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LIBERDADE

COMO MAXIMA
FILOSÓFICA

Daniel Almeida

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SUMÁRIO
O conceito de liberdade .................................... pág 4

O que é liberdade .................................................. pág 12

Liberdade na prática.............................................. pág 21

O pior dos agentes impeditivos ........................... pág 28

Propriedade coletiva ............................................. pág 35

Por que o Estado é avesso à liberdade................ pág 42

Por que liberdade é bom....................................... pág 50

O que podemos concluir?..................................... pág 59

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Dedico este meu primeiro livro àquele me me
despertou para a escrita. Muito obrigado,
amigo Romeu Marques.

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O conceito de
liberdade
Suponhamos que, antes de tudo, liberdade (e neste
capítulo explanarei mais sobre seu conceito) seja uma
máxima do bem alcançável. Portanto, se liberdade é
isso, ela é universal à todos os seres humanos, pois,
uma vez que relativizamos a qual ser humano deva
ou não pertencer a liberdade, então esse conceito é
meramente seletivo e não vale como regra social.

E, se ela é universal, ela também é atemporal, pois não


pode haver algum momento onde a permissão de
liberdade valha por algum momento e em outro não.
Por último, ela também é espacial, uma vez que se a
liberdade se restringe à todos os seres humanos, por
qual motivo então ela valeria apenas a uma porção de

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terra onde se encontram alguns seres humanos e a
outra porção, onde também se encontram outros seres
humanos, não?

Explicado estes princípios, vamos ao próximo passo:

Uma vez que deduzi a priori estes princípios, devemos


saber então se liberdade existe. Um argumento
bastante pertinente é a prova dos chamados "direitos
negativos" através do método argumentativo,
proposto por Hans-Hermann Hoppe. De maneira
geral e simplificada, Hoppe diz que uma pessoa não
pode provar a inexistência da autopropriedade
enquanto a usa para argumentar contra ela. Ou seja,
como alguém pode dizer que (agora extendendo o
argumento) a condição de liberdade humana não
existe, se ele já está a usando quando faz seu
argumento?

O que Hoppe quer demonstrar é uma contradição


lógica. Segundo a lógica, algo não pode ser e não ser ao
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mesmo tempo. Portanto, como alguém que argumenta
contra a existência da autopropriedade, ou seja, a do
corpo, pode dizer que ela não existe, enquanto faz uso
dela? Em outras palavras, ele possui a
autopropriedade, e argumenta contra a existência
desta. Uma contradição.

Apenas pelo método hoppeano, já podemos constatar


a existência intrínseca de liberdade presente em cada
ser humano. Porém, alguém poderia argumentar:
"mas e se o conceito de liberdade (que pode ser
achado através do metodo hoppeano de
argumentação) for apenas uma ilusão mental, onde a
nossa mente, que é pura matéria, portanto, sem
consciência, gera através de processos químicos,
fazendo com que pensemos que temos autocontrole
ou até mesmo a falsa ilusão de consciência?". Bom, se
este é o caso, então podemos constatar duas coisas:
Determinismo puro existe, e o dualismo mente-corpo
não.

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Se determinismo puro existe, ou seja, se as coisas que
devem acontecer vão acontecer independente de mim
ou não, então temos aqui uma confusão de raciocínio.
Imagine a seguinte situação: Se as eleições
presidências de 2014 do Brasil no segundo turno
estivessem precisamente empatadas, e descobrissem
que eu sou o único que não votou, e eu votasse no
Aécio, algum determinista afirmaria: "Mas era
exatamente assim mesmo que você iria votar.", Do
mesmo modo, se votasse na Dilma, ele afirmaria:
"Mas era exatamente assim mesmo que você iria
votar." A confusão aqui gerada,
e talvez tenha passado desapercebido pelos teóricos
deterministas, é a de que só existe uma linha
temporal. Portanto, nada do que já aconteceu,
acontece, ou acontecerá pode ser alterado por uma
outra realidade, pois esta não existe. Não é que nós
não alteramos nossa realidade, muito pelo contrário, a
nossa realidade só é esta por que nós a alteramos
continuamente.

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Passado por esta parte, prosseguimos ao próximo
ponto: A inexistência do dualismo mente-corpo.

Se a mente não existe, ou se é o caso de nossa


consciência ser pura e simplesmente matéria, então a
razão pode ser mera ilusão química causada por
processos neurológicos. É claro que uma pessoa que
possui alguma doença degenerativa cerebral não
demonstra agir conscientemente, mas isto não prova
logicamente de que o dualismo é um erro. Apenas
demonstra
de que os processos neurológicos, que permitem o
raciocínio, estão prejudicados. E, por esta razão,
argumento eu, é que a mente (ou alma, ou algum
conceito imaterial) não consegue estabelecer alguma
conexão com
o corpo.

Imagine uma pequena ponte, por onde todos os dias,

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pessoas passam por ela. Sem as pessoas, a ponte não
tem objetivo. Sem a ponte, não há travessia. Para que
a relação pessoas-ponte aconteça como esperado,
ambos devem funcionar plenamente.

Mas alguns ainda argumentariam que algo imaterial


não interage com o material. Porém, questiono: Como
pode alguém provar empiricamente (já que se trata de
uma discussão empírica) que algo imaterial não
interage com algo material, usando apenas os
métodos matérias da física?

E, para finalizar este assunto, questiono novamente:


Como pode algo material (ou seja, sem consciência) se
agrupar de tal forma, para formar consciência? Seria o
mesmo que somar zero por várias vezes e esperar até
que o resultado seja n>0.

Terminado estes dois assuntos, retomemos o assunto


anterior.

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Se liberdade existe e ela é intrínseca ao ser humano,
portanto atemporal e espacial (como constatado no
começo deste capítulo) e considerando liberdade
como uma máxima alcançável, já possuímos o que é
necessário para formulamos um conceito de lei
baseado nestes princípios.

Mas, para tanto, é necessário explicar o que é lei. Toda


lei estabelece um conjunto de ações que são
permitidas ou ações que não são permitidas. Este não
é o meu conceito de lei, e sim o próprio conceito do
que se significa a palavra lei. Portanto, se lei é isto,
uma lei, para que faça o mínimo de sentido lógico,
não deve conter ações permitidas e não permitidas ao
mesmo tempo. Ou seja, uma lei não pode
salvaguardar a propriedade privada a quem ela
alcança, e ao mesmo tempo garantir que seja
cumprido o "direito" à saúde pública. Em outras
palavras, a lei neste exemplo garante que sua
propriedade privada é a sua propriedade, mas
também autoriza que parte dela seja espoliada para a
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construção de hospitais, postos de saúde, etc.

Então para que uma lei seja uma lei, ela precisa não se
contradizer (note que não estou colocando um dever
ser na lei, e sim, demonstrando o que lei é).

Como já dizia Bastiat, lei é justiça. E, se lei é justiça, e


lei é um conjunto de ações permitidas e não
permitidas, e também considerando que as ações não
podem se contradizer, chego à conclusão de que a
única lei em que as contradições não ocorrem são
quando as leis se baseiam única e exclusivamente na
autopropriedade. Se há um conjunto de
ações que permitem e proíbem certas coisas onde a
propriedade privada (que é a autopropriedade), então
esta é a única lei que, por definição, é uma lei. E se lei
é propriedade privada, propriedade privada é justiça.

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O que é liberdade?
Uma vez esclarecido, vamos a pergunta mais
importante deste livro:

O que é liberdade?

Liberdade não é uma entidade, e sim, uma condição.


Então não podemos nos referir a liberdade como "algo
intrínseco ao ser humano", como erroneamente alguns
entusiastas do libertarianismo político fazem.
Entretanto, alguns podem questionar, se liberdade
não é entidade e sim condição, então estaria o
argumento hoppeano (citado no capítulo anterior)
falso? De modo algum. Hoppe, ao argumentar que
possuímos liberdade intrínseca, não afirma,
consequentemente, de que esta é uma "coisa" com a
qual todos nascemos. Na verdade, ela é uma condição
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com a qual todos nascemos.

Por fim, argumento, agora eu, que há liberdade:

Quando o agente impeditivo da ação se restringe ao


próprio eu.

Muitos acreditam, de maneira romântica, de que


liberdade é poder fazer tudo aquilo que você quer,
apenas que respeite a liberdade do próximo.

Porém, isto não procede.

Primeiro, por que sempre haverá limitações às nossas


vontades, seja ela a lei da física (mesmo que eu queira
sair por aí voando, sou impedido), o Estado ou
mesmo a própria propriedade privada. Porém, isto
por si só não derruba minha tese.

E por que digo que há liberdade somente nesta


condição? Porque, diferente de vontade (onde alguns
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acabam usando como sinônimo de liberdade)
liberdade é poder fazer e não querer fazer, que é a
vontade.

Então, se liberdade é poder fazer, para que isso se


realize, ou seja, para que tenhamos a liberdade em
último grau, seria necessário que o único agente que
possa restringir o meu poder fazer seja, apenas, eu
mesmo. Pois, se há um impedidor, então não posso
fazer tudo, e se não posso fazer tudo, não tenho
liberdade total.

O que quero dizer: Minha tese não se fundamenta em


liberdade per si, mas sim, pela restrição ao máximo de
todos os agentes impeditivos possíveis, para que,
como sugere o título deste livro, tenhamos a liberdade
como uma máxima filosófica a ser seguida sem "mas"
e "poréns".

E quais seriam estes agentes impeditivos?

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A começar, o Estado. O Estado é, por definição pura e
simples, uma instituição que detém o monopólio
primeiro da "lei"(pois a verdadeira lei não é a que os
Estados comumente usam) e em seguida, da força.
Portanto, qualquer um que esteja submetido à única
regra desta instituição, qualquer um que não faça
parte dele mesmo (do Estado) está debaixo desta lei, e
portanto, deve obedecê-la sob a ameaça (e agora sim)
da única força que legalmente pode ser usada, que é a
do próprio Estado. O Estado, apenas por sua
definição, já é em si um agente impedidor da ação de
liberdade, por estabelecer um contrato previamente
estipulado, onde nenhum de seus súditos foi
consultado ou consentiu voluntariamente com ele.
Além disto, quando alguém está submetido ao Estado,
mesmo que este seja demasiadamente liberal, ainda
sim ele detém o monopólio da "lei", portanto, detém
poder para estipular, a qualquer momento que lhe
convier, a outorgar uma lei de invasão de propriedade
privada ou da autopropriedade.

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Entendo que isto possa parecer uma situação que
dificilmente aconteceria em nações de cunho liberal,
mas apenas uma pequena análise da atual situação,
comparada com a situação de fundação, dos Estados
Unidos da América, já demonstra que, por definição,
Estado é violação de propriedade e autopropriedade.

Outro agente impeditivo é a própria lei da física.


Entretanto, como ela atinge todo o mundo físico na
qual fazemos parte, e esta também não é "coisa" que
possa ser removida ou revogada, seria loucura propor
que ela é um agente impedidor válido para refutar
minha tese.

Por fim, outro agente impedidor é a própria


propriedade privada. De fato, ninguém já nasce dono
de certa região aleatoriamente escolhida por Deus
neste planeta. Porém, isto não significa que todas as
coisas devem ser
distribuídas de maneira igualitária. Na verdade, não
significa nada. Toda esta terra que nos foi dada, (ou
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proveniente de algum evento cósmico) existe, mas,
por algum motivo, ela veio sem cercas divididas por
entre elas, com placas em cada uma delas, com os
dizeres: "Esta terra pertence ao Sr. Augusto Lima,
nascido dia...". Do mesmo modo, ela também não veio
com os dizeres: "Repartam esta terra de maneira
igualitária à todos, pois assim diz o Senhor." Ela
simplesmente existe. Porém, como recursos são
escassos, e as vontades humanas infinitas, como
relocá-las de maneira justa, que respeite a liberdade
(já que a usamos
como o conceito de bem máximo alcançável)?

A priori, é impossível deduzirmos sobre isto. Então, o


método a ser usado é a posteriori, isto é, pela
experiência. O uso de propriedade privada, ao longos
dos tempos, foi o que se provou ser o jeito mais
eficiente e "resolvedor de conflitos" até então
experimentado (e de maneira contrária, ou seja, pelos
meios coletivos de propriedade, se mostrou um
completo fiasco).
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Veja que não extraí da propriedade privada como ela
sendo a maneira "justa" de realocação de recursos. Por
que?

Porque justiça, como citado anteriormente, se entende


por lei, e lei é lógico, portanto, dedutível a priori. Se
para avaliarmos se algo é justo ou não, este algo deve
ser, portanto lógico, e a permissão de propriedade
privada à certos indivíduos não é, a princípio, algo
lógico. Este método é apenas mais eficiente, melhor,
mas não justo per si.

E o que se baseia propriedade privada? De duas


maneiras: Primeira apropriação, contrato, ou herança.
Se há algo, e este algo não pertence (note o verbo no
presente) a ninguém, este passa a ser de uso exclusivo
meu. Se este algo já pertenceu a alguém, que morreu,
por exemplo, e este alguém não possuía nenhum tipo
de testamento ou contrato alegando de que, em sua
morte, seus bens passariam a outra pessoa, logo,
concluímos que não faz sentido este bem pertencer a
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mais ninguém. Mas, se for o
caso deste mesmo bem for pertencer (note que agora o
verbo se encontra no futuro) à alguém, então este bem
deve pertencer a alguém, que morreu, por exemplo, e
que passará por contrato ou herança a outra pessoa,
em determinado momento.

Se for o caso deste bem não estar em nenhuma das


condições anteriores, ele agora possui um novo
usuário.

Por contrato e herança, são praticamente a mesma


coisa. Se a pessoa que faz uso deste bem for o
primeiro apropriador, ou conseguiu este bem por
contrato ou herança através de outra pessoa que, no
começo, foi o primeiro apropriador, então este
contrato é legítimo e pode ser feito. De mesmo modo,
por herança.

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Então, (voltando um pouco no assunto anterior, para
concluir este capítulo) se propriedade privada é
apenas uma maneira eficiente de se realocar recursos,
e não uma forma justa per si, também propriedade
coletiva não é justa per si. Portanto, qualquer um que
alegue que propriedade coletiva, ou até mesmo uma
"melhor redistribuição de renda" forçada (ou seja,
através do Estado) alegando "justiça", faz
erroneamente, uma vez que justiça é lei, portanto, é
dedutível a priori, e propriedade, não.

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Liberdade na
prática
Vimos ao longo destes dois capítulos que liberdade
nada mais é do que uma condição na qual todos os
agentes impeditivos (exceto o eu) não existem. Alguns
podem argumentar: "Mas por que exceto o eu?" A
resposta, muito simples: Se você não pode impedir a
si mesmo de certas coisas, então seu corpo passa a ser
o controle do seu próprio corpo, e não a mente. E se
seu corpo age por si, sua mente não age; E, se sua
mente não age, você, que émente e corpo, não age. A
própria ação, por conceito, requer uma interação
mútua entre mente e corpo. Pois bem. Vimos também
que propriedade da terra (tanto coletiva quanto
privada) não possui algum dono exclusivo, dono este
que poderia ser provado a priori, ou seja, através da

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razão. Portanto, extrair algum conceito de "justiça"
(que também é uma máxima alcançável) também não
faz sentido, uma vez que, como já foi demonstrado,
justiça é lei, e lei (pelo próprio conceito) não se
contradiz, e a lei só e exclusivamente apenas não se
contradiz quando ela é formulada sob o pilar da
autopropriedade.

Então, se lei é isso, e justiça é lei, justiça é o


cumprimento da regra de autopropriedade, e só.
Portanto, o campo do conhecimento que definirá o
que deve ser alcançado (agora sim, aplicando um dever
ser) é o campo empírico, ou seja, a posteriori. E, para
que meu conceito de liberdade apresentado no
capítulo anterior coincidida com os conceitos de lei e
justiça, todos os agentes impeditivos possíveis (isto é,
aqueles que podem ser removidos) devem ser
removidos para que o título deste livro também se
faça jus (liberdade como máxima alcançável).
Portanto, não poderia classificar, nem como

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propriedade coletiva, como também privada, sistemas
de realocação de recursos não-impeditivos, pois
ambos, quando aplicados (considerando que não os
dois ao mesmo tempo, pois seria ilógico) impedem
que meu conceito de liberdade se aplique. Entretanto,
como já foi evidenciado ao longo dos tempos, o
sistema de propriedade privada se mostrou melhor
em resolver conflitos, aumentar a riqueza, e propiciar
maior liberdade (ou seja, mostrou-se ser um agente
impeditivo menos danoso) do que seu oponente, a
propriedade coletiva.

Se pudéssemos remover todos esses agentes


impeditivos, exceto o eu, alcançaríamos liberdade
plena. Somente aqueles agentes onde seria impossível
removê-los (como a já citada física) é que
permaneceriam. Portanto, liberdade plena está para
nós como a perfeição humana também a está: Um
conceito nunca alcançado, mas sempre buscado.

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Porém, alguém poderia pensar: "Se liberdade é onde o
único agente impeditivo se restringe ao eu, então se
alguém se sentir livre para machucar outra pessoa,
estará agindo por sua liberdade, e liberdade também é
um conceito de máxima alcançável." E está
corretíssimo.

Liberdade neste conceito, aplicada única e


exclusivamente como regra de prática, acabaria
resultando num contexto onde todos agiriam a
satisfazer os desejos pessoais de modo a eliminar a
dor e maximizar o prazer. Entretanto, se voltarmos ao
raciocínio hoppeano, onde é possível provar este meu
argumento de que a condição de liberdade existe e
está intrínseca a nós, e ela existe, em diferentes graus.
Mas alguém poderia dizer: "Ou você tem liberdade ou
não tem, não existe 'maior grau de liberdade'." Porém,
este raciocino não procede.

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Uma mulher, realmente, ou está grávida, ou não está.
Mas, assim como no meu conceito, ela pode estar
grávida de 3, 4, e até 5 meses. São graus diferentes de
algo que, ou é, ou não é. Prossigamos com o
pensamento.

Se podemos provar que a condição liberdade existe e


ela está ligada ao que chamo de agentes impeditivos,
portanto, há liberdade até mesmo em regimes
comunistas totalitários. Perceba, não estou
relativizando a liberdade, como se comparasse a tê-la
como um regime totalitário o faz; Apenas afirmo que,
quanto menor for estes agentes impeditivos, mais
perto poderemos desfrutar de liberdade. Mas, para
que esta liberdade não incorra em cada um poder,
literalmente, fazer o que quiser, usasse também outro
conceito de máxima alcançável junto com liberdade:

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Justiça.

Veja, não estou dizendo que, para que a liberdade


funcione, dependo de justiça. Por que liberdade, como
já afirmei, em seu mais alto grau, não é possível para
humanos, pois não se é possível eliminar todos os
agentes
impeditivos. O que experimentamos dela é apenas um
contragosto. Liberdade não depende de justiça para
ser liberdade, apenas a depende para que possamos
desfrutar dela o mais próximo de seu ideal que
pudermos.

E, se justiça é o cumprimento da lei de


autopropriedade, então um sistema justo seria onde
todos os agentes impeditivos possivelmente
removíveis (Estado e propriedade coletiva, por
exemplo) não existem, ficando apenas propriedade
privada como um agente impeditivo fraco, e a lei da
física. Concluímos então que uma sociedade, sem

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Estado (no conceito de Estado
apresentado no capítulo anterior), com propriedade
privada (o menor dos agentes impeditivos), lei de
autopropriedade (que é a justiça) seria, portanto, o
mais saudável grau de liberdade.
Saudável, por que lei ainda é um agente impeditivo,
porém, sem esta, a liberdade (a curto prazo) seria
maior, de fato, mas a longo prazo, a lei do mais forte
(que é a lei natural) prevaleceria, restringindo a
liberdade. Para que isso não ocorra, se faz necessário a
lei de autopropriedade.

27
O pior dos agentes
impeditivos
Uma vez que já entendido meu conceito de liberdade
proposto neste livro, e considerando, mais uma vez,
insisto em recordar, que estou tratando aqui
liberdade como uma máxima daquilo que é bom,
portanto, desejável por todos os seres humanos (e
mais adiante explicarei do por que penso assim). Se
liberdade é isso, então levaremos às últimas
consequências.

Pois bem, se temos que os agentes impeditivos


restringem liberdade e, como alguns são impossíveis
de serem simplesmente removidos, concluímos que
liberdade máxima não se é possível, porém, mesmo
assim, infinitamente desejável (como alguns que
buscam a perfeição humana, sabendo que ela é uma

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ilusão). Se é assim, então todos os agentes impeditivos
de ordem
humana devem ser removidos, para que
experimentemos dessa liberdade. Mas, antes de
detalhar cada um (como farei ao capítulo seguinte),
abordarei daquele mais nefasto e contagioso de todos
eles: o Estado.

O Estado é, por definição, o monopólio da "lei", e, por


conseguinte, da força, sobre determinada região.
Nada mais é do que um grupo seleto de indivíduos
(que podem ou não se alterar no poder) exercendo
uma suposta autoridade, sobre um suposto
consentimento, adquirido através de um suposto
"contrato social" (que nada mais é do que uma
permissão para qualquer coisa). Claro que, não
coloquemos na mesma medida, governos como os de
Stálin na União Soviética, junto com os governos
suíços de hoje. É certo que, enquanto um, no caso do
governo suíço, foca em se restringir a algumas tarefas
onde a inciativa privada é proibida de atuar (como na
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formulação de certas leis, por exemplo), outros
governos totalitários buscam, de maneira
"naturalesca", predatória e instintiva estabelecer seu
domínio e poderio sobre a massa dos desgovernados.
Pior até do que no reino animal, onde a ideia é
sobreviver pela carne do outro, este não, o Estado é
bem pior: Ele é como um leão que devora metade de
sua presa, diz que ela não viveria sem seu peso,
mantendo-a viva, para que não se dê ao trabalho de
procurar por mais presas ao seu dispor. É diabólico.

Quando Marx falava em classes dominantes que, ao


longo da história, trocavam apenas o modo de
produção e algumas coisas estéticas e não
necessariamente sua forma, devo admitir, sem sombra
de dúvida, que estava correto. Porém, o que ele não
percebeu (não por completo) é de que essa tal classe
dominante não é, necessariamente, os detentores de
propriedade, e sim, os detentores da "lei". Foram eles
que, ao longo da história, apenas alteraram seu modo
de atuação, porém, a ideia que era defendida,
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continuou a mesma. Talvez, a maior mentira já
inventada em toda a história. Pois, a melhor das
mentiras, é aquela onde o mentiroso acredita que faz a
verdade. Por que, aquele que cria o problema, e passa
a acreditar nele não com um erro mas sim como
solução, com o passar dos tempos, convence a todos a
viver sob esse fardo. Talvez o Estado tenha começado
assim. Considero extremamente improvável que, em
algum momento da história, enquanto todos os seres
humanos viviam como animais que caçavam e que
andavam de lá pra cá em busca de alimento, um deles
exclamou, dizendo: "Tive uma grande ideia! E se eu
(claro) e alguns dos mais inteligentes daqui nos
juntássemos e decidíssemos o que é melhor para cada
um? E, para manter nosso glorioso salário de
paladinos da justiça, cobraríamos uma taxa de
atuação, à serviço de todos nós!" De certo, isso não
aconteceu. E, se acontecesse, também não importa o
suficiente para que consiga me convencer do
contrário.

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Voltando ao ponto em questão. Já sob o domínio dos
povos, o Estado apenas mudara sua forma de atuação.
Antes, era o próprio Deus; Passou a ser escolhido por
Deus; Reconhecido pela autoridade religiosa, e
constitucionalmente legalizado, pelo "povo", a agir
por eles; Constituído pela "vontade democrática da
nação". Em todos os casos, sempre se buscou uma
desculpa para se estabelecer, como que se nós não
pudéssemos viver sem essa maravilhosa bota de
couro sobre nossos ombros. E as desculpas também se
adaptaram ao longo dos tempos. A primeira delas:

"Seria uma blasfêmia desobedecer a autoridade de


Deus sob a forma do Estado";

"Seria também blasfêmia desobedecer ou se revoltar


com a autoridade do rei a quem Deus confiou poder";

"Seria inconstitucional ferir algumas das regras da

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coroa, portanto, errado per si";

"Seria antidemocrático agir de tal maneira, pois seria


desrespeito à 'vontade popular' da nação."

Todas estas justificativas nunca partiram do povo e


sim da própria autoridade que, ao longo de seu
domínio, e por muito dos tempos também detentora
do monopólio de divulgação (somente o Estado
divulga informação, ou ele autoriza) é que fez com
que o povo achasse normal esse tipo de relação. Como
dizia Rothbard em Anatomia do Estado, para que seu
domínio se estabeleça forte e seguro, é necessário
cercar a corte com os intelectuais, lhes garantindo
estabilidade financeira e ótimos recursos, para que
sejam porta vozes de sua autoridade. Não é de se
espantar que hoje em dia, com o acesso a informação
de todos os tipos quase que gratuita em totalidade, o
Estado, até então nunca antes na história, tenha se
cercado de tamanho apoio às classes dos artistas e
formadores de opinião. Há, em vários países, até
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mesmo leis (isso mesmo) que fornecem ao artista,
através de dinheiro público, um incentivo financeiro
para custear sua obra. E, claro, para consegui-lo, é
necessário aprovação do Estado e, é certo que apenas
conseguirão aqueles que dele fizer elogios. Talvez,
uma crítica ou duas, mas nada mais.

Por isso, digo: O Estado é a não-lei (pois a única lei


justa, provada por lógica, é a lei de autopropriedade,
que também é provada pela lógica, ou seja, a priori),
predador (pois destrói riqueza alheia), caluniador
(pois contorce a realidade e conduz o povo a pensar
que necessita dele para garantir a "ordem"), injusto
(pois redistribui propriedade que, além de imoral,
pois a redistribuição não é consentida pelos quais os
bens são usurpados, é ineficiente, pois não gera
riqueza, apenas a realoca) e, por fim, diabólico (pois,
assim como você provavelmente já deve ter ouvido
falar, o maior trunfo de Satanás, que é o todo o mal, é
te fazer acreditar que ele, na verdade, não existe.)

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Propriedade
Coletiva
Se o Estado é o pior do agentes impeditivos,
propriedade coletiva, certamente, vem em segundo.
Não apenas por ser um destruidor de riqueza, pois, a
aplicação de seu método a nível macroeconômico
sempre extinguia o sistema de preços (uma vez que o
valor da propriedade transformada deveria ser o
quanto de trabalho foi gasto para sua transformação
final, e não o quanto as pessoas dão valor àquilo), o
que acabava por realocar os recursos de maneira

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totalmente desorganizada, gerando ainda mais
desigualdade de "propriedade", não só por isso, mas
também é um sistema que, para ser legalmente
instituído, ou seja, instituído por lei, sempre foi
necessário (e até seus mais proeminentes entusiastas e
teóricos também assim o defendiam) que deveria vir
através de luta e derramamento de sangue, ou seja,
uma violação clara de lei, que é justiça, que é
autopropriedade.

Porém, como vimos nos capítulos anteriores, tanto


propriedade coletiva tanto privada não possuem uma
defesa lógica (a priori) de seu método, e sim, uma
defesa onde o valor de sua aplicação é demonstrada a
partir da consequência que ela gera. Por exemplo,
aqueles que defendem propriedade coletiva à
defendem pois puderam constatar (ou acreditam que
puderam) por métodos empíricos de que ela funciona.
Qualquer tipo de defesa ética (lógica) não procede,
uma vez que é impossível provar que as porções desta
terra são (e não deveriam ser) redistribuídas
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igualitariamente à todos os seres humanos. Do mesmo
modo, provar que a propriedade deveria ter certos
donos também não é uma defesa lógica, e sim, uma
defesa utilitária.

Como já vimos nos capítulos anteriores, a


propriedade privada (em contraste com a coletiva) já
nos demonstrou, ao longos dos tempos, ser uma
melhor realocação de recursos, evita conflitos, gera
riqueza, de maneira geral. Apenas uma rápida
investigada àqueles países cujo sistema econômico se
baseia quase que inteiramente na propriedade
privada, através de pouco ou nenhuma
regulamentação trabalhista, ou nenhuma lei exigindo
uma certa "qualidade" dos produtos (o que na prática
extingue todos os micro e pequenos produtores do
mercado), salário mínimo (que também extermina do
mercado todos aqueles que produzem menos do que
a faixa salarial estabelecida, proibindo-os de
trabalhar), esses países demonstraram um maior nível
de riqueza per capita, além de melhores IDH,
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igualdade de oportunidades, etc. E, justamente
àquelas ocasiões onde a propriedade era distribuída
ou dividida igualitariamente, foram nessas ocasiões
onde a aplicação deste método veio por uso de
coerção e violência, sem consentimento explícito do
povo usado, e muitos ainda (de maneira medíocre)
argumentam que só o coletivizaram completamente
(ou redistribuíram propriedade) através do
instrumento democrático, que justificaram como
sendo "correto" e sendo, portanto, feito pela "vontade
do povo". O que quero dizer, por fim, que
propriedade coletiva provou ser um sistema que se
institui mediante coerção e violação da lei
(autopropriedade).

Portanto, se houver, em alguma região, onde os


moradores, por todos decidirem, de maneira explícita,
a cederem suas propriedades e terras, para que delas
sejam coletivizadas e rearranjada de maneira
igualitária, então, que assim seja feito. Pois, como já

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explicado (mas é necessário que isso fique bem claro)
o crime não está necessariamente em usurpar, por
exemplo, a propriedade privada de alguém. Quem
argumenta que, por que alguém tomou de seu gado,
por exemplo, está lhe cometendo um crime (não o
crime constitucional, mas o verdadeiro crime)
argumenta de maneira equivocada. O crime está
justamente em assim fazer por meio da coerção, por
que, para que alguém se aproprie de algo que já
possui dono, ela precisa, necessariamente, aplicar o
meio coercitivo, tomando-a para si sem consentimento
do usuário, violando a liberdade individual própria
da pessoa que possui a tal propriedade, que não
permitiu sua tomada pelo outro explicitamente,
sendo, simplesmente, espoliada. Do mesmo modo,
entrar em algum território coletivizado
consensualmente pelos usuários daquela terra e
estabelecer alguma área de lá e declarar que aquela é
agora sua propriedade privada também o faz errado,
por que do mesmo modo do exemplo anterior,
também aplica coerção para assim fazer, tornando-a
39
uma clara violação da liberdade, provinda da
autopropriedade dos indivíduos, que consentiriam
em coletivizar daquele território (considerando, claro,
que aqueles homens que coletivizaram aquela terra
assim o fizeram sendo os primeiros apropriadores, ou
por meio de contrato com um outro primeiro
apropriador, ou por herança).

Porém, para encerramos este capitulo, fiquemos com a


conclusão: Tanto PP (propriedade privada) tanto PC
(propriedade coletiva) não possuem uma defesa ética
para sua validade, sendo ambos os valores de seus
sistemas apenas consequências, utilitários, ou seja,
tanto um quanto o outro possuem o mesmo valor
ético, ou seja, nenhum. Tanto um quanto outro são
agentes impeditivos, e são estabelecidos mediante
acordo entre duas ou mais pessoas consensualmente,
por que a única restrição da aplicação deste sistema
econômico está na autopropriedade e na liberdade
individual provinda dela; Se ela é respeitada, então
ambos os sistemas podem ser estabelecidos. Portanto,
40
o que se mostrou, até então, como sendo um sistema
"mais preferível" até então, e como sendo um sistema
melhor como produtor de riqueza e redução de
conflitos, foi, é, e provavelmente será sendo a
propriedade privada.

41
Por que o Estado é
avesso à liberdade
Esclarecidos os assuntos acerca desses dois, e,
exemplificando de maneira simples e objetiva de por
que ambos são dois agentes impeditivos graves ao ser
humano, pensemos, agora, de maneira contrária: Por
que eles não são pró liberdade?

Antes, um parênteses: Você já deve ter notado que


meu pensamento se restringe muito à análise do qual
estamos tratando, sem muitas palavras, ou "romance"
como tempero de meus textos. Prefiro muito mais lhe
explicar, pra alguns pode parecer até surpreendente,
de maneira clara, a evitar certas palavras, e te fazer
refletir por si mesmo sobre os assuntos tratados. É
uma coisa meio socrática (só que sem diálogo e sem
ideias inatas.) Apenas acredito que o ser humano já

42
possui respostas para muitas de suas dúvidas, ou, até
mesmo, respostas para coisas que ele ainda nem
chegou a se indagar. Portanto, minha dedicação e
desejo com este livro é que você reflita por si mesmo.
Sem muito jogo de palavras,
ou temperos, e, também, não sou nenhum tipo de
mestre-cuca. Apenas lhe apresento um novo prato,
sem muito sal, a textura meio dura e até meio difícil
de mastigar para algumas pessoas. Aquele prato que,
após comer, alguns podem exclamar: "Nossa, que
prato diferente! Eu até gostei do sabor. Me interessei,
vou procurar por um restaurante que faça isso
melhor." Não me importo muito em ser reconhecido
como "O homem que despertou Felipe para um prato
diferente". Apenas mostro e, se quiser mais,
recomendo outros restaurantes.

Pois bem, comecemos pelo pior.

Recentemente, uma visão cética ao Estado vem


crescendo e tomando diversas formas. Alguns,
43
querem sua total extinção; Uns querem que ele se
restrinja à algumas tarefas; E há os que admitem que
ela deva controlar a sociedade, guiando-a a um
caminho melhor (mas é claro que esses não se
identificam com o fascismo, como se fossem muito
diferentes). Entretanto, a maioria ainda sim acredita
na atuação do Estado. Conservadores e liberais ainda
veem o Estado como uma instituição necessária,
tradicional, de modo que sua extinção não só
acarretaria num descontrole de determinado país,
como seria um golpe imenso sob sua cultura. É uma
linha de raciocínio bastante interessante, porém, falha
em sua teórica e nalguns casos, na prática. Vejamos
por que.

Ao admitir que o Estado seja um "mal necessário",


estabelecem de que precisamos de um certo nível de
"usurpação" ou "controle" coercitivo, à modo que seria
melhor este mal mínimo, do que simplesmente
decretar sua inexistência, que, segundo eles,
acarretaria num mal maior. Então das duas, uma: Ou
44
esse é um pensamento político-moral incompleto, pois
em sua própria estrutura admite a existência de um
"mal" para se evitar um "mal maior", ou ele (esse
pensamento) permite sim a existência de um ente
"mal", admitindo que é melhor com ele do que sem
ele, tornando-a uma filosofia que claramente aponta o
mal e a defende.

Outro ponto é: Por que encaram o Estado como um


"mal necessário?" Isso vem de Hobbes, o mesmo que
defendia um Estado totalitário absoluto representado
na figura de um rei (você pode substituí-lo por um
presidente, por exemplo), onde ele seria indicado
através de um "contrato social" (nessa parte eles
discordam, o que é bom). O que Hobbes dizia é que o
homem, em seu estado natural, vive com um animal,
sem lei e desgovernado e, que apenas passando pela
interação com outros indivíduos e se estabelecendo
em certas regiões, pois descobriu que poderia ter
sustento plantando e cultivando seus grãos, é que ele
se tornou um ser evoluído. Porém, se fez necessário a
45
presença de uma autoridade, que lhe pudesse
intermediar entre outros humanos, a fim de conduzi-
lo para uma sociedade onde o estado natural não
permanecesse pois, segundo sua célebre frase: O
homem é o lobo do homem. Portanto, deveria ser esse
governado, e essa é uma das principais bandeiras
conservadoras contra a inexistência do Estado. Porém,
se o homem é o lobo do homem, o que é se não o
Estado, um grupo seleto de homens? Poderia então o
homem, que é lobo de si mesmo, governar outros
homens de maneira justa? Certamente que não. E, se o
homem nasce mal, então pior ainda é a democracia!
Por que ela não só coloca o poder de decisão do lobo
na mão de uma só pessoa, ela a distribui para todos os
homens, que são uns malvados de natureza. Porém,
qual a lógica em dizer que a maioria, que são,
segundo eles mesmos, malvados por natureza, decidir
quem irá governá-los?

Portanto, a defesa do Estado, se sincera pelos


conservadores, só pode vir a ser pela cultura, pois
46
uma sociedade sem Estado jamais se adaptaria a
tempo de conter o mal que lhe ocasionaria quando o
Estado deixasse de existir. Realmente, se por mágica,
ele deixasse de existir, uma profunda transformação
na sociedade aconteceria. Primeiro, os que são
assistidos por programas governamentais. Em
seguida, não haveria dinheiro para sustento de
hospitais nem escolas. As estradas, com o tempo, se
tornariam gastas. Entretanto, não se pode justificar
um ato como "bom" necessariamente por que ele trás
algo melhor, na prática. Se, este ato trás mais
benéficos do que malefícios, ele só é, na prática, mais
eficiente. Não se pode encontrar moral nisso.
Portanto, uma defesa do Estado, alegando que
"pessoas pobres ficarão sem hospitais", nada mais é
do que a falácia do apelo a misericórdia.

Suponhamos que eu tome de você cem reais, sem seu


consentimento. Eu, como sou muito caridoso, troco ele
em dez notas de dez, e dou nove delas para pessoas
aleatórias pela rua (os outros dez fica comigo por que,
47
como sou muito caridoso, sou digno de recebê-lo).
Pode alguém em sã consciência achar esse meu ato
como "justo?" Mesmo após eu explicar o que é justiça?
Pois é exatamente isso que esse ente chamado
comumente de Estado faz. Ele confisca metade da
propriedade cada um, fica com uma boa parte, e
redistribui de maneira quase que totalmente aleatória.
E, se ele fosse realmente "caridoso", por que então não
isenta todos os pobres de imposto? Por que sabem
que, se assim o fizer, não vão conseguir
sustentar boa parte das migalhas pagas justamente
por eles,tornando assim o domínio do gado humano
muito mais difícil. Era aquilo que Bastiat dizia, sobre
o que se vê e o que não se vê: É muito fácil admirar
uma obra do governo, quando você não sabe quem
perde para que aquilo seja feito. Pode parecer um
dano pequeno, mas, quando juntos, se
tornam o verdadeiro Leviatã do qual Hobbes e
demais defensores do Estado tanto temiam.

A defesa para a inexistência de uma instituição


48
coercitiva não é por que acredito que o ser humano
nasce todo-bom, como dizia Russeau, mas sim, como
defendia Locke: Nascemos como uma tábula rasa.
Nossas ideias e concepções sobre este mundo vem a
partir de nosso aprendizado com ele. Portanto,
compreendo a visão religiosa de que o ser humano
tem
inclinações ao "pecado", ou a certos tipos de
comportamentos que não são necessariamente bons.
Sim, isso é fato. E, por isso, mais veementemente,
defendo que, por termos essa natureza falha, jamais
encontraríamos uma filosofia ou modo de vida a
modo que completemos nossas satisfações carnais e
comportamentos vulgares. E, exatamente por isto,
recomendo que não vamos consegui-lo por meio do
Estado, um ente que é, justamente, feitos por
humanos que, por definição, é anti-humano, pois é
anti-lei, portanto, anti-justiça e anti-racional.

49
Por que liberdade é
bom?
Uma vez compreendido os assuntos tratados neste
livro, e, tendo claro que os assuntos aqui apresentados
são meras sínteses de um pensamento extremamente
vasto e completo, tendo como meu esforço apenas
despertar o interesse de você, leitor, venho em minhas
palavras finais apresentar este que será o último
capítulo conceitual, tendo o próximo e último capítulo
definitivo apenas uma conclusão sintetizada do que já
foi apresentado.

Pois bem. Nada do que foi apresentado teria um valor

50
prático (teórico ainda permaneceria) se liberdade não
fosse algo "bom". E se, após todos os argumentos
lógicos comprovando a autopropriedade e de por que
lei é justiça, entendêssemos com toda a certeza deste
mundo que liberdade não é uma coisa boa?

Do que adiantaria termos conhecimento destas


verdades naturais se fossem, elas mesmas, como
pragas? Aliás, seria até um sofrimento se
descobríssemos essas verdades e não pudéssemos pô-
las em prática, vivendo não só uma vida de mentira,
mas um vida que tem conhecimento da mentira e a
releva pois a prática da verdade acarretaria algo
muito pior
do que, simplesmente, viver na mentira.

Mas, para o conforto de sua alma, caro leitor, todas


essas verdades que tive o prazer de lhe apresentar,
podem ser experimentadas por que, liberdade, é bom.
Exercer essa condição é estender a sua personalidade,

51
é não só mostrar aos outros que você existe, como
também a si mesmo. Quando vemos o resultado de
nossas ações bem diante de nossos
olhos, descobrimos que somos muito além daquilo
que achávamos que éramos, quando antes
guardávamos nossos segredos com nós mesmos. Eu
passo por isso diversas vezes, e creio que você, que
não deve ser muito diferente de mim, também
vivencia. Se lembra daquela vez que foi explicar
alguma matéria da escola para um amigo e, depois de
tê-lo
explicado, só depois, você se deu conta de que sabia
muito mais do que achava que sabia? É exatamente
essa sensação que somente nessa condição de maior
liberdade você poderia exercer. Mas, em regimes
autoritários, onde não se pode falar tudo, você ainda
teria liberdade para saber certas coisas. Porém, uma
liberdade interna. Só você saberia destas
coisas, e isso não é bom. Somente num conceito de
máxima liberdade possível, e com a lei sendo
aplicada, é que poderíamos vivenciar tal coisa, que é
52
boa. Aliás, o que é bom?

Bom, digo em poucas palavras, é aquilo que lhe eleva


para um estado superior, sem ter precisado "tirar" de
alguém para alcançá-lo. Ou seja, quando aprendo a
leis da gravidade através de um livro que comprei
(sem danos a terceiros) estou elevando meu ser a um
nível superior. Porém, não confunda bom com desejo.
Nem todo desejo é bom, então nem todo desejo é
necessariamente bom. E, ao analisarmos esse
conceito, bom, já fica subtendido de que, se temos um
padrão de comparação entre ações boas e más, é por
que existe um limite desta bondade, que não pode ser
representada em forma humana ou nesse mundo
material finito, uma vez que, analisando até às
últimas consequências, entenderíamos que algo que é
bom por excelência é por definição infinito. Ou seja,
se bom é algo que lhe eleva a um estado superior por
si mesmo, então a bondade por excelência, que é
infinita, também não é alcançável aos seres humanos,
porém, desejável "infinitamente" (entende se
53
infinitamente como "até o último dia da vida de cada
um"). Até os mais avessos a liberdade a desejam. Eles
querem liberdade para dizer que liberdade não é algo
tão bom assim, e que precisamos ser contidos para
não cairmos em um poço de pecados sem fundo.
Verdade, pois a inclinação natural humana é para a
satisfação pessoal em primeiro, o que não é algo mal
per si, porém, sem um autoconhecimento e
responsabilidade, pode vir a se tornar algo horrível.
Porém, defendo o egoísmo humano, não por ser
natural e ruim, por que então eu estaria cometendo a
mesma
falha daqueles que advogam a favor do estado como
um "mal necessário", mas sim, e dai invoco Locke
novamente, pego seu termo emprestado para dizer
que essa tal inclinação para o eu do homem é como,
novamente, uma tabula rasa. Não é necessariamente
boa, nem ruim. Depende de como é usada, igual
dinheiro. Entretanto, creio eu que essa vontade
humana para aquilo que acredita por ser bom se
distingue em três:
54
Altruísmo puro;
Egoísmo puro;
Egoísmo altruísta.

Altruísmo puro, para nós, é impossível, pois toda ação


racional e não involuntária (que, por definição da
palavra é voluntária) sempre busca minimizar o grau
de perda. E, como o valor de tal ação está ligada à
intenção daquele que a fez, então, a ação que ele
escolheu fazer pode ser a ação mais prejudicial à ele,
mas, mesmo assim, só por antes de fazê-la, ele teve a
intenção de fazer a menos danosa, só pela escolha
mental disso, já fica pressuposto que não agiu de
modo a por de lado todos os seus anseios. Mesmo
que, pouco, ele ainda pensou em se sair bem. Por
exemplo, alguém que acredita no Deus cristão e
acredita ser certo doar todo o dinheiro de seu bolso,
que ele gastaria para comer, pois estava com fome. Se
ele pensa: "Já tenho fartura em casa, e, se eu não
comer agora, chegando em casa, terei ainda o que
55
comer, mas este
homem não tem. E, além disso, Deus disse que
devemos ajudar o próximo, e todo aquele que ajuda o
próximo ajuda a Ele também. Vou doar a ele tudo que
tenho", ele pratica essa ação, mesmo que com total
pureza no coração, a pratica por que acredita ser o
certo. Se acredita ser o certo, acredita então haver uma
verdade que transcende o homem, de modo que a
deva seguir independentemente de qualquer coisa, ou
seja, seguir essa verdade é o que completa a existência
dele. Se ele completa sua existência, se sente feliz pois,
mesmo continuando com fome, e pode até ter se
arrependido depois, a intenção de doar por que
acredita ser o certo, e por acreditar ser o certo acredita
que essa verdade transcende o homem e é seu motivo
de existência, ao cumprir o ato, se sente, mesmo que
infimamente, feliz. Ou seja, não renegou sua total
satisfação, pois é impossível.

Egoísmo puro é possível. Você pode tornar todas as


suas vontades como sendo o cerne de sua existência, e
56
a praticá-la para o resto da vida. Porém, não me
parece ser bom, pois hora ou outra, a não ser que vá
morar no meio de uma selva no interior, necessitará
de alguém para realizar tal ação. E, se for necessário
"diminuir" o outro para "elevar" seu estado, então, é,
por definição, uma ação má. De maneira simples, se
não for para morar isolado da civilização, ou longe de
qualquer contato humano, o egoísmo puro possui
enorme possibilidade de ser algo mal, mas não mal
per si.

Considero este último como sendo o recomendado:


Egoísmo altruísta. Como vimos antes, egoísmo não é
mal per si, o que significa que pode ser usado de
maneira boa. Porém, vimos também que, em sua
forma pura, sua chance de ser um instrumento de
maldade é demasiado alto. Conciliando então essa
propensão natural à satisfação pessoal em primeiro, e
o outro em segundo, consideremos então ser este
conceito o mais recomendado. Afinal, o que seria o
egoísmo altruísta? É
57
conciliar essa natureza humana com o conhecimento
de que os outros também são assim; Portanto, para
alcançar os desejos que são bons, devemos fazer isso
mutualmente, e, mais importante, voluntariamente,
pois, se é forçado, não é bom, por que a bondade
começa na intenção. Não é bom o homem que doa
dinheiro para um mendigo por que há em sua
cabeça um fuzil carregado lhe obrigando a fazê-lo.
Portanto, entendo ser esse tal egoísmo altruísta como
sendo o próprio livre mercado.

58
O que podemos
concluir?
Após todas essas reflexões, o que podemos concluir,
então?

Primeiro, parti do pressuposto de que liberdade (ou a


sua condição, pois liberdade é condição) é algo bom
per si, portanto, totalmente desejável até seu último
grau, como a felicidade também o é. Também
concluímos que essa condição, para ser justa,
deveriaser, portanto, universal à todos os humanos,
atemporal e espacial. E, se sendo assim, ela é justa, e
justiça é lei, e lei é autopropriedade, então essa
condição só é justa quando seu limite de atuação
esbarra no princípio da autopropriedade. Portanto, o

59
que concluímos é isso:

Liberdade só é justa quando seu limite é a lei de


autopropriedade.

Se o limite da bondade de liberdade é isto, portanto,


todas as ações que respeitam este princípio são
válidas. Entretanto, nenhuma delas poderia ter um
valor justo. O que quero dizer com isso? O que quero
dizer, é o que já disse antes, sobre propriedade
privada. PP não possui valor justo per si por que não
existe defesa lógica para sua existência. Ninguém
pode
comprovar a priori que possui determinado pedaço
de terra. Ele o pode pela posteriori, ou seja, através
do método da experiência, onde o valor de
determinada coisa é estabelecido conforme a
consequência desta ação. Portanto, se PP é o jeito mais
eficiente, que menos gera conflitos, então que seja
aplicado. Porém, sua defesa lógica não procede, da

60
mesma forma que também não há para propriedade
coletiva, pelos mesmos motivos. Ninguém pode dizer
que esta terra nos foi dada para ser repartida de
maneira igualitária. É apenas uma conveniência, e
nada mais. Portanto, defender PP ou PC como
métodos de justiça, não procede. Porém, então, aquele
que adquirir certa propriedade sendo o primeiro
apropriador dela, ou mediante contrato (onde
considerando, claro, que esta pessoa que transfere a
tal propriedade a conseguiu, ou mediante contrato, ou
ele é o primeiro apropriador), ou herança. E, se
alguém infringe contra a propriedade de alguém, não
é pela tomada de propriedade que ele está errado,
mas sim, quando fere a liberdade contida na
autopropriedade do possuidor que foi violada, pois
este não consentiu.

O que também concluímos é de que, para que


experimentamos então essa liberdade em seu mais
alto grau de bondade (portanto, respeitando a lei de
autopropriedade) todos os agentes impeditivos
61
possíveis devem ser removidos. O pior deles, o
Estado.

Os que advogam a favor deste, por n motivos, seja "a


quebra de tradição que causaria sua inexistência" ou
"o ser humano que é mal por natureza precisa de
controle" o fazem de maneira totalmente conveniente,
e não tendo, portanto, alguma defesa ética, por que,
como vimos, lei é autopropriedade, e o Estado é, por
definição, anti-autopropriedade, portanto, ilógico. Se
o preferem defendê-lo, então o fazem por acreditar
que "é melhor assim" do que sem ele, ou seja, mera
conveniência. O fazem pela posteriori, onde o valor
ético é zero.

Esta então é minha conclusão. Como já disse capítulos


atrás, a ideia com este livro é lhe despertar para uma
nova ideia, e não necessariamente lhe indicar um
novo corpo filosófico completo. Sou o homem da
lanchonete 2 estrelas. Apenas lhe indico um novo
prato. Se gostou, há melhores mestres cucas na cidade
62
com quem você se deliciaria mais com o sabor.

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