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O HOMEM

Uma teoria sobre a modernidade e seus efeitos

Daniel Almeida.

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SUMÁRIO
O HOMEM ENQUANTO SER
O homem enquanto estética..............................................................pág4
O homem e a verdade.......................................................................pág7
O homem e a autoafirmação............................................................pág10
O homem e a vontade......................................................................pág15
O homem e o costume.....................................................................pág13
O homem e a bondade.....................................................................pág18
O homem e a democracia de massa.................................................pág21
O homem e o amor..........................................................................pág24

O HOMEM NA SOCIEDADE
O homem e a política.......................................................................pág26
O homem e ansiedade.....................................................................pág29
O homem nas relações sociais.........................................................pág32
O homem e sua nova forma de pensar.............................................pág34
O homem e o consumo desornado....................................................pág37
O homem e Deus.............................................................................pág39

REFLEXÕES ACERCA DA VERDADE


Capítulo único................................................................................pág42

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PEQUENA OBSERVAÇÃO
É bom que se faça algumas observações antes de prosseguirmos nesta
investigação, valendo-se do leitor saber que, para fins literários, explicarei
cada palavra-chave em seu conceito que interpreto, uma vez que há
palavras e diversas interpretações, porém, buscarei sensatez e, por mais
que algumas conclusões possam transparecer em absurdo, certificarei de
não alterar, durante a investigação, os sentidos que atribuirei a elas.

O livro será dividido em 3 partes:

O homem enquanto ser;


O homem na sociedade;
Reflexões acerca da verdade.

Na primeira, conceituarei alguns princípios e formas em que o homem


pensa e age, (com uma linguagem mais técnica e descritiva) porém, na
maioria das questões, não como uma regra geral universal, que se vale à
todos. Em alguns casos, certificarei de dizer que vale-se a afirmação como
regra geral universal. Na segunda, aplicarei os conceitos aprendidos em
prática, uma vez que homem é por natureza um ser social, também de
maneira descritiva. Na terceira, farei um apanhado destes conhecimentos
e transmitirei minhas ideias como opiniões, de maneira então prescritiva.
Espero que extraiam o que há de melhor neste livro.

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O HOMEM ENQUANTO SER
CAPÍTULO 1 | ESTÉTICA

É certo que o primeiro contato do homem é com a estética. Sendo esta


toda experiência recém-recebida, como um convite à realidade que o
cerca, o homem desenvolve então sua interpretação de maneira natural,
instintiva. Como as formas deste mundo lhe parecem estranhas, e não
demonstram a si gerar proteção que tinha antes, desespera-se, então vale
notar ser o homem naturalmente desejoso do que lhe é cômodo. A busca
do homem é ceder parte de seu comodismo natural em troca de uma
possível ideia de que futuramente, desfrutará de mais comodismo do que
antes desfrutaria. É, noutras palavras, apostar 10 pra ganhar 20.

Esse desespero e encanto encontra-se desde os primeiros dias na Terra,


porém, não deixa de ser regra para a vida adulta. Tendo então o contato
primeiro com a estética, forma-se no íntimo interpretações acerca do que
absorvera, podendo sê-la uma totalmente nova, parcialmente nova ou
totalmente copiada. Alguém que observa alguma pintura modernista, ao
mero contato, encanta-se com a filosofia e a ideia que passa o quadro. O
encantamento pode ví-lo por automático, ou seja, ensinaram-lhe desde
sempre que, esta arte, é bela, então toma como verdade e primeiramente
assume em sua mente tal beleza; também pode encantar-se com esta,
pois vira outros estilos artísticos, mas encontra beleza neste; e pode ter o
primeiro contato com esta, e encontrar seu valor por conta própria.
Entretanto, mesmo sendo este último o que aparenta ter mais valor, por
sê-lo independente, não o é; nada é. O homem social condiciona o
pensamento nos ensinamentos de outros. Para entender o quadro, foi
necessário saber de filosofia, de valores e de moral, sendo impossível
concebê-lo por natureza puramente instintiva. Tomando o exemplo do
quadro, podemos compreender o significado imediato da estética, das
formas que lhe são apresentadas e que, de imediato, dão-lhe ideias ou
valores próprios. Na medida em que o homem adquire ideias, soma-se a
possiblidade de interpretar tudo o que lhe cerca por variadas maneiras

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distintas, porém, não que seja necessariamente bom tomar conhecimento
de muitas coisas, para assim, compreender outras coisas a mais com um
olhar mais plural. Um conhecimento verdadeiro abre espaço para uma
multidão de realidade; um falso, multidão de ideais.

Encarando o homem agora em desafio pessoal, quando depara-se com


uma bela roupa numa loja. O que lhe faz? Deseja. Imagina-se com ela, e,
a partir desta estética, vem-se a ideia-sem-forma, que, por métodos
racionais (um método da mente de juntar ideias e agrupa-las), e,
formalizando este ideal com o que pode deduzir pela razão, põe-se
decidido, transformando-a agora em ideia-formal. Expandindo o
pensamento, tomemos que essa peça de roupa é de estilo formal, e o
nosso homem é desejoso de parecer-se sério, comprometido, alguém que
sabe seu rumo. Porém, para tal, e como sabiamente afirmara Salomão,
"tudo é vaidade", tudo é um parecer-do-ser, conforme o "eu" que cada um
carrega em si não possui forma material, todavia precisa tomar aparência
de ser, sendo essa externalização a mais singela vaidade.

Por ser o homem eternamente desejoso das coisas, tanto materiais quanto
sentimentais, experimentais, nunca pára, então eternamente será um
parecer-do-ser. O parecer-do-ser é a forma mais possível que o homem
consegue para transparecer o ideal, seja este ideal um eu do passado que
é por ele buscado, do presente ou do futuro. Porém, ambos serão um eu
do futuro, por mais que queira transmitir um antigo ideal, como no
exemplo, parecer-se sério (e daí as roupas formais) imaginando ser este
um bom ideal, então, quando atingi-lo, tornar-se-á uma nova versão,
jamais semelhante a antiga, uma vez que as ideias que tomara até chegar
a esta nova versão alteraram-lhe suas visões acerca do parecer-ser;
consequentemente, por sê-lo, é então o homem também um eterno tornar-
a-ser. Veste-lhe o parecer, para tornar a ser o que lhe já transparece
parecer. O ideal que toma como projeto move-o, e muitas vezes o faz
erroneamente como sendo-o o próprio fim em si mesmo. Erra, pois o ideal
por definição não é, e tudo o que não é não pode ter valor. O ideal é o
plano futuro que, alcançado, deixa de ser ideal e torna-se real. Só aquilo

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que é pode ter valor, e tudo aquilo que é real tem valor per si, podendo sê-
lo algo negativo ou positivo. Entretanto, não que seja o ideal algo
descartável, uma vez que é bom que o ideal sirva ao real. Logo, tudo o que
é real está acima do ideal, e a vida que busca somente o ideal subjugando
ou até mesmo renunciando o que é real vive em caminhos totalmente
aleatórios obtendo vontade de um coração louco e sem razão. Uma vida
que segue o plano real-ideal-real é boa, por que encara os fatos presentes
e anseia conhecer as verdades (as coisas que são, ou seja, as coisas reais)
da boa vida, e, para alcançar isso, projeta um plano ideal, sendo este
apenas ferramenta para enfim alcançar o que há de real, um novo fato
que antes era desconhecido. Uma nova descrição daquilo que é, e que
antes era-lhe desconhecido. O homem que compra a peça de roupa ideal
como fim em si mesma, seguindo o plano real-ideal-ideal, encontra-se,
enfim, novamente desejoso, e tornará a sê-lo em eterno (pois é natural do
homem desejar) e seguindo este plano, o tomará como sendo sua verdade,
e que mostrar-se-á falsa futuramente.

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CAPÍTULO 2 | O HOMEM E A VERDADE

Então toma o homem sua peça de roupa formal. Alegra-se, poderá


transparecer-se mais sério; alcançara o ideal, e que agora torna-se real.
Noutras linhas: tomou como objetivo algo que, por definição, é
inalcançável. Impossível é chegar-se ao ideal, pois, quando o é, deixa-o de
sê-lo; nada mais é do que uma imaginação tomando forma e, por tonar-se
real, deixa de sê-lo. Por pensar: "quero parecer mais sério, então
comprarei esta roupa" assume o plano real-ideal-ideal, citado
anteriormente. Usou métodos da realidade (trabalhar para ganhar
dinheiro) para alcançar sua ideia inicial (a peça de roupa) para enfim
transparecer outra ideia (a de ser sério), mesmo sendo esta ideia
verdadeira em seu íntimo ou não. No fim, o homem toma como
julgamento aquilo que lhe aparenta ser, e outros conhecimentos
adquiridos a priori; entretanto, a personalidade de outrem, não se obtém-
na através de conhecimento axiomáticos.

Agora que o homem idealiza-se, materializando o desejo pela formalidade,


vem-se um julgamento moral: "Realmente sou assim? Será que o que
transpareço é o que sou?". Após esse processo de reflexão, ou mesmo que
seja uma resposta automática ao dilema, a sentença produz duas
verdades em seu íntimo, sendo elas uma verdade real-aparente e outra
verdade aparente. Esta última, pela sua própria natureza vã, não se
mantém, e faz com que futuramente o homem caia novamente
perguntando a si mesmo, e cada vez com mais intensidade, forçando-o ou
a seguir uma falsa ideia de si, ou convencer-se de que deva abandonar a
ideia inicial. Já a verdade real-aparente possui caráter singular, uma vez
que como toda 'verdade' acerca da personalidade (não sendo uma verdade
atestada logicamente) que é subjetiva, esta também é aparente, pois
necessita que seja reafirmada, constantemente. Não é como "uma pedra é
uma pedra e sempre será pedra", "um átomo de carbono será sempre um
átomo de carbono". A verdade sobre a personalidade, tal comumente se é
usada, é falsa.

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Quando se fala em qualquer coisa, atribui-se a essa coisa qualidades que,
se forem mudadas, deixam de ser aquilo que era, como o ferro. O que faz
o ferro propriamente dito? ele ter 26 prótons e 30 nêutrons no núcleo. Se
perde um próton, não é mais ferro. Uns podem dizer: "mas se eu cobrir
uma barra de puro ferro com água, então será ferro com água, e não irá
simplesmente deixar de ser ferro". Esta ideia prova-se falsa por que o que
faz com o que o ferro ainda seja ferro não foi alterado. Então, quando se
fala no eu, no sentido do ser persona, 'eu sou timído', 'sou egoísta',
presume-se ter este 'eu' qualidades específicas que o distingue de outros
seres. A frase "eu sou tímido hoje, mas 2 anos atrás não era", por
exemplo, não faz sentido, uma vez que o eu era algo e não é mais, ou seja,
aquilo que hoje define o eu, que faz com que o eu seja o eu, deixou de
forma, então, o eu "timido" não é mais o eu. Alguns poderiam dizer "este
novo que é o eu", então pergunto: O que afinal forma o eu? Por que todo
ser só pode ser uma coisa; não pode ser e não ser. Portanto, o 'ser eu'
possui características intrínsecas que o define; se alteradas, deixam de
sê-lo. O que forma intrinsecamente o eu? uns dizem: "a carne humana é
que é o eu", que me parece um estranho pensamento, uma vez que a
carne humana se renova todo dia, então o eu sempre deixa sê-lo a todo
momento. Portanto, não é regra válida para a intrinsecabilidade do ser. Se
a personalidade do ser, que como todo ser necessita de forma imutável
para sê-lo, é então a própria personalidade algo não-material, e a
capacidade de absorção de conhecimento e formalização, o cérebro.

Portanto, a forma como o ser da personalidade comporta-se transcende a


capacidade natural de compreendermos; podemos ter conhecimento
quando este manifesta-se no mundo físico, e entender como engana-se o
homem por pensar assim. Não que não há no homem alguma
personalidade, ou que não pode tomar alguma forma, entretanto, esta se
torna como verdade, como sendo o que é, na medida em que assume-se
permanecer-se à ela.

Por isto martela-se consistentemente na consciência do homem de que o


que ele é não é o que aparenta ser, justamente por não haver uma fixa

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personalidade, pela própria natureza desta; fica o homem gasto, por achar
comportar-se falsamente. Este é o peso de ter no homem consciência.

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CAPÍTULO 3 | O HOMEM E A AUTOAFIRMAÇÃO

De nada adiantaria ao homem apenas comprar-lhe a roupa; é preciso que


ateste-na à quem o observará, por que é certo que o homem cuida
externamente de si não somente para achar-se com graça; também o faz
para àqueles que o cerca. Entretanto, o homem avalia-se individualmente,
produzindo primeiramente em si esta verdade: se essa nova coisa
representa-o. Pela natureza do eu persona, esta nova extensão da
personalidade aparente, comumente chamada de peça de roupa, não pode
totalmente preencher a ideia que queira representar, por não haver essa
natureza fixa da personalidade, porém, quanto mais tempo afirma-se o
homem, e age conforme o pensamento de si, mais perto chega de ter-lhe
uma tal intrinsecabilidade. Porém, o julgamento de si não supre os
anseios do homem social; é necessário a ele reafirmar-se em seu círculo
de convívio ou até mesmo para uma ou duas pessoas a quem a opinião
importa-lhe. Não busca o homem aceitação em todos os convívios, pois é
certo que frequenta-lhe lugares (talvez por motivos religiosos ou
familiares) em que a intenção deste pela ideia de determinado círculo
social supera a opinião destes sobre si.

Surge-lhe então o desejo de autoafirmação. Este guia majoritariamente os


rumos do homem, e quanto mais homogeniza-se nos desejos mútuos de
uma sociedade burocrática (grandes cidades urbanas), então é certo que
cada vez mais o guiará. Acaba perdendo o homem a individualidade, de
sorte que vive para suprir e não para guiar-se ou guiar outros. Em alguns
casos, há liberdade cedida ao homem de empreender, e entende ser livre
para isso, porém, como até mesmo os desejos e anseios deste
sucumbiram-se aos passos da sociedade motriz, não consegue criar, como
alguém que não conhece as palavras do alfabeto não consegue pensar
sobre determinado assunto. Por estar engessado, vê-se refém de si, e
conforma-se, mesmo que primeiramente seja esse conformismo algo
forçado pela "outra consciência", que lhe diz as coisas racionais, de modo
que tornar-se-á a conformidade algo quase que voluntário. O pouco

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espaço que sobra para alguma personalidade menos ditada e mais
intuitiva também sofre vários danos (ainda no exemplo das grandes
cidades) pois já há uma paleta aceitável de "verdades subjetivas" em que
pode o homem seguir, como uma espécie de seleção natural
institucionalizada, voluntariamente, na sociedade. Porém, é bom
certificarmos que não há erro na discriminação, de modo que é o homem
livre para empregar-se de muitas figuras que o represente, de sorte que a
impossibilidade em certos comportamentos está atrelada, primeiramente
a lei que dita esta sociedade e em seguida nos próprios atos repressivos
desta perante a lei vigente. Não cabe-me regrar qual lei é justa ou não
neste capítulo, talvez noutra hora. Mas é certo que o homem mediano, já
empregado nesta sociedade, costuma-se misturar, mesmo que não goste,
aos comportamentos e ações moralmente aceitáveis desta sociedade. Por
mais que não goste, o faz por que quer, já que se não quisesse
desobedeceria e sofreria punições; prefere-lhe seguir do que responder por
lei. É visível: por mais repressivo que seja algum governo ditatorial, se
este estabelece seus domínios, primeiro militarmente, em seguida
conformando-os de que esta é a situação vigente e que perdurará, depois
impondo a cultura de aceitação, de respeito à autoridade, e, por fim,
tirando-lhes o anseio natural do homem pelo o que é divino, sagrado,
transcendental, transferindo a máxima de respeito e motivo da existência
deste povo em si; os homens encaram então seu destino de maneira
voluntária, por mais assustador que seja. Então, nesta sociedade
ditatorial, os desejos do homem médio serão pouco variáveis (já que se
trata de uma sociedade que estabeleceu-se forçosamente e agora
"voluntariamente"), entretanto, por mais que uma sociedade de livre
mercado num ambiente fortemente urbanizado e burocrático (burocrático
no sentido de regras privadas e não estatais) seja infinitamente melhor
por diversos motivos, esta também age de maneira maliciosa. É ela uma
repressora "voluntária", um ostracismo de massa. Mas é certo: não há
sociedade sem algum tipo de repressão, seja ela no nível militar, cultural
ou voluntária. O homem social aceita conviver num espaço onde, no
mínimo, as pessoas dividem uma ideia moral acerca de suas interações,

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como não iniciar agressão, não agredir propriedade alheia, resolver
conflitos de maneira pacífica e em último caso coercitivamente, etc. Não é
desejável ao homem viver como uma engrenagem de um motor maior; por
mais que queiram, também querem sê-los por algum tempo somente, por
que querem voltar para casa depois do trabalho e ter consciência de si,
das coisas que o cerca e ter-se a certeza do caminho que o traça. Vê-se o
homem num dilema que ele mesmo escolhe: "Devo buscar um novo
ambiente, adaptar-me, por que este me permitirá certa liberdade da alma,
ou ficar aqui, rodeado das mesmas coisas e das mesmas pessoas com os
mesmos pensamentos sobre as mesmas coisas sobre o mesmo chão e as
mesmas propagandas e os mesmos anseios?" Geralmente a escolha que se
faz é a segunda, e então, gera-se no homem o costume.

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CAPÍTULO 4 | O HOMEM E O COSTUME

Chegamos ao cerne desta reflexão; o precipício moral do homem moderno,


sua causa e sua maior ruína; a perca de humanidade e transformação de
uma mente extremamente complexa e singular numa máquina de apertar
botões. O costume, como brevemente vimos nos capítulos anteriores, é
uma condição natural do homem, que busca ver-se completo de si a partir
de relutantes esforços contra o comodismo inicial, para enfim, obter
hábito mais desejável. Ou seja, desprende-se da condição mais
animalesca (busca de comida e água) e projeta caminhos para então
desfrutar de descansos melhores. É graças a isso que a sociedade evoluiu,
pois permitiu que pessoas, de diversas regiões e diversos lugares do
mundo pudessem empreender e arriscar diversos luxos, sejam eles pra
classe mais baixa ou mais alta, o que tirava o homem do trabalho mais
braçal para um mais intelectual, que consequentemente, permitiu
avanços em todas as categorias, seja na construção de um prédio mais
firme, ou não criação de antibióticos. Conseguiram através da luta pelo
comodismo prolongar os anos e as condições físicas do ser humano... Por
qual motivo? Ora, todas essas evoluções permitiram que eu estivesse
aqui, escrevendo um livro e divulgando-o numa incrível facilidade para
tantas pessoas, mas é certo que deva haver algo mais nisso tudo, pois, se
vira o homem apenas uma máquina de reprodução e criação de
comodismos per si, então esse já se tornou louco, pois perdera o sentido.

Por isso afirmo: tudo é costume. Não apenas no âmbito material, de


buscar-se conforto por conforto, é certo que em todos os momentos busca
o homem o hábito. Pense em alguém solteiro: lamenta-se por não ter
companhia; chora, e lamenta por ver seus amigos felizes e realizados por
terem alguém que os ama e que compartilha dos mesmos sonhos e
projetos de vida. Em alguns casos, diz ter perdido o sentido da vida, o
ânimo, e passa semanas ou até meses improdutivo, sem vontade. Porém,
uma coisa é certa: em algum tempo, se acostumará, por mais doloroso e
triste que lhe seja. Sempre acostumamos, pois é natural ao homem

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adaptar-se na medida do possível. Entretanto, não é que tenha o homem
solteiro e o homem que namora a mesma intensidade de prazer, mas
ambos acostumam-se nestas condições. O homem que namora dedica
necessariamente mais tempo à sua companheira do que antes, de modo
que o tempo que preenchia sua existência antes agora a pertence, o que
no exemplo anterior do solteiro chorão é ótimo, pois vê-se lamentando
menos e sorrindo mais. Por agora ter em mãos uma situação nova,
esforça-se para mantê-la, por que permite a si ter um novo e
surpreendente caminho que poderá dar-lhe um bom sentido de vida.
Entretanto, se agir como um homem médio, e achar-se nela o fim de um
projeto de vida, ou seja, se o valor de estar com ela já vale por si, e não
encarar o relacionamento como um meio para uma realização mútua de
um fim, então vai-se o homem num novo buraco que ele mesmo o cava.
Cai o homem no buraco de valorizar seus desejos como fim em si mesmo,
e, ao alçar outro sonho, faz o mesmo! Parece ao homem nunca aprender...
Tudo nesta Terra, desde a pedra até sua família estão destinados ao fim,
ao pó e ao descontentamento, a falha, a incompletude e ao rabisco mal-
feito da metafísica. Buscar as coisas como fim em si mesmas é ridículo,
porém, incorre ao homem quase que instintivamente nesta jornada por
ser-lhe ainda natural que contente-se de que ache graça rapidamente,
sem necessidade de uma reflexão moral pessoal.

É assim o plano real-ideal-ideal o mais traçado e também o mais


fantasioso de todos, visto que nele sempre encontrará a falta de sentido,
que este então supre com mais um plano R-I-I, e assim por diante. É
então o costume uma boa doença que não sabe o homem controlar, pois
já fez-se refém desta ao colocar o valor final na própria ideia de desfruta-
la, mas, mesmo assim, continua o homem produzindo e se reproduzindo,
de maneira que essa busca por mais irracional e destrutivo que seja ao
homem, não cessa, e na sociedade urbana parece ganhar cada vez mais
força, de sorte que este apenas permanece ativo pela única coisa que o
movimenta: A vontade.

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CAPÍTULO 5 | O HOMEM E A VONTADE

Voltemos ao exemplo do homem e sua peça de roupa. Após identificar-se


com o objeto, veste-o afirmando ou reafirmando o que quer transparecer;
satisfeito com si, usa-a em algum convívio social no qual seu visual
importa, muitas das vezes sem estar consciente de que realmente está
testando os outros em sua volta (seria narcisismo demais). Se lhe falarem:
"Essa roupa, ficou ótima em você!", encarando o homem a afirmação como
sendo sincera, sentirá a realização do desejo agora não só compreendido
por si mas pelos outros também, ou seja, atenua-se a autoafirmação.
Entretanto, caso contrário, caso a opinião de alguém que lhe importe (em
alguns casos até que seja um desconhecido) seja contrária, como: "Não
acho que combina com você", provocará no homem um desconforto
inicial, de maneira que colocará em cheque suas conclusões pessoais
acerca dessa materialização de sua transitória personalidade aparente, e
chegará ao momento em que, trocando de roupa ou não, fará aquilo que
quer, que lhe dá vontade.

Veja: Não busca o homem fazer sempre a sua vontade, em todos os


momentos? Ou seria o homem alguém de princípios? Analisemos. No caso
mais ordinário, é ao homem posto um dilema. Se escolhe permanecer com
a roupa, por que gostou e quer usá-la, mesmo sabendo a opinião
contrária de quem opinião importa, por que a ele interessa mais
"desagradar" a pessoa e sentir-se como quem segue o que pensa. Porém,
se as opiniões contrárias sobre sua vestimenta começar a aumentar, de
modo que todos passam a olhar com desgosto quando passa ou até
mesmo revelar-lhe de que não gostaram de modo algum da roupa, então
caberá ao homem duas coisas: continuar usando, para afirmar-se, ou
trocar, para que de outro modo afirme-se à eles. Veja, não age com
maldade as pessoas que o cerca. Não pensam: "vamos nos unir e
desmerecê-lo", apenas dizem o que pensam; podem estar todos errados
também. Entretanto, por pensarem de maneira surpreendente para o
nosso homem, então este vê-se encurralado, de modo que a maioria

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prefere trocar de roupa à fazer novos amigos ou convence-los; No fim,
acabou por fazer, tanto nas duas possibilidades, uma escolha totalmente
individual e egoísta.

Encaremos agora um dilema mais profundo: Deus. É certo que a maioria


diz partilhar de uma fé num Criador, e além disto também é pessoal, de
sorte que escuta nossas orações e atende nossos pedidos. Dentre os que
creem, há diversas variações, mas é certo que muitos creem (ou dizem
crer) nesta definição. Pois bem, não seria o homem totalmente egoísta por
crer em Deus, e acreditar por que quer, e segui-lo por que quer? Veja, o
homem racional faz escolhas extra-naturais, de maneira que obviamente
perguntará a si sobre os motivos de existir, por que é natural ao homem
entender. Uma vez que possui consciência, consegue ver-se e maravilhar-
se de sua existência, e pergunta se há uma mente por trás disto, de
maneira que, se uma mente humana consegue criar uma casa (casas não
aparecem sozinho), um carro totalmente complexo (carros não se criam
sozinhos), então é certo que uma mente ou coisa parecida criou essas
coisas (essas coisas não surgem sozinhas). Ao perguntar-se, encontra
Deus na resposta, de maneira que a maioria busca pelo Deus dos
cristãos. E, ao deparar-se com a entrega, com o amor ao próximo sobre o
seu, com a dor, e sobre perdoar os inimigos, ou seja, tudo que parece ser
anti-egoísmo e mais bem-estar social, pensa o homem achar um caminho
totalmente novo e separado. Engana-se, por que trata-se de uma doutrina
totalmente individual e que parte unicamente da vontade (ou não) do
homem de praticá-la. Em todo o momento, deve ao homem fazer a
vontade de Deus, de sorte que só esta agrada-o o coração. Ao fazer a
vontade Dele, faz a sua também, por mais que algumas ações ou
pensamentos sobre a realidade não agrada-o no começo, há algo que
busca o homem que transcende todos esses caprichos. Parece-me ter feito
Deus o homem egoísta e movido de vontade justamente para encontrá-lo.
Imagine se fossemos naturalmente altruístas? Certo que sempre
agiríamos sem consciência, ou seja, como animais, e não parece-me ser
este o desejo do Criador. Veja, o altruísmo é agir de maneira que entende-

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se correta ao próximo, querendo agir assim ou não. Se quer, age bem,
mas também age pela própria vontade, ou seja, age por que é certo e por
que quer, sorte que quis agir certo para agir certo. Se agisse contra a
vontade por que entende ser o certo a se fazer, então não quis agir certo
mas agiu certo. O que faz o homem agir certo? Sua consciência moral,
Deus, ou as forças da natureza? Se Deus, então é certo que o homem não
tem livre-arbítrio nenhum, e o determinismo puro é verdade, de maneira
que nem precisa terminar de ler este livro, por que seu fim já se encontra
feito; As forças da natureza, ou seja, instinto? O instinto natural é
egoísta. Resta-nos a consciência moral: Só esta é capaz de agir conforme
dilemas. Se não a tivéssemos, agiríamos sempre controlados por outra
coisa ou entidade. Então é bom que tenha o homem egoísmo e vontade de
agir, entretanto, muitos usam deste artifício divino para caminhos
tortuosos, de maneira a não cumprir aquilo que é objetivamente bom.

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CAPÍTULO 6 | O HOMEM E A BONDADE

Vimos que age sempre o homem de modo egoísta, de modo que agir de tal
maneira, per si, não é objetivamente errado ou de ma fé; é o egoísmo uma
ferramenta, um meio, para determinado fim que então poderá ser maléfico
ou benéfico. Entretanto, o homem confunde esses caminhos, e engana-se
pensando ser egoísmo = maldade e altruísmo = bondade, quando na
realidade, como demonstrado é o inverso. Somente no egoísmo mais pleno
e ideal é possível que poderia agir o homem com sua consciência e
vontade para o bem, de maneira que também poderia usá-lo para o mal,
mas certo que no altruísmo age o homem sem consciência, por sê-la
impossível. Tendo em mente todas as etapas em que enfrenta o homem,
desde a gênese de uma nova coisa até agora, poderia então o homem agir
corretamente? Afinal, há então bondade para que possa o homem agir?

No plano físico per si não há, por que não há nada na matéria em si que
possa haver a substância da bondade. Entretanto, se conectarmos o
mundo físico, onde manifesta-se os planos metafísicos, então haverá uma
bondade, de modo que a interação de matéria entre matéria por si não
tinha valor, porém há nelas algo que agora as dão. Esse algo é a verdade.
A verdade descreve aquilo que é, e o que não é, não pode ser. Então,
contar uma mentira, ou o ato da mentira, que é descrever/agir conforme
aquilo que não é, não pode ser bom.. nem mal. Portanto, não pode ser boa
a mentira. Só a verdade é boa, na medida em que a verdade é a própria
manifestação das coisas que existem, e todo o ser existe para um
propósito (a semente que nasce, a abelha que poliniza, a terra que dá
alimento, etc) e, se existem para um propósito, então são fruto de uma
"mente" que as projetou, e esse projeto e tudo o que existe é a própria
manifestação do desejo deste Criador. Se existimos e tudo o que existe
*existe*, e o que existe é a própria bondade, então o Criador criou a
bondade; e as coisas que não são: a anti-bondade, não é criação do
Criador, ou seja, o Criador fez somente bondade, o projeto, que é o que
existe, e agir conforme a não existência é agir, por definição, contra a

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bondade. É então: tudo que há de bom, é a verdade; tudo que não é, anti-
bondade.

Entretanto, não pode a bondade ser "aquilo que é por nós desejado", por
que se é isso, e como os homens desejam coisas diferentes e conflitantes,
esta última por si anula a ideia da relativização da bondade individual,
por que, eventualmente, a bondade de um indivíduo será conflitante com
a bondade de outro, ou seja, será a bondade X e 1/X ao mesmo tempo, e,
sendo bondade sinônimo da verdade, é então, nesse ponto de vista a
verdade anti-lógica. Se a bondade não é algo que se possa relativizar,
então há ações em que age o homem corretamente objetivamente, e, por
mais que a culpabilidade está ligada ao ato de consciência do indivíduo,
também não se pode dizer que por isso pode agir o homem sempre como
quiser sem um pleno ordenamento racional e deste modo não agir de
maneira incorreta. Há no ato a incoerência, que é por si anti-lógica
portanto incorreta, de maneira que age o homem mais ou menos
conforme os ensinamentos morais que são a ele passados, que são
experimentados pela consciência e digeridos de maneira própria, e haverá
de agir conforme estes.

Há na sociedade essa relativização da bondade comumente apresentada


como sendo uma espécie de lógica-empírica, onde se obtém não só o
conhecimento das coisas práticas como também das somente
compreendidas pelas razão! Como se até mesmo a matemática e a lógica
estivem submetidas ao teste e as provas científicas... parece não haver
mais no homem urbano um entendimento das coisas que são; parecem
ser hoje e não ser mais, e não é de se espantar que, se podem trocar até
mesmo o sentido de uma coisa tão lógica e absurda como esta, também
podem com as palavras. Nunca se viveu numa época em que as palavras
trocaram tanto de essência. Todo dia elas valem algo, simbolizam algo,
perdem o que são, e tornam-se o que serão. Quando se perde o valor em
coisas que tem valor, então estão todas as coisas submetidas às ordens
dos mais fortes, de modo que vive o homem então, preso e dentro de si
buscando pela "sua verdade", de sorte que nunca a encontrará por não

19
haver verdade relativa. Poderá a encontrar, porém, por sê-la objetiva,
acabará encontrando uma regra universal, que é como demonstrado a
própria verdade.

20
CAPÍTULO 7 | O HOMEM E A DEMOCRACIA DE MASSA

Poderia então o homem seguir os caminhos da bondade se esses não


fossem apagados pela relativização da moral, que é típico da democracia
de massa. Nela, age o homem de maneira a subverter-se aos desejos de
uma suposta maioria de pensamentos dominantes, onde se lhe é
totalmente excomungado de sua individualidade. E não só por uma
maioria; há diversas situações onde as decisões tomadas são realizadas
por plebiscitos é um determinado represente ou ideia vigente corresponde
a 1/5 ou 1/6 da população, porém, por ser a mais indicada, realiza-se.
Não teríamos esse problema se todas as coisas tivessem propriedade, de
maneira que seus respectivos donos já seriam conhecidos e o problema de
alocação de recursos estaria encerrado. Porém, poderiam queixar-se sobre
suas situações mais amenas, ou da sua restrição de bens e até de mesmo
de liberdade, uma vez que esta é sinônimo de propriedade, entretanto,
não poderiam reivindicar algo que lhes não pertencem, e é aí que entra a
democracia. A democracia é a sujeição da propriedade pelo voto, de
maneira que perde-se uma das lições morais (o que se é bom), onde
surrupiam-se a verdade em favor de uma coletividade forçada. Veja: não
há mal em os homens se unirem e decidirem as coisas da cidade, porém,
quando a alguns deles não se é dado a escolha de não participarem, visto
que ameaçam suas propriedades, então a própria comunidade já não se
sustenta num dos pilares da moralidade. É um sistema de vaidade,
puramente trapaceiro e anti-ético, que, por exercer seu domínio primeiro
militarmente, em seguida convence aos homens como se fosse a única
maneira de resolução do conflito, e então convence-o a insistir e acreditar
que 2+2=5. Quando esse instrumento já se formaliza como verdade, então
os próprios homens revoltam-se em qualquer tipo de resolução não-
democrática ou até mesmo anti-democrática, de maneira que a legalização
da tomada de propriedade alheia por um sistema que já é corrupto por
essência torna-se uma regra culturalmente aceitável, então vingam-se por
estes não usarem dos métodos erroneamente estabelecidos, e encara-se
qualquer atitude não democrática como "intrinsecamente errado", quando

21
na verdade é o contrario: A sujeição das coisas, não só materiais como
também morais do homem mediante um instrumento onde todos brigam
para tomar as coisas entre si, e não por meios de troca, é por si anti-
humano, e é certo que comportamentos deliberados nessa ordem
subverterá o que há de mais elevado e sofisticado no homem, e fazer com
que se desfaleça o principal âmbito moral de uma cultura. Não que as
trocas voluntárias sempre acarretariam em uma sociedade imediatamente
realizada e feliz, de maneira que aqueles que já detém grandes
propriedades sempre levarão as vantagens iniciais, entretanto, incuti-los
a resolverem os desejos daqueles que menos tem, de maneira a cerceá-lo
das grandes propriedades para satisfação de uma massa, e, por este
método ser essencialmente errado, nunca encontrarão a pacificação e o
equilíbrio de vontades. Jamais chegarão ao fim, que é a materialização da
verdade.

Vê-se então o homem levado por qualquer tipo de doutrina, uma vez que
já se relativizou-se as principais verdades acerca de si, e, não só isto, mas
também incutiram-lhe uma reinterpretação deturpada das coisas mais
fundamentais, as coisas que, se não forem bastante claras, o homem não
conseguiria então raciocinar sobre a realidade que o cerca. Essa nova
roupa em que vestiram os conceitos básicos, que são: A espiritualidade, a
consciência de si no mundo e a reformulação do ordenamento jurídico. A
perversidade ocasionada nessas partes sem as quais o homem
simplesmente não vive como indivíduo e sim como uma massa coletiva
sem raciocínio próprio alteram totalmente a percepção deste para com
tudo de mais importante; sem uma clara explicação da doutrina religiosa
que segue, esta pode ser usada, tanto para espoliação econômica do
homem, tanto política, afim de, na mais vil das intenções, alienar-lhe à
um determinado caminho, como se fizesse a escolha voluntariamente,
sem mostrar-lhe ou até mesmo censurar qualquer um que mostre-lhe
uma outra alternativa para aquela questão; se o homem não tem
consciência de si, do que é, do que faz, do que deve fazer e do que não
deve fazer, facilmente é para este receber qualquer ordem ou instrução de

22
terceiros, de maneira que a maioria, por exemplo, seguem as leis por elas
serem puras e simplesmente leis. Seguem-na por si, e não conseguem
sequer raciocinar sinceramente do que por que segui-las ou não. Apenas
acreditam que é o certo a se fazer por que elas existem; Dando uma nova
interpretação acerca do regramento político, pervertendo o significado de
palavras-chave, como direito, vida, liberdade, democracia etc, o homem
político obtém apoio necessário para estabelecer-se sobre os homens
comuns, de modo a fazer-lhes agir de determinadas maneiras apenas por
ouvirem uma única palavra, por exemplo, democracia. Essa palavra
comumente tem o poder de significar liberdade, razão, certeza, ou até
mesmo "o modo certo se resolver as coisas", que já demonstrado aqui ser
totalmente o contrário. E esse novo ordenamento jurídico consegue se
estabelecer principalmente por um elemento chave que é natural do
homem social: Viver e trabalhar em paz. O homem geralmente procura
uma vida simples, onde o fruto do seu trabalho possa além de satisfazer
as necessidades básicas mas também possa-lhe suprir alguns desejos a
mais, geralmente não muito exacerbados, de maneira que não quer o
homem refletir muito sobre política, por que na gênese sabe que política
não resolve nada! Entretanto, ao usar dessa natureza voluntária e
pacificadora do homem, o ser político então subverte o sentido de tudo
aquilo que representa, de maneira a blindar-se com o alfabeto, impedindo
o homem de conseguir pensar realisticamente sobre ele, e, como já não é
natural do homem se preocupar com isso, em tentar descobrir algum tipo
de mistério ou algo além do necessário, não se esforça o suficiente para
enfim entender da real situação que está.

Por todos esses motivos é levado ao homem o domínio, de maneira que


agora vê-se pertencente de um corpo que já não é mais seu, e sim, um
corpo único, onde as decisões artificialmente convergem para uma única
direção, uma vez que foi-lhe tomada toda a individualidade, e agora age
quase que coletivamente em sua totalidade.

23
CAPÍTULO 8 | O HOMEM E O AMOR

O último tropeço do homem recai sobre o amor; este que é a forma da boa
vontade, suplanta-se num coração frio e mecânico, de maneira que perde-
se no homem toda individualidade e vontade de ser. Entretanto, não cabe
ressaltar o ódio em separado, por não sê-lo diferente do amor; não é o
contrário de ódio o amor, e sim, a indiferença. A escassez de autonomia e
de vontade. No homem contemporâneo, todas as formas de interpretação
do amor são subvertidas e relativizadas, e é certo que o mal deste século,
antes de ser a ansiedade, é a falta de verdade, por que é certo que todas
as coisas têm sua causa e seu efeito, sendo a relativização de tudo, que é
por si só a transformação dos conceitos tradicionalmente verdadeiros por
um falso epicurismo moderno exacerbado, que ilude ao homem ser
completamente são de si à todo momento, como se fosse uma máquina de
pura razão e controle emocional, o que, logicamente, não é verdade. Já no
começo das grandes cidades urbanas, viu-se crescer assustadoramente a
taxa de suicídios, e mais ainda hoje, pela relativização. Antes, via-se o
homem certo de seu destino porém preso por oportunidades; agora, vê-se
o homem cheio de oportunidades, porém preso em seu destino. Há mais
de tudo, e tudo falta. Multiplicam-se os pais, perde-se a fome. Cria-se
demanda, falta oferta. Em tudo há excesso, e isso é maravilhoso, mas por
não saber lidar com o espanto de oportunidades, vê-se o homem refém de
si. Creio que, se há um fim para isso tudo, e há, é certo que não é num
emprego de século 21 que encontrei o sentido da vida, nem numa nova
atualização, ou tanto faz; se há algo além, é certo que o nosso destino é
para lá, pois é natural do homem a busca pela verdade. Não mais hoje se
vê disto, de sorte que o homem está contaminado pela busca de meios
infinitos para um fim jamais certo para si. Falta o amor, a essência que
move e não se é movida, a causa motora da existência, o berço afago, as
rodinhas da bicicleta, e a câmera que registra a primeira caminhada
autônoma em duas rodas. Amor é o ato de tentar trazer o eu de outra
pessoa para mais perto de si, porém, nunca o alcança, de maneira que só
é o corpo um rascunho de manifestação da essência da existência, por

24
isso é o amor uma constante, uma infinita entrega de corpos, não só entre
humanos, mas para tudo. Perceba o homem que ama carpintaria: ao
finalizar um trabalho, não disfarça o sorriso; busca abraçar o projeto, não
cansa de olhar, de sorte que magicamente jamais entedia-se disto. Amor.
É ele mesmo a prova da existência de algo superior, por que parece-nos
ser infinito, de maneira que só pode ser algo infinito se existe o espaço
infinito para que possa sê-lo, e é ele mesmo que, sem perceber, atiça no
homem uma eterna vontade de existir, e de conhecer a verdade por meio
desta. E é esse sentido que perdeu-se no homem. Agora, o instrumento da
finalidade, da existência, do rumo da vida será, eternamente, um
emprego. Note: eternamente. É sim o trabalho um meio para um fim, mas
na sociedade urbana, onde permanece a cultura do diploma por diploma,
do concurso por concurso, ou do dinheiro por dinheiro, é certo que não
encontrará um fim firme e permanente, já que o busca em coisas finitas e
mortais, nos deuses da matéria. Por todos os motivos já passados, o
homem, agora sem amor, sem verdade e sem vontade, só vê uma escolha:
arrumar um emprego qualquer, casar-se com alguém que não ama, ter
filhos que não planejou, queixar-se diariamente do trabalho, trair e ser
traído, dar péssimos (ou nenhum) exemplo aos filhos, e arrepender-se de
tudo no fim da vida. Este é, indubitavelmente, o fim do homem, que fez-se
refém da própria consciência, selou as portas da própria cadeia, jogou a
chave fora, e agora encontra-se totalmente animalizado, não age com
consciência e sim por puro instinto, um instinto social, vive determinado,
e a falta do controle faz o homem ser guiado por qualquer outra coisa,
menos a si.

É agora o homem escravo da sociedade.

25
O HOMEM NA SOCIEDADE
CAPÍTULO 9 | O HOMEM E A POLÍTICA

Partindo então da primeira parte deste livro, concluímos o que já então se


sabia sobre o homem moderno: A maleabilidade das relações. O mundo
líquido que dizia Baumann, causado então por uma série de fatores
destacados nessa primeira parte. Sendo a primeira parte teórica, esta
segunda nos servirá como uma consequência prática de suas causas,
para que se possa entender, de fato, qual a real situação do homem
moderno hoje.

*******

Relembre do homem descrito nos capítulos anteriores: Sem autonomia,


sem individualidade, anseios e sonhos que são quase que ditados
coercitivamente sobre ele, totalmente acomodado, não desejoso em mais
saber a verdade e um relativista moral, até mesmo os mais conservadores
são, quando se trata de questões fora da religião (e até mesmo dentro
dela!). Consequentemente, todos esses atributos só poderão (e vão) causar
um homem que: pensa a curto prazo, acredita seguir uma moral objetiva,
sem esperança, decisões não econômicas, inveja, perca de humanidade.
Todos esses atributos são perfeitamente manuseados em prol do
mantimento da burocracia estatal, na forma de fazer política. Como
destaca o sociólogo alemão Franz Oppenheimer, há uduas maneiras de se
adquirir riqueza: O meio econômico, onde se realizam as trocas
voluntariamente, e o meio político, onde se é preciso usar a força para tê-
las. É então no meio político onde há no homem incentivo para agir de
forma a adquirir propriedades pelo meio onde não deve-se desprender de
decisões arriscadas e passíveis de falha. Entretanto, como a maioria dos
casos trata-se de uma democracia, então há uma competição natural
entre os homens para preencher os cargos, e, em como todo livre
mercado, os produtos tendem ao menor preço e maior qualidade, uma vez
que há uma maior tendência de oferta no mercado, o que naturalmente

26
ocasiona uma melhor qualidade nos serviços, também é diferente na
política: Aqueles que melhor satisfazem os desejos de uma maioria
ganhará a sua recompensa.

Não que todos os políticos pensem exclusivamente na espoliação e


subversão da sociedade, porém, a própria democracia possui uma forma
que realça os pontos negativos do homem e impossibilita os positivos,
como, por exemplo, no pensamento de curto prazo. Uma dos meios
usados para chegar a essa classe privilegiada é a saturação dos homens
quanto à política, pois a grande maioria acredita serem um bando de
ladrões sujos e mal intencionados, por que, deste modo, se todos são,
então que se eleja um que pelo menos asfalte a rua do meu bairro; de
modo que é bom pensar assim sobre a política, porém pensam, e é aqui
em que está o ponto principal, a jogada. Os homens (até mesmo alguns
políticos!) pensam que políticos são bandidos por não saberem usar de
maneira correta o dinheiro público, entretanto, é justamente o contrário,
o são justamente por manusearem "legalmente" o dinheiro público. A
exclusividade de realocar recursos alheios é totalmente falseada por uma
pseudo-legitimidade provinda do voto de uma maioria, que pode decidir,
inclusive, como remanejar recursos de outrem. Perceba que é muito mais
grave do que se pensa os homens: não é apenas um dinheiro desviado do
hospital, da educação, é antes desviado dos próprios homens! É aí que
começa o crime... o que se sucede é apenas uma quebra de promessa
sobre não ter desviado "corretamente" o dinheiro de uns para mantimento
de outros. E perceba que não encontra resposta o homem se não esta:
"Mas é deste modo que se fazem as coisas." Isto acontece por que foi
tirado do homem todo e qualquer senso de justiça verdadeira, surrupiada
por um relativismo moral, que facilmente corrompe os mais crédulos e
tradicionais. O homem pensa de maneira a por os métodos práticos por
sobre os racionais e justos, de sorte que o faz por tanto tempo que é como
se algumas questões fossem cláusulas pétreas em seu DNA. Então, é
conduzido o homem a colocar no poder aqueles que prometem causas
extremamente pontuais e de resolução rápida, de maneira que em poucas

27
ocasiões isto não acontece, como por exemplo, algum político que por
algum motivo ganhou tanta fama nas vésperas das eleições, que nem
precisou-se lançar promessas, ou o caso daqueles que são levados juntos
sem ter um único voto, etc, porém, a tendência é esta. Há também nesta
relação líquida um outro fator que, infelizmente, mantém a confiança no
Estado e na democracia, mas serve para estremecer um dos pilares do
mal hábito que são as políticas de altos gastos, pensamento de curto
prazo, estatização ou excessiva regulamentação, inchamento da
burocracia, etc, pois o discurso de moralidade política (moralidade em
roubar dinheiro?), de enxugamento na prestação dos serviços públicos,
etc, costuma contrabalancear com a tendência dominante da democracia,
uma vez que o ciclo do populismo de gastos sempre se esgota, dando
espaço para o populismo moral, do bom uso do dinheiro do povo, etc.
Entretanto, quando houver o menor sinal de recuperação, principalmente
econômica, então volta aqueles que prometem uma maior socialização dos
recursos, e assim sucessivamente.

É então essa relação líquida a mais atuante e principal réu das causas
que assolam o homem, principalmente no mundo moderno, que serve
como uma espécie de retroalimentação das características mais vis do
homem, que faz com que ele pense ter autonomia, quando, na verdade,
quanto mais pensa isso, menos realmente tem.

28
CAPÍTULO 10 | O HOMEM E A ANSIEDADE

Certamente que a massificação dos interesses da sociedade urbanizada


gera também um certo padrão de comportamentos aceitos, como também
a maneira que são empreendidos, tanto em suas ações individuais como
também nas relações sociais. E é claro a repentina mudança ocorrida no
método como é realizado essa aproximação natural de corpos que se
atraem não apenas fisicamente, também metafisicamente, porém, com o
advento da intensa necessidade das coisas, de maneira que as
oportunidades crescem, que consequentemente também faz crescer os
desejos, de maneira que o ciclo se retroalimenta: os desejos aumentam as
possibilidades; maiores possibilidades aumentam os desejos. Com a
evolução e aperfeiçoamento do sistema de propriedade privada e respeito
às liberdades individuais, os homens então puderam desenvolver este
ciclo, de maneira que não só cresceram apenas as vaidades e anseios por
joias mais caras, entretanto, foi por causa do misto destas duas
conclusões que o homem teve uma maior autonomia e desenvolvimento
pessoal, de maneira que a eficácia da produção de cada um, empregando
tempo no que melhor produz, pôde então trocar esse excedente com
aquilo que ele desejava, de alguém que o produzia, por que era isto
também o que melhor fazia, e assim por diante. Este sistema nunca
funcionou em sua ideia na totalidade, mas é certo que a tendência de
uma sociedade urbana busca este modelo. Entretanto, atrelando o
aumento da produção, que consequentemente fez o homem trabalhar
menos e produzir mais (não que em muitos lugares trabalha o homem
apenas 8 horas ao dia, porém, produz o homem cada vez mais com menos
tempo, de maneira que o poder de compra aumenta com menos tempo de
trabalho), certo que se antes era necessário que todos da família
trabalhassem 12 horas por dia para a quase subsistência, hoje facilmente
um pai com ensino superior sustenta, com excelente prazer, sua família, e
a possibilidade dos filhos de serem sustentados por mais tempo cria uma
realidade onde há tantas possibilidades (por que agora pode o homem
sonhar com mais caminhos possíveis), onde o caminho dos filhos são

29
infinitamente mais fácies de tomar, em que o homem perde-se em suas
próprias decisões, no chamado paradoxo da escolha. Isto ocorre por que é
natural do homem sempre tomar a melhor decisão em menor tempo
possível, e é neste motivo em que vê-se ansioso e com uma sensação de
desilusão, paralisia, por que optou por uma dentre várias opções e só em
seguida descobre que perdeu seu tempo numa decisão não tão boa. Esse
sintoma agrava-lhe pois, quanto mais opções possui, maior deverá ser o
marketing, investindo mais na parte emocional, pois esta atrai mais
rapidamente o homem do que numa decisão plena e racional. Essa
ansiedade transporta-se para fora, de maneira que atua na forma de uma
personalidade que age principalmente nas relações afetuosas, certo que a
interação entre esses dois indivíduos possui cada vez mais características
singulares.

As relações duram cada vez menos. As opções crescem, as possibilidades


aumentam e a consequência é um aumento na idealização vs realidade,
de maneira que, como no exemplo dos produtos, usam as pessoas
atrativos cada vez mais fantasiosos e menos próximos daquilo que é real.
O mundo das ideias nunca ficou tão próximo da realidade. Deste modo,
criam-se as redes sociais, que amplificam estes ideais, de modo que
escondem-se na máxima imaginação de si, de maneira que engana-se e
enganam-se os homens por pensarem que já o são daquela forma, e, ao
descobrirem que novamente perdera tempo com algo que era vazio de si
angustiam-se. Por ser natural do homem fugir do desconforto de refletir,
de pôr a prova suas convicções, suas vontades morais, para preencher-se
de prazer e ilusões, é natural esperar que vivam boa parte de suas vidas
idealizando, e essa é a sua maior reclamação. Sabe que idealiza demais, e
acaba perdendo-se. Por poder transparecer quase que em sua totalidade a
experiência e aparência que nunca tivera num Facebook por exemplo,
consegue até mesmo enganar-se de si, de maneira que pensa ser
extremamente charmoso como na foto de perfil, bom de papo como é
digitando, etc, dando espaço para a angústia assim que encontra
pessoalmente esse alguém. É isso natural do homem urbano, por ser uma

30
tendência do homem integrar-se nos valores já manchados desta. É
retroalimentado.

A angústia é a característica chave deste homem, e parece não querer


livrar-se disto, de maneira que não possui bases sólidas para agarrar-se
no descontentamento. O vê como uma falha, entretanto, por agora querer
prezar por algo mais próximo do real, não; sua busca agora é por algo em
que a idealização da própria coisa é materializada na realidade. Por isso,
sempre chateia-se.

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CAPÍTULO 11 | O HOMEM NAS RELAÇÕES SOCIAIS

O fardo incutido na sociedade urbana de uma vida profissional acima da


média, geralmente vinculada à uma formação superior, influência o
homem moderno a adaptar-se, a escolher por diversos caminhos
previamente selecionados e satiriza qualquer anseio por uma vida simples
longe das grandes cidades. Parece agir o homem de maneira instintiva,
como se fosse um instinto urbano-burocrático, em que as atitudes,
pensamentos, ações práticas e o que sobrou de uma reflexão direcionam à
um caminho extremamente formalizado, vazio, cujo único e
exclusivamente único objetivo é multiplicar os bens materiais de uma
população, trabalhando em conjunto porém sem integralização emocional:
apenas trabalho unido. Foi então tomado o homem pelo método científico
de eficiência cega, ignorando os desejos e vontades e, antes de tudo (em
muitos casos) a ética e a moral, passando por cima de qualquer senso
humano em prol de uma falsa vida melhor. O único caminho para a
bondade é a através da verdade.

Quando torna-se difuso este pensamento, alguns poucos homens, que


passam a refletir mais sinceramente das verdades deste mundo, ao
perceberem isto, apavoram-se. Não querem fazer parte de uma mesma
coisa, e notam que parece haver algo que os direciona homogenicamente à
um mesmo caminho. Pela estranheza, primeiramente se afasta dos meios
tradicionalmente sociais; nasce em si gostos e formas de beleza que
jamais pensaria desenvolver, e finalmente, fecha-se para um mundo cada
vez mais criativo e menos formal, investindo seu tempo em música, livros,
pinturas, etc. Entretanto, se por essa mera reflexão não encontrar o
homem a paz interior e condenar o mundo ao fracasso e pessimismo
absoluto, de maneira que (mesmo que não assuma) agirá e pensará ser
superior intelectualmente sobre os outros. Certo que, por um lado, coube
o homem refletir sinceramente pouco mais do que a maioria, entretanto,
por si não há mérito; é necessário pensar sinceramente e encontrar a
sinceridade. Uma verdade incompleta continua sendo verdade, mas

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assumida como absoluta leva o homem à uma rua sem saída.

Deste modo, apetece o homem dos mesmos males da modernidade,


principalmente da ansiedade provinda da falta da completude da verdade,
que o atinge (como é de praxe naqueles que menos ou nada refletem
pessoalmente) nos relacionamentos mais pessoais. Perceba a postura
desses que possuem uma visão parcial da verdade: Uma pessoa que
partilha dos mesmos gostos específicos que os meus; que todo dia, sem
falta, tenha uma excelente conversa, extraindo do acaso vontade e
criatividade para interagir comigo; esteja sempre visualmente espetacular;
sempre presente, para que o sentimento de solidão não me atinja. Ou
seja: A idealização instantânea em ato contínuo. Não há espaço para
falhas, para uma roupa mal escolhida, ou que ele/ela não goste
exatamente da mesma posição político-ideológica que a minha. É
exatamente a supressão de humanidade da tão planejada sociedade
autônoma e plenamente consciente de si, onde infelizmente opta o homem
por esse caminho da pior forma que é a voluntária, ou seja, escolhe agir
assim. Cada vez mais é assim, de maneira que os refúgios encontrados do
tão cinza e sem graça mundo urbano é justamente algo que os supra por
completo a ainda não extinta necessidade de um relacionamento sério.

Há então a necessidade de um caso amoroso que crie raízes


imediatamente, como em tudo deve ser. Confunde o homem o mundo
moderno das interações econômicas formalizadas e esquematizadas nas
relações pessoais por enganar-se com a falta de uma personalidade fixa
(citado na primeira parte) em que busca o homem alguma semelhança de
gostos que não fazem parte de sua intrinsecabilidade humana. Perde
então a necessidade natural de uma completude amorosa duradoura para
preencher-se de afetos biológicos imediatos, mas frustra-se, por que
confia que nos instintos mais pueris e animais encontrará a razão para a
ausência de sentido. Os desejos do homem são pela verdade, mesmo que
inconsciente, por que é isto que está, naturalmente, encravado em si.

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CAPÍTULO 12 | O HOMEM E SUA NOVA FORMA DE PENSAR

A razão prática do homem inclina-o a pertencer em certos tipos de


crenças e comportamentos entendidos como justos e verdadeiros, de
modo que, no seu entendimento, guiar-se por outros caminhos
previamente entendidos como falsos causa-lhe desconforto, e a tendência
é sempre esta. Obviedades a parte, uso dessa simples afirmação para
partir mais adiante no pensamento. Se há essa tendência, é certo que
quanto mais rígida e punitiva e quanto mais dedicados e fiéis a doutrina
os primeiros criadores dela forem maior será a preservação desta cultura.
Entretanto, uma cultura um pouco mais flexível, quando nela aplicada a
relatividade de todas as suas verdades, quando tratam-na como inferior
ou abusiva e incutem aos homens pensarem como os relativistas querem,
transformando a cultura num instrumento a serviço deles, é certo que os
caminhos aleatórios tomarão conta e viverão os homens subjugados até
em sua forma de pensamento. Surgirá então aqueles que resistirão à
progressiva ou repentina ação contra a cultura geralmente dominante,
quase como uma brecha de demanda no mercado de ideias, entretanto, a
homogeneização forçada já estabelecida nessa cultura alterada em certos
padrões de pensamento na maioria das vezes atinge também os grupos de
resistência, de maneira que a forma do pensar (já contaminada) não
consegue voltar à essência da cultura que eles mesmos tanto lutam para
preservar! Em outras palavras: A representação máxima de oposição joga
nas regras criadas pelo próprio dominador.

Esta subversão costuma ocorrer lentamente, para que se aprofunde as


transformações no seio da sociedade de maneira sutil; uma nova
interpretação de uma passagem bíblica, por exemplo; a emancipação de
movimentos contrários, sempre blindados com uma falsa áurea de
legitimidade. Para tal, não é necessário criar uma nova coisa, uma nova
religião, uma nova moeda, etc, uma vez que se necessitaria de muitas
pessoas, muito dinheiro e muito poder político, e consequentemente toda
a estrutura se desfaleceria. O maior poder dos relativistas não é subjugar

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a sociedade e sim, fazer com que ela subjugue-se. É claro que, quando
fora do controle agem de maneira coercitiva, entretanto, sua maior e mais
ativa arma sempre foi o convencimento, o que não lhes é difícil alcançar.

Para alterarem a forma do pensar de todos, até mesmo dos futuros


resistentes, antes de tudo é necessário a observação: Aqueles elementos
que constituem os principais pilares formadores da cultura não devem,
como uns imaginam, serem destruídos, ou perderem sua influência, por
assim dizer, o também não conseguiram; devem ser usurpados. Então,
usa-se de um elemento já aceito na maioria da sociedade: A de que a o
renascimento e o advento do Iluminismo foram o ápice da sociedade
guiada pela razão, liberdade e laicismo. Ninguém questiona a razão: a
razão é o método correto e longe de erros do homem guiar-se e guiar
outros... O que é verdade! Perceba: Uma grande arma dos subversivos é
partir de uma premissa correta. Porém, vejam a conclusão que geralmente
se assume. Por guiar-se pela razão, então aqueles possuem "mais razão"
devem governar, porém, o que é ter razão? Geralmente, vê-se nos mais
ricos e bem apessoados o pedestal da racionalidade, aqueles que possuem
sucesso, vitória, etc. Ou seja, subverteram o uso da razão lógica e prática
que transcende qualquer estética e vaidade para justamente a estética e
vaidade. Com isto, ou seja, nessa brevidade do pensar, acabam incutindo
aos homens não pensarem sobre uma das coisas primordiais de uma
civilização, que é o uso da razão. Agora, é a razão "Um jeito de pensar que
resulta sucesso", e não mais um instrumento de verdade. Com isto, os
governos racionais e cada vez mais planejadores começam a ganhar certa
legitimidade. Porém, não só isso basta: Além da legitimidade de governar,
é necessário a legitimidade para por em prática os elementos subversivos.
Para isto, apoiam-se no laicismo, que é: O Estado torna-se então neutro
nas relações religiosas, deixando-as para os indivíduos em si. Correto!
Não há legitimidade de incutir aos homens qual crença ou qual caminho
moral/religioso/vertente deve ou não segui-lo. Entretanto, usam dessa
defesa de neutralidade para regularem criminosamente as atividades
religiosas voluntariamente emergidas, como proibir o ensino da religião

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cultural nas escolas, ou proibir que professores façam uma oração antes
da aula, etc. Outra atitude é perverter o sentido de liberdade, atrelando-
na bestialmente à democracia, como sinônimos. Desta forma, toda decisão
não democrática é imediatamente rejeitada. "Democratizar a mídia" é dar
liberdade de acesso à todos à mídia. Seria talvez a pior arma deles, esta.
Deste modo, com a legitimação do Estado, do ocultamento religioso
predominante e da tomada das propriedades do homem sob essa forma de
governo, possui então todos os meios que necessitam para a subversão.
Nem precisam de fato estarem no poder. Torna-se como uma simulação
de computador: alteram-se modos primordiais de se pensar a vida por
falácias que enganam-se com a verdade. Com o tempo, a própria
sociedade, por terem sido alteradas a maneira como pensam, só
conseguem então chegarem a conclusões que os subjugarão no futuro,
tornando os agora resistentes da nova cultura como "inimigos do
progresso, da ciência, da razão", permitindo assim a ascensão (agora sim)
política, econômica e militar dos subversivos.

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CAPÍTULO 13 | O HOMEM E O CONSUMO DESORDENADO

As limitações de pensamento, postas previamente à prova e agora


substituídas por outras coisas que não a verdade sucumbem a nova
forma de pensar do homem moralmente aculturado, para um novo
formalmente moldado, ao passo que encontra-o totalmente fora do
alcance da verdade, nem que queria a encontrá-la; por não encontrar,
desiste, acostuma, desanima, torna-se um pessimista prático e supre a
essência da alma pela busca da verdade à outra dopamina biológica e
brevemente disposta a si através do consumo desordenado das coisas,
sejam-nas materiais, sexuais, sentimentais, etc. Talvez a consequência
chave do processo de subversão do homem da modernidade.

O que é consumo desordenado? É pôr os instrumentos de alcance da


plenitude da alma como fim e não meio. Ou seja, o que era um bom
emprego para suprir a necessidade corporal e dispor de certo tempo e
recursos para então adquirir o que lhe precisa para enfim alcançar a
verdade que lhe satisfará torna-se a própria finalização de si, e vive para o
serviço, carente de sentido; apenas algo que lhe traz a possibilidade mais
pacífica de se adquirir bens em que lhe é cercado. Certo que ao homem
não parece-lhe encontrar todas as verdades, por que certo que se todos
encontrassem sobre todas as coisas tornar-se-iam oniscientes e
igualariam-se à Deus, o que parece-nos impossível de ser, por ser uma
característica dos seres puramente metafísicos e perfeitos. Entretanto, há
no homem este eterno desejo, de modo que quando encontra as verdades
que o supre, vive bem, e dai passa o fim da vida procurando por outras
verdades como um hobby, como vontade. Quando passa o homem a pôr
os instrumentos sobre a obra (a verdade que o supre) que deseja alcançar,
certo é que jamais a alcançará, ou mesmo que a alcance, não saberá
diferenciar esta da verdadeira. Se considera o martelo mais importante
que a pedra sem-forma, só por que ainda não lhe tem a forma que precisa
para alcançar a plenitude, valorizando (loucamente) então o martelo,
então já se encontra fora de suas faculdades ontológicas: vive por viver, e

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não se tira a vida por que a fagulha da busca de sentido não lhe cessará,
enquanto o homem for homem.

A vida simples é desejada, mas não como uma rotina e sim uma semana
de férias; O trabalho que "paga as contas e permite um dinheiro pra sexta
e sábado" é almejado, mas quem o vive deste modo é considerado fraco e
abaixo da média. Todos esses pensamentos só indicam-me ser o homem
desejoso de tudo quanto não é da modernidade, para a mais natural, mas
não animalesca, forma de contentamento ante as questões que assolam o
homem desde que se fez na Terra, porém impedido de alcançá-la
justamente pela forma secular (referente ao século, ao agora) de ter que
resolver-se as tensões atuais que emergem justamente da busca do
homem pela "boa vida".

A então substituição das finalidades existenciais para um modo de vida


fundamentado nos meios e não nos fins geram necessariamente no
homem um desejo desenfreado pelas supressões do tão misterioso vazio
da alma por questões de curto-prazo, ao passo que a ansiedade e a falta
de sentido consumirá cada vez mais o homem por subjugar-se nesta
maneira relativista de pensar. Qualquer coisa valerá o mesmo que
qualquer coisa, afinal, tudo torna-se um ponto de vista, relativo à mente
de cada um. Tudo então perde o brilho e a objetividade, a verdade, e
sobrepõem-se a valorização das coisas justamente mais vazias de sentido
e mais cheias de suprimento do desejo do agora. Parece permanecer o
homem moderno preso neste ciclo.

38
CAPÍTULO 14 | O HOMEM E DEUS

Há várias outras consequências nesta nova forma do homem moderno,


entretanto, é mister que tome este capítulo como último e mais
importante.

A subversão de todos os valores sociais, seja econômicos, políticos, na


maneira como age o pensar de modo geral, de nada adiantaria se não se
alterasse a gênese de todo pensamento individual e natural do homem,
que é a crença no transcendente. Noutras palavras: Tirar Deus do
caminho. A rigor, já o tentaram em outras épocas, e hoje há um fenômeno
de renascimento dessas ideias anti-crenças metafísicas (embora ainda
sustentem, mesmo que não assumam, a crença no mundo físico em
algumas ocasiões) sobretudo anti-cristãs, causadas principalmente nesta
nova forma do pensar, mas o principal trabalho destes não foram o de
tentar confrontar a religião, por dois motivos: Os argumentos não se
sustentam, e mesmo que os ganhassem, teriam ainda de convencer
algumas centenas de milhões de pessoas. Como citado anteriormente, a
maneira como encontraram para subverter o pensamento de Deus veio
através da substituição do significado de específicas palavras sem as
quais o homem não conseguiria, sem um estudo mais aprofundado,
compreender a realidade que o cerca. Deste modo, juntando todos os
elementos citados na primeira e segunda parte deste livro, a tendência é
para que o homem não chegue à conclusão verdadeira do assunto e
permaneça satisfeito se sua opinião for condizente com o da maioria. Com
isso, eles conseguiram criar as bases para que o homem se confundisse
nas interpretações bíblicas, não a levando de maneira tradicional e sólida
(como se espera de uma religião que estabelece ideais objetivos e
intransponíveis) mas sim alteraram seu sentido, como se encontrassem só
agora, após milênios de anos de escrituras sagradas, alguma revelação
que nunca ninguém observou sobre Deus permitir que o foco de seu culto
seja voltado para seu "sucesso financeiro". É certo: Não que Deus deseja
que passemos fome na Terra, entretanto, perceba como uma simples

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alteração nas premissas transforma todo o sentido de uma coisa: "Deus é
o Deus da riqueza e da prosperidade. Salomão, abençoado por Deus, era
rico! O mais rico de todos.. Ele caiu pela vaidade, mas é certo que Deus o
queria bem afortunado. Por essas e outras, é óbvio concluir que não
precisamos nos focar mais na adoração sincera ou na leitura e reflexão da
palavra, basta apenas que sigamos os mandamentos e que oremos
pedindo o sucesso material." E deste modo, sutilmente e vestido de
religião nascem os surrupiadores. Estes, os piores subversivos, envolvem-
se de uma áurea moral, de maneira que ofendê-lo ou criticá-lo é motivo de
maldição pois "Ai daquele que tocar num ungido do Senhor!". Ou seja, se
ao menos houver uma discordância de pensamento, ou é por que o
demônio está causando confusão na sua cabeça, ou você está certo,
entretanto, se o tiver, e denunciar os atos hereges do sacerdote, por mais
errado que ele esteja, ele pelo menos "está falando de Deus" e seria
horrível se alguém quebrasse essa aliança entre pastor e igreja, não é
mesmo? Não, porém é deste modo que muitos pensam.

As consequências desta subversão são profundas, de modo que,


conquistando esta, não faltam-lhes muito para estarem no domínio dos
homens, de maneira que a maioria deles compartilham desta cultura. Se
a religião é transformada de um ato puramente de louvor pela graça e
testemunho da palavra, por sê-la uma verdade, para apenas um ritual
periódico onde o objetivo é apenas suprir uma necessidade emocional,
então perde-se o que há de mais valoroso no homem. É certo que a busca
natural do homem é pela verdade, e mais ainda por sê-la transcendente,
metafísica. É óbvio entender este fato pela simples observação do
comportamento humano, tanto em tempos atuais como de antes. Algo
parece não mudar: Por mais desejoso que seja o homem das coisas do
mundo, e muito mais agora, não vê-se completo com nada de que lhe
ofereça e a tendência é sempre de se arrepender das escolhas do passado
e entregar-se à Deus, seja no fim ou no decorrer da vida. O apego ao que
há além deste jogo de sentidos é o que o fascina, move, dá fôlego e acende
a fagulha inicial para que este realize seus planos neste mundo. Quando

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este sentido se esvai, vai consigo esta busca, e então, perde-se o objetivo
central e movente do homem.

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REFLEXÕES ACERCA DA VERDADE
CAPÍTULO 15 | CAPÍTULO ÚNICO

Finalmente, chegamos ao final desta investigação, e o que podemos


concluir? Será que o caminho do homem está perdido? Poderia voltar o
homem a sua gênese sem perder sua sofisticação? Existe algo para se
orgulhar de nós hoje? Para onde devemos ir? Antes de tudo, é necessário
entendermos das coisas essenciais, para que possamos enfim
compreender as coisas que as sucedem.

Primeiramente, há um fato importantíssimo que parece os homens


confundirem entre si, que é: A realidade é a descrição do ser; a verdade, a
descrição da essência. O que isto diz? Que há uma diferença entre o que
existe e o que é verdade. A realidade é um conjunto (ser) das coisas que a
compõem, que são a essência (verdade) e o acidente (corrupção). Sem a
verdade, a corrupção não poderia sequer existir, por obviamente não
possuir uma verdade para deturpar, como seu significado sugere.
Entretanto, sem a corrupção, a verdade continua existindo, e agora de
forma plena, de maneira que tornar-se-ia sinônimo da realidade,
entretanto, se entendêssemos que a corrupção jamais voltaria, o que é
pueril, pois a natureza de quem controla a mente consciente é falha,
noutras palavras, pecaminosa na raiz. Quando adota-se realidade como
sinônimo da verdade, então as coisas que simplesmente podemos
observar são tratadas, em última análise, como boas, pois verdade =
bondade, uma vez que é a verdade a própria propagação do efeito
proveniente de uma causa que (não me estenderei no assunto) só poderia
ser transcendente. Se a realidade, mesmo que não percebamos, começa a
ser tratada como boa, sendo esta o conjunto entre verdade (bom) e
corrupção (mal) então seria tudo o que está inserido nela meros conceitos
relativos, sem valor objetivo, intrínseco, metafísico, como tudo se tratasse
de algo puramente material, aleatório, apenas por que na primeira
observação parece ser assim. Então, passa também o homem a cometer
absurdos lógicos como: "não existem verdades absolutas", ou seja, a

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própria afirmação de uma coisa, que presume não haver uma objetividade
nas coisas veste-se disto para ter seu valor como uma verdade! Ou seja,
por esta frase concluímos o contrário: Existem verdades absolutas. Por
que, se a frase é verdade, se não existem verdades absolutas, então esta é
paradoxal, pois para que seja verdade é preciso que a própria afirmação
não seja; Se ela é falsa, ou seja, se a afirmação de que não existem
verdades absolutas não proceder, então, obviamente, poderíamos concluir
duas coisas: então podem existir verdades com tempo de duração, ou
todas as verdades são absolutas. Todas as verdades possuirem um prazo
de validade é incorreto, pois a própria natureza da palavra está ligada à
sua intrinsecabilidade. É, então, a corrupção uma espécie de descrição
temporal de uma coisa. Já que não é então a verdade e sim a realidade,
concluímos que é sim a verdade algo absoluto. Se a é, certo que existem
verdades intransponíveis inseridas na realidade, o que é belo, por que
podemos então nos aparar em estruturas inabaláveis como guia. Como
chegamos à verdade? Através da razão ou pela fé revelada. A primeira
compreende o método físico-metafísico, onde se faz necessário primeiro a
observação da realidade (físico) e a partir do conhecimento adquirido
racionalizar, ou seja, trabalhar com a mente (metafísico) para que se
extraia a verdade, separando-a da corrupção. A segunda, é puramente
metafísico-metafísico, pois compreende uma experiência entre dois
transcendentes, a mente humana (alma) e a mente de Deus. A segunda é
mais elevada, entretanto, não pode ser alcançada de um indivíduo
revelado à outro pelo método da razão, ou seja, pelo método físico-
metafísico, pela própria natureza transcendente; só se alcança de um à
outro se a primeira etapa do segundo método (ou seja, Deus) permitir, por
que até na primeira o mundo físico também "permite" ao homem conhecê-
la e em seguida racionaliza-la. O homem então deve buscar as verdades
mediante o uso da razão, observando a realidade e separando a corrupção
desta, entretanto, buscar através da oração a graça para que alcance as
verdades mais valiosas somente acessíveis pela fé.

**********

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Poderíamos então igualar a verdade com a lei? Por que é certo que algo só
se torna uma lei na medida em que se chega à conclusão da
intrinsecabilidade da descrição do objeto, por exemplo, as leis físicas. É
uma verdade que a gravidade sempre atrai os corpos para si, de maneira
que a observação desta e sua racionalização levaram-nos a constatar isso.
Se as verdades são também tratadas como leis, no sentido de ser uma lei
(ou pelo menos deveria ser) algo instransponível e atemporal? Por que a
lei é em si a descrição objetiva do objeto, e traz consigo a certeza de que
assim o será. A lei descreve a essência, a coisa sem a qual objeto deixa de
sê-lo. Poderíamos então constatar a existência de leis intrínsecas ao
homem, de maneira que seja lógica e não puramente romântica? Sim, e
há essas leis, as mesmas que são tidas como verdade no mundo físico
também o são ao homem. Soa estranho falar disto, como se houvesse leis
previamente "escritas" antes mesmo da existência de uma constituição,
mas o fato é que nem mesmo a constituição vale de algo: é apenas um
livro com rabiscos de tinta. Imagine se as leis físicas tivessem que ser
proclamadas por um governante? As pessoas achariam que, antes dele, as
coisas não caiam em direção ao solo, entretanto, elas caem e caem antes
de sua prescrição. Uma dessas verdades acerca do homem (que é a
verdade geradora das outras) é a do Direito Natural. Ela se dá a partir de
uma constatação muitíssima simples: O homem controla o seu corpo. É
óbvio também notar que o homem não é o corpo, o homem transcende
isso, por que se o fosse, e como sabemos que todo dia perdemos parte de
nosso corpo "original" e cedemos espaço à outros átomos que nos
preenchem (que inclusive podem ser átomos de outras pessoas!)
chegaríamos a louca afirmação de que "deixamos de ser-nos a cada
segundo", uma proposição que então assumiria uma postura relativista ao
homem, de maneira que já que não existe algo que faz o homem ser o
homem, se não há nele esta essência, então não poderíamos dizer com
uma certeza lógica de que ele possui coisas como liberdade, vida, etc.
Tudo então não passaria de puro átomo, desornado e sem valor, o que
parece-me bastante pueril em pensamento. Compreendendo então a
metafísica do homem, entendemos que é ela (alma, mente transcendente)

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que então faz uso do controle do corpo (físico, material) sendo a alma a
própria essência. Se isto é verdade, e toda verdade é objetiva e vale em si,
é então isto uma lei, não do homem, mas no homem. Entretanto, se
raciocinarmos um pouco, veremos que ela parece ser violada, por
exemplo, pelo Estado e uso contínuo de força militar, para coagir um
homem que possa estar vendendo algum produto "ilegal" como frutas
numa feira sem a devida autorização governamental, mas não é. Uma lei,
por sê-la, não é violável, entretanto, pode ser com que o objeto (ser) que
esteja aparentemente sendo violado esteja envolto de acidentes
(corrupção) como citado anteriormente. Por mais que algo esteja
totalmente corrompido, a essência ainda persiste por que, não não
houvesse de estar mais lá, então esse algo (que é a própria essência) nem
poderia ser corrompido. Noutras palavras: dizer que "algo está
corrompido" já pressupõe a existência da essência da coisa. Ou seja,
quando no exemplo anterior age a força militar do Estado, coagindo o
homem a entregar as frutas que vende, não estariam "violando" esta lei
(direito natural) intrínseco ao homem, por que se a "violassem", se
chegassem à conclusão de que ela não está mais lá, então poderíamos
dizer que ela nunca esteve! Dizer que coisas "violam o direito natural",
neste sentido, é dizer que algo age contra a própria verdade. É como
alguém que tenta provar a existência de Deus pelo método científico. Ora,
se Deus for provado deste modo, então este que se provou obviamente não
é Deus, uma vez que a sua própria definição de é a de um ser que
transcende o mundo físico, ou seja, tentar prova-lo deste modo é tão
contraditório como dizer que o direito natural pode deixar de ser. Nesta
questão, conclui-se: Tentar violar o Direito Natural é agir como se este
não existisse, ou seja, corromper a essência de algo que transcende a
própria realidade tátil que nos cerca, não é apenas agir de modo
contraditório, e sim perverter um sentido puro e perfeito (por ser uma
verdade), ademais sagrado. Entretanto, não cabe a mim, não neste livro,
encabeçar as sanções para os que corrompem esse sentido, outros por
mim já o fizeram.

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Compreendo esta verdade, chegamos então a dois caminhos: Segui-lo, ou
não. É certo que as instituições governamentais, pela própria definição de
um Estado não seguem destes princípios até seu firmamento, até mesmo
os de constituição liberalíssima, como em Lichtenstein, entretanto, este
país por assim fazê-lo não "revoga" os Direitos Naturais impressos na
natureza; ele os corrompe, além da sua intrínseca falta de moralidade, por
mais que o governante aja de boa fé, é impossível que pela via estatal
conseguia. Por último, é impossível que se resolva os conflitos humanos
que se refiram aos políticos, sociais, econômicos, morais, pois atinge todos
estes quando se perverte uma verdade tão básica ao homem, isto por que,
por mais estranho que seja, pode agir contra a verdade das coisas, mas
não pode ignorar a realidade das consequências por assim fazê-lo. É como
uma nação que revoga a lógica de que 2+2=4. Ela pode fazê-lo, entretanto,
todas as suas fundamentações, desde o engenheiro até mesmo o simples
modo de pensar as coisas, em muitíssimos níveis serão alterados, de
modo que poderiam chegar à um consenso de que 2+2=4,5 e assim se
resolveriam alguns problemas. Porém, os prédios continuaram caindo, por
que simplesmente a conta não bate. E dai aceitariam que pode ser que 2+
2=4,1 e então menos prédios cairiam, mas ainda assim ficariam bambos.
Até que se chegassem à conclusão da verdade, e os prédios estariam
fundamentados na verdade, e se algum cair, com as contas certas agora,
seriam por falha humana. Conclui-se: Estando de acordo com a lei da
física, os prédios possuem a fundamentação necessária para se
sustentarem, estando sujeitos apenas à falha humana; Estando de acordo
com a lei do homem, os homens possuem agora a fundamentação
necessária para suas relações, estando sujeitos apenas às suas falhas
práticas.

Estando o homem em conformidade desta verdade, que abrange todo o


seio de uma sociedade, em quase todos os níveis, ainda restaria o
problema da consciência humana, das aflições pessoas dos homens, de
seu sentido e sua existência pequena perante um enorme globo. Quando
saio de minha cidade e me encontro em outras com prédios grandes, fico

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maravilhado, e ao mesmo tempo espantado. Esboço um sorriso de
admiração, e sinto-me depois minúsculo. Blocos de cimento conseguem
deixar-me pra baixo, imagine 7 bilhões de pessoas. A aflição está em
perceber que, por mais que viaje, conheça novas pessoas, explore todas as
filosofias, estude história, sociologia, matemática, tudo, e em todos
lugares que meu corpo e mente viaja, pareço que ainda não sai da minha
cidade... Parece-me estar sempre numa bolha, como se minha cidade
fosse um universo inteiro, e a outra cidade um outro universo, e então o
sentimento de pequenez me atinge. Não desejo mudar o mundo, mas ele
insiste em me mudar. Essa homogeneidade me assusta, a formalização de
tudo, a burocracia, os caminhos já pré-definidos, as receitas de sucesso
pessoal e profissional, como se colocássemos pra viver no mundo por
engano e, pela falta de propósito nesta vida que surgiu, botássemos num
plano em que eles, não nós, eles sentirão felizes por que assim "teriam um
filho de sucesso". Será que eles não pensaram nem no sentido da palavra
sucesso? Sucesso é algo totalmente pessoal, e então assumem seus gostos
de sucesso pra alguém que apenas realizará (com mutíssima sorte) a
parte prática deste sucesso, entretanto, a parte mais elevada de qualquer
obra humana está sempre incutido no eu do sujeito, daquele que realiza,
no sentido de si. Se não possui o homem o sentido de si, como pode então
realizar-se? Como pode externalizar-se? Não pode. A natureza física é a
extensão, ainda que rascunha, da metafísica do homem. Se este não pode
nem experimentar deste rascunho pessoal, o que mais pode? É necessário
voltar ao propósito, de tudo. Pense! Acha que tudo veio do acaso? Seu
corpo? A vida? A ordem? Parece-me o homem agir que sim. Há coisas
maravilhosas na modernidade, na construção, nas coisas que fez o
homem e realiza, mas isso é a manifestação do pouco que ainda lhe
restou de humanidade.

Uso deste último parágrafo para concluir: Descubra-se; A nossa existência


não é por acaso: a relativização é perversa, então saiba separar a
realidade da verdade; Entenda o Direito Natural, e aja para não pervertê-
lo. Resista ao mal, que é a mentira, e proclame o que é bom, que é a

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verdade; Preserve as relações que respeitem o Direito Natural, e lute para
que o seu universo a sua volta entenda disso. O mundo é grande, mas
maior que ele é a sua vontade de descobrir. Outra verdade: Você não vai
descobrir todas as verdades do mundo, entretanto, somente elas podem te
dar paz de espírito, então busque-as e sinta realizado por tê-las. A vida é
uma continua reflexão, e eu escrevo todas estas coisas para que você
pense por você mesmo.

Ademais, encerro este pequeno texto com as palavras de Jesus:

"Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará."

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