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indicaria a escolha de um caminho, fortemente influenciada pelo ambiente em que a

SISTEMA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE ITABIRA LTDA pessoa vive, o que aconteceria sobretudo a partir do predomínio do modo de viver dos
Curso:_______________________ Turma:______________ romanos, que passaram a se preocupar quase que exclusivamente com esta modalidade
Disciplina: Ética II (cidadania)
Professora: Erica Conceição Santos
de ética e a chamaram de moral. Hoje é preciso fazer uma distinção quanto ao significado
e-mail: ericacsq@yahoo.com.br de Ética e Moral, principalmente porque em muitos ambientes não há clareza quanto a
estes conceitos. A isto é preciso acrescentar a necessidade de distinguir também norma
BIOÉTICA moral de norma jurídica.
→ Ética: o que é Ética? Etimologicamente, já foi visto, a palavra ética indicaria a
1. INTRODUTÓRIOS capacidade de cada ser humano escolher e determinar o seu caminho. Para isso ele
A palavra Bioética, hoje bastante usada, não é muito antiga. Segundo Warren T. precisa conhecer a si mesmo e as possibilidades que se lhe apresentam. Ora, o
Reich foi van Rensselaer Potter quem primeiro cunhou o termo bioethics (bioética) ao conhecimento é o resultado de uma das posturas fundamentais do ser humano: a
escrever o livro Bioethics: bridge to the future, em 1971 (cf. PESSINI e BARCHIFONTAINE1, filosofia. A Ética é, portanto, antes de mais nada uma postura filosófica. Enquanto
24). Seu significado foi aos poucos sendo delimitado. Para compreendê-lo melhor, pode- disciplina, enquanto uma atividade que nos permite conhecer, a Ética é uma parte da
se começar pelo estudo da composição da palavra. Filosofia3. Saviani define: Filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os
Bioética é uma palavra composta de BIOS, palavra grega que significa vida e problemas da realidade. Assim, a Ética, por ser uma parte da Filosofia é, antes de tudo,
ÉTICA, que indica uma parte da Filosofia, precisamente a parte da Filosofia que questiona uma reflexão, se caracteriza por uma postura reflexiva. Uma reflexão radical sobre uma
as atividades do ser humano para possibilitar-lhe a realização (o fazer) do Bem. propriedade humana, o agir. Assim, pode-se definir: Ética é uma reflexão sobre os
Etimologicamente, portanto, Bioética significa uma Ética que tem como preocupação princípios que orientam a ação humana para possibilitar ao ser humano realizar cada
fundamental as manifestações de vida (Bio). Para alcançar com maior amplitude e vez mais plenamente a sua natureza. Esta definição distingue a ética da moral, pois
profundidade o que se pode entender com a palavra Bioética, será oportuno e necessário mostra o seu caráter nitidamente especulativo: caracteriza-se a ética por perguntar por
verificar o significado de Ética. Para isso cumpre lembrar que no linguajar cotidiano quê os atos efetuados pelo ser humano estão certos ou errados; por quê são justos ou
aparecem diversas palavras que, usadas indiscriminadamente, podem levar a confusões. injustos; se conduzem ou não ao bem. A ética questiona a validade dos atos humanos.
Entre estas palavras estão os termos moral e ética, que não indicam exatamente a mesma Pergunta por quê certos atos podem ser considerados bons e outros não.
coisa, embora seja bastante difundido o emprego das duas palavras como se fossem → Moral: A moral tem um caráter normativo: é um conjunto de normas e prescrições que
sinônimos2. A palavra Moral, se origina do latim mos, que significa costume. E Ética, de visam regular a ação ou o comportamento do indivíduo dentro da sociedade. A moral se
onde vem? Qual o seu significado original? fundamenta na ética, mas é prescritiva: esse ato é bom, aquele não é bom. É prescritiva
A palavra Ética é uma palavra muito interessante na sua origem, pois o grego no sentido de apontar o certo e, portanto, de sugerir um caminho, uma escolha. Não no
possui dois termos muito parecidos – não iguais! – dos quais derivam o nosso termo ética: sentido de impor: a ação moral supõe a liberdade para ser moral. A moral é um conjunto
ethos (escrita com a vogal longa eta) significa costume; ethos (escrita com a vogal breve de normas que visam a prática do bem, a vivência daquilo que é melhor para o ser
epsilon) significa caráter, índole natural, temperamento. Como se percebe, no primeiro humano. A moral apresenta essas normas partindo da idéia de que o ser humano busca
caso, a palavra ética deriva de um conceito com preocupações sociais. No segundo caso, sempre o melhor. Por isso a moral nunca prevê um castigo. O verdadeiro ato moral
ética acentua uma questão pessoal, se refere a características pessoais de cada um que resulta sempre de uma livre escolha do ser humano!
determinam quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de praticar (CHAUI, 340). Entre É preciso observar que tanto a ética, como a moral versam sobre a ação humana,
os gregos, sobretudo a partir e por influência de Sócrates, parece ter prevalecido o sobre os atos humanos. Há uma diferença entre atos humanos e atos do homem. Os atos
significado mais ligado ao caráter pessoal: ética (com epsilon) seria o caminho que cada do homem são aqueles que são realizados, dir-se-ia, “automaticamente”, quer dizer,
um escolheria a partir de uma reflexão e de uma decisão pessoal. A ética (com eta) inconscientemente, sem a presença de uma reflexão, sem uma manifestação de escolha,
como acontece nas reações instintivas. Os atos humanos se caracterizam pela consciência
1
Estes autores, PASSINI e BARCHIFONTAINE, serão citados neste trabalho pelas e pela liberdade. Quem os pratica, o faz sabendo o que está fazendo e porque quer fazê-
iniciais P e B. lo. Vale dizer: o ato humano é um ato consciente e livre que supõe uma reflexão (ética)
2
Marilena Chauí, na sua obra Convite à Filosofia, p. 334 a 356, apresenta um estudo sobre o seu significado e o seu alcance e que supõe também uma decisão (moral): eu
bastante detalhado sobre os temas moral e ética, incluindo uma visão histórica da aplicação
dos conceitos. 3
Veja no apêndice dessa parte da exposição um quadro geral da divisão da Filosofia.
quero agir assim. Como se percebe, os atos mecânicos e instintivos não são atos humanos Essa idéia de incompletude, de obra iniciada mas ainda não acabada, aparece em
e sobre eles não cabe uma reflexão no sentido de julgá-los bons ou maus nem tampouco outras afirmações referentes à disciplina em questão, afirmações essas muitas vezes
uma escolha. Não são atos morais. Os atos humanos são atos morais porque visam o bem contraditórias, como se pode ver a seguir:
do ser humano, seja individual, seja social. São morais porque podem ou não ser → Segundo Potter, o primeiro a colocá-la como um tema necessário a ser desenvolvido, a
realizados. Dependem de uma escolha, que se fundamenta na reflexão ética. Dependem Bioética seria a ciência que garantiria a sobrevivência do planeta.
do conhecimento que o ser humano tem de si mesmo e da sociedade em que vive. → A Bioética teria como uma das suas preocupações específicas o tema dos agrotóxicos
→ Norma Jurídica: é um conjunto de regras ou estatutos impostos ao ser humano para ou o uso indiscriminado de animais em pesquisa ou experimentos biológicos. (Segundo
orientar a sua ação tendo em vista o bem comum. A norma jurídica prevê sempre uma Clotet, essa preocupação, hoje, está em segundo plano)
punição no caso de sua transgressão. Toda norma jurídica adequada supõe um bom → Segundo Clouser, a Bioética não é direcionada para a busca de princípios, pois ela
embasamento ético e moral. Quando este embasamento é fraco, a norma jurídica pode busca antes a resposta da ética aos novos casos e situações originados no âmbito da
ser facilmente contestada e, possivelmente, deva ser modificada 4. saúde5.
→ A Bioética ocupa-se principalmente dos problemas éticos referentes ao início e fim da
vida humana, aos novos métodos de fecundação, à seleção do sexo, à engenharia
genética, à maternidade substitutiva, às pesquisas em seres humanos, ao transplante dos
órgãos, aos pacientes terminais, à eutanásia, entre outros temas atuais.
→ O desenvolvimento da Bioética exige a atitude reflexiva que descobre se é o ser
humano6 que usa a ciência ou se, contrariamente, é usado por ela.
→ A Bioética precisa de um paradigma de referência antropológico-moral: o valor
supremo da pessoa, da sua vida, liberdade e autonomia.
→ Constitui uma tarefa da Bioética fornecer os meios para fazer uma opção racional de
caráter moral referente à vida, saúde ou morte, em situações especiais, reconhecendo que
esta tarefa terá que ser dialogada, compartilhada e decidida entre pessoas com valores
morais diferentes.
→ A Bioética deve ser compreendida, no momento atual da nossa cultura e civilização,
dentro da linguagem dos direitos. (Já existe hoje o Movimento dos Direitos do Enfermo!)
2. CONCEITUAÇÃO DE BIOÉTICA → Uma introdução ao conteúdo da Bioética não pode prescindir de uma breve explicação
dos princípios básicos (o mantra7 da Bioética) que compõem a sua estrutura reguladora.
► “INCOMPLETUDE” E AFIRMAÇÕES GENÉRICAS Esse conjunto de afirmações sobre a Bioética, mostra claramente um novo ramo
do saber em construção. Por isso, mesmo a sua conceituação ainda é uma busca. Cada vez
Tendo essas reflexões sobre a Ética, a Moral e a Norma Jurídica como pano de mais clara, mas ainda não totalmente clara. Vejamos algumas “explicações” de Bioética e
fundo, é preciso buscar o significado de Bioética. Daniel Callahan afirmou: A Bioética é um a tentativa de três definições.
campo novo, buscando melhor definição de si própria, bem como redefinição de seus
métodos. Já tem um começo ao definir a sua direção e sua possível contribuição, mas ► NOÇÕES E DEFINIÇÕES
ainda é um início. (P e B, 25). Como se percebe, nesta frase, Callahan não diz o que é
Bioética, mas já nos indica que estamos diante de uma novidade que promete, mas uma 5
Clotet faz a seguinte observação: Bioética é a expressão crítica do nosso interesse em
novidade que precisa ser trabalhada. usar convenientemente os poderes da medicina para conseguir um atendimento eficaz dos
problemas referentes à vida, saúde e morte do ser humano.
6
Clotet usa homem ou mulher em vez de ser humano, mas como isto pode dificultar o
entendimento da frase, aquela expressão foi substituída por esta.
7
Para o verbete Mantra o Aurélio diz: (Do sânscrito, mantra, instrumento para conduzir o
4
Veja no apêndice deste estudo um quadro apontando as diferenças entre norma moral e pensamento). Filos.: No tantrismo, fórmula encantatória que tem o poder de materializar a
norma jurídica. divindade.
1
A UNESCO, na Declaração das Normas Universais referentes à Bioética, faz a 3. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA BIOÉTICA: VISÕES COMPLEMENTARES
seguinte consideração: O termo Bioética diz respeito ao campo de estudo sistemático, ► INTRODUÇÃO: PRESSUPOSTOS QUE EXIGIRAM A BIOÉTICA
plural e interdisciplinar, envolvendo questões morais teóricas e práticas, levantadas pela Joaquim Clotet, em seu artigo, Por que Bioética?, ao buscar precisar o significado
medicina e ciências da vida, enquanto aplicadas aos seres humanos e à relação destes da Bioética, apresenta algumas considerações que ajudam a compreendê-la melhor.
com a biosfera. (in P e B, 23) Aqui, pode-se perceber uma delimitação do significado de Primeiro menciona alguns pressupostos que exigiram a Bioética para, em seguida, colocar
Bioética: é um estudo sistemático de questões morais aplicadas aos seres humanos e à algumas “afirmações” gerais a seu respeito.
sua relação com a biosfera. Especifica-se também o seu campo de origem: a medicina e as → O inquestionável progresso das ciências biológicas e biomédicas que altera os processos
ciências da vida. Não diz, porém, o que é Bioética. da medicina tradicional e que apresenta novidades insuspeitas. A concepção extra-
Antonio Mesquita Galvão, faz uma colocação interessante, ampliando o alcance uterina, a mãe-de-aluguel, a vida vegetativa de um ser humano mantida por vários anos, a
do âmbito atingido pela Bioética: Entendo que Bioética não é somente o trato das ciências geração de um filho para ser o salvador de outro, todos estes fatos são resultado do
médicas, mas prioritariamente o aporte da ética sobre tudo aquilo que se refere à vida progresso da ciência biomédica que tem exigido novas posturas morais e mesmo jurídicas:
humana, desde o ar que o homem respira, o chão que ele pisa, a água que ele bebe e a Certamente o aperfeiçoamento das biociências implica a renovação das formas
qualidade de vida da cidade onde ele mora. (GALVÃO, 13) Também aqui encontramos o costumeiras de agir e decidir dos envolvidos no mundo da medicina.
campo de aplicação da Bioética e não a sua definição. → A socialização do atendimento médico. O reconhecimento do direito de todo cidadão
A Enciclopédia de Bioética (Encyclopedia of Bioethics) busca apresentar uma de ser atendido na sua saúde implica no reconhecimento dos direitos e deveres de
definição: Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, pacientes e de profissionais da saúde. Implica também numa resposta comunitária e
conduta e normas morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma política às necessidades de atendimento adequado de todos os níveis da população, o que
variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. (P e B 23). Aqui aparece a exige uma democratização da medicina a concretizar-se através do percentual a ser
idéia de que a Bioética é um ramo do estudo que se preocupa com as ciências da vida e destinado à saúde nos orçamentos federal, estaduais e municipais.
com a saúde para propor uma direção segura (dimensão moral) tanto no que se refere às → A progressiva medicalização da vida. A medicina está deixando aos poucos de ser uma
pesquisas quanto ao acompanhamento das situações problemáticas. È seguramente a questão emergencial para tornar-se cada vez mais um acompanhamento das diversas
definição mais utilizada pelos estudiosos da Bioética., a partir da qual todos procuram etapas da vida: neonatologia, pediatria, clínica médica, obstetrícia, gereatria e cirurgia
entendê-la melhor. estética. Este fato novo vai exigir uma colocação de prioridades no atendimento,
Outras definições, também muito utilizadas, são: sobretudo quando os meios disponíveis são insuficientes.
1. A Bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da → A emancipação do paciente. A progressiva democratização da sociedade atinge
vida e no cuidado da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz dos também o campo da medicina, exigindo dos profissionais da saúde a superação de
valores e princípios morais. (Clotet) posturas autoritárias (de déspota benigno, nas palavras de Lockwood) e a presença mais
2. A Bioética é a ciência da sobrevivência humana. (Potter, em P e B, 34) vivenciada de expressões como consentimento informado, princípios de independência ou
☼ ☼ ☼ ☼ ☼ de respeito da autonomia do paciente.
PARA REFLETIR SOBREVALORES E MUDANÇAS → A criação e funcionamento dos comitês de ética hospitalar e dos comitês de ética para
pesquisa em seres humanos. Esses comitês, de composição pluralista, visam orientar e
MULHER !!!!
proteger (nem decidir, nem policiar). Trabalham para que seja limitado o imperativo
No princípio eu era a Eva Muito tempo depois decidi:
Criada para a felicidade de Adão Não dá mais! tecnológico, segundo o qual seria permitido realizar tudo aquilo que a ciência ou a
Mais tarde fui Maria Quero minha dignidade tecnologia tem capacidade de fazer.
Dando à luz Àquele Tenho meus ideais!
Que traria a salvação Hoje não sou só esposa ou filha → A necessidade de um padrão moral que possa ser compartilhado por pessoas de
Mas isso não bastaria Sou pai, mãe, arrimo de família moralidades diferentes. A globalização tem aproximado as pessoas e levado a condutas de
Para eu encontrar perdão. Sou caminhoneira, taxista,
Passei a ser Amélia Piloto de avião, policial feminina,
compartilhamento, sobretudo no campo da economia, mas não tem avançado
A mulher de verdade Operária em construção... suficientemente no campo da ética e da moral. Isto exige, sobretudo no âmbito da vida e
Para a sociedade Ao mundo peço licença da saúde uma busca mais intensa de padrões comuns para orientar a atividade dos
Não tinha a menor vaidade Para atuar onde quiser
Mas sonhava com a igualdade. Meu sobrenome é COMPETÊNCIA profissionais dessas áreas em qualquer situação e em qualquer lugar.
E meu nome é MULHER..!!!!

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→O crescente interesse da ética filosófica e da ética teológica nos temas que se referem à Assim, a bioética não pode ser considerada como parte da ética médica, mas esta
vida, reprodução e morte do ser humano. Muito preocupados com a salvação, muitos é que está contida naquela, que a enriquece e completa usando inclusive uma nova
filósofos e, mais ainda os teólogos, tenderam a esquecer o ser humano concreto e seus metodologia, caracterizada pela interdisciplinaridade.
problemas mais imediatos, cultivando símbolos que o progresso tecnológico e da
medicina tem questionado. Assim, nos novos tempos aparecem novas perguntas. Qual o ► A CONTRIBUIÇÃO DE PELLEGRINO
significado das expressões: a fecundidade é uma benção; a doença é uma prova; a morte Segundo Edmund D. Pellegrino, A Bioética foi oficialmente batizada em 1972 (P e
é uma passagem; a vida é um dom. Aqui surge de modo enfático a validade da Bioética: B, 53), mas surgiu uma década antes e, tal como é conhecida hoje, sofreu uma série de
enquanto expressão particular da ética e, portanto, parte da filosofia, ela busca o alcance transformações conceituais, que podem ser resumidas em três períodos: proto-bioética,
daquelas afirmações, qual o seu significado exato e qual a sua validade para os seres bioética filosófica e bioética global.
humanos de hoje.
► A VISÃO DE SGRECCIA: O NASCIMENTO DE UMA DISCIPLINA → Proto-bioética (1960-1972): É o período em que predomina a linguagem dos valores
→ Crítica e proposta de Potter: humanos. Fortemente influenciado pelo pensamento religioso e teológico, havia um
O termo bioética teria aparecido como termo específico da literatura científica, sentimento de que, por causa do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a medicina
por primeiro, em uma obra de van Renssenlaer Potter, em 1971 8. Até então, segundo estava altamente desumanizada. Conseqüentemente, buscou-se infundir valores
Potter, o termo ética se referia a uma reflexão puramente abstrata, muito próxima das humanos na formação dos profissionais da saúde, notadamente médicos e enfermeiros. A
discussões da estética e da metafísica. O desenvolvimento da biotecnologia, na visão de ética já fazia parte das disciplinas marcantes, mas não era a dominante. Era necessário um
Potter, veio colocar uma exigência: os valores éticos não podiam mais ser separados dos esforço multi e interdisciplinar mais intenso.
fatos biológicos e, por isso, tornou-se necessário a criação de uma ciência da
sobrevivência, papel esse a ser ocupado pela Bioética. No entanto, Potter não precisou o → Bioética Filosófica (1972-1985): Neste período a linguagem utilizada é a da ética
campo próprio dessa nova disciplina, o que aconteceu nas reflexões que se seguiram. filosófica, e, por isso, a ética passa a ter um papel dominante, pois o rápido
→ Da ética médica à bioética desenvolvimento da pesquisa biológica fez surgir dilemas mais complexos, exigindo
O termo bioética poderia ser considerado supérfluo, pois, desde Hipócrates já posturas mais bem fundamentadas. Aparecem os eticistas, que filosoficamente treinados,
existe ética da medicina. No entanto, esta última, a moral médica, por mais que tenha se começam a ensinar, escrever e influenciar profundamente a educação e a prática no
desenvolvido, tem um campo limitado. A bioética, por sua vez, inclui a ética medica, mas, âmbito da medicina (idem, ibidem). Resultado disso são as duas linhas de atuação da
vai muito além, incluindo reflexões sobre os progressos da ciência em geral. De fato, a Bioética. A Escola de Wisconsin, encabeçada por Potter, inclui principalmente
bioética surgiu antes do aparecimento do termo: alguns colocam o seu nascimento em preocupações biológicas, ecológicas e ambientalistas, todas sob o prisma da ética. A
1946, após o Julgamento de Nuremberg, pois a partir de então se fizeram presentes duas Escola de Georgetown, do Instituto Kennedy, vê a Bioética essencialmente como um ramo
linhas de reflexão: uma, de natureza jurídica, buscava a formulação dos direitos do da ética. Nos dois casos ganharam muita importância e evidência as questões de origem e
homem; a outra, de natureza filosófica, procurava estabelecer os fundamentos racionais natureza filosófica, por causa dos princípios que fundamentariam as ações práticas. Assim,
de tais direitos. Foi no âmbito dessas reflexões que se descobriu que em muitos hospitais a ética clínica surgiu como um ramo prático da Bioética, o que levou os filósofos a se
ocidentais, sobretudo dos EE UU, foram realizados experimentos médicos que em nada se ocuparem também com as políticas públicas, com a ética organizacional e com os
diferenciavam daqueles realizados pelos nazistas condenados em Nuremberg. Tudo isso, métodos de elaboração da ética voltada para a saúde.
mas sobretudo as experiências realizadas no campo da genética, levaram à grande
pergunta filosófica: até que ponto o homem pode impulsionar o seu domínio sobre a vida → Bioética Global (1985 até o presente9): É a fase em que os problemas referentes à
dos seres vivos e sobre a própria vida? Em outras palavras: A ciência experimental tem saúde explodiram para além dos limites dessa área e para além das preocupações
uma autonomia ilimitada ou, para a preservação da vida e da espécie humana, a ciência e puramente ético-filosóficas. As ciências de cunho social e/ou comportamental como
a tecnologia devem dar-se um estatuto ético? (SGRECCIA, 232) direito, religião, antropologia, economia , ciência política e psicologia ganham espaço na
Bioética e esta ganha força e caracteriza-se mais como um movimento que como uma
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O nome da obra, como citado por Sgreccia, era: Bioética: un ponte verso il futuro. Ou no 9
Este texto de Pellegrino foi publicado em 1999.
original em inglês, como citado por outros autores Bioethics: bridge to the future (P e B,
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disciplina. Nessa fase as questões vão desde genética e biologia molecular, passam pela  Sociedade Brasileira de Bioética (SBB)
ética profissional no leito do doente e englobam também as políticas sociais e a ética da  Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas – FMUSP
saúde. (P e B, 54) A preocupação com soluções práticas pressionam tanto que, por vezes,  Conselho Federal de Medicina (CFM)
as questões de cunho propriamente filosófico ficam momentaneamente na penumbra.  Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)
Mas, a moral e a ética permanecem centrais na busca de normas de boa conduta e do que  Instituto Oscar Freire - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
é certo. Nesse sentido, desde o final da década de 70, o termo Bioética engloba cada vez  Núcleo Interinstitucional de Bioética - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
mais enfaticamente o movimento de humanização da medicina. Quer dizer: a filosofia, e  Núcleo de Estudos de Bioética da Pontifícia Universidade Católica (PUC) - Porto Alegre (RS)
com ela a ética, voltam sempre a ocupar um papel primordial na afirmação da Bioética.  Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília (UnB) - Brasília – DF
 Centro Universitário São Camilo - São Paulo (SP)
 Núcleo de Ética Aplicada e Bioética/ Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ
►OS CENTROS DE BIOÉTICA NO MUNDO  Núcleo de Bioética da Universidade Estadual de Londrina (UEL) - Paraná
 Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
A primeira instituição dedicada ao estudo sistemático de questões
relacionadas à
Bioética foi o Institute of Society, Ethics and Life Sciences, mais conhecido como Hastings
Center, criado em Hastings (Hudson), NY, EUA, em 1969, pelo filósofo Daniel CALLAHAN e
pelo psiquiatra Williard GAYLING.
Em 1971, por iniciativa de André E. HELLEGERS, um ginecólogo-obstetra, surgiu
na Georgetown University o The Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of
Human Reproduction and Bioethics, a partir de 1979 denominado de Kennedy Institute of
Ethics. Hellegers, com o apoio de Paul RAMSEY, teólogo moralista protestante, publicou
as obras The patient as a person e Fabricated man, que podem ser consideradas as
primeiras textos sobre Bioética nos EUA.
Desde 1986, já se contam só nos EUA mais de cinqüenta centros de estudos de
Bioética. Na Europa podemos citar o Centro de Bioética da Universidade Católica de
Roma, o Instituto Borja de Bioética da Faculdade de Teologia, em Barcelona, Espanha, o
Centre d’Études Bioéthiques, de Louvain, Bélgica e o Centro de Bioética, da Faculdade de
Medicina A. Gemelli da Universitá Católica del Sacro Cuore, em Roma. Hoje, muitos outros 4. PRINCIPIALISMO E OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA BIOÉTICA
países como Austrália, Japão, Grécia, Índia, possuem os seus centros de estudos em → O QUE É PRINCIPIALISMO
Bioética. P. e B, em um capítulo especial sobre o paradigma principialista, afirmam : Em
grande parte o que é a Bioética nestes poucos anos de existência (30 anos) é o resultado
► BIOÉTICA NO BRASIL – INICIATIVAS INSTITUCIONAIS do trabalho principalmente de bioeticistas na perspectiva principialista. (P e B, 61). Vê-se,
por esta frase, a importância do paradigma principialista. Por isso, vale a pena dedicar,
inicialmente, alguma reflexão ao que se convencionou chamar de principialismo.
Existe um despertar de grande sensibilidade em relação a Bioética no país, gerando várias iniciativas Segundo A. Jonsen, os princípios10 éticos básicos surgiram para fornecer uma
linguagem que traduzisse as reflexões abstratas e menos operacionais dos filósofos e
individuais e institucionais, responsáveis pela promoção de eventos, jornadas, seminários e congressos,
capazes de envolver um número significativo de pessoas interessadas no tema – na maioria das teólogos
vezes, da e as colocasse à disposição de um novo público constituído por médicos,
área Saúde. Conheça, neste texto atualizado a partir do levantamento realizado pelo teólogo Léoenfermeiros
Pessini, o e outros profissionais da área da saúde. Os princípios, quase sempre
resultantes da ética normativa, isto é, da moral, constituíram um caminho mais adequado
trabalho de Centros já consolidados na realidade brasileira, cujo entusiasmo pela Bioética tem incentivado
outros a seguirem o mesmo o exemplo. para a aplicação das visões da meta-ética (metafísica) e da ética teológica aos problemas
10
Veja no apêndice uma noção de princípio.
4
da saúde. Além disso, o Relatório Belmont 11 respondendo a uma preocupação com o estas palavras: Uma questão instigante ... é o pós-humanismo. (P e B, 44) E para
controle da pesquisa em seres humanos (P e B, 56), estabelece os três princípios esclarecer o que se considera pós-humanismo afirmam: A natureza humana tal como a
fundamentais da Bioética: respeito pelas pessoas (ou autonomia), beneficência e justiça, conhecemos, para uma mente pós-humanista é um mero obstáculo a ser superado. E
que constituem o núcleo fundamental do que veio a se chamar de principialismo. Quer continua: Para alguns, a ambição dos pós-humanistas em criar um pós-humano, que não
dizer: principialismo é a primeira proposta de colocação de alguns elementos é mais humano, é uma atitude arrogante, pretensiosa e que desconsidera a apreciação
(princípios) que servissem de orientação para os profissionais que trabalhavam em da dignidade humana natural. Para outros, todos esses esforços são vistos como
pesquisas com seres humanos e em outras áreas da saúde. potencial para um progresso no desenvolvimento destas forças tecnológicas. (P e B, 45)
→ OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA BIOÉTICA Este pequeno trecho já mostra que a busca da Bioética e seu desenvolvimento vai
Foi dito acima, quando se falava sobre as afirmações genéricas sobre a Bioética, depender da importância que os estudiosos atribuem ao ser humano, não só nesta visão
que uma introdução ao conteúdo da Bioética não pode prescindir de uma breve explicação genérica de humanismo e pós-humanismo. O próprio conceito de humanismo enseja
dos princípios básicos (o mantra da Bioética) que compõem a sua estrutura reguladora. divergências e, conseqüentemente posturas concretas diferentes perante os problemas
Clotet, aceitando o uso mais comum, afirma que estes princípios podem ser reduzidos a existentes e a surgirem na área da saúde e do cuidado da vida. È por isso que os
três: da autonomia, da beneficência e da justiça. estudiosos falam em paradigmas e modelos de referência na Bioética.
 Princípio da autonomia, também chamado de princípio do respeito às pessoas. ► Noção de Paradigma
Este princípio exige a aceitação da autonomia das pessoas, isto é, que a pessoa Paradigma, segundo o Aurélio é 1. Modelo, padrão. 2. Termo com o qual Thomas
seja respeitada nas suas escolhas, nos seus valores morais e nas suas crenças. Kuhn designou as realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou
Este princípio é atribuído particularmente ao paciente, pois quer que todos os menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento das
que lidam com ele levem em conta as suas necessidades, os seus valores e as pesquisas exclusivamente na busca de soluções para os problemas por elas suscitados.
suas convicções. Dourozoi e Roussel, no seu Dicionário de Filosofia, e relação ao verbete Paradigma,
 Princípio da beneficência: É a proposição ou norma que prega o atendimento faz as seguintes considerações: (Paradigma é) Modelo. A idéia platônica é um paradigma
dos interesses legítimos e importantes da pessoa (do paciente) e que sejam da realidade, ou seja, um tipo exemplar, imutável e perfeito, do qual a coisa sensível
evitados os danos; que haja uma preocupação em procurar o bem-estar das participa de maneira imperfeita.
pessoas através da ciência médica. Este princípio visa orientar, de modo especial, Como se percebe, Thomas Kuhn, apresenta uma noção mais particularizada,
os profissionais da saúde, pois quer estimular a vivência adequada da restringindo a validade do paradigma a um período e atribuindo-lhe uma importância
consciência moral, no sentido de buscar sempre o bem estar dos pacientes, de específica no campo da ciência. O Paradigma não seria algo permanente, imutável, como
acordo, aliás, com o juramento de Hipócrates 12. parece propor Platão.
 Princípio da justiça: que haja uma distribuição eqüitativa de bens e benefícios no Hunter, aproximando-se mais de Kuhn, afirma: Paradigmas são padrões psicológicos,
que se refere à área da saúde, levando-se em conta que uma pessoa é vítima de modelos ou mapas que usamos para navegar na vida. Nossos paradigmas podem ser
uma injustiça quando lhe é negado um bem a que tem direito e que, portanto, lhe valiosos e até salvar vidas quando usados adequadamente. Mas podem se tornar
é devido (Clotet). Este princípio vincula não só as pessoas ligadas à pratica perigosos se os tomarmos como verdades absolutas, se não aceitarmos qualquer
médica, mas, com ênfase especial, também a todas as sociedades, que possibilidade de mudança, (...). Agarrar-se a paradigmas ultrapassados pode nos deixar
propugnam (ou deveriam propugnar) em defesa da vida, aí incluindo os paralisados enquanto o mundo passa por nós. Percebe-se aqui que Hunter vê o paradigma
governantes, os convênios e associações beneméritas como as associações em presente em muitos outros campos da vida. Embora se aproxime da visão de Kuhn, não o
defesa da criança, os grupos de apoio aos excluídos (como os aidéticos) 13. restringe ao âmbito das ciências. (HUNTER, O Monge e o Executivo, 420
5. PARADIGMAS OU MODELOS DE REFERÊNCIA DA BIOÉTICA Seja como for, pode-se dizer que Paradigma é um modelo ou padrão, relativamente
Pessini e Barchifontaine dedicam um espaço do seu estudo para o que intitulam flexível, que orienta a conduta humana, sobretudo no campo da pesquisa científica,
Novos tempos e novas questões surgem e são enfatizadas. E terminam este texto com com o objetivo de encontrar soluções para problemas que afetam a vida humana.
Aplicado à Bioética, Paradigma é um modelo que quer orientar as ações relacionadas à
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Veja no apêndice uma nota sobre este relatório vida em geral, sobretudo na área da saúde e da pesquisa que atinge a vida humana.
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Usarei o tratamento para o bem dos enfermos, segundo minha capacidade e juízo, mas Percebe-se, pelas três diferentes noções, apresentadas anteriormente, que, em
nunca para fazer o mal e a injustiça. qualquer hipótese, o paradigma dependerá da visão de vida, da noção de ser humano, do
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Aqui poderiam ser incluídos os orfanatos e os manicômios!
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valor que cada pessoa atribui a cada coisa. Quer dizer: O paradigma estará fundamentado Em outras palavras a liberdade é antes uma construção que visa apoiar e defender os
na postura filosófica que cada um tem do valor do ser humano e da vida. Por isso, fala-se valores irrenunciáveis da pessoa humana. Mas não é isso que pensam os defensores do
em paradigmas e, pelo mesmo motivo, os autores divergem até no número de modelo liberal-radical que preferem viver o princípio vamos arriscar para ver onde
paradigmas a serem estudados. podemos chegar.
A seguir duas colocações diferentes sobre as diversas posturas quanto aos problemas → O modelo pragmático:
enfrentados pela Bioética, isto e, duas linhas, duas visões dos paradigmas ou modelos de Este modelo surgiu a partir do empirismo e tem se manifestado como ética
referência da Bioética, entremeadas de uma exposição mais ampla da postura socialista, com base na filosofia da práxis e que busca justificar o utilitarismo social, que
personalista. inclui o utilitarismo da ciência. O princípio básico é a relação custos X benefícios, que
recusa um critério superior e “metafísico” como verdade universal. Este princípio poderia,
em um caso concreto, ser expresso assim: para obter-se uma vantagem certa e
►Os modelos de referência segundo Sgreccia importante, se deve passar por cima dos danos à pessoa do nascituro. (SGR, 238), o que
Existem hoje quatro modelos de referência para os problemas de bioética, poderia ser válido desde que aplicado a valores idênticos . Isto não se verifica quando se
modelos esses que buscam ser balizas, marcos orientadores para a conduta dos coloca no prato custos da balança riscos para a vida humana e no outro, o de benefícios,
profissionais que lidam com os fatos marcantes da vida humana, seja o nascimento , seja um valor econômico, ou social ou puramente científico.
a conservação da vida, seja a questão da morte. É preciso observar que, nas palavras de Esta postura utilitarista pode levar ao abandono de certos enfermos
Sgreccia, esses modelos estão em confronto entre si desde o princípio. considerados irrecuperáveis, pois seria como que um dinheiro jogado fora, considerando-
→ Modelo liberal-radical: se a utilização econômica dos investimentos.
Tem como referência suprema e última a liberdade: é livre aquilo que é → O modelo sociobiológico ou naturalístico
livremente querido, livremente aceito e que não lesa a liberdade de outrem. (SGRECCIA, Inspirado em várias linhas culturais, que têm como eixo o pensamento
236) Conseqüências dessa postura são: liberalização do aborto; escolha do sexo do evolucionista e que incluem, hoje, os estudiosos da antropologia cultural e os ecologistas,
nascituro; mudança de sexo para os adultos; liberdade de fecundação extracorpórea, de pode ser assim traduzido: como o cosmo e as variadas formas de vida, entre elas a vida
decisão sobre o momento da morte, de experimentação e pesquisa; visão do suicídio social, evoluem, também os valores morais devem mudar (SGR, 240), exigindo colocações
como sinal e ênfase de liberdade. novas no Direito e posturas diferentes na Moral. Neste caso, a Ética ... tem a função de
Esta liberdade é uma “meia liberdade”, pois se refere a uma liberdade de, isto é, manter o equilíbrio evolutivo, o equilíbrio da mutação da adaptação e do “ecossistema”.
liberdade sem referência a vínculos e a limites (constrições) 14 e não uma liberdade para (SGR, 240)
um projeto de vida e de sociedade. È uma liberdade sem responsabilidade. Esta visão naturalística expressa um relativismo de toda a ética e de todos os
Marcuse pede para o ser humano três liberdades: 1) Liberdade do trabalho, pois valores humanos, relativismo fundamentado na ideologia heraclitiana, que nega qualquer
este torna a atividade humana uma atividade escrava; 2) Liberdade da família, pois esta unidade estável e qualquer universalidade dos valores. Se fosse verdadeira essa
torna escrava a afetividade humana; 3) Liberdade da ética, pois esta determinaria os fins e colocação, os delitos cometidos por Gengis Khan e os de Hitler não seriam delitos para os
os fins constringiriam a própria liberdade de escolha. (SGR, 237)15 Marcuse parece mesmos e para grande número de seus contemporâneos 16.
esquecer que toda liberdade tem limites. Parece esquecer que a liberdade supõe a vida e O ser humano continua a ser humano, embora alguns componentes culturais e
um objetivo a ser alcançado. A vida vem antes da liberdade, porque quem não é vivo não de costumes evoluam17: A morte, a dor, a sede de verdade, a solidariedade e a liberdade
pode ser livre: a liberdade tem um conteúdo, é sempre um ato que aspira alguma coisa não são elaborações culturais, mas fatos e valores que acompanham o homem em todos
(SGR, 237). A liberdade – dizem Jaspers e Marcel - é uma calorosa participação na vida dos os períodos históricos. (SGR, 241)
outros. Isto significa que a liberdade desemboca na responsabilidade. → O modelo personalista
Esta (a responsabilidade) é sobretudo interior, ...; esta responsabilidade A tradição personalista fundamenta-se na conceituação do ser humano e na sua
permanece mesmo quando a lei civil silencia e o magistrado não sabe e não indaga; ... característica mais significativa, a sua liberdade.
esta responsabilidade interior pode se encontrar em contraste com a lei civil, ... (SGR, 238).
16
Nesta linha seria interessante incluir Napoleão como visto pelo estudante que foge da
14
Sgreccia diz liberdade de vinculos e constrições (SGR, 239) polícia por, acidentalmente, ter matado uma velha usurária. (Ver Dostoievski, Crime e
15
Marcuse, na sua obra Eros e Civilização, pede a superação da liberdade civil, proposta Castigo)
pela Revolução Francesa, e da liberdade do necessário, proposta da Revolução Russa. 17
Ver a propósito um texto de Maritain em Rumos da Educação.
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É o modelo que parte da concepção de que o ser humano é antes de tudo → O valor personalístico da corporeidade
pessoa, isto é, o único ser no qual a vida torna-se capaz de “reflexão” sobre si, de O corpo não é apenas um objeto que se pode tocar. É uma parte coessencial da
autodeterminação; é o único vivente que tem a capacidade de captar e descobrir o sentido pessoa (sujeito). A pessoa, no corpo e com o corpo se encarna no tempo e no espaço. È
das coisas e de dar significado às suas expressões e à sua linguagem consciente. (SGR, nele e com ele que a pessoa se manifesta, se comunica usando de sinais, de lionguagem. È
241) nele que a pessoa encontra o seu limita (dor física, morte).
É o modelo que parte da visão de que em cada homem, em cada pessoa humana, A pessoa, o “eu”, é mais rica que o corpo e o transcende, mas com ele vive uma
o mundo inteiro se recapitula e toma sentido, mas o cosmo ao mesmo tempo é transposto unidade substancial. O eu humano, espiritual, é a fonte energética e vital para o corpo e é
e transcendido. Todo homem encerra o sentido do universo e todo o valor da humanidade: a corporeidade. (SGR, 244) O corpo se manifesta também como tecnologia que é a
a pessoa humana é uma unidade, um todo, e não uma parte de um todo. (SGR, 241) extensão mecânica, sensorial ou neurológica da pessoa.
A própria sociedade tem como fonte a pessoa e existe para a pessoa. Mesmo a Esta visão do corpo, parte coessencial da pessoa, tem como corolário que
reflexão racional laica tem como ponto de referência a pessoa. È por causa dela e para ela qualquer ato médico ultrapasse o aspecto puramente tecnológico: é totalmente
que existem a economia, o direito, a história e também a medicina e a bioética. Desde o personalizado; parte de uma pessoa e toca uma outra pessoa na sua respectiva
momento da concepção até a morte, em cada situação de sofrimento e de saúde é a totalidade. (SGR, 244). Isto vale também para a vida sexual e para a consideração da
pessoa humana o ponto de referência ou de medida entre o lícito e o não-lícito. (SGR, 242) procriação. O ato sexual, para além do fato biológico e da expressão do sentimento, é o
envolvimento da totalidade das pessoas, o que leva a interrogações quanto às técnicas de
fecundação extracorpórea.

►LINHAS DA BIOÉTICA PERSONALISTA → O valor fundamental da vida física


A vida física, embora não seja a pessoa toda, é o “bem fundamental” de todos os
Só existo na medida que existo para o outro. outros valores da pessoa, porque todos os outros bens e valores ... pressupõem a
Em suma, ser é amar (Mounier in H e V, 422) existência física do indivíduo-homem. (SGR, 244) Vale dizer: tirar a vida física, mesmo
embrional, significa privar a pessoa de seu bem fundamental 18.
Superando aquele personalismo caracterizado por um individualismo
subjetivista que → O princípio de liberdade e responsabilidade
enfatiza quase exclusivamente a capacidade de escolha – e que está muito presente no O corpo é da pessoa e ela, em primeiro lugar é a responsável por ele. Por isso o
mundo protestante e existencialista e em algumas correntes teológicas americanas – o princípio fundamental da ética médica poderia ser expresso assim: nada pode ser feito
personalismo clássico do tipo realista e tomista, sem negar a capacidade de escolha, contra a vontade do paciente (ver p. 245). O corpo, porém, é um bem objetivo do qual
afirma prioritariamente que a pessoa é antes de tudo um corpo espiritualizado ou um ele, o paciente, é chamado a cuidar, condição fundamental do exercício da liberdade. O
espírito encarnado, que vale por aquilo que é e não somente pelas escolhas que faz. (242) médico, por sua vez não é um mero instrumento (executor sanitário!) a serviço do
Isto porque em cada escolha existe não somente o exercício da escolha, a faculdade de paciente. È responsável por aquilo que faz para atender às solicitações que o paciente lhe
escolher, mas também um contexto da escolha: um fim, os meios, os valores. (242) propôs. Mas, é um responsável qualificado, isto é, tem que buscar sempre o bem maior
O personalismo realista vê na pessoa a unitotalidade, isto é, uma unidade de do paciente: vida, um bem intangível que sobreexcede a ambos (paciente e médico). O
corpo e espírito, que representa, de um lado, o seu valor objetivo, do qual a subjetividade mesmo vale para a sociedade que não pode ultrapassar a responsabilidade com relação
se faz responsável, seja com relação a ela mesma seja com relação à pessoa dos outros. ao bem fundamental, a vida. Nem o chamado consenso coincidente é critério válido para
Quer dizer: para o personalismo, o valor ético de um ato deverá ser considerado sob a dirimir a responsabilidade, seja do médico, seja do paciente, pois significaria anular a
ótica subjetiva da intencionalidade, mas (também) deverá ser considerado no seu objetividade do valor-pessoa.
conteúdo objetivo e nas conseqüências. (243) Com este fundamento, o personalismo Corolário dessa exigência de responsabilidade é a necessidade do diálogo
propõe, no âmbito da bioética o desenvolvimento dos seguintes temas: o valor (informação e escuta) sobre os limites e as condições das terapias obrigatórias. (SGR, 246)
personalístico da corporeidade, o valor fundamental da vida física, o princípio terapêutico,
o princípio de liberdade-responsabilidade e o princípio de sociabilidade-subsidiariedade. 18
Com relação a este tema, o autor cita (e até certo ponto apresenta um viés justificativo) o
martírio, a pena de morte e a legítima defesa como temas conexos e merecedores de uma
discussão maior.
7
→ O princípio terapêutico → Paradigma principialista: Proposto por Beuchamp e Childress, este paradigma afirma
A medicina apóia suas atividades no princípio terapêutico, fundado na visão de que a Bioética estabelece quatro princípios orientadores da ação: beneficência, não-
unitotalidade da pessoa: é lícito intervir no corpo de uma pessoa ... se a intervenção na maleficência, justiça e autonomia. Amplamente aplicados, esses princípios tiveram
“parte” for em benefício do “todo”(SGR, 246). A este princípio terapêutico acrescenta-se o resultados bastante positivos, pois incentivam a busca do respeito pela dignidade da
princípio da sociabilidade (intervenções e experimentos feitos visando beneficiar a pessoa, além de oferecer uma linguagem comum. Estes princípios acabam se tornando
sociedade), que tem os seus limites: não pode visar apenas o bem da ciência e não pode instrumentos para interpretar determinadas facetas morais de situações e ... guias para a
ser realizado sem o consentimento do sujeito, em caso de possível dano grave a ele. ação (P e B, 61).
→ Paradigma libertário: È o paradigma que afirma, radicalizando, o valor central da
→ O princípio de sociabilidade-subsidiariedade autonomia e do indivíduo. Fundamentado na filosofia do liberalismo norte-americano,
A pessoa é valor primário em relação à sociedade: da sociedade a pessoa pode não só defende o direito de expressão livre da vontade do paciente, como sustentam que
receber meios e estímulos, mas esta é chamada também a contribuir na construção o corpo é propriedade do paciente e que, portanto, o mesmo pode usá-lo para a venda
daquela, o que acontece de maneira muito emblemática na medicina. dos órgãos e do sangue. Para este grupo, os embriões e fetos não são pessoa, pois não
O princípio de sociabilidade tem uma especificação, que é o princípio de possuem consciência de si. Tristan Engelhardt é sua principal referência.
subsidiariedade: chama os seres humanos a se ajudarem e a reconhecerem a igualdade → Paradigma das virtudes: É o paradigma que atribui responsabilidade maior aos
de dignidade. Conseqüência: preocupação com os mais fracos e mais necessitados e profissionais da saúde, que buscarão integrar o paciente ao seu processo de decisão.
respeito para com as inciativas individuais no âmbito do respeito ao bem comum. como, Contrapondo-se ao individualismo do modelo libertário querem que os profissionais da
por exemplo, o reconhecimento às obras e instituições privadas e aos grupos de saúde adquiram o hábito (virtude) de integrar os pacientes à sua decisão Propõe, este
voluntariado. (SGR, 247) modelo, uma preocupação especial com a educação dos profissionais da saúde, tendo em
Este princípio de subsidiariedade tem exigências muito pertinentes: a medicina vista, sempre a prática do bem, isto é a virtude. Bioeticistas de referência são Pellegrino,
não pode se restringir a uma postura puramente utilitarista; a medicina não pode Thomasma e Alisdair McIntyre.
esquecer de que poderá estar diante de uma trágica escolha: quais pacientes devem ser → Paradigma casuístico: É o modelo de referência ética que recusa qualquer princípio
deixados morrer. (SGR, 248) Quer dizer: o médico é chamado a ser ao mesmo tempo orientador da ação. Cada caso pode colocar o profissional em uma perplexidade moral,
médico do homem e médico da sociedade. Assim procedendo ele estará superando um pois a ética clínica opera num nível pré-teórico que é mais básico que qualquer axioma
certo princípio economicístico e afirmando o primeiro bem social: a pessoa humana. teórico ou princípio (P e B, 47). Quer dizer, o profissional decidirá cada caso baseado na
experiência, isto é, numa plataforma comum para comparação e contraste, não para
orientação! Autores de referência são Albert Jonsen e Stephen Toulmin.
► Paradigmas da Bioética segundo Pessini e Barchifontaine → Paradigma fenomenológico e hermenêutico: Fundamentado na fenomenologia,
sustenta a necessidade de reconhecer que em cada situação existem sempre duas
Diferentemente de Sgreccia, que apresenta os paradigmas agrupados em quatro dimensões, subjetiva uma e objetiva outra. Quer dizer: Toda experiência está sujeita a
modelos de referência, P e B falam de dez diferentes modelos de análise bioética 19, a interpretação (P e B, 47), o que supõe levar em conta pelo menos quatro diferentes
saber dados: 1º: o significado que o sujeito atribui a uma situação ou fato subjetividade); 2º: o
significado real da situação ou fato (objetividade); 3º: este significado é expresso numa
01.
Paradigma principialista 06. Paradigma narrativo determinada linguagem (subjetividade cultural) e 4º: o significado pode ser aprofundado
02.
Paradigma libertário 07. Paradigma do cuidado e tornado cada vez mais exato (objetividade).
03.
Paradigma das virtudes 08. Paradigma do direito natural → Paradigma narrativo: Este paradigma se fundamenta na idéia de que os dilemas
04.
Paradigma “casuístico” 09. Paradigma contratualista morais se fundamentam na experiência humana, isto é, na cultura que os seres humanos
05. Paradigma fenomenológico e 10. Paradigma antropológico expressam nas suas narrativas. A narrativa é uma parte inseparável da vida. A riqueza da
hermenêutico personalista história, e sua capacidade de fazer surgir sentido, vai além dos meros fatos (P e B, 48). A
narrativa será um poderoso auxílio na busca de posturas adequadas debtro da vivência de
cada comunidade.
19
Ver P e B, 46-49.
8
→ Paradigma do Cuidado: Contrapondo-se a preocupações puramente técnicas, este
modelo de referência põe ênfase na solicitude, uma característica mais feminina. Baseado
na psicologia evolutiva, coloca a preocupação com o outro, a responsabilidade pelo outro,
a alteridade, como elemento mais fundamental para o desenvolvimento moral do que a
justiça. Este paradigma é defendido por Carol Gilligan.
→ Paradigma do direito natural: Apresentado por John Finnis, parte da idéia de que
existem alguns bens que são válidos por si mesmos: o conhecimento, a vida, a vida
estética, a vida lúdica, a racionalidade prática, a religiosidade, a amizade (P e P, 48). São
bens que todo e qualquer ser humano tem direito de vivê-los. Toda ação terá um caráter
moral, será moralmente válida, se contribuir para o desenvolvimento desses valores. A
Bioética, evidentemente, se interessa por cultivar estes valores, muito embora haja
discussão sobre os fundamentos e o alcance de cada um deles.
→ Paradigma contratualista: Este paradigma parte do fato de que existe um tríplice
relacionamento: entre o médico e os pacientes, entre os médicos e a sociedade e com os
princípios orientadores da relação médico-paciente. Essas relações têm como balizas
alguns princípios fundamentais: o da beneficência, o da proibição de matar, o de dizer a
verdade e o de manter as promessas (P e B, 49). Na sua ação o profissional deverá levar
em conta estes princípios que, de alguma maneira estão presentes na sua atividade.
→ Paradigma antropológico personalista: Fundamenta-se na idéia de que o ser humano
é o valor supremo de qualquer ação, pois ele é antes de tudo uma pessoa. Por isso
procura enunciar as características da pessoa: unicidade da subjetividade (...), caráter 2. Norma Moral e Norma Jurídica - Diferenças
relacional da intersubjetividade (...) e comunicação e solidariedade em sociedade (...) (P e
B, 49). Este paradigma busca levar em conta, em todas as ações, o ser humano e seu
NORMA MORAL NORMA JURÍDICA
desenvolvimento.
→ È interna e advém da consciência. → É externa e procede do Estado
P e B concluem esta sucinta exposição sobre a diversidade dos paradigmas com
Supõe uma interiorização.
estas palavras: As similitudes e diferenças entre os vários modelos para trabalhar a
→ A norma moral é anterior à norma → A norma jurídica caracteriza-se pela
bioética levam-nos a uma conclusão inevitável: as dimensões morais da experiência
jurídica, pois a convivência humana exterioridade, ou seja, não é preciso
humana não podem ser capturadas por uma única perspectiva. Os diversos paradigmas ...
sempre exigiu a necessidade de que se concorde interiormente com ela;
são caminhos diferentes para uma plataforma comum. (...) A grandeza e a profundidade
normas, mesmo antes da existência do basta apenas que seja cumprida
da experiência humana sempre estarão além de qualquer sistema filosófico ou teológico.
Estado.
(P e B, 49).
→ A norma moral é cumprida por → A norma jurídica freqüentemente é
convicção íntima da pessoa. cumprida por medo de um castigo.
APÊNDICES

1. Divisão da Filosofia 3. Vocabulário elucidativo:


Biosfera = conjunto de todos os ecossistemas da terra
Ecossistema = conjunto dos relacionamentos mútuos entre determinado meio ambiente e
a fauna, a flora e os microorganismos que nele habitam e que incluem os fatores de
equilíbrio geológico, atmosférico, meteorológico e biológico. (conjunto de
relacionamentos entre meio ambiente e os seres que nele estão, visando o equilíbrio)

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Meio ambiente = o conjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os criança, esse paradigma a levaria a afastar-se do pai. Entretanto, se ela o transferir para
organismos vivos e os seres humanos. o mundo adulto, é provável que, quando crescer, tenha grandes dificuldades com os
homens.
Mantra → Instrumento para conduzir o pensamento James C. HUNTER - O Monge e o Executivo
→ Fórmula encantatória que tem o poder de materializar a divindade Rio: Sextante, 2004, p. 42-43
invocada. (Dicionário Aurélio) Sobre o Homem e sua Educação
Muitos de nossos contemporâneos conhecem o homem primitivo, o homem do
Princípios: Quanto à conceituação de princípio, Dourozoi e Roussel, em seu Dicionário de Nordeste, o homem da Renascença, o homem da era industrial, o homem criminoso, o
Filosofia, distinguem vários significados: sinônimo de começo e significados usados na homem burguês, o homem operário, mas, se falarmos do homem, não sabem o que dizer.
lógica e na epistemologia. Neste último caso designa uma proposição que comanda um Sem dúvida, a tarefa da educação não está em formar o homem abstrato de
setor da ciência, toda uma teoria ou até todas as ciências da natureza. E afirma ainda: No Platão, mas em formar uma criança de determinada nação, de determinado meio social e
sentido normativo, regra ou norma de ação, eventualmente moral, enunciada numa época histórica. Essa criança, antes de ser uma criança paulista do século 21, brasileira ou
fórmula simples. (D e R, 382) africana, inteligente ou retardada, é filha do homem. Antes de ser um homem civilizado e
um brasileiro educado nos meios intelectuais do Recife, Paulo Freire foi um homem. Se é
Relatório Belmont é o nome dado ao resultado do trabalho realizado por uma comissão verdade que nosso principal dever consiste em nos tornarmos no que somos20, nada é
criada pelo governo dos EE UU (via Congresso), em 1974, para identificar os princípios mais importante para cada um de nós, nem mais difícil, do que nos tornarmos um
éticos básicos que deveriam nortear a experimentação em seres humanos nas ciências do homem. A principal tarefa da educação está, antes de tudo, em formar o homem ou
comportamento e na biomedicina (P e B, 56). Este trabalho, deveria durar alguns meses, alimentar o dinamismo por meio do qual o homem se faz homem. (Maritain, p. 13-14,
durou quatro anos. com adaptações)

PARADIGMA: Sobre a VIDA e temas congêneres


Paradigma, segundo o Aurélio é 1. Modelo, padrão. 2. Termo com o qual Thomas Kuhn É sabido que no princípio está a vida, que começa com a terra, o mar, as florestas,
designou as realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos os animais, e por último o homem, formando um conjunto ordenado e harmônico, cuja
longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento das pesquisas razão suficiente é viver e gerar mais vida. A ética funciona como um escudo que protege e
exclusivamente na busca de soluções para os problemas por elas suscitados defende a vida, colocando-se a seu serviço. Tudo o que se converta em ameaça à vida
recebe a oposição da ética e da moral. Assim como a ética insurgiu-se contra os campos
4. Outras reflexões de extermínio, contra as manipulações criminosas da genética, também hoje ela se rebela
Sobre Paradigma contra o genocídio do aborto, praticado em clínicas e hospitais, sob os olhos complacentes
E o que é um paradigma, pregador? – resmungou o sargento. Algo que você tirou da de alguns segmentos da medicina, olhos cúmplices dos órgãos públicos e da lei, e
Bíblia? executado a mando de quem deveria, mais do que ninguém defender a vida. (GALVÃO,
Simeão assumiu a direção. Paradigma é uma boa palavra. Paradigmas são padrões 65)
psicológicos, modelos ou mapas que usamos para navegar na vida. Nossos paradigmas
podem ser valiosos e até salvar vidas quando usados adequadamente. Mas podem se A vida para ser vivida precisa ser respeitada e esse respeito passa pela
tornar perigosos se os tomarmos como verdades absolutas, se não aceitarmos qualquer identificação do seu sentido. Nada que se faça sem sentido é capaz de prosperar, mesmo
possibilidade de mudança, e deixarmos que eles filtrem as novas informações e as a vida. O que é a vida? Um fato biológico bruto, passível de experiências, comércio e
mudanças que acontecem no correr da vida. Agarrar-se a paradigmas ultrapassados pode desrespeito? Ou uma realidade humana que o substabelecimento do biológico encerra? A
nos deixar paralisados enquanto o mundo passa por nós. pessoa humana é um ser (sagrado) ou um objeto (instrumento)?
(...)
Como exemplo de paradigma perigoso, pense na visão de mundo que uma garotinha As diversas correntes que cotejam a vida, sejam as pró e as contra, têm teorias a
vítima de um pai abusivo poderia desenvolver. Provavelmente desenvolveria ela a idéia – o respeito da origem da vida. Quando começa a vida? Nos gametas? Na fecundação? Dois
paradigma – de que os homens adultos não devem ser confiáveis. Enquanto ela fosse
20
Este pensamento é do grande poeta grego Píndaro (518-438 a. C.)
10
meses depois (como postulam os abortistas)? O embrião é um ser vivo ou não? Quando terminará eliminando o enfermo, constata o Instituto Bioético de uma importante
ocorre a vida, o biológico torna-se pessoa... (GALVÃO, 66) universidade argentina. (GALVÃO, 73-4)
Esse debate da cronologia do ser ainda é conturbado. Geneticamente, a vida
começa na fecundação, com o encontro dos gametas (células vivas), cujo ato contínuo é a Outros temas estudados na Bioética – e que merecem uma atenção especial - são
primeira divisão celular. Hoje, boa parte da ciência enxerga a vida na seguinte seqüência: a eutanásia, o desenvolvimento sustentável (45) e a qualidade de vida (48).
célula-ovo, células fecundadas, pré-embrião, feto, criança. A vida começa aí. Não é um O verbete eutanásia vem do grego e significa literalmente boa morte ou morte
fato espontâneo, mas um acordo de vontades humanas (ou deveria ser), sujeito a um feliz, morte isenta de dores e sofrimentos. O ato de promover a morte antes do que seria
projeto infinito. de esperar, por motivo de compaixão e diante de um sofrimento penoso e insuportável,
E por onde se pode determinar o fim da vida? Antes de 1960, associava-se o fim sempre foi mptovp de reflexão por parte da sociedade. Ainda mais que a medicina atual, à
da vida a uma parada cardíaca e/ou respiratória. Empregava-se a reanimação, a medida que avança na possibilidade de salvar mais vidas, cria inevitavelmente complexos
perfuração ou a respiração artificial para prolongar a vida. Depois de 1960, as atenções dilemas éticos que permitam maiores dificuldades para um conceito mais ajustado para o
voltaram-se para a função cerebral (morte detectada pelo EEG). Dizia-se morte do córtex fim da existência . Além disso , “o aumento da eficácia e a segurança das novas
igual à morte total do cérebro. Será? modalidades terapêuticas motivam também questionamentos quanto aos aspectos
... econômicos, éticos e legais resultantes do emprego exagerado de tais medidas e das
possíveis indicações inadequadas de sua aplicação”. O cenário da morte e a situação de
A vida humana tem um sentido, cujo valor nunca pode ser perdido de vista. ... O paciente terminal são as condições que ensejam maiores conflitos neste contexto, levando
homem foi criado para viver uma vida digna, abundante, em comunicação e afetividade. O em conta os princípios, às vezes antagônicos, da preservação da vida e o alívio do
ser humano nasceu para amar e ser feliz? Todos amam, são amados e tornam-se felizes? sofrimento (GALVÃO, 83)
Não, é a resposta. E por que não? Por que o ser humano é o único que viola o projeto para
o qual foi criado?
As respostas são muitas e variadas. Poderiam ser sintetizadas naquelas atitudes REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
de desrespeito que o homem tem, às vezes por si próprio, e muitas vezes pelo outro. GALVÃO, Antonio M. – Bioética: a ética a serviço da vida. Aparecida, SP: Ed. Santuário,
Muitos não conseguem encontrar um sentido para suas vidas porque os outros, a 2004
sociedade, a política, ou outros fatores, impedem. Toda a atitude que deixe de respeitar a KIRCHNER, Luis – Bioética: O que é? Para que serve? Aparecida, SP: Ed. Santuário, 2000
vida humana, em quaisquer estágios ou circunstâncias, é um ato que viola a ética e atenta LADUSÃNS, Stanislavs (Coord.) – Questões atuais de Bioética. S. Paulo, EdiçõesLoyola,
contra a moral social. 1990
Vendo a vida como um bem maior do indivíduo, há que se respeitar as suas PESSINI, L. e BARCHIFONTAINE – Problemas atuais de Bioética. 7ª edição. São Paulo:
escolhas, seus direitos e suas vontades. Nesse sentido, há dois pontos fundamentais no Edições Loyola, 2005
respeito à pessoa, que chamamos de sigilo e revelação. Por sigilo, entende-se o que é
privativo do doente e que não pode tornar-se público sem sua anuência. Já a revelação
liga-se ao direito que o paciente tem de conhecer seu real estado de saúde. ...
A vida, como bem maior, precisa ser vivida da maneira mais ética possível. Na
alteridade, o respeito ao outro, está o critério organizador da bioética. ... Desde
Aristóteles ... a filosofia ética tem se preocupado com o outro, no convívio, no respeito e
na construção social. Com a alteridade podemos, além de abrir um caminho para a boa
reflexão, organizar e tematizar toda a bioética. (GALVÃO, 70)

(A permissão legislativa para antecipar o parto e com isto a morte das crianças que
apresentam más formações incuráveis) abre as portas para que a ciência médica,
contradizendo o seu juramento hipocrático, em lugar de eliminar a enfermidade,

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