compatível com o direito à liberdade, quando esta última é entendida enquanto independência de coerção externa pelo arbítrio de outro? Coerção da Coerção ❖ A solução de Kant é notar que “a resistência que se contrapõe ao obstáculo de um efeito promove esse efeito e é consistente com ele” (MS, 06: 231).! ❖ Isso significa que a coerção não será contrária à liberdade quando (e somente quando) for exercida contra uma coerção anterior.! ❖ “coerção é um obstáculo ou resistência à liberdade” (MS, 06: 231).! ❖ “se um certo uso da liberdade é ele mesmo um obstáculo à liberdade conforme leis universais (i.e., é errado), a coerção que se opõe a isso (como o obstáculo de um obstáculo à liberdade) é consistente com a liberdade conforme leis universais, quer dizer, é conforme ao direito” (MS, 06: 231). Coerção da Coerção ❖ É essencial que se entenda que a coerção de uma coerção exercida contra uma ação que é ela, sim, conforme à liberdade segundo leis universais não é apenas uma maneira dentre outras de usarmos a força de modo consistente com nosso único direito inato, é a única maneira:! ❖ “Se então minha ação ou minha condição em geral podem coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, quem quer que me obstaculize nela me causa dano; pois esse obstáculo (resistência) não pode coexistir com a liberdade de acordo com uma lei universal.” (MS, 06: 231) Dano à Liberdade
❖ Decorre da última passagem que, como vimos dizendo,
se aceitarmos, como parece muito razoável, que um sujeito B, cuja condição é de extrema pobreza, não é, só por isso, vítima de coerção por parte do arbítrio do sujeito A, então aquele que coage A a prover B com melhores condições causa dano a A e age contrariamente ao direito. Liberdade e Poder ❖ Em suma, a concepção kantiana de direito em sentido estrito (distinto da ética) determina como obrigação jurídica não fazer obstáculo à liberdade que é conforme a leis universais, e não o fomento dos fins alheios ou do outro como fim, como na ética.! ❖ Isso, porque aquele que não colabora com a realização de meus fins nem por isso a obstaculiza.! ❖ O dever jurídico, em suma, não é um dever de conceder o poder de realização do fim x, mas o dever de não obstaculizar a busca pelo fim x, se essa busca não coincidir ela própria com um obstáculo primeiro. Coerção conforme ao Direito ❖ Assim, a fórmula do direito como coerção de coerção, nunca é demais ressaltar, é a maneira que Kant encontrou para compatibilizar o direito como, a um só tempo, autorização para o uso da força e doutrina da liberdade.! ❖ O limite para a liberdade não é traçado por um princípio externo e superior a ela, mas apenas pelas condições de sua compatibilidade interna enquanto direito moral. O Âmbito do Direito ❖ É nesse sentido que devemos entender por que o conceito moral de direito teve seu âmbito delimitado por Kant de três maneiras (MS, 06: 230):! ❖ Primeiro, positivamente, o direito tem a ver com relações externas entre ações como fatos que se influenciam mutuamente;! ❖ segundo, negativamente, exclui-se do direito a relação do arbítrio de um com os desejos e necessidades do outro (beneficência e crueldade), estabelecendo, positivamente, que a relação jurídica se dá entre arbítrios;! ❖ terceiro, negativamente, exclui-se também o fim ou matéria do arbítrio. O Âmbito do Direito
❖ Kant não poderia ser mais claro:!
❖ “Não se pergunta, por exemplo, se alguém que compra bens de mim para seu próprio uso comercial ganhará com a transação ou não. Tudo que está em questão é a forma na relação do arbítrio da parte de ambos, na medida em que o arbítrio é considerado meramente como livre.” O Princípio do Direito ❖ Do conceito de direito, que, como espero, terá sido compreendido uma vez que se tenha compreendido qual é nosso único direito inato e qual sua razão de ser, decorre o seu princípio:! ❖ “Qualquer ação é conforme ao direito se pode coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, ou se sobre sua máxima a liberdade de escolha de cada um pode coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal.” (MS, 06: 230) Um Princípio Deontológico ❖ Pela interpretação proposta aqui, descobre-se uma estreita conexão entre o caráter negativo ou meramente restritivo do princípio kantiano do direito e o lugar em que a exigência de não violação de direitos entra no sistema.! ❖ Como Nozick bem observa, uma teoria pode incluir a não violação de direitos de uma forma primordial, mas pode ainda inclui-la no lugar errado. ! ❖ No caso, o lugar errado seria o lugar de um fim a ser promovido, em vez de um limite restritivo a ser respeitado. Utilitarismo de Direitos ❖ De fato, alguns intérpretes kantianos, desatentos ao fato de que a doutrina do direito não se configura como uma doutrina de fins que são deveres, atribuem a Kant exatamente o que Nozick chama de “utilitarismo de direitos”.! ❖ Nesse sentido, argumentam que, se o fim a ser promovido é a não violação de direitos individuais, então é preciso que apoiemos políticas públicas que fomentam as condições materiais dos indivíduos, de tal forma que eles possam proteger seus direitos com mais eficiência. Utilitarismo de Direitos ❖ Com isso, em vez de maximizarmos a felicidade, visando-a no maior grau possível para o maior número possível, maximizaríamos a proteção de direitos, visando-a no maior grau possível para o maior número possível de indivíduos.! ❖ Em outras palavras, se os direitos de alguns são violados, quando os transformamos em fonte de recursos para programas sociais com os quais eles não assentem, a ação ainda estaria de acordo com o direito natural, porque, com ela, um maior número de direitos seria preservado. Utilitarismo de Direitos
❖ Assim, explica Nozick: “A perspectiva de restrições
laterais o proíbe de violar essas restrições morais na persecução de seus fins; enquanto a perspectiva cujo objetivo é minimizar a violação desses direitos permite que você viole os direitos (as restrições) para diminuir sua violação total na sociedade.” (ASU, p. 30) Kantismo x Utilitarismo ❖ Para se contrapor ao utilitarismo de direitos, Nozick se refugia justamente em Kant.! ❖ Ele poderia tê-lo feito mostrando, como procurei mostrar, que, no direito kantiano, não há espaço para fins que são também deveres. Mas ele o fez de forma mais essencial, indo ao ponto que nos mostra por que Kant, afinal, exclui deveres relativos a fins do direito natural, a saber, exatamente pelo fato da doutrina do direito brotar da teoria moral da inviolabilidade do indivíduo humano como fim em si mesmo. Kantismo x Utilitarismo ❖ Kant não poderia advogar qualquer espécie de utilitarismo, simplesmente porque, de acordo com as premissas mais fundamentais de seu sistema moral, não há bem maior do que o próprio indivíduo humano.! ❖ A filosofia kantiana é essencialmente deontológica, e não utilitarista ou consequencialista, porque repousa sobre “a ideia do valor absoluto de uma mera vontade, sem que se leve em conta na sua estimação utilidade alguma” (GMS, 4: 395). Autonomia x Utilitarismo ❖ Naturalmente, ocorrerá a alguém dizer que o indivíduo que não cumpre com os ditames da moralidade não merece ter sua dignidade reconhecida, sendo então violável, e ainda mais violável quando se trata de violá-lo para o cumprimento de um fim meritório como a beneficência.! ❖ Tal atitude, todavia, estaria em perfeita contradição com uma moral pautada pela autonomia. A razão prática de um agente A legislaria para a execução do arbítrio de um agente B, situação em que B, inclusive, jamais poderia agir por dever, ou tomando a lei como motivo. Autonomia x Utilitarismo ❖ Vimos que o direito à independência de constrangimento por arbítrio de outro decorre de nossa humanidade de tal forma que um tal constrangimento só pode ser autorizado, ou seja, compatibilizado com nosso direito, pela negação de uma negação, quer dizer, pelo constrangimento a um constrangimento prévio.! ❖ Em síntese, quem funda toda a moral na autonomia não poderia defender o direito de outro legislar para a minha vontade, mas apenas o direito de me impedir de legislar para a vontade de outro. Liberdade e Bem Comum ❖ Interessantemente, quando compreendemos nosso direito do modo sugerido aqui, desaparece qualquer possibilidade de conflito de direitos.! ❖ A liberdade não agressiva a que temos direito não é um bem escasso cuja disponibilidade diminui para A se é gozada por B.! ❖ Na verdade, a liberdade deve ser o único bem comum exatamente por ser o único bem que pode ser compartilhado por todos os indivíduos em grau máximo. Problema em Aberto ❖ No entanto, do direito universal à liberdade não decorre imediatamente uma solução normativa para os conflitos relativos à posse de bens escassos.! ❖ Suponhamos que seja aceito que essa breve análise do conceito moral de direito em Kant, de fato, fundamente a premissa libertária de acordo com a qual só existe um direito natural, não consistindo esse no direito de ser provido com bens escassos. Problema em Aberto ❖ Decorre que ninguém poderia reivindicar um direito natural à assistência ou à cooperação social.! ❖ Porém, ainda que eu não tenha o dever de prover a outro com bens, poderia ser que eu não tivesse direito ao que considero como meus próprios bens.! ❖ Nada do que foi dito até aqui prova que certos bens escassos sejam meus por direito e, portanto, que outro tenha o dever de se abster deles.! ❖ Sem tal direito, decorreria que um outro, carente ou não, estaria moralmente autorizado a se utilizar, sem meu consentimento, daquele objeto externo que eu declaro como “meu”.