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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


LICENCIATURA EM FILOSOFIA

CHARLIE BENJAMIN RIBEIRO DA COSTA

COMO O HÁBITO POSSIBILITA A VIDA EUDAIMÔNICA ARISTOTÉLICA

São Luís
2022
CHARLIE BENJAMIN RIBEIRO DA COSTA

COMO O HÁBITO POSSIBILITA A VIDA EUDAIMÔNICA ARISTOTÉLICA

Artigo apresentado como requisito para a


obtenção da primeira nota da disciplina de Ética,
do curso de Licenciatura em Filosofia da
Universidade Federal do Maranhão, orientado
pelo Prof. Dr. Helder Machado Passos.

São Luís
2022
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 4

2 DESENVOLVIMENTO 5
2.1 Virtude e vício 5
2.2 Educação e hábito 6
2.3 A vida eudaimônica 7

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 8

REFERÊNCIAS 9
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COMO O HÁBITO POSSIBILITA A VIDA EUDAIMÔNICA ARISTOTÉLICA

Charlie Benjamin Ribeiro da Costa1

Resumo: O artigo visa identificar qual função o hábito exerce na vida eudaimônica
proposta por Aristóteles, dentro da Ética Nicomaquéia, e porque sua presença é
indispensável para torná-la possível. Ao diferenciar os conceitos de virtude e vício,
explicita-se o modo com o qual a virtude moral depende do hábito para fazer-se, uma vez
que é a prática constante que desenvolve as disposições morais do indivíduo. Em
detrimento disso, surge a importância da boa educação, a qual molda os hábitos do
indivíduo até que este esteja apto a fazer uso da prudência e, somente assim, deliberar. A
educação, à sua maneira, gera a disciplina necessária para o alcance da felicidade, dado
que o homem não nasce virtuoso, mas pode tornar-se ao longo da vida se agir bem.

Palavras-chave: Hábito. Virtude. Moral. Educação. Eudaimonia.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo analisará o papel do hábito na obra “Ética a Nicômaco” de


Aristóteles, a fim de compreender e expor suas nuances e implicações no que tange a
felicidade. Perpassando a distinção entre vícios e virtudes, trata também da educação a
partir do hábito e, por fim, sobre como essas disposições o empregam à função de
possibilitador da vida eudaimônica expressa pelo filósofo em questão.
No livro Ética a Nicômaco (EN), o filósofo estagirita esmiúça a essência de
felicidade, bem como a ideia de Bem Supremo, de vida contemplativa e explora o agir
humano em todas as suas variações: virtudes, vícios, paixões, capacidades, disposições e
hábitos. Este último sendo o principal guia desse estudo.
O conceito de hábito, apesar de não muito citado, está impregnado em todas as
nuances da ética aristotélica, o que instiga a investigação do raciocínio do autor para
melhor compreender o encargo que ele atribui ao hábito, assim como para entender suas
implicações no que concerne à eudaimonia.

1
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão.
e-mail: costa.charlie@discente.ufma.br
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2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Virtude e vício

De acordo com Aristóteles, o excesso e a falta caracterizam o vício e a busca


pela mediania qualifica a virtude. A mediana é determinada pela razão e, por isso,
relativa ao homem: não possui caráter universal. Por exemplo, a justa medida entre a
gula e a fome é demarcada de acordo com aquele que vai comer; um atleta de peso
pesado come em diferente proporção ao homem que está de dieta para perder peso.
As virtudes, por sua vez, são divididas em duas: intelectuais e morais. As
dianoéticas (ou intelectuais) são teóricas, contemplativas e dependem do aprendizado
pessoal, como a sabedoria, o intelecto e a prudência. Já as éticas (ou morais) são
virtudes práticas, relacionadas à ação, comportamento e caráter; derivam do termo
ethos, que significa hábito, costume ou modo de ser. A qualidade da mediania – a saber,
o meio-termo – não se aplica às virtudes intelectuais, uma vez que somente a virtude
moral se relaciona com as paixões e ações nas quais se pode haver falta e excesso.
Ademais, virtude e vício não são paixões, porque não podem nos adjetivar como
bons ou maus com base nelas; nem são uma capacidade, pois também não nascemos
bons ou maus por natureza. Resta, então, caracterizá-los como uma disposição de
caráter, dado que, segundo Aristóteles, um estado de alma deve ser uma destas três
coisas – paixão, capacidade ou disposição. Virtude e vício pressupõem, por isso, uma
escolha. No entanto, a virtude moral é o oposto do vício, pois ela é a qualidade segundo
a qual se age da melhor forma em relação aos prazeres e dores (ARISTÓTELES, 2009).
O autor afirma que nossas disposições morais são formadas como produto das
atividades correspondentes, ou seja, são boas ou más na medida em que nossas
atividades também o são. Embora praticar dada ação virtuosa não torne alguém
virtuoso, assim como uma atitude levada pelo vício não determina o indivíduo como
viciado, a repetição de ações é o que engendra as disposições de caráter do agente
moral. Portanto, o hábito (hexis) elucida a disposição moral do indivíduo. E é por meio
dele que promovemos condições para uma vida virtuosa, caminho que leva à
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eudaimonia, visto que sua ausência nos inclina ao vício: não conseguimos controlar
nossos impulsos (orexis) sem auxílio da hexis.
A felicidade, no que lhe diz respeito, consiste na prática de virtudes teóricas e
práticas. Ou seja, não é um estado passivo, mas uma atividade constante do agir bem
(eupraksía). Portanto, ao habituar-se (hexis) à prática da mediedade, com o tempo e aos
poucos, a disposição do indivíduo se adequa à virtude. A hexis, porém, deve estar
alinhada à phronesis, a saber, ao uso da prudência. Deste modo, o homem se torna
virtuoso na proporção em que a deliberação entrelaça-se com a justa medida. Como foi
explanado, a vida eudaimônica defendida pelo filósofo como finalidade humana
depende dos hábitos, podendo ser construída e destruída por eles. Isso marca a
importância da boa educação, seja do lar ou política.

2.2 Educação e hábito

Por natureza, recebemos apenas a capacidade de possuir virtudes. É pelo hábito,


o qual revela-se virtude moral se bem alinhado à sapiência, que alcançamos o Bem.
Como é a educação que molda os hábitos do indivíduo, Aristóteles salienta seu crédito:
“Não é, portanto, de pouca monta se somos educados desde a infância dentro de um
conjunto de hábitos ou outro; é, ao contrário, de imensa, ou melhor, de suprema
importância.” (ARISTÓTELES, 2009).
A educação moral começa com o desenvolvimento de bons hábitos, predispondo
o caráter a discernir entre os extremos (excesso e falta) e racionalmente optar pelo
meio-termo. Chegar na medianidade requer maturidade e discernimento, a saber,
prudência (phonesis). Os indivíduos, quando maduros, farão uso do próprio
discernimento para escolher aquilo que é o bem em si mesmo. Enquanto isso, de acordo
com Belarminda, “a função dos hábitos no processo de educação do agente moral ainda
imaturo, onde fazer é mais importante do que propriamente saber ou entender, é
justamente fixar boas atitudes, acostumar o agente moral a agir bem” (2019, p. 10).
A escolha, que ainda não os cabe, é o tipo de ação voluntária precedida por
deliberação, à qual o louvor e a censura são conferidos. Censura como indício do que é
desaprovado e não se deve repetir; louvor àquelas ações que devem tornar-se hábitos.
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Segundo Belarminda (2019), é através da razão que o homem pode se reeducar, e


através dos hábitos que pode se manter educado.
A educação moral, porém, é um tipo de conhecimento que difere do das Ciências
(episteme) e das Técnicas (téchne), não podendo ser ensinado de forma diretiva por um
professor. Isso quer dizer que não há nada que garanta a formação do agir ético, uma vez
que não há fórmula ou modelo para ele. Embora resulte de escolhas feitas com
sabedoria, equilíbrio e sensatez, e nunca advenha de impulsos (orexis) ou paixões
(páthos), o agir ético é relativo ao homem que escolhe. No entanto, apesar da vida
virtuosa não poder ser diretamente ensinada, a educação continua em seu papel: cabe a
ela estimular bons hábitos desde a infância e promover o desenvolvimento racional dos
indivíduos.
Não obstante, o rigor, o método e a constância, elementos que nos são
apresentados a partir do hábito, nos tiram da contingência diária que predomina a vida
humana – incerteza, imprudência. A disciplina do hábito prepara o indivíduo para a
virtude, para o agir bem. Isto é, para viver do melhor modo. Educar e ser educado pelo
hábito predispõe ao agir virtuoso, conduz à constância existencial – à maturidade da
reflexão, à subordinação das emoções à razão. O hábito, portanto, possibilita a vida
eudaimônica aristotélica.

2.3 A vida eudaimônica

Felicidade, a coisa mais digna de ser almejada pelo homem, é o fim último de
todas as nossas ações. Tudo o que o homem faz, assim como todos os conhecimentos
que adquire e usa ao longo do tempo, visam alcançar a eudaimonia. A vida feliz, para
Aristóteles, é uma atividade caracterizada pelo agir virtuoso constante e reiterado, que
abrange toda a vida do agente moral. Deste modo, como pode o hábito não ser elemento
fundamental nessa dinâmica?

“A virtude moral não é somente uma condição para a realização da felicidade,


mas é também parte constitutiva da felicidade (eudaimonia) e isso porque
somente na sua presença é possível à phronesis operar no aperfeiçoamento da
capacidade de agir. É a presença da virtude moral através do exercício repetido
de determinadas ações em um mesmo sentido, constituindo assim um hábito,
que torna possível a moderação das emoções e sentimentos, dessa forma,
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permite ao homem virtuoso desejar de forma correta o bem final a ser realizado
e a sabedoria prática operar no aperfeiçoamento da capacidade de agir do
homem virtuoso.” (BARCELLOS, 2017, p. 22)

Barcellos reitera que a felicidade é a atividade segundo a virtude perfeita, isto é,


segundo a virtude moral acompanhada da virtude intelectual, o que também pressupõe o
hábito – uma vez que as virtude morais se dão a partir dele e as virtudes intelectuais
“nascem e crescem por meio do ensino.” (PINTO, 2010, p. 8).
Ainda que, entre os três modos de vida elaborados por Aristóteles, a vida
contemplativa seja a mais elevada, a seu modo a felicidade encontra-se em todos.

“[...] a felicidade é também encontrada na atividade moralmente virtuosa, e a


melhor e mais feliz vida para os seres humanos é uma vida bem-sucedida e
efetivamente levada no reconhecimento do valor permanente para um ser
humano do uso aperfeiçoado da razão humana em todos os seus aspectos e
funções.” (COOPER, 1998, p. 235)

Além disso, o princípio racional que fundamenta a vida eudaimônica


contemplativa está relacionado à prática das virtudes; não se distancia do agir constante
de atividades virtuosas, mesmo que caracterizado por escolhas deliberadas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O indivíduo, para ser e manter-se feliz, precisa agir bem e fazer dessas ações um
hábito. Dado que o homem não nasce virtuoso, a prática, acima de tudo, deve fazer-se
presente. Guiada primeiramente pelos outros, depois por si mesmo – a partir da
prudência, deliberação. É necessário, para isso, uma boa educação – seja do lar ou das
leis.

“A felicidade humana é parcial e depende da união da prática de


atividades sumamente virtuosas, da busca do prazer puro e durável através da
Sophia, da conquista da autossuficiência progressiva, do cultivo e da
manutenção de amizades e, por fim, depende ainda o homem para ser feliz, do
fato de que deve, permanentemente, manter seu agir virtuoso ao percorrer todas
as partes de sua existência que deve ser completa.” BARCELLOS, 2017, p. 28
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Tão logo, somente os homens são capazes da vida eudaimônica, uma vez que é
através da razão que o agente moral delibera e, posteriormente, se habitua à vida
virtuosa. Ao desenvolver sua virtude moral, o indivíduo prospera e sente prazer em
agir bem, pois fazer o certo lhe é bom.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco – Tradução, textos adicionais e notas de Edson


Bini. Bauru, SP: Edipro, 3ª ed., 2009.

BARCELLOS, Flávio Jardim. A eudaimonia na Ética a Nicômaco de Aristóteles.


Porto Alegre: UFRGS – Repositório digital, 2017. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/10183/172937>. Acesso em outubro de 2022.2017

BELARMINDA, Deiwson Amaral. A função do conceito de hábito na teoria moral


aristotélica. Florianópolis: UFSC – Repositório Institucional, 2019. Disponível em:
<ttps://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/201422h>. Acesso em outubro de 2022.

CABRAL, João Francisco Pereira. Aristóteles e a educação; Brasil Escola. Disponível


em: <https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/aristoteles-educacao.htm>. Acesso em
outubro de 2022.

COOPER, John M. Contemplação e Felicidade: Uma reconsideração. São Paulo:


Loyola, 2013. Reason and Emotion. Princeton: Princeton University Press, 1998.

PINTO, Elias Fernandes. A ética aristotélica: o caminho para a felicidade completa.


Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982 6613, Brasília, vol. 5, n. 11, p. 03-12,
jul/2010.

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