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EAD

A Finalidade da Ética e a
Essência da Moral

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Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanos Piva
Prof. Juan Antonio Acha

1. OBJETIVOS
• Entender o cerne da reflexão ética na perspectiva filosó-
fica.
• Apreender a natureza, o objeto e o campo semântico da
Ética e da moral.
• Compreender a relação que o aspecto moral tem com a
liberdade humana.
• Dotar de uma ideia adequada o que é um valor moral.
• Entender a presença iniludível de regras morais no seio
da sociedade.
• Compreender por que as normas morais são de caráter
obrigatório.
210 © Antropologia, Ética e Cultura

2. CONTEÚDOS
• A Ética no âmbito das disciplinas filosóficas.
• Razão prática e Ética.
• Análise dos termos "moral", "moralidade", "ética".
• Diversidade de concepções morais e éticas.
• Campo da Ética e campo da moral.
• Conceitos fundamentais da Ética: o ser humano, razão,
história, liberdade.
• Ética e religião: os grandes princípios éticos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Os temas desta segunda unidade são bastante questio-
nadores, porém é bom lembrar que, na reflexão sobre o
sentido que as coisas têm, não existe receita pronta. A
única receita é desenvolver a capacidade de discernir, de
possuir o próprio pensamento e de ser crítico.
2) Como você pôde perceber, para os gregos antigos o ho-
mem não vive imerso no meio ambiente; vive na me-
diação da liberdade que se realiza dentro de um mundo
humano, estruturado pela cultura. Para entender as dife-
rentes concepções éticas do período que vai dos gregos
antigos até a Idade Média, você deverá levar em con-
ta que é própria do homem a capacidade de decidir, de
agir com autonomia e responsabilidade, de posicionar-
-se diante da realidade com autodeterminação, ou seja,
de tomar decisões e atitudes dentro das circunstâncias
da vida a partir de critérios que são identificados pela
consciência. O ser humano é um ser de responsabilidade
porque a dimensão racional lhe possibilita escolher com
liberdade.

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 211

3) Ao longo da vida, podemos adotar uma única concepção


moral ou, pelo contrário, podemos nos apropriar, em
algum momento de nossas vidas, de alguma outra que
consideremos mais apropriada, em parte ou na totali-
dade. Em realidade, no mundo globalizado existe uma
multiplicidade de concepções morais, que apresentam
diversidades no que toca a definição do que é bem ou
mal. Os costumes, do latim “mores", estão presentes na
identidade dos povos, mas nem tudo o que pertence aos
costumes tem relevância moral.
4) Somos seres no mundo, no mundo realizamos nossa
vida. Para ajudá-lo a refletir sobre a Ética e a práxis, não
deixe de ler as seguintes obras de Leonardo Boff:
• Ética e moral: a busca dos fundamentos. Disponível
em: <http://pt.scribd.com/doc/89815308/Etica-e-
-moral-a-busca-dos-fundamentos>.
• Saber cuidar: ética do humano. Disponível em:
<http://cursa.ihmc.us/rid=1GMSLFWNB-5RXV9C-GSQ/
Saber%20Cuidar%20-%20Etica%20do%20Humano.
pdf>.
5) Para aprofundar seus conhecimentos sobre a Ética e a
moral, sugerimos que assista ao filme O Jardineiro Fiel
(2005), dirigido por Fernando Meirelles. Após assisti-lo,
você estará apto a realizar a última questão do Tópico
Questões Autoavaliativas desta unidade!

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como vimos na primeira unidade, quando analisamos as di-
ferentes doutrinas éticas da Antiguidade, a Ética é uma reflexão
sobre a conduta humana considerando seus dois aspectos: parti-
cular ou subjetivo e social ou objetivo. A dimensão subjetiva cor-
responde à noção grega de "êthos", forma de ser da pessoa, tra-
duzida por “caráter", enquanto a parte dos costumes e hábitos, o
que tem como desencadeador o social, corresponde ao conceito
de “ethos", traduzido como “o que vem da casa", “o que surge dos
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costumes da comunidade". As teorias éticas buscam responder às


perguntas: por que existe a moral? Por que esse sistema moral é
válido para orientar nossa vida social? Enquanto as morais con-
cretas buscam esclarecer de que modo podemos organizar uma
boa sociedade, respondem à pergunta: como devo atuar ou o que
devo fazer ante tal ou qual situação?
Tanto os pensadores citados na primeira unidade como os
pensadores da Ética medieval propunham uma moral universal
obrigatória para toda a humanidade, que na Grécia Antiga estava
baseada em normas de validez objetiva, em supostos necessaria-
mente verdadeiros, enquanto na Idade Média ela dependia da pa-
lavra de Deus.
Porém, é bom esclarecer que a moral não pode estar fun-
damentada em um primeiro princípio indemonstrável (tese fun-
damentalista). A comunidade é formada por pessoas; quando
dizemos que o homem é pessoa, estamos supondo que tem auto-
nomia ética, traduzida como a capacidade de distinção entre bem
e mal. E, também, que possui a capacidade de autodeterminação,
de assumir a condução de sua própria vida desde a perspectiva
moral.
Diferente do resto dos entes, o ser humano contém na sua
natureza a dimensão de pessoa, evidenciada na disposição que
possui para atuar de forma autônoma ante uma ação concreta.
Por ser pessoa, ante um caso extremo pode escolher entre o me-
lhor e o pior dos males. A liberdade é a capacidade de que dispõe
o ser humano de obrar ou não obrar, de se sentir responsável por
seus atos voluntários; a liberdade ética caracteriza a pessoa. A pes-
soa humana pode agir em conformidade com agentes externos ou
não, por isso o direito a considera como sujeito ético e um ser de
responsabilidade. A responsabilidade tem relação com a capaci-
dade humana de exercer reflexivamente os atos, ponderando as
consequências (boas ou más) dos mesmos. Atuar com responsa-
bilidade equivale a crescer em direção ao bem (ao ser) no sentido
de um crescimento individual e comunitário, traduzido como hu-
manização.

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 213

Enfim, a reflexão ética e o comportamento moral são ineren-


tes ao homem livre.
Analisando os escritos de Aristóteles (2002, livro II) vamos
perceber que, para esse autor, a palavra “ética" procede do ter-
mo grego “ethos", termo que, na Filosofia aristotélica, possui dois
sentidos: por um lado, significa “morada, casa familiar, lugar onde
se habita" e, em segundo lugar, quer dizer “modo de ser" ou “o
caráter de que o ser humano vai se apropriando ao longo de sua
vida". Esses dois momentos também estão presentes na hora de
idealizar as virtudes: na mesma obra, faz referência a duas formas
de virtudes: aquelas inatas (dianõetikaí) e as que são adquiridas
pelo hábito (ethikaí).
Na Retórica (2005, livro II, 12-14), Aristóteles distingue os di-
ferentes tipos de “êthes", mas estas têm relação com o amadure-
cimento, com a idade. Assim o ético (ethos) compreende o caráter
do homem, os seus costumes e também a moral. Dessa forma,
podemos descartar as tentativas de considerar a moral como um
sistema normativo, fixo, que vale em todos os momentos e cir-
cunstâncias.
Na passagem do grego para latim, os dois termos gregos,
ethos e êthos, foram englobados num único termo, “moralitas",
de “moris", que vai significar tanto o modo de ser como aquela
disposição de cada um para o bem, para a retitude.
Paul Ricoeur (2011), na obra Ética e moral, pergunta: é pre-
ciso distinguir moral e Ética? Esclarecendo que nada na etimologia
das palavras nem no uso histórico das mesmas o exige, a diferen-
ça é clara: a primeira vem do latim, enquanto a outra, do grego.
Mesmo que ambas remetam à ideia dos costumes (ethos/mores)
é importante esclarecer que, por convenção, se reserva o termo
“ética" para a intenção da vida boa realizada sob o signo das ações
estimadas boas, e o termo “moral" para o lado obrigatório, marca-
do por normas, obrigações, interdições caracterizadas ao mesmo
tempo por uma exigência de universalidade e por um efeito de
constrição.
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5. MORAL
Schopenhauer diz que instituir moral é simples, o difícil é funda-
mentá-la. E Wittgenstein acrescenta, instituir moral é simples,
fundamentá-la impossível.

Vásquez (2007, p. 19) diz que os problemas éticos se caracte-


rizam por sua generalidade e se diferenciam dos problemas morais
da vida cotidiana, que são os que têm relação com as situações
concretas. A Ética, como Filosofia moral, serve para fundamentar
ou justificar a forma de comportamento moral. A moral diz sobre
o modo de comportar-se do ser humano, que, por natureza, é his-
tórico, ele é um ser de liberdade e responsabilidade ética. É um
ser que não nasce perfeito, tem como característica produzir-se e
aperfeiçoar-se mediante suas ações. O ser humano vive como uma
pessoa quando é senhor de si mesmo; sem liberdade de escolha
lhe é impossível a responsabilidade ética. A moral está presente
em toda coletividade na forma de regulamento do comportamen-
to social, ela tem uma dimensão social, mas essa realidade não
para no binômio homem/sociedade; o ser humano tem interesses
pessoais além dos coletivos. A moral, nesse sentido, deve estar
baseada na responsabilidade pessoal.
Para conceituar o termo moral, devemos partir da ideia de
que existe uma série de morais concretas com características his-
tóricas, todas elas compostas de regras que orientam o comporta-
mento, sendo, portanto, normativas. Essas regras fazem referên-
cias a ações concretas: não mentir, não roubar, não enganar, não
desrespeitar os pais, os maiores etc. E, como contrapartida, estão
as ações morais, que fazem referência às normas: ser solidário com
quem precisa, não jogar lixo na rua, não perturbar o descanso dos
vizinhos com sons altos ou gritos, dar bons exemplos aos menores
etc., o que, muitas vezes, supera o alcance da norma. As normas
impõem um comportamento moral e esses atos devem estar em
consonância com elas.

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 215

Também devemos considerar que a Ética não cria a moral;


ela procura determinar a essência da moral. A Ética é concebida
como a ciência da moral.

Diferença de moral e moralidade


Segundo Vásquez (2007, p. 66), existe uma distinção entre
moral e moralidade:
A moral tende a transformar-se em moralidade devido à exigência
de realização que está na essência do corpo normativo; a mora-
lidade é a moral em ação, a moral praticada. Por isso, lembrando
que não é possível levantar um muro instransponível entre as duas
esferas, cremos que é melhor empregar um termo só – o da moral
como se costuma fazer tradicionalmente e não dois. Mas, deve fi-
car claro que se utilizamos um só, com ele se indicam os dois planos
da moral, o normativo ou prescritivo e o prático ou efetivo, ambos
integrados na conduta humana concreta.

Diferentes sociedades, diferentes concepções morais


Como diz Vásquez (2007, p. 67), “A moral possui, em sua es-
sência, uma qualidade social". Toda sociedade, ainda as mais pri-
mitivas, possuem normas morais que convivem com outras nor-
mas, as jurídicas, as religiosas, técnicas etc., e todos os indivíduos
adotam uma concepção moral determinada pelo simples fato de
pertencer a uma sociedade. Toda mudança radical na estrutura
social traz consigo uma mudança na moral. A História apresenta
uma sequência de morais que correspondem às diferentes socie-
dades que se sucederam no tempo. É importante esclarecer que
essa linha não deve ser necessariamente ascendente, como a do
conhecimento científico, social ou cultural. Toda sociedade em seu
momento teve códigos morais, e estes podem ser considerados
avançados ou deficientes, independente do momento histórico.
As sociedades escravistas podem ter sido as piores, mas, se com-
paradas às que aceitavam o canibalismo, foram melhores; mesmo
assim foram péssimas.
216 © Antropologia, Ética e Cultura

Na realidade cotidiana, percebemos que algumas comuni-


dades (gens) progrediriam mais que outras, tiveram melhores nor-
mas morais, na medida em que estimularam a responsabilidade
dos atos dos integrantes. Portanto, uma sociedade é mais eleva-
da em seu desenvolvimento moral quanto maior seja o grau de
liberdade e responsabilidade que todos os seus membros têm. É
verdade que na sociedade há uma série de padrões que mode-
lam o comportamento social dos indivíduos, e que estes variam de
uma para outra, mas a sociedade é a união de homens livres que,
com suas relações, a constroem. A sociedade não existe sem os
indivíduos concretos, e estes também não existem fora do social.
Como alerta Vásquez (2007, p. 67), não devemos considerar a so-
ciedade como algo que existe em si e por si, como uma realidade
substancial que se sustenta independentemente dos homens que
a formam.
A moral é fundamental para garantir a ordem ou a harmonia
da sociedade, ela regulamenta a conduta entre os homens. Os in-
divíduos que compõem a sociedade aceitam os valores, as normas
que a distinguem, e se submetem livremente a eles.
A moral tem uma concordância com o Direito, ambos ba-
seiam-se em regras que visam organizar a partir do ponto de vista
da conveniência a maioria das ações humanas. Porém, diferen-
ciam-se no fato de que, enquanto o Direito garante o cumprimen-
to do sistema social em vigor, a moral procura fazer com que os
indivíduos que compõem a sociedade harmonizem de maneira
consciente, voluntária e livre seus interesses pessoais com os in-
teresses coletivos.
As idéias, normas e relações sociais nascem e se desenvolvem em
correspondência com uma necessidade social. [...] A função social
da moral consiste na regulamentação das relações entre os ho-
mens (entre os indivíduos e entre o indivíduo e a comunidade) para
contribuir assim no sentido de manter e garantir uma determinada
ordem social. Esta ação também se cumpre no Direito. Graças ao
Direito, cujas normas, para assegurar o seu cumprimento, contam
com o dispositivo coercitivo do estado, assim consegue-se que os
indivíduos aceitem – voluntária ou involuntariamente – a ordem

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social que é juridicamente formulada. Mas isso não considerado


suficiente, procura-se que os indivíduos aceitem de forma íntima
e livremente, por convicção pessoal, os fins, princípios, valores e
interesses dominantes em uma determinada sociedade. Tal função
social que a moral deve cumprir (VÁSQUEZ, 2007, p. 69).

A moral acontece em dois planos: o normativo e o factual.


No primeiro, encontramos as normas, regras e princípios que exi-
gem obediência e, no segundo, estão os atos humanos denomina-
dos morais que têm relação com esses princípios.
O enriquecimento da vida moral acarreta um aumento de
responsabilidade individual, e isso depende do exercício da liber-
dade e da responsabilidade humana. Quem não tem liberdade não
pode ser responsável pelos seus atos, por isso a massificação dos
dias de hoje apresenta-se como impedimento para o progresso da
moral.

Figura 1 Astreia, divindade que difundia entre os homens sentimentos de justiça e de


virtude.
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Astreia, filha de Zeus e Têmis. “Segundo Grimal (1997, p. 51), ‘ela


espalhava entre os homens os sentimentos de justiça e de virtude.
Isto passava-se na tempo da Idade de Ouro. Mas depois que os
mortais degeneraram e a inclinação para o mal se espalhou pelo
mundo, Astreia subiu de novo ao céu’" (SUPREMO TRIBUNAL FE-
DERAL, 2012).

Diferentes usos do termo moral


Cortina e Martínez (2005, p. 13) alertam sobre a pluralidade
de significados que o termo moral possui na linguagem atual: "O
termo moral é utilizado hoje em dia de maneiras muito diferentes,
dependendo dos contextos. Essa multiplicidade de usos dá lugar a
muitos mal-entendidos".
Frequentemente utilizamos esse termo como adjetivo: “fu-
lano é imoral". Como adjetivo estamos fazendo um julgamento das
ações dos indivíduos na medida em que estes não respeitam valo-
res estabelecidos, normas ou princípios consagrados como morais.
Outras vezes, ele é utilizado como substantivo; "a moral"
equivale a um conjunto de ordens, normas de conduta, proibições
e permissões relacionados à vida boa para um determinado grupo
social. Assim, o termo “moral" equivale à forma de vida no sentido
coletivo, como norma correta de conduta.
Outro uso do termo “moral" como substantivo faz referência
ao código de conduta pessoal ou de alguma instituição: “fulano
tem uma moral muito rígida". Tais instituições impõem uma moral
muito rigorosa, ou carecem de moral. Dessa forma, o termo faz
referência ao código moral que inspira a conduta do indivíduo ou
da instituição.
Também é normal ouvir a palavra “amoral". Esse termo reú-
ne o prefixo "a" (acéfalo, privação) e a palavra "moral" (o termo se
refere aos campos da conduta humana e tem a ver com os princí-
pios que orientam a conduta do homem), ser amoral significa não

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 219

possuir um código moral. Cuidado, essa palavra não é sinônimo de


imoral. A conduta dos animais é amoral, ou seja, não tem relação
com a moralidade que rege a sociedade de seres humanos, em
que são moralmente maduros, cada um é senhor de seus atos e é
responsável por sua conduta moral. A invenção da bomba atômi-
ca é em si um descobrimento científico amoral. O uso no caso do
bombardeio americano ao Japão foi imoral. Um tem relação com
o desenvolvimento de um princípio físico e o outro com o uso des-
truidor desse princípio, com a intenção de matar e destruir.
Pessoas imorais são aquelas que, reconhecendo a validade
das normas e dos valores da sociedade, os infringem, priorizando
seu próprio interesse.
Outro termo de uso frequente que tem relação com moral
é: “ter a moral bem alta"; nesse caso, refere-se à confiança, à co-
ragem que tem o indivíduo para fazer frente a um determinado
desafio. A moral deixa de ser um dever para refletir uma determi-
nada atitude.
Outro uso frequente do termo “moral" como substantivo, no
sentido de moral como “a ciência que trata do bem geral da comu-
nidade", faz referência àquele conjunto de normas estabelecidas
e de caráter normativo que regem à convivência social. A mesma
tem um caráter histórico. Sofre progressos na medida em que se
amplia o campo de atuação, ou seja, que se universaliza.

Atos morais
Os atos morais são atos essencialmente humanos. Neles dis-
tinguimos três elementos: objeto, fim e circunstâncias.
São motivados por uma eleição relacionada com a pergunta
“por quê?", sucedida pela indagação “para quê?", relacionada à
finalidade do referido ato. A consciência das possíveis consequên-
cias de nossos atos é importante para a valoração moral. Os atos
morais devem ser realizados de forma voluntária, podendo esco-
lher realizá-los ou não.
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O ato humano implica uma estrutura baseada nos seguintes


princípios:
1) Cognoscitivo: é um princípio fundamental, já que não
podemos querer algo se não temos conhecimento de
sua existência. Assim, o conhecimento intelectual é in-
dispensável para a realização do ato moral.
2) Volitivo: é voluntário. Todo ato moral deve ser voluntá-
rio e para isso devemos prever de forma antecipada as
consequências de tal ação.
A liberdade é componente essencial; sem ela estaríamos ao
nível animal. Para que exista o ato moral, devemos ser responsá-
veis pelo mesmo.
Como disse o Papa João Paulo II (2013): “Nenhum homem
pode esquivar-se às perguntas fundamentais: Que devo fazer?
Como discernir o bem do mal?".

O bom como valor moral


Vásquez (2007, p. 135) diz que todo ato moral inclui a neces-
sidade de escolher entre vários atos possíveis. Todo ato moral no
sentido positivo é um ato valioso. Mas, o que é bom? Lembremos
que, na Unidade 1, para Sócrates e seus principais discípulos, o
bom é o absoluto, incondicionado. Na Idade Média, o bom concor-
da com a vontade de Deus. O bom tem concordância, então, com
a razão ordenadora presente na natureza. Durante a Idade Mo-
derna, esse conceito muda, condicionado pelo progresso socioe-
conômico. O problema do que fazer ante cada situação concreta é
um problema prático-moral, mas definir o que é bom tem caráter
teórico, é de competência da Ética.

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 221

Figura 2 Têmis, divindade grega responsável por definir a justiça, no sentido moral

Moral e religião
Toda crença religiosa leva, implícita, uma determinada con-
cepção moral e uma visão de mundo ou cosmovisão. As grandes
religiões, como o Cristianismo, Budismo e Islamismo, possuem
um corpo doutrinar moral, em geral muito bem elaborado, que o
crente deve observar para orientar suas ações. Nele detalham-se
valores, objetivos, normas e virtudes que servirão para orientar a
ação. Entretanto, a religião não compreende só um código moral;
é uma forma de relacionar-se com o transcendente e ordenador.

A obrigatoriedade moral
A realização da moral é um fato individual, porém a moral
responde aos interesses da sociedade, formada pelos indivíduos e
sua vida econômica, política, espiritual e social.
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As teorias morais são sistematizações de algum conjunto de


valores: princípios ou normas, como é o caso da moral cristã, da
laicista, moral protestante etc. Ante a pergunta: “qual moral deve
ser cultivada?", existem diferentes teorias: egoístas, utilitaristas,
as teleológicas ou deontológicas, formalistas etc.
Todas as teorias morais partem de uma concepção de ho-
mem. Muitas vezes essa concepção é abstrata e a teoria deriva-
da será também abstrata; em outros casos, estará relacionada às
ideias de sociedade e em concordância com a História. Contudo,
seja qual for a concepção de homem, a humanidade sempre admi-
tirá a obrigatoriedade da moral.

6. ÉTICA NORMATIVA E O FENÔMENO MORAL


As normas morais são de caráter obrigatório, mas a moral
não entra em nossa consciência como uma “injeção"; pelo con-
trário, é de responsabilidade pessoal do sujeito. Ante o caráter
normativo da mesma, é preciso responder à questão: como devo
agir ante determinada situação? Os filósofos morais colocam como
alternativas as "teorias teleológicas" e as "teorias deontológicas".
As teorias teleológicas (de “telos" que, em grego, significa
“fim") baseiam-se nas ideias de que o padrão para decidir o que
é certo e o errado, o conveniente e o inconveniente depende da
quantidade de bem que a ação vai causar. Assim, uma ação é boa
se produz consequências intrínsecas boas superiores ao mal pro-
duzido.
Como diz Frankena (1969, p. 29), o teologista pode assumir
qualquer posição com relação ao que é o bem no sentido não mo-
ral. Frequentemente os teologistas têm sido hedonistas, relacio-
nando o bem ao prazer. Em Aristóteles (2002), a Ética teria um
caráter propriamente teleológico e não deontológico, e esclarece,
na Ética a Nicômaco, que só pode ser bom aquele que é orientado
para o bem em seus afetos e em suas inclinações.

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 223

Já as teorias deontológicas (de “déon", palavra grega para


“dever") negam a proposta teleológica, e defendem que existem
outras características legitimadoras do ato moral. Partem de juízos
como: “devemos sempre cumprir nossas promessas, independen-
te das cosequências de dito ato moral". Defendem que o caráter
específico de cada ato diante de cada situação impede que pos-
samos apelar para uma norma geral que determine o que deve-
mos fazer. Essa posição é comum a diversas teorias éticas, como a
kantiana, as intuicionistas e contratualistas etc., que analisaremos
futuramente na disciplina Ética II. Todas elas postulam a existên-
cia de princípios e deveres morais, independentes de seus efeitos.
Para esses éticos, as ações humanas são boas ou más por sua coe-
rência com esses princípios, não por suas consequências.
Frankena (1969, p. 39) destaca ainda as teorias ato-deoanto-
lógicas, que são aquelas que não propõem qualquer padrão para
determinar o que é certo ou errado em casos particulares. Os juí-
zos particulares não devem seguir uma determinada regra. Os ato-
-deoantológicos não propõem nenhum princípio orientador.
Uma aproximação às teorias éticas é importante para enten-
der o fenômeno da moral. Assim, para finalizar esta unidade, suge-
rimos a leitura do mito O anel de Giges, contido no livro II da A Re-
pública, em que Platão discute sobre a deficiência do ser humano
ante a possibilidade de ser imoral porque não terá consequências:
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Fontes, 2006.

Figura 3 O anel de Giges.


224 © Antropologia, Ética e Cultura

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Chegamos ao final desta unidade. Sugerimos que você pro-
cure analisar, responder e comentar as questões a seguir, que tra-
tam da temática aqui desenvolvida, ou seja, dos problemas éticos
e dos problemas morais da vida cotidiana.
1) Com base nos conteúdos desta unidade e nos conhecimentos sobre a rela-
ção entre Ética e moral, analise se é correto afirmar que:
Os problemas éticos são caracterizados pela generalidade. Seria inútil recorrer
à Ética para encontrar uma norma de ação para uma situação concreta. A ética
vai ajudar na análise do comportamento pautado por normas, que consiste o
fim do comportamento moral.
Resposta:______________________________.

2) Responda as seguintes questões:


a) O que é moral?
b) O que é Ética?
3) O homem se diferencia do animal, pois se relaciona de forma diferente com
o mundo exterior, transforma-o, conhece-o. O animal vive sua relação com
o mundo exterior de forma única; já o homem intervém na natureza de for-
mas diferentes, segundo a sua cultura.
Mas, não nos é permitido fazer qualquer coisa!
Aqui surge o problema da responsabilidade. Para falar em responsabilidade
ante nossos atos de conduta, devemos referir-nos ao conhecimento, de um
lado, e à liberdade, de outro. A ignorância e a falta de liberdade (entendida
como coação) permitem eximir o sujeito da responsabilidade por seus atos.
Você considera possível argumentar "ignorância" ante as normas morais e as
leis positivas para não ser responsável por nossas ações?

4) Sobre Ética podemos afirmar que:


a) é um conjunto de regras que determina ou que mostra como os indiví-
duos devem se comportar em determinado grupo social.
b) é um estudo sistemático que se ocupa da reflexão e do estudo do com-
portamento humano, bem como da sua relação com o belo e com a arte.
c) é a parte da Filosofia que se ocupa da reflexão sobre as noções e princí-
pios que fundamentam a vida moral, da discussão acerca do que é certo
ou errado e do comportamento dos indivíduos.
d) é o estudo dos comportamentos individuais.
5) Hoje em dia, quase todos utilizam com frequência a palavra “ética" em suas
conversas. Nos meios de comunicação, também é comum que se fale da

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© A Finalidade da Ética e a Essência da Moral 225

Ética como condição da vida política e social em geral. No entanto, sabemos


que muitas vezes se fala da Ética sem ter claro qual é seu significado. Identi-
fique situações em que a palavra “ética" aparece na mídia com um sentido
apresentado nesta disciplina.

6) Escreva uma breve dissertação respondendo à seguinte questão: por que


devo obedecer às leis morais?

7) Diferencie “moralidade" de “moralismo" e dê um exemplo de moralismo.

8) Sobre o mito O anel de Giges, presente no livro II de A República, de Platão,


Glaucón expõe a Sócrates que aqueles que seguem a justiça o fazem por
desejo próprio ou para evitar punições? Justifique sua resposta.

9) Como exercício de reflexão, propomos que você analise, na prática, a essên-


cia dos termos “ética" e “moral". Para isso, é preciso que você assista ao fil-
me O Jardineiro Fiel (2005). Esse filme permite reflexividade sobre os temas
éticos e você poderá entrar em contato com juízos de dever efetivo, regras
morais e juízos éticos. Após assistir ao filme, analise qual é a justificação
válida para a conduta moral.

Gabarito
4) c.

8. CONSIDERAÇÕES
É comum na Filosofia encontrarmos correntes de pensa-
mento que embaraçam o significado dos termos “ética" e “moral"
por partirem eles de uma mesma fonte, o “ethos". Essa posição
é muito discutida porque as funções dos dois saberes são bem
diferenciadas: a Ética consiste fundamentalmente numa reflexão
filosófica sobre a moral, enquanto a esta última competem as nor-
mas e códigos que regulam o comportamento dos indivíduos em
sociedade.
Moral e Ética respondem a diferentes questionamentos, já
que a moral tem relação com os códigos que versam sobre a ação
do indivíduo na sociedade e opera ante o questionamento: o que
devo fazer perante determinada situação concreta? Enquanto isso,
a Ética atua num nível teórico, tratando de responder a perguntas
226 © Antropologia, Ética e Cultura

sobre o fundamento da moral, sua aplicação na vida cotidiana, sua


incidência no bom funcionamento da sociedade etc.
O problema está na interpretação do ethos grego, que tinha
como fundamento a ideia de auto-perfeição, liberdade, estética
etc. O ethos tinha uma função transcendente, na medida em que
era a meta para a perfeição, imitativa da beleza dos deuses.

9. E-REFERÊNCIAS

Lista de Figuras
Figura 1 Astreia, divindade que difundia entre os homens sentimentos de justiça e de
virtude. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliot
ecaConsultaProdutoBibliotecaSimboloJustica&pagina=astreia>. Acesso em: 26 abr. 2013.
Figura 2 Têmis, divindade grega responsável por definir a justiça, no sentido moral.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaCons
ultaProdutoBibliotecaSimboloJustica&pagina=temis>. Acesso em: 26 abr. 2013.
Figura 3 O anel de Giges. Disponível em: <http://www.outonos.com.br/filosofia.asp>.
Acesso em: 26 abr. 2013.

Sites pesquisados
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BOFF, L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. Disponível
em: <http://pt.scribd.com/doc/89815308/Etica-e-moral-a-busca-dos-fundamentos>
Acesso em 26 abr. de 2013.
______. Saber cuidar: Ética do humano. Disponível em: <http://cursa.ihmc.us/
rid=1GMSLFWNB-5RXV9C-GSQ/Saber%20Cuidar%20-%20Etica%20do%20Humano.
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JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Veritatis Splendor. Disponível em: <http://www.
rainhamaria.com.br/Pagina/193/CARTA-ENCICLICA-VERITATIS-SPLENDOR>. Acesso em:
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RICOEUR, P. Ética e Moral. Tradução de António Campelo Amaral. Covilhã: Universidade
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SANTOS, A. L. Para uma Ética do como se. Contingência e Liberdade em Aristóteles e Kant.
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10. REFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS


ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. 17. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
______. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2002.
BOFF, L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
CORTINA, A.; MARTÍNEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005.
FRANKENA, W. K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
GARCÍA GÓMEZ-HERAS, J. M. Teorías de la moralidad. Madrid: Síntesis, 2004.
PLATÃO. Diálogos Platônicos. São Paulo: Nova Cultura, 1999. (Coleção Os Pensadores).
VÁZQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2007.
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