Você está na página 1de 48

Andrea Faggion - UEL/UEM

Libertarianismo e Universidade Federal de


Pernambuco!

Justiça Social - Parte 1 16 e 17 de dezembro de 2013


Utilitarismo x Jusnaturalismo
❖ PNA = meio ou fim em si mesmo?!
❖ Quando entendido como meios, a liberdade e o direito à
propriedade passam a ser vistos como condições de
realização da maior prosperidade econômica.!
❖ Faz-se necessária uma teoria universal que sustente que,
sejam quais forem as circunstâncias sócio-histórico-
culturais, uma maior liberdade individual e o respeito à
propriedade privada produzem mais riquezas.!
❖ Praxeologia.
Pobreza
❖ Desse ponto de vista, a pobreza generalizada torna-se problema
social solúvel, ainda que a longo prazo.!
❖ Aceita-se que o sistema resulte em desigualdade, mas a condição
dos menos favorecidos, nesse sistema, seria preferível à sua
situação em condições de igualdade material.!
❖ Assim, de certa forma, o princípio da diferença de Rawls seria
espontaneamente contemplado.!
❖ Argumenta-se justamente que, sob outras regras econômicas, o
princípio da diferença seria violado, ou seja, haveria maior
igualdade às expensas dos menos favorecidos.
Pobreza
❖ Já para o libertário jusnaturalista, a pobreza, por si só,
não é um problema a ser solucionado política ou
juridicamente.!
❖ O jusnaturalista toma o libertarianismo como uma
teoria da justiça, e não da eficiência econômica.!
❖ Tal teoria, por fim, não qualifica a pobreza per se como
uma situação de injustiça.!
❖ Por quê?
05 Grandes Questões
❖ Uma teoria do jusnaturalismo libertário deve responder ao
menos 05 questões:!
❖ 1) Qual o conteúdo do direito natural?!
❖ 2) Qual o fundamento do direito natural?!
❖ 3) Seria a propriedade privada um direito natural?!
❖ 4) Como decidimos atribuições de posse com base no
direito natural?!
❖ 5) Quem deve ser o executor do direito natural?
Objetivo

❖ O objetivo da presente exposição é reunir apontamentos


que joguem alguma luz sobre as duas primeiras
questões.!
❖ As questões de número 3. e 4. serão objeto de nosso
próximo encontro, amanhã.!
❖ Não lidarei com a última questão.
Direito Natural

❖ Mas, antes de mais nada, ou seja, antes que pipoquem


acusações de falácia naturalista que costumeiramente
tem por algo o jusnaturalismo, devemos precisar o que
entendemos por qualquer “direito natural”.!
❖ Essa questão semântica precede a questão de quais
seriam, afinal, os direitos naturais.
Herbert Hart
❖ Um direito natural (se existe) é: !
❖ i) um direito que alguém possui enquanto ser humano, e
não enquanto membro de alguma sociedade ou enquanto
parte em algum tipo de relação com outra pessoa.!
❖ ii) um direito não criado ou conferido por ações
voluntárias dos seres humanos.!
❖ “Are There Any Natural Rights?”, The Philosophical
Review, v. 64, n. 02. (Apr., 1955), pp. 175-176.
Apenas um Direito Natural
❖ Via de regra, libertários jusnaturalistas admitem apenas um
direito natural:!
❖ O direito de não ser agredido.!
❖ Formulação deste direito que julgo defensável e profícua:!
❖ “Liberdade (independência de ser constrangido pelo
arbítrio de outro), na medida em que ela pode coexistir
com a liberdade de todos os outros de acordo com uma lei
universal, é o único direito original pertencente a todo
homem em virtude da sua humanidade.” (MS, 06: 238)
Origem do Direito Inato

❖ O que Kant quer dizer com um direito que “pertence a


todo homem em virtude de sua humanidade”?!
❖ Não se trata de uma tentativa de fundação de um
direito sobre uma base descritiva de certas
características peculiares ao homo sapiens, já que,
humanidade, para Kant, já constitui um conceito moral.!
❖ Vejamos então o que significa ser humano.
A Fórmula da Humanidade
❖ Para Kant, denominamos de “pessoa” os agentes cuja
“natureza [moral] já os assinala como fins em si mesmos,
isto é, como algo que não pode ser usado meramente como
meio, por conseguinte [como algo que] restringe nessa
medida todo arbítrio (e é um objeto do respeito).” (GMS,
04: 428)!
❖ Pouco adiante, o princípio da humanidade como fim em si
mesmo, uma das formulações do imperativo moral, é
simplesmente declarado “a condição restritiva suprema da
liberdade das ações de todo homem” (GMS, 04: 431).
Problema: O Quarto Exemplo
❖ Considerando que o quarto exemplo de aplicação da fórmula
da humanidade na GMS consiste justamente no dever de
promover, na medida do possível, os fins dos outros (GMS,
04: 430), por que coloco ênfase nas passagens em que Kant
apresenta a fórmula da humanidade como o fundamento de
um princípio meramente restritivo da liberdade de ações?!
❖ Em outras palavras, por que não apresentar a dignidade
humana como o fundamento de um princípio da promoção
do outro, enquanto fim a ser moral e positivamente
perseguido?
Possível Saída
❖ O quarto exemplo, segundo a letra de Kant, diz respeito a um
dever meritório que, como tal, não pode ser objeto de
legislação externa, mas apenas de auto-imposição.!
❖ A razão para tanto é justamente o fato desse dever prescrever
um fim a ser perseguido positivamente. !
❖ Ora, se outro me obrigasse a agir de acordo com a perseguição
de um fim contra a minha vontade, eu estaria sendo tratado
como um simples meio para o arbítrio desse outro. Nas
palavras de Nozick, eu seria um mero recurso para ele (ASU, p.
33).
De Volta à MS

❖ Em consonância com a apresentação da fórmula da


humanidade como uma condição meramente restritiva
no tocante a ações externas na GMS, há que se
reconhecer que, na MS, Kant reconhece como direito
inato, não o direito positivo de ter seus próprios fins
promovidos por outro, mas sim o direito negativo à
independência do arbítrio de outro.
Liberdade e Direito

❖ Realmente, não faria sentido que, ao tratar do conteúdo


de um direito em sentido moral, portanto, de um direito
correspondente a um dever da parte de outro cujo
cumprimento pode ser reivindicado pela força, Kant
definisse a liberdade de uma maneira internalista, seja
negativa ou positivamente.
Liberdade Interna Negativa

❖ Negativamente, a liberdade interna é a capacidade de


um arbítrio de não ser determinado pelas inclinações
que o influenciam, ou seja, é a ausência de coerção
interna.!
❖ Ora, ninguém poderia garantir a outro um suposto
direito de não ser internamente determinado, mas
apenas afetado, por suas próprias inclinações.
Liberdade Interna Positiva

❖ Positivamente, a liberdade interna é a capacidade do


arbítrio de ser determinado por uma lei imanente à sua
vontade (entendida como razão prática), isto é, é a
autonomia.!
❖ Ora, nenhum agente finito poderia dotar a outro agente
com tal capacidade.
Liberdade Interna e Direito
❖ Em suma, a liberdade interna do arbítrio é de tal natureza que
não pode ser impedida ou fomentada por outro agente
externo, portanto, não pode ser um direito. !
❖ Se formos seres determinados pela natureza, o recebimento de
todos os recursos materiais do mundo não mudará esse fato. !
❖ Agora, se formos seres autônomos ou não determinados pela
natureza, por outro lado, o aprisionamento de nosso corpo em
um calabouço por toda nossa existência tampouco mudará
esse fato.
Liberdade Externa e Direito
❖ Assim, sendo um direito moral a contra-parte de um
dever que pode ser objeto de coerção externa, Kant tinha
mesmo que descrever a liberdade a que temos direito
como uma independência de coerção do arbítrio de outro,
e não da coerção de circunstâncias externas ou internas.!
❖ Afinal, como um sujeito A poderia ter o dever de libertar
um sujeito B de circunstâncias que eventualmente exerçam
coerção sobre seu arbítrio, considerando que tais
circunstâncias não sejam ações do próprio sujeito A?
Autonomia e Direito
❖ Nesse sentido, a autonomia ou liberdade interna do
arbítrio, ainda que fundante do direito inato à liberdade,
não pode ser confundida com a própria liberdade a que
temos direito. !
❖ Temos direito, porque somos autônomos, mas não
temos o direito de sermos autônomos, simplesmente
porque não teríamos a quem reivindicar tal direito e
nem teríamos qualquer direito a reivindicar se já não
fossemos autônomos.
Liberdade e Escassez
❖ Deve ainda ser notado que o problema da liberdade tal
qual formulado por Kant, seja enquanto liberdade externa
a que temos direito ou liberdade interna fundante desse
direito, não tem a ver com escassez de bens ou
prosperidade.!
❖ Dado que a liberdade interna é a ausência de coerção por
inclinações e a liberdade externa é a ausência de coerção
por outro arbítrio, o número de alternativas disponíveis
para a escolha do arbítrio não determina um grau maior ou
menor de liberdade.
Liberdade e Escassez

❖ Kant estaria aqui de acordo com Herbert Hart, para


quem, os marxistas confundiriam dois males diferentes
ao identificarem a pobreza com a falta de liberdade. !
❖ Por mais pedante que seja apontar a quem morre de
fome que ele é livre, o fato é que ele é. !
❖ “Are There Any Natural Rights?”, The Philosophical
Review, v. 64, n. 02. (Apr., 1955), p. 175, n. 2.
Autonomia e Escassez

❖ Contudo, ainda podemos considerar condições


extremas de escassez material, como o caso de quem
morre de fome, como incompatíveis com o
florescimento/manutenção da autonomia, por mais que
a presença da última, é verdade, não possa ser
considerada um fato passível de averiguação empírica.
Autonomia e Escassez
❖ Mesmo que assim seja, a questão permanece: !
❖ Um direito em sentido moral, tenho insistido, implicaria em
um dever que poderia ser objeto de coerção externa. !
❖ Assim, um direito a condições mínimas para preservação da
autonomia por parte de B implicaria na autorização moral
para que A fosse forçado a prover tais condições, o que
implica em tornar A, que não tem o fim de ajudar B, em um
instrumento a serviço da vontade de outro.!
❖ A seria dependente de constrangimento do arbítrio de outro.
Auto-Soberania

❖ É exatamente porque não podemos ser tratados como


simples meios ou fonte de recursos para a realização de
fins de outros, por mais eticamente recomendáveis ou
meritórios que sejam tais fins, que nosso único direito
inato é a auto-soberania perante os demais seres
humanos.
Direito e Dever

❖ Certamente, como um direito, em sentido moral, vale


igualmente para todos os seres humanos, ao mesmo
tempo em que tenho o direito de não ter minha
liberdade externa constrangida pelos demais, tenho
também o dever de restringir minha liberdade para não
cometer o mesmo tipo de constrangimento para com os
demais.
Direito e Coerção
❖ É fundamental que entendamos que, aqui,
diferentemente do caso do dever meritório, ou do fim
que é também um dever, trata-se de um dever cujo
cumprimento pode ser imposto pela força sem ônus ao
nosso direito inato à liberdade.!
❖ Trata-se, aliás, do único caso em que o direito natural
autoriza o constrangimento do arbítrio de um por parte
de outro.
O Problema do Direito
❖ Como conciliar heteronomia (= coerção do arbítrio de
um por parte do arbítrio de outro) e o direito inato à
liberdade externa? !
❖ Há que se provar que, ao contrário do que ocorre no
caso em que o sujeito A seria forçado a prover o sujeito
B com condições mínimas para a manutenção de sua
autonomia, há um dever que pode ser externamente
impostos sem que o direito inato à liberdade seja
violado.
Reformulando o Problema
❖ O domínio jurídico é o domínio da coerção externa. !
❖ Vimos que a coerção externa a fins (mesmo os meritórios)
violaria o direito inato à liberdade.!
❖ Mas por que a imposição de um dever jurídico meramente
restritivo ou negativo não o violaria igualmente? !
❖ Como o uso da coerção externa poderia ser compatível com
o direito à liberdade, quando esta última é entendida
enquanto independência de coerção externa pelo arbítrio
de outro?
Coerção da Coerção
❖ A solução de Kant é notar que “a resistência que se contrapõe ao
obstáculo de um efeito promove esse efeito e é consistente com
ele” (MS, 06: 231).!
❖ Isso significa que a coerção não será contrária à liberdade quando (e
somente quando) for exercida contra uma coerção anterior.!
❖ “coerção é um obstáculo ou resistência à liberdade” (MS, 06: 231).!
❖ “se um certo uso da liberdade é ele mesmo um obstáculo à liberdade
conforme leis universais (i.e., é errado), a coerção que se opõe a isso
(como o obstáculo de um obstáculo à liberdade) é consistente com a
liberdade conforme leis universais, quer dizer, é conforme ao
direito” (MS, 06: 231).
Coerção da Coerção
❖ É essencial que se entenda que a coerção de uma coerção
exercida contra uma ação que é ela, sim, conforme à
liberdade segundo leis universais não é apenas uma maneira
dentre outras de usarmos a força de modo consistente com
nosso único direito inato, é a única maneira:!
❖ “Se então minha ação ou minha condição em geral podem
coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei
universal, quem quer que me obstaculize nela me causa
dano; pois esse obstáculo (resistência) não pode coexistir com
a liberdade de acordo com uma lei universal.” (MS, 06: 231)
Dano à Liberdade

❖ Decorre da última passagem que, como vimos dizendo,


se aceitarmos, como parece muito razoável, que um
sujeito B, cuja condição é de extrema pobreza, não é, só
por isso, vítima de coerção por parte do arbítrio do
sujeito A, então aquele que coage A a prover B com
melhores condições causa dano a A e age
contrariamente ao direito.
Liberdade e Poder
❖ Em suma, a concepção kantiana de direito em sentido estrito
(distinto da ética) determina como obrigação jurídica não fazer
obstáculo à liberdade que é conforme a leis universais, e não o
fomento dos fins alheios ou do outro como fim, como na ética.!
❖ Isso, porque aquele que não colabora com a realização de
meus fins nem por isso a obstaculiza.!
❖ O dever jurídico, em suma, não é um dever de conceder o
poder de realização do fim x, mas o dever de não obstaculizar a
busca pelo fim x, se essa busca não coincidir ela própria com
um obstáculo primeiro.
Coerção conforme ao Direito
❖ Assim, a fórmula do direito como coerção de coerção,
nunca é demais ressaltar, é a maneira que Kant
encontrou para compatibilizar o direito como, a um só
tempo, autorização para o uso da força e doutrina da
liberdade.!
❖ O limite para a liberdade não é traçado por um
princípio externo e superior a ela, mas apenas pelas
condições de sua compatibilidade interna enquanto
direito moral.
O Âmbito do Direito
❖ É nesse sentido que devemos entender por que o conceito moral de
direito teve seu âmbito delimitado por Kant de três maneiras (MS, 06:
230):!
❖ Primeiro, positivamente, o direito tem a ver com relações externas
entre ações como fatos que se influenciam mutuamente;!
❖ segundo, negativamente, exclui-se do direito a relação do arbítrio de
um com os desejos e necessidades do outro (beneficência e crueldade),
estabelecendo, positivamente, que a relação jurídica se dá entre
arbítrios;!
❖ terceiro, negativamente, exclui-se também o fim ou matéria do arbítrio.
O Âmbito do Direito

❖ Kant não poderia ser mais claro:!


❖ “Não se pergunta, por exemplo, se alguém que compra
bens de mim para seu próprio uso comercial ganhará
com a transação ou não. Tudo que está em questão é a
forma na relação do arbítrio da parte de ambos, na
medida em que o arbítrio é considerado meramente
como livre.”
O Princípio do Direito
❖ Do conceito de direito, que, como espero, terá sido
compreendido uma vez que se tenha compreendido
qual é nosso único direito inato e qual sua razão de ser,
decorre o seu princípio:!
❖ “Qualquer ação é conforme ao direito se pode coexistir
com a liberdade de todos de acordo com uma lei
universal, ou se sobre sua máxima a liberdade de
escolha de cada um pode coexistir com a liberdade de
todos de acordo com uma lei universal.” (MS, 06: 230)
Um Princípio Deontológico
❖ Pela interpretação proposta aqui, descobre-se uma estreita
conexão entre o caráter negativo ou meramente restritivo
do princípio kantiano do direito e o lugar em que a
exigência de não violação de direitos entra no sistema.!
❖ Como Nozick bem observa, uma teoria pode incluir a não
violação de direitos de uma forma primordial, mas pode
ainda inclui-la no lugar errado. !
❖ No caso, o lugar errado seria o lugar de um fim a ser
promovido, em vez de um limite restritivo a ser respeitado.
Utilitarismo de Direitos
❖ De fato, alguns intérpretes kantianos, desatentos ao fato de
que a doutrina do direito não se configura como uma
doutrina de fins que são deveres, atribuem a Kant
exatamente o que Nozick chama de “utilitarismo de
direitos”.!
❖ Nesse sentido, argumentam que, se o fim a ser promovido
é a não violação de direitos individuais, então é preciso que
apoiemos políticas públicas que fomentam as condições
materiais dos indivíduos, de tal forma que eles possam
proteger seus direitos com mais eficiência.
Utilitarismo de Direitos
❖ Com isso, em vez de maximizarmos a felicidade, visando-a
no maior grau possível para o maior número possível,
maximizaríamos a proteção de direitos, visando-a no maior
grau possível para o maior número possível de indivíduos.!
❖ Em outras palavras, se os direitos de alguns são violados,
quando os transformamos em fonte de recursos para
programas sociais com os quais eles não assentem, a ação
ainda estaria de acordo com o direito natural, porque, com
ela, um maior número de direitos seria preservado.
Utilitarismo de Direitos

❖ Assim, explica Nozick: “A perspectiva de restrições


laterais o proíbe de violar essas restrições morais na
persecução de seus fins; enquanto a perspectiva cujo
objetivo é minimizar a violação desses direitos permite
que você viole os direitos (as restrições) para diminuir
sua violação total na sociedade.” (ASU, p. 30)
Kantismo x Utilitarismo
❖ Para se contrapor ao utilitarismo de direitos, Nozick se
refugia justamente em Kant.!
❖ Ele poderia tê-lo feito mostrando, como procurei mostrar,
que, no direito kantiano, não há espaço para fins que são
também deveres. Mas ele o fez de forma mais essencial,
indo ao ponto que nos mostra por que Kant, afinal, exclui
deveres relativos a fins do direito natural, a saber,
exatamente pelo fato da doutrina do direito brotar da teoria
moral da inviolabilidade do indivíduo humano como fim
em si mesmo.
Kantismo x Utilitarismo
❖ Kant não poderia advogar qualquer espécie de
utilitarismo, simplesmente porque, de acordo com as
premissas mais fundamentais de seu sistema moral, não
há bem maior do que o próprio indivíduo humano.!
❖ A filosofia kantiana é essencialmente deontológica, e
não utilitarista ou consequencialista, porque repousa
sobre “a ideia do valor absoluto de uma mera vontade,
sem que se leve em conta na sua estimação utilidade
alguma” (GMS, 4: 395).
Autonomia x Utilitarismo
❖ Naturalmente, ocorrerá a alguém dizer que o indivíduo
que não cumpre com os ditames da moralidade não merece
ter sua dignidade reconhecida, sendo então violável, e
ainda mais violável quando se trata de violá-lo para o
cumprimento de um fim meritório como a beneficência.!
❖ Tal atitude, todavia, estaria em perfeita contradição com
uma moral pautada pela autonomia. A razão prática de um
agente A legislaria para a execução do arbítrio de um
agente B, situação em que B, inclusive, jamais poderia agir
por dever, ou tomando a lei como motivo.
Autonomia x Utilitarismo
❖ Vimos que o direito à independência de constrangimento
por arbítrio de outro decorre de nossa humanidade de tal
forma que um tal constrangimento só pode ser autorizado,
ou seja, compatibilizado com nosso direito, pela negação
de uma negação, quer dizer, pelo constrangimento a um
constrangimento prévio.!
❖ Em síntese, quem funda toda a moral na autonomia não
poderia defender o direito de outro legislar para a minha
vontade, mas apenas o direito de me impedir de legislar
para a vontade de outro.
Liberdade e Bem Comum
❖ Interessantemente, quando compreendemos nosso direito
do modo sugerido aqui, desaparece qualquer
possibilidade de conflito de direitos.!
❖ A liberdade não agressiva a que temos direito não é um
bem escasso cuja disponibilidade diminui para A se é
gozada por B.!
❖ Na verdade, a liberdade deve ser o único bem comum
exatamente por ser o único bem que pode ser
compartilhado por todos os indivíduos em grau máximo.
Problema em Aberto
❖ No entanto, do direito universal à liberdade não decorre
imediatamente uma solução normativa para os conflitos
relativos à posse de bens escassos.!
❖ Suponhamos que seja aceito que essa breve análise do
conceito moral de direito em Kant, de fato, fundamente
a premissa libertária de acordo com a qual só existe um
direito natural, não consistindo esse no direito de ser
provido com bens escassos.
Problema em Aberto
❖ Decorre que ninguém poderia reivindicar um direito natural à
assistência ou à cooperação social.!
❖ Porém, ainda que eu não tenha o dever de prover a outro com bens,
poderia ser que eu não tivesse direito ao que considero como meus
próprios bens.!
❖ Nada do que foi dito até aqui prova que certos bens escassos sejam
meus por direito e, portanto, que outro tenha o dever de se abster deles.!
❖ Sem tal direito, decorreria que um outro, carente ou não, estaria
moralmente autorizado a se utilizar, sem meu consentimento, daquele
objeto externo que eu declaro como “meu”.

Você também pode gostar