Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Micheal Callaway
Jennifer Clary-Lemon . Zachary Waggoner
A
construção
DO argumento
A
John Ramage . Micheal Callaway
Jennifer Clary-Lemon . Zachary Waggoner
construção
DO argumento
Tradução de Clemilton Lopes Pinheiro, Erik Fernando
Martins, Felipo Bellini Souza, Karine Alves David, Marcus
Mussi, Maria Hozanete Alves de Lima, Sílvio Luis da Silva
Pipa comunicação
recife, 2018
Copyright 2018 © PIPA COMUNICAÇÃO. Reservados todos os direitos desta edição
publicada exclusivamente para distribuição gratuita autorizada pela Parlor Press.
É proibida a reprodução total ou parcial dos textos e projeto gráfico desta obra
sem autorização expressa dos autores, organizadores e editores.
Originally published as Argument in Composition © 2009 by Parlor Press and The WAC
Clearinghouse. http://parlorpress.com. Translated and distributed by permission
tradução
Clemilton Lopes Pinheiro . Erik Fernando Martins
Felipo Bellini Souza . Karine Alves David . Marcus Mussi
Maria Hozanete Alves de Lima . Sílvio Luis da Silva
coordenação de tradução
Clemilton Lopes Pinheiro
Revisão linguística
Karla Geane de Oliveira
R1409
RAMAGE, J. et al.
1ª ed.
ISBN 978-85-66530-81-0
410 CDD
41 CDU
c.pc:03/18ajns
Prefixo Editorial: 66530
Comissão Editorial
Editores Executivos
Augusto Noronha e Karla Vidal
Conselho Editorial
Alex Sandro Gomes
Angela Paiva Dionisio
Carmi Ferraz Santos
Cláudio Clécio Vidal Eufrausino
Cláudio Pedrosa
Leila Ribeiro
Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Clecio dos Santos Bunzen Júnior
Pedro Francisco Guedes do Nascimento
Regina Lúcia Péret Dell’Isola
Ubirajara de Lucena Pereira
Wagner Rodrigues Silva
Washington Ribeiro
Apresentação à edição brasileira
Boa Leitura!
Clemilton Lopes Pinheiro
7
Prefácio do coordenador da coleção
Refere guides to Rhetoric and Composition
(Guia de Referência para a Retórica e a Escrita)1
10
Grande parte do livro ilustra o valor de uma perspectiva e defende aberta-
mente seu uso no ensino da escrita em relação a outras. Dessa forma, o livro con-
vida os leitores a tirar suas próprias conclusões sobre o valor da argumentação e
sobre como melhor incorporá-la em sua didática. Eu particularmente recomendo
aos leitores considerar o raciocínio contra o engessamento dos sistemas argu-
mentativos e as situações específicas em que cada argumento ocorre.
Charles Bazerman
11
Prefácio1
13
atuais. Uma vez que Burke serve como as primeiras lentes ou “tela fina” através
das quais nós enxergamos o argumento, alguns termos comumente utilizados não
são detalhados no corpo principal do texto. Em alguns casos, esses termos, sem
que sejam problemáticos em si mesmos, são incongruentes ou periféricos à nossa
abordagem. Não damos atenção demasiada, por exemplo, ao entimema. Nós citamos
em nosso glossário e, mais importante, citamos as análises racionais dos termos
feitas por John Gage. Certamente, reconhecemos o lugar de destaque da noção de
entimema na história do ensino do argumento e seu potencial de utilidade para
alguns professores em sala de aula. Apenas tivemos problemas de encaixá-lo na
nossa abordagem. Outros termos não são especialmente discutidos, porque senti-
mos que já estão contemplados nos diferentes termos de nossa própria rubrica. No
caso da situação retórica, por exemplo, discutimos a noção de exigência de Lloyd
Bitzer, porque acreditamos que ela descreve perfeitamente um conceito funda-
mental para os estudantes do argumento. Por outro lado, não mencionamos outro
elemento da situação retórica de Bitzer, as limitações e restrições (constraints),
pela crença de que alguns outros elementos que discutimos, notadamente a Stasis
Theory, cumprem mais clara e adequadamente o papel desempenhado pelas limi-
tações e restrições de Bitzer.
A construção do argumento é, inevitavelmente, em si mesmo tanto um argu-
mento como um compêndio de abordagens sobre argumentação. Tentamos apresen-
tar nosso argumento sem sermos muito argumentativos. Ao mesmo tempo, somos
os primeiros a reconhecer que nosso campo, “retórica e escrita”, está longe de ser
claramente definido. De fato, há argumentos a serem traçados a favor e contra a
inclusão da escrita expressiva nas aulas de argumento (nós tentamos apresentar um
argumento a favor da inclusão). Há, ainda, argumentos a favor e contra a inclusão do
argumento visual nessas aulas. No caso do argumento visual, nossa posição é mais
complexa. Aplaudimos os objetivos e reconhecemos a importância do argumento
visual. Citamos os trabalhos que estão sendo feitos na área, mas criticamos a falta
de ferramentas utilizáveis – ou um vocabulário comum para esse propósito –, que
torne esse trabalho acessível para graduandos. Por hora, sugerimos aos professores
14
a esperar que as melhores ferramentas sejam disponibilizadas ou desenvolvam as
suas próprias. Enquanto isso, vemos o argumento visual como aqueles sites da web
intrigantes que nos recebem com a mensagem na tela “em construção”.
15
Sumário
19 Introdução
Por que argumentar é importante?
77 CAPÍTULO 1
A história da argumentação
78 Filosofia versus Retórica
93 O problema do engessamento da Retórica
99 Figuras-chave da teoria moderna da argumentação
99 Introdução a Kenneth Burke
102 O realismo de Burke
107 Introdução a Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca
109 Um panorama de A Nova Retórica
113 A Stasis Theory e a Nova Retórica
124 Introdução a Stephen Toulmin
125 O esquema de Toulmin – o não silogismo
128 A aplicação do modelo de Toulmin
134 Resumo
137 CAPÍTULO 2
Questões sobre argumentação
137 O debate sobre a falácia
143 A abordagem pragma-dialética das falácias
147 Alternativas para focalizar a argumentação em uma aula
de escrita: estudos crítico-culturais
151 Pedagogia expressivista
163 Retórica processual
168 Ensinar ou não ensinar propaganda
170 O que é propaganda? Burke e Ellul
186 A propaganda em resumo
191 CAPÍTULO 3
Introdução a algumas boas práticas
191 O que funciona no ensino de escrita
196 Boas práticas
200 Retórica da libertação
206 Feminismo e argumento
211 Aprendizagem-serviço e Argumentação
215 Escrita através do currículo (writing across the curriculum – WAC)
e Escrita nas disciplinas (writing in the disciplines – WID)
219 Computador e escrita
223 Retórica visual
229 Glossário
249 Referências
263 Sobre os autores
264 Sobre os tradutores
AxBxC
introdução
Por que argumentar é importante?1
19
A construção do argumento
20
A construção do argumento
21
A construção do argumento
22
A construção do argumento
outras coisas, chato. Definir problemas que são incertos e contestáveis é conside-
ravelmente mais interessante.
Em nossas discussões iniciais sobre argumentos, queremos que nossos alu-
nos percebam que a definição de qualquer noção complexa como a de argumento
é contestável, que os valores e crenças que trazemos para o exercício de definir o
termo influenciam nossa forma de definir, e que a forma como definimos, por sua
vez, determina a maneira de analisar.
A cada semestre, no final de nosso exercício indutivo de definição, não che-
gamos ao mesmo conjunto de conclusões sobre o significado de argumento que
ensaiamos em nossas aulas, mas a conclusões diferentes, muitas vezes inesperadas,
decorrentes de conversas livres. Com certeza, dirigimos essa conversa o suficiente
para assegurar que pelo menos alguma coisa sobre argumento seja feita, e que
nem todos os pontos abordados em nossas aulas sobrevivam às questões às quais
os submetemos (como disse o antigo mestre da dialética, Sócrates, às vezes não
estamos acima das correções). Mas cada semestre produz novos insights sobre
o significado do argumento. Um ponto importante para lembrar é o fato de que
depois haverá muito tempo para abordar as questões mais cruciais da questão
deixada sem resposta. Ao esperar, os alunos estão mais propensos a se envolve-
rem e mais preparados para aplicar as ideias que eles têm na mão quando tiverem
que produzir.
Os argumentos que se seguem (textos 01 e 02) não são os que usaríamos em
uma classe de graduação típica. As questões que eles levantam são apropriadas
para uma discussão mais teórica do argumento do que a que buscamos promover
no início de uma aula de graduação. Certamente não os consideramos exemplos de
argumento. Mas tampouco são escolhidos aleatoriamente. São meta-argumentos de
um tipo que levanta questões sobre a natureza do argumento central para a nossa
abordagem e preveem as questões que se repetem nas páginas que se seguem. Os
dois argumentos e a discussão subsequente obviamente não podem ser reproduzi-
dos em uma aula, pois as discussões serão sempre abertas. Para se ter pelo menos
23
A construção do argumento
uma ideia sobre essa experiência, convidamos ao leitor a ler esse material da ma-
neira como pedimos aos nossos alunos. Antes de analisar nossa discussão, convém
observar como as duas coisas são diferentes e semelhantes, tanto na discussão
quanto nas conclusões a que chegam. As conclusões podem então ser usadas para
interrogar nossas próprias conclusões sobre os dois argumentos.
Texto 01
O relativismo cultural deixa algumas pessoas cegas para o mal
(John Leo, Universal Press Syndicate, 15/10/2001)
2. O número de vítimas dos atentados de 11 de setembro não havia ainda sido fixado em 3.000, quando Leo
escreveu este texto.
24
A construção do argumento
25
A construção do argumento
Apenas uma minoria dos estudantes pensa dessa maneira, mas o mul-
ticulturalismo, com seu relativismo cultural radical, está se tornando um
problema sério. Isso deixa muitos estudantes em dúvida sobre os valores
americanos tradicionais e desinteressados em qualquer sentimento de sen-
so comum ou solidariedade. É particularmente o caso do acréscimo a tudo
isso do mantra de que a esquerda cultural americana é “racista-sexista-
-homofóbica”.
26
A construção do argumento
Texto 02
Condenação sem absolutos
(Stanley Fish, New York Times, 15/10/2001)
27
A construção do argumento
pensamento pós-moderno nos diz que temos bases suficientes para a ação
e condenação justificadas nos ideais democráticos que abraçamos, sem
entender a retórica vazia de absolutos universais a que todos subscrevem,
mas que todos definem diferentemente.
É por isso que o que Edward Said chamou de “falsos universais” deve ser re-
jeitado: eles estão no caminho do pensamento útil. Quantas vezes ouvimos
estes novos mantras: “Vimos a face do mal”; “Estes são loucos irracionais”;
“Estamos em guerra contra o terrorismo internacional”. Cada um é impre-
ciso e inútil. Não vimos o rosto do mal. Nós vimos a cara de um inimigo
que nos apresenta uma lista cheia de queixas, de objetivos e de estratégias.
Se reduzimos esse inimigo ao “mal”, evocamos um demônio que muda de
forma, um anarquista moral de caráter selvagem além de nossa compreen-
são, e, portanto, fora do alcance de qualquer contra estratégia.
28
A construção do argumento
29
A construção do argumento
30
A construção do argumento
verdade, imagina-se que ele seria muito influenciado por tal julgamento –, ele não
deixaria de relutar em reconhecer a superioridade de sua posição como um sinal
de corrupção moral.
Os leitores do The Washington Times simplesmente constituem uma comuni-
dade de leitores que compartilham crenças diferentes e atribuem diferentes signi-
ficados a termos como “verdade” e “justiça”. Ele estaria preparado para apresentar
argumentos que mostram por que esses leitores estão errados e ele certo – na
verdade, ele faz isso em seu texto – mas ele aceitaria, desde o início, que, em seus
argumentos, ele não poderia apelar para qualquer conjunto de padrões univer-
sais defendidos pelos seus apoiantes e pelos apoiantes de Leo que confirmariam
suas conclusões e fortaleceria as de Leo aos olhos de todas as partes da discussão
(Porque Fish vê os limites entre as comunidades muito menos permeáveis, ele é
menos otimista quanto às perspectivas do diálogo intercomunitário do que nós).
Leo, entretanto, assume que esses universais, conhecidos de todos e ignorados
perversamente por alguns, existem, embora ele tenha o cuidado de não nomeá-
-los ou falar sobre suas relações. Os extremos de Leo, a ser nomeados mais tarde,
como divindades religiosas cujos nomes nunca devem ser citados, impressionam
mais na ausência do que na realidade.
Nossa própria visão nos inclina menos para Leo e mais para Fish por várias
razões. Em primeiro lugar, as hipóteses de Leo sobre a natureza da verdade e do
significado são incompatíveis com as hipóteses compartilhadas pela maioria dos
membros de nossa própria comunidade. O mais importante dessas hipóteses é a
crença de que o argumento tem poder heurístico, realizado pelo diálogo com nós
mesmos ou com outras pessoas, fazendo o que Aristóteles chamou de “provar
opostos”. Nós não apenas defendemos a verdade e vencemos o erro, modificamos
as verdades aceitas e descobrimos novas. Nessa visão está implícita a crença de
que a verdade não pode ser, como Leo parece assumir que é, independente do jul-
gamento humano ou da linguagem que usamos para formar esse julgamento. Se a
verdade é absoluta, independente de nós e incorrigível por nós, e se a linguagem é
31
A construção do argumento
32
A construção do argumento
que a linguagem desempenha para permitir ao ser humano atingir seus objetivos.
Em particular, a linguagem tem a capacidade real de “favorecer a cooperação” en-
tre os seres humanos, mesmo se falta o poder mágico de “provocar o movimento
nas coisas” (BURKE, 1966). Embora Burke (1966) reconheça o enorme poder da
linguagem para efetuar a mudança, seu realismo também exige a crença em um
mundo independente do poder de formação da linguagem.
Nosso conhecimento desse domínio extra verbal é adquirido negativamente,
através do poder das coisas, eventos e corpos para resistir a nossas afirmações
e reivindicações e frustrar nossos projetos. Esse poder de “desobediência” no
mundo encoraja uma atitude de humildade como a que Burke (1996) encontra no
pragmatista William James, a quem ele se refere como “um especialista no grau
comparativo de adjetivos de valor”. James rejeitou o absolutismo (que é realmente
o superlativo, identificando o Um como o Melhor) e preferiu pensar “[...] em termos
de mais e não de todos”. Entre otimismo ou pessimismo, ele preferia o “melio-
rismo” (BURKE, 1984). Enquanto os absolutistas como Leo, às vezes, permitem
que o perfeito se torne o inimigo do bem, julgando qualquer coisa menos do que
tudo insuficiente e corrupta, os realistas procuram melhorar as coisas por grau,
induzindo a cooperação entre as pessoas e trabalhando em direção a finalidades
coletivamente definidas que são constantemente redefinidas. Nesse mundo, a re-
tórica e as artes da persuasão não são ferramentas insignificantes para distrair
as massas, são “equipamentos para viver”.
No mundo que descrevemos, a justiça e a verdade são termos importantes,
ainda que pouco presentes em nosso vocabulário. O que as palavras significam para
um determinado grupo de pessoas em um dado momento pode não ser exatamen-
te o mesmo em outro momento, em circunstâncias diferentes, ou para um grupo
diferente de pessoas em um mesmo tempo e um mesmo lugar. Mas cada grupo,
em todas as circunstâncias, imagina que está em busca da justiça e da verdade.
Ou, como diz Fish, de maneira mais marcante: “Ninguém se declara apóstolo da
injustiça”, mesmo aqueles cujos métodos nos podem parecer hediondos. Diferentes
33
A construção do argumento
grupos podem usar diferentes meios para chegar a significados diferentes para
termos importantes como verdade e justiça, mas essas diferenças não são mais
“subjetivas” do que o significado de Leo para “objetivo”. Apenas o fracasso de Leo
em articular um significado específico para sua noção de verdade pode preservar
sua aura de universalidade.
Tanto a comunidade de Leo como a de Fish elaboraram uma definição do
termo consistente com seus próprios princípios. Mas, ao contrário de Fish, Leo e
os membros de sua comunidade parecem rejeitar em primeiro lugar o processo
que produziu sua versão da verdade. Ao chegarem ao reino dos Absolutos, eles
desfazem o caminho que percorreram e impendem outros de chegar. Como o
mundo platônico das Formas Puras, a Verdade de Leo parece existir separada do
mundo, não afetada pelas interações dos mortais. As almas excepcionais podem
ocasionalmente perceber uma essência em meio aos acidentes da vida, e depois de
experimentar essas epifanias podem tentar compartilhá-las com os outros, mas,
além disso, os seres humanos não têm nenhum papel na construção da verdade.
A diferença entre as duas posições foi bem capturada pelo filósofo Richard Rorty.
Nos termos de Rorty (1979), o debate entre Leo e Fish pode ser enquadrado
como um debate entre aqueles que representam o conhecimento como uma descri-
ção precisa da essência versus aqueles que o entendem como “um direito segundo
34
A construção do argumento
Nesta segunda parte da nossa discussão sobre os artigos de Fish e Leo, que-
remos voltar nosso foco para a sala de aula, e mostrar, como professores, de que
forma poderíamos usar esses artigos para elaborarmos uma definição provisória
de argumento e aplicar as lições do debate ao ensino. Do ponto de vista do ensino, o
que é especialmente interessante sobre o argumento de Leo é quão perfeitamente
sua posição e o status atribuído a ela reproduzem a mentalidade de dois grupos
problemáticos de estudantes que encontramos frequentemente em nossas aulas.
A partir do esquema de desenvolvimento cognitivo e moral de William Perry, de-
nominamos essas duas posições de “dualidade e multiplicidade”. Essas posições
correspondem a dois dos primeiros estágios do esquema de desenvolvimento de
Perry (1999) e representam desafios marcadamente diferentes na sala de aula.
Um aluno em dualidade supõe que há respostas certas e erradas para cada
pergunta, e que o trabalho do professor é apresentar essas respostas de forma
clara e depois testar os alunos para saber se eles lembram a resposta correta.
Nessa posição, os problemas surgem quando: a) desafiamos os alunos a apresen-
tarem as suas próprias respostas e/ou, b) os alunos acreditam que estamos dando
35
A construção do argumento
36
A construção do argumento
37
A construção do argumento
Leo e Fish
parte III: os elementos do argumento
3. Ao usar o quadro de Perry (1999) para essa discussão sobre o desenvolvimento do aluno, não queremos
dizer que isso implica uma aceitação sem crítica de sua teoria. Uma série de críticas incisivas ao esquema de
Perry foi feita nos anos setenta e oitenta, particularmente por estudiosos feministas (por exemplo, Gilligan,
Belenky e outros), que observaram o forte viés masculino da pesquisa de Perry e sua incapacidade de explicar
as diferenças de gênero. As formas de conhecimento das mulheres, devemos reconhecer, são, de fato, diferentes
das dos homens, particularmente quando se trata de questões éticas. Dito isso, as reações dos estudantes
universitários, em especial os estudantes de nível inicial, tanto do sexo masculino como feminino, aos desafios
colocados pelas aulas focadas no argumento, parecem semelhantes às do esquema de Perry, o que nos permite
usá-las como um suporte para a presente discussão.
38
A construção do argumento
4. No caso do debate entre Fish e Leo, parece que estamos nos contradizendo e declarando nossa preferência
pelo argumento de Fish. Mas é preciso lembrar que o seu desacordo tem mais natureza de um "meta-argumento"
do que de um argumento regular, e como tal, a razão de nossa preferência remonta ao fato de que Leo
não oferece nenhuma razão para "ouvir" argumentos opostos, enquanto Fish especificamente apela a uma
abordagem dialética para o desacordo como a que estamos apoiando aqui.
39
A construção do argumento
40
A construção do argumento
41
A construção do argumento
42
A construção do argumento
alinha-se com a posição que muitos liberais finalmente tomaram sobre a questão)
ao problema do 11 de setembro ecoa ideias que ele tem articulado por mais de
trinta anos nos domínios da teoria literária e jurídica. Sua insistência de que de-
vemos atender às particularidades das queixas de nossos inimigos para entender
suas motivações as quais somos confrontados é uma parte da sua insistência de
que devemos ficar atentos aos detalhes dos textos para elaborar seu sentido no
contexto das intenções dos autores. Sua afirmação de que, ao justificar nossas res-
postas ao 11 de setembro, só podemos apelar para aquelas verdades contingentes
que compartilhamos com outros membros de uma comunidade que compartilha
nossas crenças - “o registro de aspiração e realização que compõe nossa compre-
ensão coletiva do que vivemos” - é uma parte da sua crença de que as comunidades
de leitores elaboram padrões de sentido e interpretação entre si.
Nosso interesse em relacionar os argumentos de Leo e Fish sobre o 11 de
setembro com a visão de mundo mais ampla deles vai além de qualquer interesse
em rotular corretamente suas posições políticas. Entender a fonte de suas rei-
vindicações é, diríamos, fundamental para entender o tom que os dois escritores
assumem ao se expressarem. Estabelecer cedo uma maneira razoavelmente clara
de falar sobre questões de tom nas aulas de argumento é fundamental em virtude
das dificuldades que muitos estudantes enfrentam para encontrar uma tonalida-
de apropriada para seus argumentos. Parte dessa dificuldade ocorre em função
dos diferentes estágios de desenvolvimento nos quais os estudantes chegam em
nossas aulas.
Os estudantes inclinados para o dualismo, por exemplo, podem adotar um tom
excessivamente agressivo em seus argumentos (embora poucos dualistas com-
pletos apareçam no primeiro dia em nossas aulas, é uma posição da qual alguns
estudantes, particularmente os de primeiro ano, se retiram, quando se sentem
ameaçados intelectualmente). É importante lembrar que muita coisa está em jogo
para um dualista quando precisa justificar ideias que ele julga injustificáveis. Um
sintoma dessa ansiedade será uma certeza com tom agressivo, mas sem convicção.
43
A construção do argumento
44
A construção do argumento
pensam em linha reta, como Leo, possuem a verdade e o bem absolutos. Os que
pensam como os bispos obscurecem nossa visão de verdade e de bem e permitem
que o erro e o mal penetrem no mundo.
Correndo o risco de exagerar nessas diferenças, descreveríamos o tom de Fish
como o mais próximo do de um mentor ou guia, alguém preocupado simultanea-
mente em esclarecer dúvidas e complicar a compreensão de seus leitores sobre as
coisas. Trata-se de uma relação assimétrica, para ser mais preciso. Fish é o pro-
fessor e nós somos seus alunos, mas à medida que ele parece acreditar que somos
capazes de seguir uma linha complexa de raciocínio, ele não é condescendente. O
tom de Leo, ao contrário, parece mais com o de um avaliador ou julgador, rápido e
crítico. Sua preocupação é esclarecer questões simplificando-as a fim de facilitar
um julgamento moral sólido.
O tom de Leo se estabelece, no início de sua primeira frase, ao usar a expressão
“vergonhosa”, antes mesmo de nos informar sobre a declaração dos bispos. Depois,
após retomar dois trechos da declaração, ele diz aos seus leitores o que os bispos
dizem, “de forma clara”, antes de concluir que é “um engano moral”. A clareza moral
e linguística são uma peça importante para Leo. Ele se preocupa pouco, portanto,
com aqueles que se interessam pelas “causas-raiz” e pela compreensão dos atos “no
contexto”. Para fixar a história, ele oferece uma tradução “de forma clara” dessa
conversa moral e linguisticamente absurda. Os bispos realmente querem dizer
que “a impiedosa e imperialista América trouxe os ataques contra si mesma”. Ao
longo de sua crítica, Leo oferece pouca evidência para suas generalizações e poucos
detalhes para ajudar seu público a identificar os multiculturalistas, os relativistas
morais e os cidadãos de cultura terapêutica.
A citação de “um estudante de Nova York” é a única que apoia uma ampla
generalização sobre as práticas educacionais lastimáveis da educação superior
americana, enquanto a declaração dos bispos é apresentada como “um pequeno
exemplo do que poderia ser um grande problema”: a incapacidade dos líderes mo-
rais “para dizer claramente que o mal existe”.
45
A construção do argumento
46
A construção do argumento
pós-moderno”, que começa seu artigo “bizarro”, ele passa a oferecer uma resposta
cuidadosa, atribuindo a interpretação errônea que o repórter faz do termo não a
algum lapso moral, mas como “uma forma rarefeita de conversa acadêmica” com
a qual o repórter não é normalmente acostumado.
Ao expressar nossa preferência pelo estilo de Fish, estamos, evidentemente,
reafirmando nossa simpatia pela sua visão de mundo. Essa preferência, no entanto,
não é simplesmente “subjetiva”, no mesmo sentido que alguém como Leo usaria
esse termo. Nossa simpatia com o ponto de vista de Fish e seu modo de expressão
é profissional e pessoal. As ideias que ele expressa e a forma como expressa estão
mais em harmonia com nossos propósitos disciplinares do que as de Leo. Os pen-
samentos e o tom de Fish são, em nossa opinião, mais propensos a oferecer uma
melhor abordagem sobre o assunto em questão do que os pensamentos e o tom
de Leo. A hipótese de um argumento valer mais que o outro no mercado de ideias
é outra questão. Esses julgamentos são mais difíceis de fazer e mais específicos
para o público do que o julgamento dos efeitos dos argumentos sobre a compre-
ensão da questão. Para entender melhor essa relação complexa, muitas vezes mal
compreendida, entre os argumentos preferidos em um dia pelo público e os que
levam o público a reexaminar os problemas, passamos agora a considerar um
continuum de práticas de argumento e a medida usada para organizá-los ao longo
desse continuum.
O subtítulo para esta seção foi tirado da epígrafe latina da A Grammar of Motives
(Uma Gramática dos Motivos) de Burke (1966) – Ad bellum purificandum. Trata-se,
ao mesmo tempo, de um sentimento muito modesto – afinal, muito cedo, viu-se
a guerra acabar completamente – e um muito ambicioso – à medida que a guerra
cresceu exponencialmente de forma mais selvagem no novo século, desejamos o que
pudesse atenuar seus terríveis efeitos. É também uma epígrafe que poderia servir
47
A construção do argumento
para introduzir a obra inteira de Burke, pois capta claramente o objetivo primário
da retórica, como ele imagina, a transformação de impulsos destrutivos em atos
criativos e cooperativos, da inimizade em identificação, da guerra em argumento.
Como observamos anteriormente, Burke é bastante realista para sustentar
que essa transformação nunca poderá ser completa: em todos os argumentos
permanecerá um elemento residual de agressão e busca de vantagens, por mais
nobre que seja a causa em nome da qual o argumento é feito. No entanto, Burke é
também muito idealista para acreditar que outros interesses de quem argumenta
são sempre servidos pelo argumento. O único caso em que as necessidades e cren-
ças de um público podem ser ignoradas é o do argumentador que se convence de
que sua cooperação será garantida pela força se o seu argumento falhar e passa a
argumentar praticamente pelas mesmas razões pelas quais os ditadores realizam
eleições. Joseph Heller capta perfeitamente o espírito do “poder da força” disfar-
çado de argumento, uma prática hegemônica muito familiar para o público do
século XXI, em um diálogo do romance Catch-22. O diálogo apresenta a conversa
entre o protagonista do romance, Yossarian, com seu inimigo, Milo Minderbinder
sobre o fato de Milo ter oferecido a um ladrão italiano algumas tâmaras em troca
de um lençol e depois ter se recusado a entregar as tâmaras quando o ladrão lhe
deu o lençol.
“Por que você não bateu na cabeça dele e tomou o lençol?” Yossarian per-
guntou.
Pressionando os lábios com dignidade, Milo balançou a cabeça. “Isso te-
ria sido muito injusto”. Repreendeu com firmeza. “Usar a força é errado
e dois erros nunca formam um acerto. Foi muito melhor a maneira como
eu agi. Quando eu segurei as tâmaras para ele e peguei o lençol, ele pro-
vavelmente pensou que eu queria negociar”.
“O que você estava fazendo?”
“Na verdade, eu estava negociando, mas como ele não entende inglês, eu
posso negar sempre”.
48
A construção do argumento
49
A construção do argumento
teza, cada pessoa, em um namoro, fará o que puder para se tornar desejável para
a outra, para persuadi-la como base na sua melhor característica como parceiro.
Certamente a atração sexual desempenhará um papel na relação, mas cada um está
disposto, no momento, a adiar sua satisfação em nome do aumento do seu senso de
identificação com a outra pessoa, superando os distanciamentos de classe, gênero,
nacionalidade, religião ou qualquer categoria que possamos usar para classificar a
raça humana. Enquanto que nos casos anteriores as relações são apenas um meio
para a satisfação sexual de um dos parceiros – na formulação de Martin Buber, uma
clássica relação “Eu-Isso” (BURBER, 2001) –, no namoro, a relação é um fim em si
(“Eu-Tu”) para ambos os parceiros. Se alguém estender a metáfora do namoro para
além da extremidade esquerda do continuum, encontrar-se-ia no escuro reino do
estupro e da agressão sexual. No extremo direito do continuum, encontrar-se-ia no
reino luminoso do celibato, quando uma freira se declara noiva de Cristo. Todas as
práticas que encaixam ao longo do continuum, entretanto, são uma combinação de
interesse próprio e desejo físico, e uma vontade de interferir nos impulsos naturais
de uma pessoa para outros fins.
Voltando agora às práticas reais de persuasão que se inscrevem no continuum
da autointerferência, começamos pela propaganda e pela publicidade. Essas práticas
são, diz Burke, muito “endereçadas”, já que são obsessivamente focadas no público.
Trata-se de uma relação assimétrica com o anunciante ou publicitário que tem pelo
menos algum controle, no caso de alguns publicitários, um monopólio virtual, sobre
o acesso do público à informação e à compreensão. Embora os anunciantes e os pu-
blicitários sejam rápidos no elogio ao seu público, especialmente à sua inteligência,
seus conselhos sobre como conquistar o público demonstram pouca importância à
inteligência das pessoas. Eles gastam muito tempo e quantidades extraordinárias
de dinheiro para explorar a psique e os pontos fracos emocionais de seu público.
Nenhum outro grupo entre aqueles que praticam a arte da persuasão se preocupa
em gastar tanto tempo para descobrir maneiras de explorar a vulnerabilidade do
púbico como os anunciantes e os publicitários. O livro Mein Kampf (Minha Luta) de
50
A construção do argumento
51
A construção do argumento
seu argumento. No entanto, tomadas como um todo, essas práticas não promovem
a auto interferência de forma grave, apenas na medida em que alguém altera o seu
próprio roteiro em reconhecimento de que um roteiro diferente favorece mais a
aceitação do seu público e interfere nas próprias vontades. Mas isso é mais uma
questão de subordinar uma forma de satisfação à outra. No final, seu público é
sempre um meio para atingir seus fins.
À medida que se avança para o centro do continuum, as práticas jurídicas
persuasivas servem como modelo. Embora muitos colocariam a arte dos juristas
mais à esquerda em nosso continuum, o argumento legal é consideravelmente mais
limitado em sua capacidade de seduzir ou enganar seu público do que a propaganda
e o anúncio. Há, aliás, consideravelmente mais paridade entre argumento e público
na arena legal do que na arena da política e do consumo. A retenção de informações,
por exemplo, que pode ser bem vista como elemento de uma campanha virtuosa
para mudar o rumo das coisas no domínio da política e da publicidade, pode ser
uma infração punível no âmbito da lei. Devido ao caráter contraditório do sistema
jurídico, os lapsos de seus argumentos são vulneráveis à divulgação e à exploração
(nosso sistema político é nominalmente contraditório, mas há poucas regras para
controlar o discurso político, e a tolerância pública para o raciocínio falacioso e até
mesmo para a hipocrisia quase serve para encorajar a interferência entre políticos).
A lei oferece todo tipo de restrições formais para os advogados que manipulam
seu público. Os advogados mais atentos podem usar informações demográficas e
psicográficas para defender seu ponto de vista quando conhecem os critérios de
escolha dos jurados. Apesar de todas as suas falhas, o raciocínio jurídico impõe
várias formas de ingerência aos participantes ao logo de todo o sistema de julga-
mento, até o topo em que os juízes da Suprema Corte esperam escrever opiniões
para a posteridade.
Burke usa a curiosa metáfora da escrita de um livro para explicar a forma
“mais pura” de persuasão, o equivalente a um grande namoro. Aqui, o princípio
da auto-interferência não é imposto por preocupações com o público, nem por
52
A construção do argumento
53
A construção do argumento
54
A construção do argumento
Embora não haja um único nome para o grupo altamente heterogêneo de habi-
lidades que os alunos podem aprender em um curso de escrita focado no argumento,
vamos nos referir a esse conjunto aqui como “letramento crítico”: um conceito que
apresenta diferentes contornos, e, como veremos em breve, é um pouco contro-
verso. Tentaremos precisar uma definição próxima da forma como vamos usar e
que minimize alguns de seus aspectos mais controversos. Ao definir o letramento
crítico, convém dizer que sabemos mais sobre o que não é do que sobre o que é.
Certamente não é o que era feito com a escrita na escola tradicional: a ênfase em
formas pré-fabricadas e em leitores passivos. O currículo tradicional não só não
encorajava os alunos a pensar “fora da caixa”, como também os encorajava a pensar
em tudo como robôs, até mesmo no que diz respeito à escrita, que é um fenômeno
inerentemente complexo e singular. Seu objetivo aparente era o letramento no
sentido mais antigo de competência mínima, embora fosse sendo ampliada até a
faculdade. Não encorajava o engajamento ou a reflexão pessoal. Certamente, não
oferecia aos alunos muitas habilidades de compreensão que pudessem ser usa-
das fora da escola. Poucos cursos de Filosofia na universidade exigem a escrita
de narração, assim como cursos de Sociologia enfatizavam a função da descrição
(alguns outros cursos aboliram as aulas de escrita do primeiro ano, exatamente
porque acreditam que o modelo tradicional de escrita ou alguma variante dele é o
modelo usado na vida profissional. Se alguém acredita na existência desse modelo,
está certo).
Talvez a principal característica distinta do letramento crítico, tal como o
compreendemos e a que mais claramente o diferencia de sua versão mais antiga
e minimalista, é sua ênfase no conhecimento reflexivo, a capacidade que o poeta,
crítico e ensaísta inglês Samuel Taylor Coleridge chama de “conhecer seu conheci-
mento” em relação ao simplesmente possuir o conhecimento. Isso significa dizer
que em vez de focalizar as exigências para a escrita de um bom artigo, é preferível
55
A construção do argumento
56
A construção do argumento
57
A construção do argumento
58
A construção do argumento
[...] se uma grande parte do serviço foi obtido seguindo a lei de Occam
segundo a qual “as entidades não deveriam ser multiplicadas para além
da necessidade”, uma falta de serviço surgiu na ignorância de uma lei,
que ser enunciada da seguinte maneira: as entidades não devem ser re-
duzidas para além da necessidade (BURKE, 1966, p. 324).
Para Burke (1966), a idade moderna é caracterizada muito mais por crimes
contra a segunda lei do que contra a primeira. Se o pensamento crítico implica
uma capacidade de resolver problemas de forma eficiente através da simplificação,
o letramento crítico implica uma capacidade de gerar complexidade através da
reflexão. Além disso, implica também a capacidade de não só escrever com clare-
za quando se pode, mas de maneira complexa quando é preciso, de se referir aos
limites de um público quando convém e desafiar e expandir esses limites quando
a deferência vence os objetivos. Embora os objetivos que buscamos no letramento
crítico sejam de fato altos, e, embora não tenhamos chegado a um consenso sobre
a melhor maneira de alcançá-los, é claro que ensinar os alunos a escrever argu-
mentos é uma dessas maneiras. Nesse processo, as lições que os alunos aprendem
em um curso sobre argumento, com base nos princípios do letramento crítico são
mais fáceis de serem levadas para outras áreas do currículo.
59
A construção do argumento
60
A construção do argumento
Argumento e identidade
61
A construção do argumento
62
A construção do argumento
63
A construção do argumento
Esse anúncio é uma versão muito mais marcante do clássico anúncio da Apple
Super Bowl, de 1984, da linha Mac de computadores, em que uma mulher escapa
de uma guerra para quebrar uma enorme tela de televisão onde o Big Brother é
enaltecido diante de um auditório cheio de figuras curvadas (embora seja tentador
pensar que a escolha dos anunciantes por uma figura feminina para o papel de um
indivíduo forte como um sinal de avançada consciência social, é mais provável que
isso seja um reflexo da preocupação para atingir um determinado grupo de consu-
midor). A versão do anúncio com a oposição entre conservadores e rebeldes sugere
que está muito mais em jogo a escolha entre conformismo e individualidade, e, por
implicação, entre a escolha da Apple e qualquer outra marca de computadores. A
escolha do computador é uma escolha política, não somente prática ou de estilo
de vida. Como a marca Apple, em 1984, era pouco conhecida, quando a IBM domi-
nou o mercado, a diferença de tom é compreensível. As implicações ideológicas
do estereótipo do individual poderoso na publicidade tendem a ser cada vez mais
precisas, quanto mais inesperadas são as escolhas que os consumidores podem
fazer (vejamos o exemplo do Homem Marlboro).
Não há nada inerentemente ruim sobre a criatividade da Apple de mobilizar
os personagens do imaginário americano para vender seu produto. Como toda
simplificação mítica, ela exagera nas diferenças entre os dois produtos, para não
mencionar as diferenças entre as duas grandes empresas americanas, mas toda
propaganda é para ser entendida em um piscar de olhos, e o exagero não é um pe-
cado. O mal está em dar a uma premissa questionável o status de hipótese inques-
tionável, e a um papel que todos nós ocasionalmente podemos querer interpretar
o status de ideal essencialista a que todos deveriam aspirar. O mal também reside
no constante reforço dos valores individualistas sobre os coletivos. Se os valores
representados por MAC parecem irrelevantes no contexto do anúncio, podem não
parecer se ampliados para o domínio das virtudes das pessoas. Indivíduos pode-
rosos, no final das contas, não se relacionam bem com os outros. Seu questiona-
64
A construção do argumento
65
A construção do argumento
66
A construção do argumento
rica seja particularmente crucial para nossos alunos, neste momento da história,
quando tantas forças atuam, fazem circular identidades disfuncionais para eles e
negativizam processos perfeitamente funcionais.
Ética e argumento
67
A construção do argumento
68
A construção do argumento
69
A construção do argumento
70
A construção do argumento
71
A construção do argumento
72
A construção do argumento
73
A construção do argumento
74
A construção do argumento
5. Empregamos o termo Absolutismo para expressar uma mentalidade, não uma ideologia ou sistema de
crença. Dentro de qualquer religião, portanto, há absolutistas que praticamente atuam dessa forma. Há também
pessoas com mais imaginação que conseguem conciliar suas crenças religiosas com uma preocupação pelo
bem-estar dos que não compartilhar suas crenças.
75
A construção do argumento
76
Capítulo 1
A história da argumentação6
77
A construção do argumento
Em certo sentido, tudo que é discutido, neste capítulo, pode ser compreendido
através das lentes da oposição entre Filosofia e Retórica. É por meio dessa velha
briga que muitas de nossas batalhas, antigas e recentes, surgiram. Se antigamente
muitos filósofos definiam a si próprios através de suas diferenças em relação à
Retórica, atualmente muitos filósofos e críticos, como Hans Blumenberg, Hayden
White, Richard Rorty, Charles Taylor, Stanley Fish, Terry Eagleton, entre outros,
definem-se e distinguem-se de seus pares ao abraçar, em alguns casos, explicita-
mente a Retórica e, em outros, ao abraçar ideias consoantes à Retórica contempo-
rânea. Na segunda parte deste capítulo, na qual destacamos as contribuições dos
retóricos modernos, veremos que um número considerável delas possui raízes
na Filosofia. Abordaremos essas tentativas recentes de redefinir a Filosofia em
um momento posterior deste capítulo. No entanto, na presente discussão sobre a
divisão Filosofia/Retórica, vamos nos limitar aos temas principais que emergem
da antiga ruptura entre essas duas disciplinas.
A antiga batalha entre Filosofia e Retórica se reveste de muitas tensões, mas
nosso foco aqui é a tensão principal entre elas e a ousada reivindicação dos filóso-
fos de oferecer demonstrações irrefutáveis sobre a verdade para audiências ideais,
contra a mais modesta reivindicação dos retóricos para persuadir uma audiência
específica de que uma conclusão particular garante anuência. O fato de que, mesmo
hoje, dois mil e quinhentos anos depois do início desse debate, o prestígio recai
sobre aqueles que reivindicam demonstrar a verdade aos especialistas contra
78
A construção do argumento
aqueles que reivindicam persuadir audiências gerais enfatiza a difícil batalha que
a Retórica encontra em sua luta com a Filosofia, para garantir um nicho legítimo
dentro das ciências humanas. Parte do problema reside no fato de que a Filosofia
foi declarada vencedora da batalha há muito tempo e, consequentemente, de que
a história desse debate foi escrita desse ponto de vista. Como nos aponta Jarratt
(1991), uma teórica da Retórica, é difícil entender os primeiros retóricos, os Sofis-
tas, através das lentes dos filósofos antigos, em particular Platão e Aristóteles, com
quem a história alinhou-se por dois milênios (JARRATT, 1991). A história recente
tem sido mais gentil com a Retórica, em parte graças a intelectuais como Jarratt.
Assim, tornou-se possível entendê-la em outros termos que os impostos pela Fi-
losofia. Isso não significa dizer que as tensões desapareceram. Elas simplesmente
foram reconfiguradas dentro do campo da Retórica. Uma manifestação particular
dessa batalha, por exemplo, pode ser vislumbrada na tentativa de “profissionalizar”
a disciplina Retórica, de transformá-la em uma ciência social capaz de apresentar,
se não demonstrações irrefutáveis, conclusões confiáveis sobre o mundo baseadas
em dados, e de tornar-se mais “autônoma” ou menos parasitária de outras disci-
plinas. A resistência a essas tentativas envolve a já mencionada observação de
filósofos contemporâneos – em sua maioria rejeitam as tradições filosóficas que
demonizam a Retórica – que casam perspectivas pragmáticas e construtivistas
como uma atividade transdisciplinar e sem apologias.
A tensão entre Filosofia e Retórica, ou entre demonstração e persuasão, às
vezes, é caracterizada como uma tensão entre verdade e efeito. Em termos mais
simples, é o conflito entre aqueles que veem a verdade como independente da per-
cepção humana e aqueles que entendem a anuência da audiência como condição
necessária para tornar algo verdadeiro. Em nossa discussão sobre os artigos de
Fish e Leo, cujo meta-argumento é, com efeito, uma retomada contemporânea da
disputa aqui considerada, cunhamos a visão antiga como “absolutista”, no sentido
de que era não contingente e não relacional. O filósofo Hans Blumenberg (1987)
rejeita essa visão nos seguintes termos:
79
A construção do argumento
O que os filósofos sugeriram por séculos ser possível é justamente o que Blu-
menberg (1987) está aqui dizendo ser impossível – evidências definitivas para
a veracidade de asserções no aqui e agora. A recusa de Blumenberg (1987) em
separar verdade de efeito aponta para uma aceitação do fato de que, como coloca
Burke (1969), vivemos na “Babel depois a queda”, onde a única alternativa à força
é estabelecer uma identificação entre falantes, uma condição que é conquistada
através de considerável exercício e astúcia graças a todas as barreiras impostas
pela linguagem, pelo gênero, pelas classes etc., que sempre existiram.
Tanto para Blumenberg (1987) quanto para Burke (1969), apenas quando
falantes partilham um horizonte, a conversação, e ainda menos a persuasão e a
identificação se tornam possíveis. Em um mundo pós-lapsário (depois do lapso, da
entrada do pecado), a verdade é social. Alguém é certamente livre para afirmar que
as “evidências definitivas” para seu ponto de vista existem fora da consciência ou
do entendimento das almas perdidas com quem se conversa, mas essa afirmação
em si não carrega a força da disposição dos outros em concordar. Uma verdade
sem efeito no mundo não é bem uma verdade. Um número considerável de debates
contemporâneos confirma a inutilidade de se apelar para fontes não autorizadas
pelos objetivos do argumento de alguém. O debate entre criacionistas (ou os pro-
ponentes do intelligent design – projeto inteligente) e evolucionistas, por exemplo,
80
A construção do argumento
81
A construção do argumento
82
A construção do argumento
ataque – e a atenção da audiência – em tudo que deu errado desde 1968, quando os
relativistas tomaram conta do asilo, Leo e sua personagem podem evitar referên-
cias a outros absolutos além dos que desapareceram. O tratamento desses valores
universais é muito mais um exercício nostálgico do que uma análise.
Implícitas à oposição entre os antigos filósofos e retóricos, e suas versões
atuais, estão diferentes assunções sobre as finalidades da razão. A rejeição pelos
antigos filósofos do efeito como um aspecto da verdade é parte da mais significativa
diferença entre as duas abordagens. O fim da razão para a filosofia é algum tipo
de descoberta – da verdade, da realidade, ou do bem – que será então conhecida
e partilhável. Por outro lado, para a retórica, o fim da razão é uma escolha, é ter a
certeza de que a escolha pode nos aproximar da verdade, da realidade ou do bem
(e se alguns dos três é privilegiado pela retórica seria o bem, como indicamos), mas
é o ato em si, executado em um lugar e hora específica e com um resultado par-
ticular, e não o conhecimento em si, que motiva o processo. De fato, como propõe
Blumenberg (1987, p. 441), a situação retórica é como “[...] uma (falta) de provas
e (é) compelido à ação”, ao contrário de Platão, que “institucionalizou” a noção de
que o “conhecimento é a virtude”, desse modo tornando “[...] o que é evidente em
norma de comportamento” (BLUMENBERG, 1987, p. 431). À luz de Platão, quando
alguém detém o conhecimento correto é compelido a ações virtuosas, enquanto os
retóricos entendem que a virtude deve ser compelida outra vez em cada situação
nova, usando informações incompletas e meios específicos para essa situação.
Uma das principais vantagens dos filósofos ao promover o conhecimento em
detrimento da ação, já que o fim da razão, em muitos casos, reduz as escolhas a
duas, é o fato de que a escolha recomendável se aplica a todas as situações. Como
aponta Crosswhite (1996, p. 36), esse processo pode gerar uma ideia redutora
dos produtos da retórica: “A necessidade da ação, de onde vem a necessidade de
uma escolha, às vezes, força a uma bivalência – isto é, demanda um sim ou não às
reivindicações colocadas nos argumentos – mas isso não deve ser confundido com
as demandas da razão”. O que a razão demanda e o que a retórica é destinada a
83
A construção do argumento
84
A construção do argumento
Enquanto “ideólogo” é um termo muitas vezes usado para designar uma pessoa
radical, tendenciosa em oposição a uma pessoa racional, desprovida de caracte-
rísticas subjetivistas, empregamos esse termo de maneira mais restrita. Nós não
equacionamos racionalidade com objetividade e admitimos que todos possuem
preconceitos, pontos de vista e crenças que constroem e suas percepções. “Uma
maneira de ver”, como nos lembra Burke (1984, p. 49), “[...] é também uma maneira
de não ver”. Também admitimos que nossas crenças e assunções são corrigíveis,
que elas podem e irão mudar, e que, às vezes, uma mudança na crença é um epi-
fenômeno que segue uma mudança na experiência, outras vezes é um resultado
previsível de uma busca disciplinada e intencional de novas perspectivas ou de
evidências de provas, e de intercâmbio com os outros.
Assumimos que a última possibilidade representa uma condição necessária
à retórica. Também nos juntamos a Aristóteles ao admitirmos que é mais fácil
mudar as mentes aos poucos, e que a maneira mais prática de mover as pessoas
em direção a crenças não familiares é através de crenças familiares.
Isto posto, também admitimos a existência daqueles que detém firmemente
suas próprias crenças e são tão resistentes à mudança que merecem uma de-
signação especial. Em casos extremos, podem ser conhecidos como fanáticos.
No entanto, dentro do esquema ordinário das coisas, o termo ideólogo parece
bastante aplicável. Os ideólogos detêm, com notável tenacidade, um bocado de
ideias, suficientes para explicar, exaustivamente, algum aspecto do mundo, ou
uma semente de uma explicação universal. Eles são raramente afetados por ar-
gumentos a que se opõem ou por evidências que invalidam suas crenças. Face a
fatos pouco cooperativos ou a contra-argumentos fatais, eles podem optar por
descaracterizar ou ignorar a oposição. Enquanto aceitam a remota possibilidade
de que suas crenças possam ser, em um momento posterior, estremecidas, o ônus
da prova imposto aos críticos é quase inalcançável. A crença em Deus (o deles,
não o seu), no Livre Mercado, no Indecidível, ou no Novo Paradigma é completa e
quaisquer consequências maléficas que possam resultar do agir em nome de sua
85
A construção do argumento
86
A construção do argumento
julgamentos pontuais sobre a audiência, e revendo suas ideias afim de dar conta
de perspectivas sobre o efeito da mídia na comunicação e sobre o papel ativo que
a linguagem desempenha na compreensão.
Aristóteles transcende a eterna batalha entre filosofia e retórica, e torna a
retórica uma ferramenta respeitável, embora de segundo nível, para realizar nos-
sos trabalhos sobre o mundo. Ele é o primeiro grande sistematizador da retórica,
o primeiro a oferecer uma análise profunda de sua dinâmica, bem como sobre
a taxonomia de seus elementos. Evita também o problema crônico do filósofo
de permitir a busca pela perfeição – representada pela ciência e pela filosofia
– para esconder a busca da retórica pelo que é útil. Cria um espaço intelectual
para a retórica, apontando para o reconhecimento de verdades prováveis e para
o reconhecimento do impacto das circunstâncias sobre a verdade. Ele deixa
claro ainda que o maior poder da retórica não reside apenas na concepção dos
argumentos vencedores, mas também na capacidade de “se enxergar os meios
de persuasão disponíveis”. Um elemento importante dessa capacidade reside na
habilidade de argumentar de maneira persuasiva em qualquer um dos lados de
uma discussão. Não que isso seja um ensinamento, já que não se deve persuadir
sobre o que está aviltado, mas para que não nos escape o real estado de coisas
e para que possamos ser capazes de evitar que outra pessoa use o discurso de
forma injusta (Retórica, Livro I).
Aristóteles fez também do estudo da audiência uma ciência rudimentar. En-
quanto sua psicologia da audiência atinge provavelmente um leitor contemporâneo
imperfeito e estereotipado, a precursora da “psicologia dos humores”, ele define um
caso claro e convincente sobre a importância de se estabelecer uma base comum
com a audiência, considerando suas crenças e convicções. Quaisquer que sejam
as limitações de visão de Aristóteles sobre a psicologia da audiência, seu desejo
em tomar a audiência como elemento relevante representa um grande avanço em
relação à posição de Platão.
87
A construção do argumento
88
A construção do argumento
que ele nunca esteve completamente confortável com a emoção e o espetáculo, duas
das ferramentas primárias dos bardos e sofistas, e apenas hesitou a reconhecer
explicitamente seu valor. Ele inclui o espetáculo, nessas condições, como um dos
seis elementos do drama na Poética, mas relega a ele a menor importância entre
esses elementos, incluindo-o mais como trabalho do operador de palco do que como
arte do poeta. Além disso, discorda de quem atribui mais valor ao espetáculo do
que ao funcionamento interno da trama na criação de efeitos dramáticos.
Na Retórica, ele atribui aos autores de manuais, isto é, os sofistas, a ênfase
demasiada na retórica forense ou de tribunal: “[...] ataque verbal, a prece, a raiva
e outras emoções da alma não estão relacionadas ao fato, mas são apelos ao júri”
(Retórica, Livro I). Ao contrário, propõe maior ênfase sobre a retórica deliberativa
com seus apelos mais racionais. Implícita à crítica de Aristóteles ao espetáculo e à
emoção está a desconfiança sobre as opiniões populares, desconfiança potenciali-
zada por sua tendência, nas palavras de Burke (1969, p. 64), em ver a “[...] audiência
como algo puramente dado”, ao invés de, em arte, uma construção do orador. De
modo particular, ele lembra, em diversos momentos, as habilidades limitadas desse
tipo de audiência de compreender cadeias complexas de raciocínio.
O segredo para ajudar a superar a descrença de Aristóteles com o não racional
é olhar para além da tendência de desprezar a opinião pública. Enquanto a audiên-
cia for associada a pessoas preconceituosas e emotivas, as opiniões não racionais
na construção do argumento serão vistas com ressalva. Os estudantes precisam
ser expostos a um entendimento mais complexo de audiência. De modo particular,
precisam entender que a audiência, como vários teóricos reconhecem, é ao mesmo
tempo direcionada, suplicada, servida e criada. Por isso gostamos de dar início a
nossas aulas, desde o primeiro dia, ressaltando a metáfora do argumento como
uma conversa e o processo de invenção colaborativa. Essa noção da plasticidade
da audiência, como conceito puramente intelectual que pode ser difícil para os
estudantes compreender, é mais acessível no nível da interação entre pares.
89
A construção do argumento
Um segundo elemento útil das ideias de Aristóteles que precisa ser destacado
em sala de aula diz respeito às situações de uso do argumento. Parece que ele ima-
gina um número limitado de eventos e ocasiões em que o argumento é utilizado
(sessões legislativas, tribunais, ocasiões solenes), mas o argumento, atualmente,
está muito mais difundido. Pode-se ter contato com ele através da televisão, do
rádio, dos jornais impressos ou on line. Ele pode durar um longo período de tempo e
pode se consolidar aos poucos, através de chavões, réplicas, e anúncios de ataque e
contra-ataques. Às vezes, os argumentos, na esfera pública, tomam formas fluidas,
e expressam apoio ou crítica a uma posição, fazendo alusão a outra, e defendem
uma alternativa sem designar a outra à qual ela se opõe. Os argumentos polêmicos
não evoluem como evolui uma metástase, ou os interessados nas disputas dos talk
shows, nos noticiários, blogs, propagandas, editoriais, no vazamento de insinuações
maldosas e assim por diante, que oferecem novas, nem sempre confiáveis, revela-
ções “factuais” e linhas de raciocínio. Geralmente esses tipos de argumento incluem
mais de duas posições possíveis, às vezes, mais de duas. Nesse sentido, considera-
mos útil que os estudantes conservem jornais nos quais observem controvérsias
em andamento em vez de se concentrarem estritamente em argumentos escritos
descontextualizados. É interessante, a propósito, observar como novas linhas de
argumentação que aparecem em seções de revistas e editoriais são retiradas da
Internet e reproduzidas sem a identificação da fonte. Um dos nossos estudantes
deu um exemplo recente a esse respeito. Ele observou que a controvérsia sobre a
guerra no Iraque foi comparada ao Vietnã – que não é um fato comumente evocado
pelos apoiadores da guerra – nos argumentos de diversos conservadores pró-guerra
que apontaram o colapso quase imediato do exército Sul-Vietnamita após a saída
dos americanos. Como todas as analogias, essa sugere possibilidades múltiplas de
conclusão, incluindo a de que mesmo se permanecêssemos no Iraque, ou no Viet-
nã, ou mesmo se perdêssemos todas as vidas como as que perdemos, ainda assim
isso não garantiria a soberania do governo iraquiano. Os apoiadores da guerra, de
90
A construção do argumento
91
A construção do argumento
92
A construção do argumento
93
A construção do argumento
que “os subprodutos não intencionais” (BURKE, 1984, p. 226) de suas ações sobre-
põem-se às gloriosas possibilidades que deram suporte ao princípio originário. Um
exemplo clássico de burocratização diz respeito à inversão da doutrina puritana
da eleição, cujos sinais são convertidos em causas, e, simultaneamente, os “eleitos”,
quem quer que seja, a empregam para herdar seus benefícios, tidos como presentes
divinos, enquanto o fracasso dos não eleitos é atribuído à falta de piedade divina.
Um programa religioso destinado a encorajar a humildade e a abnegação é assim
transformado em apologia do status quo e um exercício insípido de melhoria de
posição social. A lógica básica por trás dessa enganação de trezentos anos ainda
pode ser observada em argumentos presentes no discurso político americano atual.
Como aponta Burke (1984), todos os sistemas designados para transformar ideais
em ação, eventualmente, atingem um ponto de rendimento decrescente quando a
manutenção do status dentro do sistema torna-se a razão de ser do próprio sistema.
Infelizmente, as observações de Burke (1984) sobre a burocratização tornam-
-se verdade em todas as tentativas de sistematização, até mesmo em tentativas
de sistematizar o entendimento retórico. Adotar uma metodologia da invenção
significa “[...] que os desenvolvimentos são treinados pela rotina. Ciência, conhe-
cimento, é a burocratização do saber” (BURKE, 1984, p. 228). A rotina, para ser
útil, deve apresentar um caráter axiomático. Ou, nas palavras simples de Burke, a
rotina torna-se o “caminho da roça” que foi “conservado não porque foi criticado,
avaliado e julgado como o melhor processo possível, mas simplesmente porque
nunca foi questionado” (BURKE, 1984, p. 228). Nem mesmo a metodologia de Burke
está excluída dessa crítica.
94
A construção do argumento
95
A construção do argumento
96
A construção do argumento
partes de um discurso persuasivo. Cada caso era previsto pelas regras e catego-
rias da retórica enquanto as “circunstâncias mitigadas da vida” (KENNEDY, 1999,
p. 267) eram ignoradas em prol do encaixe dos casos nas devidas categorias e do
encontrar uma solução ditada pela categoria. Assim, quando a Retórica abandona
as circunstâncias mitigadas e particulares de uma situação, deixa de ser Retórica
em qualquer sentido válido.
Em outras palavras, esse foco que a Retórica atribui às regras se dá em função
da atenção à unicidade de cada situação retórica, uma preocupação que os pri-
meiros gregos chamavam de kairos (oportunidade). O kairos era particularmente
importante porque servia como ferramenta para resolver antinomias aparentes
geradas pela abordagem antilógica de compreensão dos sofistas. A propósito da
preocupação de Górgias com o kairos, Kennedy (1999, p. 66) assinala: “[...] qualquer
problema posto envolve escolha ou compromisso entre duas antíteses de modo que
a consideração do kairos, isto é, do tempo, lugar e circunstância [...] pode resolver
o dilema e levar à escolha da verdade relativa e à ação”. Quando as leis e princí-
pios (ou regras dos retóricos) se contradizem, a lógica e os sistemas engessados
deixam de ajudar a solução do impasse. As hierarquias cujos valores são dados a
priori não poderão ajudar a decidir qual regra legítima, entre duas ou mais, é mais
apropriada para um conjunto particular de circunstâncias. A menos que se possa
tomar tais decisões, não se pode agir e a Retórica torna-se uma atividade cerimo-
nial virtualmente inútil na esfera pública, exceto enquanto forma degradada de
entretenimento. Algo que aprendemos, a partir de práticas derivadas das várias
versões históricas do problema do engessamento, diz respeito ao entendimento
de que a Retórica é a “ciência das instâncias particulares”, e de que, ao cabo, os
métodos devem acomodar as circunstâncias.
Nossa tendência em esquecer a centralidade da circunstância para o entendi-
mento na Retórica é literalmente visível em aulas de escrita há séculos. Qualquer
um que tenha ensinado escrita na faculdade por mais de vinte anos irá reconhecer
97
A construção do argumento
98
A construção do argumento
99
A construção do argumento
ou seja, aqueles cujo foco é “[...] ajudar os leitores, ou a sociedade como um todo,
a se livrar de vocabulários e atitudes ultrapassadas, ao invés de prover uma base
para as intuições e costumes do presente”.
A principal questão colocada por esses filósofos edificantes é a de saber como
evitar que nos tornemos vítimas da própria linguagem, da qual precisamos para
ter acesso ao mundo. Ou, como o Lord de Burke lembra ao diabo no diálogo con-
clusivo de The Rhetoric of Religion (A Retórica da Religião): “Onde as pessoas são
implicadas, qualquer terminologia é suspeita na medida em que ela não permite
a crítica dela mesma” (BURKE, 1970, p. 303). Para Burke (1970), o segredo para
atingir esse tipo de autoconsciência autocrítica é a sua abordagem dramática da
compreensão, por ele alcunhada, nos primeiros trabalhos, como “perspectiva por
incongruência”. Hans Blumenberg (1987, p. 439) refere-se a algo muito parecido
com a perspectiva por incongruência, quando cita “[...] o procedimento de entender
uma coisa por meio de outra”.
Para Burke (1970), entender algo não significa entender enquanto algo, um
membro de uma categoria, mas significa ver uma coisa nos termos de outra. Disso
decorrem os ratios do seu método, chamado dramatismo. De acordo com o drama-
tismo, há cinco (eventualmente seis) elementos que contribuem para um entendi-
mento bem definido das motivações humanas: ato, cena, agente, meios, propósito, e,
por último, atitude (que é um ato incipiente). Ao analisar um discurso para entender
por que algo foi feito, ou por que deveria ser feito, considerar-se idealmente todas
as combinações possíveis dos elementos; ato-cena, cena-ato, agente-cena, e assim
por diante. A relação entre quaisquer dois elementos é expressa como um ratio. Em
qualquer ratio, o segundo termo funciona como um tipo de parte essencial provi-
sória para o par. Assim, por exemplo, em um ratio ato-cena, o ato é entendido “nos
termos da” cena, que, de fato, é a lente através da qual o ato é compreendido. Várias
escolas filosóficas se caracterizam pela tendência de privilegiar um dos termos,
continuamente enxergando todos os outros elementos “nos termos” do elemento
100
A construção do argumento
101
A construção do argumento
tembro “nos termos” de outra coisa ameaça a visão de mundo de Leo, que passa a
ser desconsiderada. Fish, por outro lado, vê que a tarefa, diante de nós, ultrapassa
os vários “falsos universais” que nos impedem de ver o mundo que eles nomeiam e
de nos “colocar no lugar do adversário”. Apenas com essa maneira de desconstruir
uma visão de mundo é possível manter-se atento aos princípios fundantes dessa
visão, “os valores particulares vividos que nos unem e são assumidos pelas insti-
tuições que valorizamos e desejamos defender”. O argumento de Fish contra Leo,
em suma, ilustra muitos dos princípios básicos do argumento que Burke delineou
tão eloquentemente em sua longa carreira.
O realismo de Burke
102
A construção do argumento
Burke, sugere que não se pode usar a linguagem simplesmente para nomear um
assunto imediato. Toda palavra que designa o que algo é necessariamente designa
o que algo não é. Consequentemente, a conotação de uma palavra é tão crucial para
Burke quanto o que ela denota.
De fato, não temos acesso ao que é individual exceto através do que é simbólico
ou categórico: “[...] homem, qua homem é um usuário de símbolo. A esse respeito,
qualquer aspecto de sua ‘realidade’ é possível ser visto através de uma névoa de
símbolos (BURKE, 1969, p. 136). Enquanto animais usuários de símbolos, os huma-
nos experienciam “[...] diferenças entre esse fato e o que constitui uma diferença
entre um tipo de ser e outro” (BURKE, 1969, p.282). Essa tensão entre o particular
e o geral, entre a função denotativa e a conotativa da linguagem, precisamente,
nos leva à ressonância simbólica e nos permite ver uma coisa “nos termos” de
outra. Sem essa ressonância e a capacidade de “multiplicar entidades” além do
aqui e agora, seria impossível a linguagem induzir à cooperação entre indivíduos,
marcados simultaneamente por similaridades e diferenças.
Outra vez, essa discussão sobre o realismo filosófico de Burke pode parecer
distante do ensino. Certamente não é. Tomemos, por exemplo, a noção de politi-
camente correto. Como termo ostensivamente neutro, tem sido manejado, recen-
temente, de maneira mais eficaz pelos conservadores no debate público nacional.
Liberais reticentes, assim argumenta-se, são incapazes de “dizer como as coisas
são”. Estão sempre a inventar expressões eufemísticas para encobrir suas várias
“agendas”. Em tom rude, os sábios conservadores “de fala simples” passam a atingir
o verbalismo pretensioso dos liberais e a substituí-lo por uma linguagem “clara e
simples como a verdade”, transformando “ações afirmativas” em “discriminação
reversa” e assim por diante (o comediante Steven Colbert, do programa “Colbert
Report”, faz paródias sobre a franqueza do comentarista conservador Bill O’Reilly,
no quadro “Palavra do dia”.
103
A construção do argumento
7. Burke (1969, p. 183-4) assinala uma “ordem positiva dos termos”, capaz de nomear as coisas no aqui
e agora, e recomenda manter-se nessa ordem sempre que possível. Mas além de terminologias altamente
convencionalizadas, como nas ciências, que evitam a linguagem natural e estipula termos nativos para o
discurso, as oportunidades para limitarmo-nos na ordem positiva são extremamente limitadas.
104
A construção do argumento
105
A construção do argumento
seu realismo que o leva a valorizar alguém como Willian James, considerado um
“meliorista” (BURKE, 1984, p. 3), alguém famoso por escolher em aceitar o universo
ao invés de contestar, e que prefere acreditar em bases bastante pragmáticas, cuja
fé “o permitiu ter o senso de mover-se em direção a algo melhor” (BURKE, 1984, p.
5). Com frequência, o expresso ceticismo de Burke em relação ao perfeccionismo é
a contraparte de sua admiração pelo meliorismo. Da mesma forma, sua destituição
como um “perfeccionismo reverso” (BURKE, 1966, p. 100), uma crítica bastante
dura que extirpa as bases de uma posição tomada, é sintomática de um realismo
balanceado que sempre encontra elementos das pessoas e sistemas que ele critica
em sua própria pessoa e crenças. Não há oposições simples no realismo de Burke,
não há certos ou errados absolutos, não há diferenças categóricas. Toda substância
contém elementos de substâncias extrínsecas a ela mesma. Em todos os pontos
dos vários contínuos que Burke supõe, residem elementos de ambos os extremos
do contínuo. Burke (1969, p. 23) aceita o fato de que vivemos em um mundo pós-
-Babel, e que, por consequência, a Retórica deve perseguir seus temas “[...] dentro
da lúgubre região da malícia e da mentira”. Dado que as soluções perfeitas nunca
estão disponíveis,
106
A construção do argumento
107
A construção do argumento
8. O ensaio de Perelman publicado em 1970, The New Rhetoric: A Theory of Practical Reasoning, reimpresso
em 2001 (PERELMAN, 2001), representa uma síntese ainda mais eficiente do sistema.
108
A construção do argumento
109
A construção do argumento
110
A construção do argumento
9. É claro que Lucie Olbrechts-Tyteca, como pessoa “erudita em ciências sociais e literatura europeia” (Bizzell;
Herzberg, 2001, p. 1371), merece um crédito especial por encontrar e selecionar exemplos pertinentes que
tornam a teoria de Perelman significativamente mais útil e mais atrativa.
111
A construção do argumento
112
A construção do argumento
fato, uma audiência universal. Ambas são ideais que norteiam quem argumenta
para além da persuasão “direcionada” – “o que me fará trazer essa audiência
para minha posição? ” – em direção ao trabalho de um entendimento completo
do tema. A audiência universal não é necessariamente uma audiência mais po-
pulosa que a particular. Quando escrevemos para audiências eruditas e críticas
em nossas especialidades, presumimos seu ceticismo e sua perspicácia que nos
leva aos melhores e mais razoáveis argumentos. Os publicitários que empurram
cerveja suave para homens brancos na faixa dos 18 aos 29 anos querem, sem
dúvida, atingir faixas menores.
113
A construção do argumento
10. A contribuição do ensaio produzido por Fahnestock e Secor (1983) às teorias contemporâneas do argumento
é exemplar tanto em termos do importante impacto no campo quanto da abordagem particular sobre a
teoria. Boa parte dos melhores trabalhos recentes sobre retórica e escrita se desenvolveu como adaptação de
abordagens antigas ou como uma adaptação de abordagens de outros campos às necessidades do argumento
contemporâneo. Além do trabalho de Fahnestock e Secor (1983), o criativo trabalho de John Gage (1983) sobre
o entusiasmo dos estudantes com a escrita exemplifica o primeiro tipo de contribuição, enquanto a adaptação da
psicanálise ao domínio da retórica, promovida por Richard Young, Alton Becker e Kenneth Pike, é um exemplo
da segunda. Um grande número de livros e artigos interessantes e úteis sobre retórica e escrita vem sendo
escrito nos últimos anos por intelectuais do campo, mas ainda não presenciamos o desenvolvimento pleno de
teorias do argumento para confrontar com as que são desenvolvidas no campo da comunicação e da Filosofia.
À medida que consideramos essas últimas de utilidade limitada à sala de aula, apreciamos o intercâmbio rico
e apaixonado sobre argumento regularmente desenvolvido nesses campos.
11. A taxonomia da Stasis aqui utilizada provém, em grande parte, de Ramage, Bean e Johnson (2007).
114
A construção do argumento
O esquema desenhado por Ramage, Bean e Johnson (2007) possui cinco ele-
mentos e inclui: definição (X é/não é uma instância de Y), semelhança (X é/não é
como Y – os autores definem duas variedades de semelhanças, as precedentes e
as analogias), causa (X é/não é a causa de Y), avaliação (X é/não é um bom Y) e
ética (X é/não é bom)12. As três últimas Stasis são derivadas dos dois primeiros
tipos de discurso, o deliberativo e o epidítico, enquanto as duas primeiras são
derivadas do jurídico. Os autores enfatizam que cada uma é um tipo de reivin-
dicação oposto a um tipo de argumento (apesar de dispor de uma reivindicação
maior que pode ser usada para caracterizá-lo como um todo), e isso tipicamente
inclui inúmeras reivindicações dos mais variados tipos. O objetivo das Stasis
não é servir como uma taxonomia dos argumentos, mas ajudar os estudantes a
entender as demandas peculiares dos arrazoados e das evidências geradas por
um tipo de reivindicação.
Entender isso pode ser usado para antecipar as necessidades persuasivas
dentro dos próprios argumentos e para reconhecer os lugares dos outros nos
quais tais demandas são ou não são atendidas. Os breves traços associados a cada
tipo de reivindicação servem para representar o impulso geral das proposições
incluídas na categoria. Nos argumentos reais tais reivindicações geralmente to-
mam diferentes formas, exigindo em alguns casos uma interpretação significativa.
Como foi dito em nossa discussão sobre o possível engessamento da Retórica,
sempre há um tipo de troca entre a facilidade com a qual uma metodologia pode
ser aplicada e o perigo de que as conclusões dessa aplicação sejam simplificadas
em excesso. Defendemos que o benefício de oferecer aos estudantes uma abor-
dagem coerente ao argumento supera os perigos do engessamento, mas deve-se
12. Em versões mais recentes das Stasis, Ramage Bean e Johnson também esboçam uma distinção entre Stasis
categoriais e definidoras a depender se os critérios compõem a categoria Y ou se a correspondência entre
critérios e características de um X particular constituem o foco do debate. Aqui continuamos a tratar ambos os
casos sob a rubrica de definição.
115
A construção do argumento
116
A construção do argumento
117
A construção do argumento
118
A construção do argumento
de natureza. Para eles, a definição original do termo, como foi entendido pelos
que pensaram a Constituição, é imanente ao texto, que é a única fonte legítima
de sentido13.
Historicamente, as posições mais literais sobre a interpretação jurídica são
difíceis, quando não impossíveis de serem mantidas, daí ser frequente juízes “de
esquerda” defenderem uma visão menos rígida da interpretação, durante anos,
sobre assuntos extremamente complexos de reivindicação de definição e de se-
melhança14. Entre os fatores que claramente influenciam os juízes a tornarem-se
mais flexíveis em procedimentos interpretativos em face ao protesto de pares ori-
ginalistas são as mudanças das circunstâncias históricas que envolvem os casos.
Aqui o axioma de Burke “as circunstâncias alteram os argumentos” é um guia útil.
Por exemplo, muitos anos após a Corte ter rejeitado as leis de Jim Crow e outras
que previam diferenças categóricas entre afro-americanos e brancos, e, assim, não
contemplados pelos mesmos direitos e garantias, leis contrárias ao casamento entre
raças continuaram ativas. Finalmente, no despertar do movimento dos Direitos
Civis dos anos sessenta, a última dessas leis foi derrubada. Enquanto o princípio
de igualdade racial foi abraçado um século antes, a lei foi mais lenta para estender
a regra da justiça a práticas como a miscigenação, pois os hábitos tornavam as leis
antimiscigenação parecerem “naturais”, e foi necessário um levante histórico para
ajudar a Corte a elaborar uma nova perspectiva sobre o assunto.
13. Em mais de uma ocasião, alguns juízes citaram o Dicionário de Sam Johnson, publicado em 1756, o único
dicionário de língua inglesa existente, quando a Constituição foi esboçada, como uma tentativa de divinizar como
os constituintes estavam empregando determinado termo. Presumivelmente, esses mesmos juízes optaram por
não citar a definição de “democracia” de Johnson, presente nesse dicionário, e ilustrada com uma citação do
Dr. Arbuthnot: “Como o governo britânico possui uma mistura democrática dentro de si, o direito de inventar
tensões políticas reside parcialmente no povo”.
14. Talvez, sem surpresa, a mais notável exceção a essa regra, o juiz Antonin Scalia, que, após mais de duas
décadas na Suprema Corte, mantem-se um originalista ardente, é o filho de um crítico formalista, a versão
literal da teoria strict constructionism.
119
A construção do argumento
120
A construção do argumento
Leo, os autores da Nova Retórica afirmam que, enquanto outros tipos de premissa
apelam a uma audiência universal, os valores reclamam “apenas a adesão a gru-
pos particulares” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTEXA, 1969, p. 74). No tocante às
reivindicações da universalidade de valores como “o Verdadeiro, o Bom, o Belo e
o Absoluto”, os autores dão a seguinte resposta.
De modo a ilustrar como a Nova Retórica pode nos ajudar a articular a diferença
entre reivindicações avaliativas e reivindicações éticas, consideraremos o papel
do médico e ex-senador Bill Frist no caso Terry Schaivo. Cumpre lembrar que esse
caso ocorreu na Flórida e envolveu um conflito entre os pais da mulher e o marido
sobre a remoção de tubos de alimentação, que a levaram à morte. Um número de
médicos responsáveis por Schaivo declarou seu “estado vegetativo permanente”,
condição sob a qual as leis da Flórida permitem a eutanásia. O estado interveio a
favor dos pais e os tribunais deram decisão contrária, a tal ponto que membros
do Congresso Norte-Americano tentaram intervir em favor dos pais. O senador
Frist chegou a alegar que Schaivo não estava em estado vegetativo permanente
ao assistir a um breve vídeo.
Com esse pano de fundo, consideremos as diferenças entre um julgamento
avaliativo das habilidades médicas de Frist e o julgamento ético de sua interven-
ção no caso. A excelência de Frist como médico é melhor mensurada por padrões
gerais da profissão médica e pelos padrões de sua especialidade (cirurgia cardía-
ca) dentro dessa profissão. “Comparado a quem” ele é um excelente cirurgião? Os
julgamentos implícitos em reivindicações avaliativas são sempre condicionados
121
A construção do argumento
a esse tipo de perguntas. Ao formar uma resposta para essas questões, é nossa
incumbência selecionar o menor grupo de referência aplicável e tirar daí nossos
critérios, e agirmos com prudência para que esses critérios cumpram sua função
no grupo a que servem. Desse modo, enquanto todos os médicos deveriam possuir
uma confortante relação médico-paciente e um grau razoável de destreza manual,
os médicos de família devem ser julgados mais pela relação médico-paciente do
que pela destreza manual. Na medida em que as pessoas se opõem às funções da
classe e aos pesos atribuídos por diferentes critérios, o debate ultrapassa o domínio
médico e sua avaliação. Quem discorda tem de apresentar valores de seu repertório
pessoal e fazê-los valer na profissão médica.
Em relação à oposição de Frist de remover os tubos de alimentação de Ter-
ry Schaivo, por outro lado, o julgamento dessa ação não é condicional na mesma
medida em que as reivindicações de avaliação do tipo precedente costumam ser.
A ação tomada por ele não pertence à classe mais ampla de ações portadoras de
critérios derivados da função da classe. Os critérios para julgamento da qualidade
da ação devem vir de crenças pessoais e valores de quem julga. Essa é a dimensão
“local” do julgamento ético aludida pelos autores da Nova Retórica. A fonte do jul-
gamento é local, mas as implicações do julgamento são universais. Certamente há
casos, como o do dos Nazistas citado por John Leo, no qual a proporção dos que
concordam com o julgamento é tão ampla que chega a ser virtualmente universal.
Porém, poucas questões éticas seriam pertinentes se a concordância com todos os
julgamentos fosse tão assimétrica.
Desse modo, enquanto apenas uma parcela de pessoas pode concordar com
Frist no que diz respeito à remoção do tubo de alimentação de uma pessoa em
permanente estado vegetativo por quatorze anos, a reivindicação implica que to-
dos devem concordar com o julgamento. O fato de ele ser médico, nesse tempo, dá
a ele pouco poder no debate moral sobre eutanásia. Qualquer argumento por ele
oferecido à população norte-americano, da qual três quartos discordaram quando
ele se opôs à morte de Schaivo, teria fundamento moral. Enquanto em um nível
122
A construção do argumento
geral todos podem concordar com esse médico de que uma “cultura da vida” é
uma boa ideia, o caso de Schaivo compeliu o público a “entrar em detalhes” sobre
o significado desse princípio, e, quando assim o fizeram, houve muita dissidência.
Esse resultado é previsível por qualquer leitor da Nova Retórica.
No contexto da teoria proposta por Perelman e Olbrechts-Tyteca, o que po-
deria parecer à primeira vista ser uma tarefa simples no contexto da teoria das
Stasis é, ao fim, bastante complicado. De acordo com a Nova Retórica, as pessoas
não subscrevem monoliticamente a valores. Indivíduos e grupos hierarquicamente
mantêm valores, e é por isso que dois indivíduos que pertencem nominalmente
ao mesmo grupo e admitem os mesmos valores podem ranqueá-los de maneiras
significativamente diferentes. Duas pessoas, desse modo, que admitem os valores
sobre a “cultura da vida” podem concordar que o aborto é algo muito ruim, e, ao
mesmo tempo, se dividir sobre o papel da pesquisa com células-tronco. Por sua
vez, tais diferenças sobre a questão do uso de células-tronco podem refletir outra
distinção de tipos de valores discutida por Perelman e Olbrechts-Tyteca, a distinção
entre valores concretos e abstratos. Não importa o quão ardentemente alguém se
oponha ao sacrifício de vidas humanas em termos abstratos, pode-se abrir uma
exceção para o caso da pesquisa com células-tronco, quando algum ente querido
é atingido por uma doença grave cuja possibilidade de cura é aumentada por esse
tipo de pesquisa. Novamente, o que a Nova Retórica nos ensina sobre a reivindica-
ção por valores é que o julgamento sobre o nível de bondade ou maldade é guiado
pela natureza local dos valores em questão. Os valores em questão raramente são
tomados como simplesmente bons ou maus. Eles são melhores ou piores que outros
e a interação entre eles pode atenuar ou intensificar os julgamentos baseados neles
mesmos. Por isso a probabilidade de alguém diminuir a adesão da audiência a um
valor ao evocar uma alternativa mais estimada é maior se comparada à tentativa
de desacreditar e desmerecer o valor contestado.
123
A construção do argumento
124
A construção do argumento
125
A construção do argumento
aponta para exceções à regra implicada pela garantia. No caso de nosso amigo
sueco, a possibilidade, digamos, de ter passado férias na Itália, ter-se apaixonado
por uma católica e converter-se para poder casar na igreja. Já o “reforço” inclui
todas as certezas de que a garantia por nós usada é aceitável. Nesse caso, podem
ser dados estatísticos que apontam para a pequena proporção de suecos adeptos
do catolicismo.
É usual encontrar o esquema de Toulmin reduzido a apenas três dos elemen-
tos: dado-garantia-tese, ou, como proposto em alguns livros didáticos, evidência-
-razão-conclusão. Esse trio é provavelmente menos difícil para os novatos, mas
quando se simplifica o esquema dessa maneira, perde-se muita da precisão da
abordagem do autor: muitas garantias podem ser definidas como razões, mas é
impossível converter razões em garantias. Além disso, razões também servem
como motivação. A simplificação do esquema acarreta igualmente uma perda de
transparência ou aquilo que o autor cunhou como a “sinceridade”. A função primária
desses elementos, afinal, é extrair informações das partes de um argumento, que
podem passar despercebidas. Quando solicitamos aos estudantes para indicarem
o qualificador e o reforço, convém lembrar que esses elementos operaram no do-
mínio das probabilidades e das contingências e não são categóricos, forçando-os a
calibrar cuidadosamente o grau de confiança na tese e assinalar as possibilidades
sob as quais ela não se sustenta.
Indo mais ao ponto, o esquema de Toulmin pode “substituir” um auditório
cético, ou aquilo que o autor se refere como um “desafiante”. A esse respeito, Os
Usos do Argumento, assim como a Nova Retórica, é fortemente influenciado pelo
modelo jurídico de argumento. Ao passo que o silogismo categorial representa em
última instância um argumento por autoridade – o sistema da lógica não oferece
uma maneira de questionar a veracidade dos termos ou de desafiar suposições –
o esquema de Toulmin antecipa questões sobre a veracidade, levantadas por um
“conselho opositivo”, em cada circunstância. Dito de outra forma, os slots no esque-
126
A construção do argumento
127
A construção do argumento
Para ilustrar a abordagem de Toulmin é preciso que nos movamos das teses
diretas e pouco controversas de que ele se vale em direção a teses mais contro-
versas e abertas que os estudantes podem, de fato, empregar ou encontrar em
um discurso persuasivo. Para tomarmos emprestada uma controvérsia recente
no discurso político norte-americano, consideremos a seguinte: “uma parte da
contribuição dos trabalhadores norte-americanos à seguridade social deve ser
colocada em contas de investimento pessoal”. Como geralmente é o caso, essa tese
aparece com o mínimo de reserva ou qualificação. De maneira a acessar a validade
da tese, devemos perguntar o que o orador pode ter em mente para servir de dado,
garantia, reforço, qualificador ou reserva. Em outros casos, como nesse, devemos
supri-las ou inferi-las de outras declarações feitas pelo mesmo orador.
O mais proeminente dos dados aduzidos para justificar a tese é algo da se-
guinte ordem: “o sistema de seguridade social estará falido em breve”. A primeira
coisa a ser notada sobre esse dado em particular é o fato de que ele próprio é
uma tese. De fato, as bases para os argumentos do mundo real são geralmente
reivindicações não imunes a questionamentos, particularmente quando se está
engajado em temas relativos a políticas públicas, diferente das controvérsias de
outros campos bem definidos cujas regras são explícitas e acordadas por con-
venção. Os dados raramente sobem ao nível dos “fatos” (mantendo-se em mente
que “fatos” são aqui entendidos como medida de concordância de uma audiência,
e não da correspondência entre uma proposição e a realidade extralinguística)
e são suscetíveis a desafios. São, para ficarmos seguros, uma reivindicação mais
128
A construção do argumento
129
A construção do argumento
130
A construção do argumento
131
A construção do argumento
tribuições aos benefícios a que eram destinadas? Qual o efeito da perda de trilhões
de dólares em contribuições para a saúde financeira dos programas de seguridade
social existentes? Ao cabo, proponentes das contas privadas recuaram na alegação
de que resolveriam os problemas da seguridade social e as recomendaram por
razões distintas.
Ter garantias explícitas significa que podemos ser mais específicos sobre os
requisitos para um reforço apropriado. Quais evidências há, de fato, de que a pri-
vatização é um meio eficaz para solucionar problemas com programas públicos?
Aqui os proponentes poderiam se voltar para um conjunto misto de evidências, os
casos nos quais a privatização foi ou não eficaz. Um precedente frequentemente
citado que pode servir de reforço à nossa garantia é o caso do Chile, que privatizou
integralmente o sistema no final da década de 1970. No entanto, mesmo esse pre-
cedente falhou em prover um reforço sólido à garantia que a tese desqualificada
parecia apelar. No geral, o sistema chileno funcionou bem, mas muitas análises
sugerem que funcionou melhor para a classe média e para a classe alta do que
para os mais pobres, cuja maioria teria se beneficiado mais com o programa social.
Considerando que a seguridade social é um instrumento para diminuir a margem
de pobreza entre idosos norte-americanos a mais ou menos dois terços (de cerca
de 30% para 10%) desde a década de 1970, esse foi um aspecto preocupante da
experiência chilena. Além disso, a vida do programa chileno, em paralelo, ofere-
ceu condições para o maior aumento de preço de ações na história da negociação
de bens públicos, o que levou algumas pessoas a questionarem o valor preditivo
dessa ação. O programa chileno está, neste momento, sendo reformulado de modo
a tentar atenuar a tendência de encurtamento de benefícios aos mais pobres.
Hoje em dia, a proposta de privatização do sistema de seguridade social nos
Estados Unidos está parada em função do crescente volume de críticas, mas ainda
permanece como uma possibilidade no horizonte das políticas públicas. As reivin-
dicações ousadas e não modificadas que defendem as contas privadas falharam na
tarefa de ganhar amplo apoio público, apesar do grande volume de capital financeiro
132
A construção do argumento
133
A construção do argumento
Resumo
Em síntese, o que os professores podem extrair dessa breve história? Das anti-
gas contendas com a Filosofia, podemos aprender a abraçar as bases “realistas” de
nosso empreendimento, a aceitar o fato de que não podemos prometer certezas ou
verdades com “v” maiúsculo como efeito da argumentação. Podemos, entretanto,
oferecer meios para atingir um entendimento mais completo e mais complexo do
mundo e uma probabilidade maior de que esse entendimento será traduzido em
ações e decisões. Podemos lembrar o fato de que o primeiro livro abrangente de
teoria retórica, A Retórica de Aristóteles, é um manual para a participação cidadã
na democracia grega, e que, de início, precisamos preparar não especialistas a
cumprir com suas obrigações como cidadãos. Podemos oferecer, sem desculpas,
meios sistemáticos para a formulação e teste de argumentos, mesmo se nos man-
temos cautelosos de que esses meios não oferecem soluções baratas e rápidas.
Podemos, na aurora da “virada linguística” da Filosofia em que o poder da lingua-
gem em construir e também representar a realidade é algo reconhecido, aceitar a
responsabilidade em ajudar as pessoas a “quebrar as correntes de um vocabulário
desgastado” e assegurar que qualquer terminologia por nós empregada é capaz de
um “progresso crítico de si mesma”. Quando a linguagem é entendida como funda-
mentalmente metafórica e carregada de valor em vez de literal e neutra, quando
o entendimento é compreendido como maneira de ver uma coisa em termos de
outra (identificação) e não como consciência de que uma coisa é outra (identidade),
a interpretação deixa de ser um exercício de desambiguação de linguagem pouco
134
A construção do argumento
135
A construção do argumento
sentação, aos filtros através dos quais as mensagens são direcionadas ao público, à
maneira pela qual câmeras, microfones, iluminação e cenários prendem a atenção
em determinadas características em detrimento de outras. Devemos atentar às
maneiras pelas quais os gêneros – discurso político, editorial, carta ao editor, talk
shows, anúncios impressos e televisionados etc. – afetam nossa percepção do texto.
Muitas vezes as dimensões não racionais – não confundir com “irracionais” – do
argumento são mais importantes do que os fatores racionais para determinar a
eficácia de um dado argumento. Por isso devemos aprender uma maneira de ler
isso. Devemos oferecer oportunidades aos nossos estudantes para trabalharem com
os argumentos em suas diferentes facetas e não limitá-los a operar com coleções
antológicas de argumentos muito longos, geralmente direcionados a audiência de
escopo muito limitado.
Ao adaptar as teorias contemporâneas para a sala de aula, nossos desafios
são mais específicos. Como organizar uma aula focalizada em torno das diversas
abordagens aqui discutidas? Sem sermos muito doutrinários, encorajamos algo
da seguinte ordem. Ler profundamente a obra de Burke, em especial A Rhetoric of
Motives, e Perelman e Olbrechts-Tyteca, especialmente o Tratado da Argumentação
– A Nova Retórica, de forma a desenvolver um quadro conceitual a partir do qual se
ensina a argumentar. Entretanto, a abordagem mais adaptável e útil para o ensino,
a nosso ver, é a abordagem da Stasis Theory. Ela tem espaço de sobra para acomodar
qualquer assunto, funciona bem para a formulação e análise do argumento, e ofe-
rece aos novatos uma linguagem razoavelmente simples para discutir argumento.
Por fim, recomendamos o uso cuidadoso e limitado de Toulmin em conjunção com
a leitura profunda das reivindicações maiores nos argumentos dos estudantes.
A aplicação das ideias desse autor pode ser muito útil para o segundo estágio do
esboço na escrita, quando os estudantes conhecem o argumento o suficiente para
perceber os pontos fortes e fracos, e estão suficientemente comprometidos a ponto
de serem desafiados, mas não derrotados, pelas severas interrogações advindas
do esquema proposto por Toulmin.
136
Capítulo 2
Questões sobre argumentação15
Neste capítulo, vamos examinar quatro questões conexas que delineiam nosso
entendimento sobre o argumento e seu valor em sala de aula. Primeiro, criticamos
a prática tradicional de “falácias informais”, dando especial atenção à lacuna entre
os modelos formais de falácias e sua aplicação atual. Segundo, vamos estender essa
crítica à pragma-diáletica, influente escola de teoria do argumento, e seu esforço
para construir um paradigma em que as falácias podem ser mais precisamente
definidas e avaliadas. Terceiro, usando a taxionomia das práticas composicionais
de Fulkerson (1996), recentemente atualizada, vamos verificar as principais al-
ternativas para o ensino do argumento em aulas de escrita, e situar o ensino do
argumento entre essas práticas. Finalmente, vamos considerar os prós, os contras
e os desafios do ensino da propaganda em uma aula dedicada à construção do
argumento.
137
A construção do argumento
138
A construção do argumento
Eemeren et al., 1996, p. 58-59). Posto dessa forma, o argumento pareceria ser o
mais completo absurdo e incapaz de enganar o mais crédulo dos interlocutores.
Até em seu formato original de diálogo parece ser completamente evidente. À luz
do pensamento de Aristóteles, essa é uma falácia dependente da linguagem ba-
seada em “uma mudança ilegítima de um atributo de uma propriedade acidental
de um sujeito [...], ao próprio sujeito ou vice-versa. O que Aristóteles entende aqui
por ‘acidental’ não é claro” (EEMEREN et al., 1996, p. 59). Mesmo se pudéssemos
imaginar o que precisamente Aristóteles tinha em mente ao designar um atributo
“acidental”, a maioria de nós acharia a sua explicação desnecessariamente tortuosa
e complexa. O simples fato de um cachorro ser o pai de alguns filhotes não o faz pai
de toda pessoa no mundo, assim como designar alguém como esposa não implica
designar todo o resto no mundo como seu marido. Essa é uma grande categoria de
erro do tipo que pessoas, na vida real, simplesmente não cometem.
A única razão para classificar isso como uma “falácia dependente da lingua-
gem” é o fato de que é tão absurdamente grosseira que poucas pessoas são passíveis
de serem enganadas pela artimanha linguística que transforma “seu” e “pai” em
propriedades universalmente aplicáveis. De fato, muitos dos exemplos de falácias
paradigmáticas de hoje são por si mesmos mal engendrados como os exemplos
antigos. Isso não surpreende, uma vez que muitos deles parecem ter sido retirados
de exemplos de falácias de livros didáticos também antigos.
Mesmo assim, as falácias continuam a ser um ponto essencial nas aulas de
escrita dedicadas ao argumento, a despeito do fato de que, como Fulkerson (1996,
p. 96) ressaltou, “[...] nunca houve uma definição consensual ou uma classificação
utilizável de falácias”, e o número atual de falácias mencionado nos livros didáticos
varia demais, inclusive com nomes diferentes. Na tentativa de tornar o estudo das
falácias mais útil para os professores de escrita, Fulkerson (1996) cita o trabalho
da lógica informal, em especial uma definição de falácia desenvolvida por Kahane
(1971). De acordo com a análise de Fulkerson (1996, p. 97) dessa definição, existe
uma falácia se alguém não puder responder “sim” para as seguintes questões:
139
A construção do argumento
Fulkerson (1996) deixa de lado a terceira questão com base no fato de que
ela trata das regras de dedução formal que a torna difícil de ser aplicada sem se
dispensar um tempo extenso com o ensino de lógica, tempo que poderia ser melhor
utilizado em questões mais relevantes. Além disso, problemas de lógica formal ra-
ramente ocorrem em argumentos do mundo real. Ele, então, passa a citar as onze
maiores falácias que define como “relevante” no sentido de que elas são não formais
e enquadram-se nas duas questões apresentadas pela definição de Kahane (1971).
A discussão de Fulkerson (1996) é útil e clara e qualquer pessoa determinada
a ensinar falácias nos argumentos deveria se referir a ela. Como o autor esclarece,
desde o início, e ao longo de sua discussão, que “a falácia das falácias”, por assim
dizer, é confundir um defeito relevante com um defeito formal. Pressupõe-se, como
muitos fazem, que “[...] qualquer argumento cuja falácia não é identificável seja um
bom argumento” (FULKERSON, 1996, p. 15), é semelhante a presumir que qualquer
argumento sem erros factuais seja aceitável. A ausência de falácia não garante
um argumento persuasivo da mesma maneira que a ausência de erros formais na
dedução garante um argumento aceitável. Da mesma forma, encontrar um argu-
mento particular apresentado da mesma maneira que um argumento falacioso
não garante que seja falacioso. No caso de um argumento “em cadeia”, se alguém
argumenta que fazer A leva a B, que levará a C, e assim por diante, esse argumento
pode ou não ser defeituoso. Algumas cadeias são, afinal, de fato escorregadias e
algumas cadeias casuais, mesmo as muito longas, são herméticas.
O simples fato de um argumento seguir um padrão, que geralmente é seguido
por argumentos que acabam por ser falaciosos, não garante que o argumento em
questão seja falacioso. O erro que alguns cometem ao pensar assim é o mesmo da
140
A construção do argumento
falácia de post horc ergo proper hoc (depois disso, portanto por causa disso). Even-
tos conectados em ordem sequencial são apenas um indício de causalidade, e até
que alguém possa realmente mostrar a relação causal, não se tem nada provado.
O mesmo acontece com argumentos falaciosos. Ao final, deve-se sempre mostrar,
com bases sólidas, exatamente por que eles são falaciosos. Uma vez mostrado
conclusivamente que uma linha específica de raciocínio é falaciosa, tipicamente
apenas se enfraqueceu um argumento geral, não o anulou.
Porém, como as objeções anteriores à abordagem das falácias sugerem, alguns
insights úteis podem surgir ao se observarem os argumentos com as lentes das
falácias. Vista como heurística ou como sintoma que levanta as questões aponta-
das sobre dado argumento, ao invés de um algoritmo que classifica ou avalia um
argumento, a falácia pode nos levar a uma linha de investigação frutífera. Muitas
falácias realmente aparecem em argumentos do mundo real sob formas reconhe-
cíveis. Por exemplo, as falácias mencionadas na conjunção com causalidade, as
veneráveis post hoc, ergo propter hoc e as falácias “em cadeia” aparecem, frequen-
temente, especialmente em conjunção com argumentos políticos/incitativos. De
forma diferente, os argumentos nas ciências, por causa das regras mais rígidas de
evidência e dos meios mais precisos de se medir, e por causa de uma tradição de
se fazerem afirmações cuidadosamente qualificadas, tendem a produzir afirma-
ções menos controversas (ou pelo menos em relação às do domínio público). Os
argumentos de causalidade no cenário político público tendem a ser tanto mais
difíceis de qualificar quanto mais fáceis de manipular para fins políticos. No caso
das provas escolares, por exemplo, o estabelecimento de provas mais elaboradas
nas escolas primárias e secundárias é tido como uma evidência de que algo está
sendo feito para melhorar o sistema escolar, e, ainda melhor, para garantir que
“nenhuma criança [seja] deixada para trás”. Nesse contexto, o aumento de dois ou
três pontos nas notas escolares é entendido como uma validação de um “movimen-
to de prestação de contas”. No entanto, um aumento na nota que vem “depois das
provas” não garante nem que as melhores notas sejam “por causa da prova”, nem,
141
A construção do argumento
142
A construção do argumento
tiona, se determinar o estado real do argumento pode ser feito da mesma maneira
na “linguagem natural” de alegação, evidência, razão, e assim por diante, usada
na análise retórica tradicional? Aprender a terminologia latina das falácias é, na
visão de Scriven, um passo desnecessário. A “precipitada generalização” universal
das falácias, por exemplo, não oferece nada de novo no sentido de fornecer uma
ferramenta para se saber o quão bem embasado um argumento é. Evidência fraca
não é apenas uma falácia, é a base de enfraquecimento de muitos argumentos. É
prudente julgar a adequação de uma sustentação no âmbito da compreensão e no
grau de ceticismo que uma determinada audiência empresta ao argumento.
Em linhas gerais, então, nós partilhamos do ceticismo de Scriven a respeito
da utilidade da terminologia das falácias em nossas aulas. Da mesma forma, sem-
pre tentamos oferecer pelo menos uma breve exposição de um grupo selecionado
de falácias como aquelas que lidam com a causalidade que realmente surgem no
mundo real e que podem se tornar mais reconhecíveis com o uso do vocabulário
das falácias. Na nossa experiência, pelo menos alguns alunos acreditam que a
abordagem é útil.
16. O extremamente útil Fundamentals of Argumentation Theory, que temos citado, tem a participação de dez
membros do ISSA, e os dois autores principais, van Eemeren e Grootendorst, são os fundadores da abordagem.
143
A construção do argumento
17. Burke (1941) se utiliza da metáfora da “sala” para esclarecer que, quando entramos em uma sala na qual há
outras pessoas e tentamos participar da conversa, precisamos ouvir e tentar compreender o que está acontecendo,
e que só conseguimos participar da conversa depois de termos informações suficientes a respeito do assunto.
144
A construção do argumento
145
A construção do argumento
146
A construção do argumento
18. Uma quarta abordagem, a aparentemente imortal corrente tradicional, é relutantemente reconhecida, mas
pouco discutida por Fulkerson (2005).
147
A construção do argumento
19. No próximo capítulo (Introdução a algumas boas práticas), na verdade nos atentamos a uma gama de
diferentes abordagens pedagógicas para o ensino da escrita que parecem perfeitamente compatíveis com o
foco no argumento.
148
A construção do argumento
Cursos desse tipo, supõe Fulkerson (2005), são motivados, em parte, pelo que
ele define como “ciúme de conteúdo” dos professores de escrita.
Nossa preferência por cursos de escrita baseados na argumentação à abor-
dagem ECC não implica uma rejeição total a cursos de escrita ricos em conteúdo,
mesmo quando esse conteúdo é compatível com o ensinado em um curso típico
de ECC. Oferecer aos alunos um conjunto de textos e/ou artefatos para serem
lidos e discutidos não impede uma instrução direcionada para a argumentação
ou a escrita. Além disso, em uma aprendizagem baseada na colaboração ou coo-
peração, textos e assuntos comuns podem ser extremamente úteis na promoção
da discussão e negociação de sentido. Dito isso, nós partilhamos de algumas das
reservas de Fulkerson (2005) quanto ao que muitas vezes realmente acontece
em cursos ricos em conteúdo, especialmente quando o conteúdo em questão é
uma paixão do professor. A discussão de textos selecionados e de artefatos pode
custar a discussão dos próprios textos dos alunos e o tempo dedicado à invenção
e à revisão de seu trabalho. Poucos livros didáticos aparentemente feitos para o
uso em cursos de ECC oferecem o bastante na forma de instrução ou invenção, ou
revisão, e menos ainda discutem seriamente princípios retóricos. Muito do que se
demanda dos alunos em cursos assim é a escrita baseada em argumentação, além
disso, há pouca instrução clara em como produzir um argumento ou como pensar
sobre ele, e os exercícios, como os exercícios sobre a construção do argumento,
nem sempre são claramente focados.
Certamente, muitos professores que usam essa abordagem criam o seu próprio
material por razões não relacionadas ao seu compromisso com o foco em ECC. De
qualquer forma, qualquer um que usa uma abordagem ECC que deseja garantir um
149
A construção do argumento
equilíbrio entre o foco no conteúdo e o foco na escrita do aluno deve estar prepa-
rado para realizar um levantamento pedagógico bem extenso.
Em alguns casos, os cursos de ECC baseados em um único tema podem apre-
sentar temas e artefatos com o mesmo ponto de vista e apontar para uma única
direção, desencorajando as discordâncias racionais e a reflexão crítica a respeito
dos assuntos em questão. Até mesmo cursos essencialmente pensados para criar
uma consciência crítica podem dificultar o desenvolvimento dessa capacidade à
medida que ignoram a máxima de Burke de que qualquer terminologia é suspeita
à medida que não permite uma crítica progressiva de si mesma. Ao desmerecer e
criticar o vocabulário dos outros, é importante que nos mantenhamos atentos aos
nossos próprios limites vocabulares, que serão mencionados e questionados por
muitos alunos, cuja visão política pode ser decididamente diferente daquela dos
defensores típicos da ECC.
Reiteramos que não achamos que os cursos de ECC necessariamente incorrem
nessas falhas não mais do que acreditamos que os cursos baseados na argumen-
tação necessariamente incorrem no formalismo vazio ou noções panglossianas
de pluralismo. Certamente, como deixamos claro no primeiro capítulo em que
discutimos a instrução crítica em sentido mais genérico, partilhamos muitos dos
objetivos libertadores anunciados pelos defensores de ECC. Acreditamos que os
alunos podem ser empoderados pelos cursos de escrita e que eles podem se tornar
mais conscientes dos modos como o discurso e a ideologia dominantes reduzem
o círculo do pensamento crítico. Acreditamos que podem fazer isso até mesmo
à medida que se tornam melhores escritores. No entanto, devemos concordar, é
possível se alcançarem esses objetivos sem usar exclusivamente ou mesmo signi-
ficativamente os materiais comumente vistos nos cursos de ECC. Na verdade, em
alguns casos, os alunos tendem a achar ambiciosos os objetivos delineados pelos
defensores da ECC em um ambiente que dá mais ênfase aos processos de leitura,
reflexão, escrita, discussão e escuta dos próprios alunos do que nos materiais pri-
mários e secundários normalmente encontrados no curso.
150
A construção do argumento
Qualquer curso que deseja combinar com sucesso uma ênfase nos materiais
de ECC e na melhora da escrita dos alunos deve deixar clara a ligação do trabalho
entre a interpretação de textos e dos artefatos feitos pelos alunos e a construção
de seus próprios textos a respeito desse material. Aqui, novamente, nossa pers-
pectiva se diferencia da de Fulkerson. Enquanto ele tende a tratar a interpretação
como uma atividade separada que prejudica as habilidades de escrita dos alunos,
nós tendemos a ver as duas atividades como complementares, e concordamos com
Berthoff (1983) para quem interpretamos como escrevemos. No contexto de um
curso de escrita, a interpretação pode se tornar uma atividade inventiva, um meio
de gerar o texto original. No entanto, isso só pode funcionar se ficar claro para
os alunos que não existe “uma maneira certa” de ler o material e se as múltiplas
formas de leitura do texto são delineadas para eles pelo professor, pelos colegas
e pelo material que eles estão interpretando. Se somos tentados a limiar o desen-
volvimento dos alunos como pensadores independentes em nome de conclusões
corretas, talvez desejemos cutucá-los ou até mesmo empurrá-los, faríamos bem se
nos lembrássemos mais uma vez do conceito de “reversibilidade” de Berude (1998)
e da nossa incapacidade de prever os fins aos quais nossos alunos dão aos meios
intelectuais que pomos à disposição deles.
Pedagodia expressivista
151
A construção do argumento
152
A construção do argumento
com os quais os escritores atribuem sentido a suas vidas por meio da organização
de suas experiências em histórias em primeira pessoa” (SPIGELMAN, 1993, p. 65).
Independentemente de sua extensão, essas histórias “[...] servem a finalidades
que ultrapassam a pura expressão de suas opiniões ou de confissões cartárticas”
(SPIGELMAN, 1993, p. 66). Uma das finalidades mais importantes a que essas nar-
rativas servem é mostrar comprovações. O que conta como comprovação, enfatiza
Spigelman (1993), é qualquer elemento que um auditório se dispõe a permitir
como tal. Nas disciplinas tradicionais, isso significa que apenas aquelas formas de
comprovação reconhecidas pelos especialistas da área serão contabilizadas. Isso
significa, por outro lado, que quem está de fora dessas disciplinas tradicionais –
frequentemente as mulheres – cujas experiências pessoais contradizem as conclu-
sões dos especialistas, não serão facilmente reconhecidas por esses especialistas.
A narrativa pessoal então “é entendida como ‘um ato significativo e subversivo’,
que dá voz e autoridade às reivindicações das mulheres para o conhecimento ao
nomear as suas experiências como dados admissíveis e relevantes” (SPIGELMAN,
1993, p. 66).
Ainda que a narrativa, de fato, desempenhe um papel importante para em-
prestar autoridade às reivindicações dos excluídos, pode parecer que não é sub-
versiva. Na sequência desses desenvolvimentos como a thick description (descrição
consistente)20 na Antropologia, no novo historicismo, na Literatura e na própria
História, sem mencionar os trabalhos de vários teóricos como Paul Feyerabend
e Michel de Certeau, as narrativas hoje possuem a função de comprovação tanto
para os incluídos quanto para os excluídos. Por certo, como enfatiza Spigelman
(1993, p. 69), alguns “[...] pós-modernistas questionam a representação [das nar-
20. O termo thick description(descrição consistente) se tornou conhecido pelo trabalho de Clifford Geertz e
é entendido como uma forma de escrever que inclui não apenas a descrição e a observação, geralmente do
comportamento humano, mas também as circunstâncias em que esse comportamento se dá. Assim, se vale
mais do que das aparências, pois inclui o contexto, as emoções, os detalhes e toda a rede de relações sociais.
153
A construção do argumento
154
A construção do argumento
21. Um dos exemplos recentes mais conhecidos do fenômeno que citamos aqui, o fato de pesquisador se
basear fortemente em evidências e narrativas não comprovadas para estabelecer uma categoria de julgamentos
quantitativa sobre o seu tema, é trabalho de Debora Tannen. Enquanto a maioria de seus pares no campo da
Sociolinguística baseia a “direção” de suas descobertas nas diferenças na forma como os homens e mulheres
se comunicam, alguns se preocupam com a intensidade do impacto e a universalidade dessas diferenças.
Para concluir, a partir das descobertas de que os homens são 5% ou 10% mais propensos do que as mulheres
a responder a uma situação específica de uma maneira específica, que há categóricas diferenças nas suas
respostas (ou seja, que eles tipificam “estilos” de respostas masculinas ou femininas) parece ser exagerado.
Para análises retóricas mais completas da metodologia de Tannen, consultar Ramage (2005).
155
A construção do argumento
156
A construção do argumento
157
A construção do argumento
158
A construção do argumento
159
A construção do argumento
160
A construção do argumento
161
A construção do argumento
162
A construção do argumento
Essas são apenas duas das muitas complicações que enfrentamos ao propor
avaliar alegações oriundas das narrativas pessoais. Com a ajuda de Spigelman, ape-
nas começamos a separar os problemas. Qualquer padrão que eventualmente seja
desenvolvido para nos ajudar a fazer julgamentos plausíveis nos parecerá razoável.
Nós devemos desenvolver esse padrão. Há algumas verdades que apenas podem
ser descobertas ou adequadamente justificadas por meio da narrativa pessoal. São
tipos de verdades muito importantes para serem excluídas das aulas de escrita
argumentativa em nome da rejeição ao retorno do ensino da escrita como terapia.
Retórica processual
22. NT: A WPA é uma associação de escritores profissionais que defendem e sediam conferências, workshops
e programas acadêmicos. A organização representa professores e pesquisadores cujo enfoque acadêmico são
os aspectos intelectuais e pedagógicos do planejamento do ensino da escrita e de sua gestão.
163
A construção do argumento
164
A construção do argumento
em uma dada situação, para determinar qual “família” de escolhas formais podem
ser adequadas. Por causa do foco em situações recorrentes, a audiência “típica”
para um dado gênero gera determinadas expectativas a respeito da resposta apro-
priada, e os escritores devem trabalhar com essas expectativas, satisfazendo-as
ou habilidosamente desrespeitando-as para obter um máximo efeito.
Assim como a abordagem ECC, a abordagem de gênero enfatiza a importância
de ler cuidadosamente os modelos textuais dos gêneros que os alunos devem pro-
duzir. Como a ECC, ela “[...] presume que os textos são socialmente construídos em
relações intertextuais” (MILLER, 1984, p. 165). Para compreender a instância de
um gênero é preciso ter não apenas informações formais a respeito desse gênero,
mas compreensão substancial da sua importância ou modelos paradigmáticos que
escritores e audiência devem ter em mente ao escrever ou interpretar qualquer
instância específica do gênero. Enquanto a abordagem de gênero enfrenta alguns
dos perigos que os cursos de ECC enfrentam quando se pesa a atenção dispensa-
da aos textos e a atenção dispensada aos processos dos alunos, o foco retórico da
abordagem assegura que atividades de interpretação realizadas em sala devem
se traduzir mais diretamente na construção do texto do aluno.
Diante disso, a abordagem baseada em gênero talvez seja a mais fácil entre
as abordagens alternativas para se unir ao foco no argumento. A compreensão do
argumento na abordagem baseada em gênero é desenvolvida em praticamente
todas as principais abordagens da argumentação e nos principais livros didáticos
do assunto. A Stasis Theory na verdade, é uma teoria de gênero segundo a maneira
de entender por grande parte dos teóricos contemporâneos. A maioria das Stasis é
derivada indutivamente dos tipos de situações recorrentes e dos objetivos recor-
rentes dos locutores nessas situações. O valor da Stasis, como qualquer abordagem
baseada em gênero, não é o fato de que ela dita uma estrutura específica, mas o de
permitir que se antecipem as respostas do auditório e dos pontos importante na
construção de um argumento. Não se trata exatamente de uma forma pré-fabricada
165
A construção do argumento
que surge de uma preocupação com a Stasis em questão – ainda que, dependendo
do contexto do argumento, uma forma preestabelecida pode ser necessária – mas
de uma série de movimentos, adaptados às especificidades da situação.
Ensinar em um curso de escrita baseado no argumento usando a Stasis theory
também permite que se adapte mais rapidamente à abordagem “escrita como intro-
dução ao discurso de uma comunidade acadêmica”. Nesse sentido, Fulkeron (2005,
p. 672) cita a posição de Gerald Graff, em Clueless in Academe, segundo a qual “[...]
todo discurso acadêmico é um argumento caracterizado por certos ‘movimentos’
intelectuais preferidos que poderiam ser explicitamente compartilhados com os
estudantes”. O estudante que entende o argumento como semelhante a uma série
de movimentos realizados em resposta a uma Stasis, que pede uma alegação causal
ou avaliativa, tem pouca dificuldade em se adaptar a uma abordagem que enfa-
tiza os modos particulares como um sociólogo entende avaliação ou um químico
entende causalidade.
Dito isso, a escrita como introdução ao discurso de uma comunidade acadêmica
é problemática por uma série de razões. Como diz Fulkerson (2005), essa abor-
dagem tem sido criticada por focalizar certos valores e padrões que favorecem os
estudantes brancos da classe média. De fato, ela tem estado sob crescente ataque
nas disciplinas nos últimos anos. Além disso, as dificuldades práticas de introduzir
os estudantes ao discurso acadêmico genérico trazem alguns problemas para o
professor. Indubitavelmente, o melhor lugar para se aprender o discurso acadêmico
é a comunidade onde ele é usado. Por que perder tempo em querer saber habilidades
e competências que não podem ser transpostas para outras disciplinas? Deixemos
que essas disciplinas ensinem os estudantes a forma apropriada de escrever. Para
aprender como escrevem psicólogos, físicos ou cientistas políticos, precisaríamos
aprender o vocabulário, a metodologia e o raciocínio reconhecido pelos membros
de cada uma dessas comunidades, o que é uma atividade impossível para uma única
aula. Na realidade, na medida em que se compreende que a função precípua de um
curso de escrita do primeiro ano é apresentar os alunos ao discurso acadêmico, não
166
A construção do argumento
167
A construção do argumento
168
A construção do argumento
169
A construção do argumento
170
A construção do argumento
171
A construção do argumento
172
A construção do argumento
Não nos deteremos nessa definição, mas podemos fazer uma observação. A
definição de Ellul, aparentemente, poderia ser estendida para incluir questões como
a doutrinação dos consumidores pelos anunciantes e marqueteiros. No entanto,
o seu estudo enfatiza a propaganda política, caminho que também percorremos
em nossa discussão. Seguimos esse caminho, mesmo que, como demonstraremos a
seguir, as práticas e técnicas dos publicitários e marqueteiros se sobrepõem, mais
e mais publicitários emergem da publicidade, do marketing e das relações públicas,
e a persuasão implacável na esfera do consumo, por certo torna, as pessoas mais
suscetíveis aos apelos da propaganda na esfera pública. Isso posto, os objetivos e
os impactos dos que oferecem elementos de convencimento em nome de produtos
e os que oferecem elementos persuasivos em nome de causas políticas são signi-
ficativamente diferentes.
A maior diferença entre as duas esferas tem a ver com o fato de que a esfera do
consumo, pelo menos no nível das escolhas individuais, é essencialmente amoral,
ao passo que a esfera política, em todos os níveis, é essencialmente moral. A seme-
lhança entre as esferas política e moral recebeu grande atenção mais recentemente
de Lakoff (2002, p. 41), que parte da premissa de que “[...] as perspectivas políti-
cas são derivadas de sistemas de conceitos morais”, e, exaustivamente, explora as
implicações dessa assunção para a política americana contemporânea. Por trás de
questões sobre cuidados com a saúde, aborto, segurança social, tributação, entre
outras, há questões fundamentais sobre justiça e felicidade e sobre o caráter sagra-
do da vida. Na medida em que nos distanciamos das questões morais e políticas e
priorizamos a escolha entre marcas concorrentes de cerveja, trivializamos essas
questões e potencialmente alienamos os cidadãos acerca do processo político.
O ponto mais relevante de Lakoff (2002), porém, não é tanto o fato de que
a dimensão moral da política é ignorada, nos últimos anos, mas o fato de que a
dimensão moral da política tem sido grosseiramente muito simplificada a fim
de que se manipulem as audiências de uma forma que, ao nosso ver, parece ser
propagandisticamente. Para que as questões morais digam algo corretamente às
173
A construção do argumento
174
A construção do argumento
175
A construção do argumento
[...] é evidente que a propaganda pode ser bem sucedida apenas quando
o indivíduo se sente desafiado. Não tem qualquer influência quando o
sujeito está equilibrado, tranquilo, sentindo-se em total segurança. Nem
os eventos passados nem os maiores problemas metafísicos desafiam o
indivíduo médio, o homem comum atual. Ele não é sensível ao que é trá-
gico na vida e não está angustiado por questões que Deus possa imputar-
-lhe. Ele não se sente desafiado, exceto por fatos políticos e econômicos
atuais. Por isso, a propaganda precisa começar pelos fatos atuais.
Vale salientar que nós não partilhamos, nem aqui nem em qualquer outro local,
o desprezo de Ellul pelo “homem comum dos dias atuais”, mas a sua alegação de
que as notícias são uma constante fonte de panfletagem propagandística parece,
pelo menos, mais verdadeira hoje na era dos ciclos de 24 horas de notícias do que
quando ele a formulou há décadas. Algumas distorções dos fatos atuais estão, é
certo, inevitavelmente, inseridos nas reportagens sobre esses fatos pelos princi-
pais meios de comunicação. No entanto, essas mídias representam uma parcela em
declínio do que é entendido como notícia atualmente. Na maioria das propagandas
sérias exibidas hoje em dia, podemos ver um segmento de difusão de notícias em
plena expansão que é “secundário” às notícias jornalísticas. Esse é um mundo de
Hanity and Colmes, de especialistas e de consultores políticos, de blogueiros, edito-
rialistas, e de analistas especializados que reviram e interpretam as notícias, por
meio de várias formas de infoentretenimento que são muito mais baratas do que
coberturas jornalísticas de verdade. Uma forma de avaliar a tendência propagan-
dística desses programas é perceber como eles são veiculados “[...] na linguagem da
indignação, um tom que é quase sempre uma marca da propaganda” (ELLUL, 1973,
p. 58). Em casos extremos – pensemos nos programas populares de rádio – esses
programas apelam para os sentimentos mais cruéis como “ódio, fome... orgulho”
(ELLUL,1973, p. 38) e temem agitar as paixões de seus espectadores.
Burke (1941) toca em muitas dessas questões na sua discussão sobre Hitler,
cuja retórica é um modelo de retórica “impura”. Ao iniciar a análise de Minha luta,
176
A construção do argumento
177
A construção do argumento
178
A construção do argumento
Essa crítica ao próximo, que não é ouvida por esse próximo, é conheci-
da pelos integrantes do grupo que a expressa. O anticomunista ficará
cada vez mais convencido da maldade do comunista, e vice-versa. Como
resultado, as pessoas ignoram mais e mais umas às outras. Elas não se
permitem se abrir a um intercâmbio de pontos de vista, argumentos e
raciocínio (ELLUL, 1973, p. 213).
Muitos anos depois, com o advento da TV digital e por satélite que oferece
centenas de canais e informação, a Internet, com seus inúmeros portais, blogs e
sites, sem mencionar o rádio, a crítica de Ellul parece ser ainda mais proeminente.
Nós realmente vivemos, como diz Burke, em “Babel, depois da queda da torre”, e,
na medida em que a mídia moderna multiplica e acirra a divisão entre os cidadãos,
ela devolve o antídoto retórico a esse estado – algo como a conversa de Rorty e
Oakeshott sobre a humanidade – que é muito menos eficaz.
O problema da divisão entre os cidadãos se agrava quando se leva em consi-
deração os efeitos indiretos da mídia sobre os que são eleitos para representar o
cidadão. Por causa dos custos sempre ascendentes para se ganhar eleições, devi-
do, primeiramente, pelos altos custos de se comprar tempo na mídia e produzir
os anúncios políticos que por si mesmos exibem incrivelmente tendências pro-
179
A construção do argumento
180
A construção do argumento
181
A construção do argumento
24. Pelo mesmo motivo, enquanto os que hoje apontam as injustiças entre as classes são acusados de instigar
a “luta de classes”, a população em geral é inundada com livros, fitas e seminários sobre “liderança”, uma
qualidade mística que é recompensada com montantes de dinheiro cada vez mais fabulosos.
182
A construção do argumento
rio que Hitler usa para efetivar essa transformação mágica vem da terminologia
prestigiada da religião, que ele desvia impunemente.
Aqui, novamente, o uso corrompido que Hitler faz dos padrões religiosos
vêm à tona. O pensamento religioso, primeiramente preocupado com as
questões de “personalidade”, com problemas de aperfeiçoamento moral,
naturalmente, e eu acho que corretamente, enfatiza a natureza essencial
do ato de vontade individual. Daí decorre a resistência a uma explicação
puramente “ambiental” dos males humanos. Daí a ênfase na “pessoa”. Daí
a tendência a buscar uma explicação não econômica para os fenômenos
econômicos (BURKE, 1941, p. 201).
183
A construção do argumento
184
A construção do argumento
25. O termo Potemkin Village refere-se à história de que o marechal russo Grigory Alexander Potemkin (1739-
1791), amante da imperatriz russa Catarina II (1729-1796), teria construído uma cidade falsa para impressioná-la
durante sua viagem à Criméia, em 1787. Conta-se que eram feitas construções falsas ao longo do rio Diepner
que eram desmontadas e montadas novamente à frente do trajeto da imperatriz, que as via como se fossem
novas.
185
A construção do argumento
A propaganda em resumo
186
A construção do argumento
3. Ainda que muitas das técnicas usadas para criar e promover a pro-
paganda sejam tomadas emprestadas dos anúncios, existem diferenças
cruciais. Em geral, os anunciantes conseguem seu palco em negocia-
ções comerciais diretas. Os profissionais da propaganda, por sua vez,
normalmente, usam a mídia pública, especialmente a mídia de notícias,
187
A construção do argumento
188
A construção do argumento
mulado como uma questão moral e a solução proposta será mais espiritual
ou moral do que pragmática. Consequentemente, a propaganda vai dire-
cionar nossa atenção para a dimensão pessoal do problema e para longe
das causas que o circundam. Em suas formas mais danosas, as soluções
da propaganda apelam para a punição, a exclusão, ou o impeachment de
bodes expiatórios cujos comportamentos justificam o tom de indignação
ou ultraje moral beneficiado pelos profissionais da propaganda.
26. Burke (1941, p. 212) observa que Hitler se recusou a alterar um único item de sua plataforma nazista original
de 25 itens, porque "achava que a fixidez da plataforma era mais importante para propósitos da propaganda do
que qualquer revisão de seus slogans, mesmo que as revisões em si mesmas tivessem muito a dizer a seu favor”.
189
A construção do argumento
190
Capítulo 3
Introdução a algumas boas práticas27
191
A construção do argumento
nião sobre o ensino de escrita, e porque elas não entram em conflito direto com
os princípios básicos do ensino, que, no nosso ponto de vista pessoal, permeiam o
ensino adequado da escrita.
Ao articularmos conscientemente nosso raciocínio pessoal a respeito do en-
sino de escrita e dos princípios básicos da instrução, em geral, podemos destacar
dois trabalhos que nos influenciaram, especialmente, na elaboração deste estudo.
O primeiro, The Rhetoric of Reason: Writing and the Attractions of Argument, de
James Crosswhite (CROSSWHITE, 1996), oferece instruções filosóficas extensas
a respeito de como fundamentar o ensino de escrita baseado na argumentação.
Inspirado pelos trabalhos de diversos filósofos como Platão, Aristóteles, Heideg-
ger, Perelman e Olbrechts-Tyteca, Levinas, Cavell, Habermas, Schrag, e Gadamer,
Crosswhite (1996) desenvolve o conceito de “retórica da razão” e o posiciona como
uma alternativa ao ceticismo radical da desconstrução, como foi exemplificado
por Derrida e Man28. O livro é recomendável a todos os professores por uma série
de motivos: ele defende, com sucesso, a eficácia e a importância da educação geral
como parte da educação superior nos Estados Unidos; estabelece parâmetros para
a compreensão da argumentação, sobretudo como um ato, como forma de abordar
problemas práticos e tomar decisões corretas ao invés de defini-la apenas como um
apanhado de sugestões de comportamento; e oferece um caminho para neutrali-
zar doutrinas não essenciais – porém presentes na maior parte dos currículos – a
respeito da verdade e da identidade como forma de responsabilizar o indivíduo
por suas escolhas pessoais.
O livro de Crosswhite também aborda uma série de questões de natureza
teórica, filosófica e pedagógica de maneira muito mais completa, que são tocadas
aqui apenas brevemente. Embora haja ainda pontos de vista conflitantes entre a
28. Nesse processo, Crosswhite ainda destaca os pontos em que Derrida pode servir como base ou apoio
para a retórica da razão.
192
A construção do argumento
193
A construção do argumento
194
A construção do argumento
3. Estabeleça metas altas, mas crie processos que permitam aos alunos
atingi-las. Uma das bases teóricas da abordagem de Hillocks deriva de
Vygotsky – particularmente do conceito de “zona de desenvolvimento
proximal” (ZDP). Essa zona é definida como a área localizada entre a
capacidade real da pessoa e sua capacidade potencial, que pode ser
atingida com orientação e cuidado. Nesse caso, a “orientação cuidadosa”
inclui atividades em sala de aula, em especial as oportunidades de usar
a criatividade em atividades orais ou escritas, a correção intermediária
dos demais alunos ou do professor e, em seguida, a confecção de novos
rascunhos baseados no feedback recebido até então.
195
A construção do argumento
6. Use seus pontos fortes, quando estiver em sala de aula (isso deriva menos
das teorias de Hillocks do que de nossa experiência como autores e pro-
fessores). Da mesma forma que fazemos o possível para nos adaptarmos
aos alunos, precisamos respeitar nossas particularidades. Alguns de nós
são palestrantes realmente brilhantes – apesar de nossa experiência
provar que os brilhantes são menos numerosos que aqueles que pensam
que são. Outros criam tarefas extraordinárias em grupo. Alguns têm um
verdadeiro talento para aulas particulares. Qualquer que seja seu maior
talento como professor, seja qual for o motivo pelo qual você escolheu
essa profissão, busque sempre uma maneira de utilizar esse talento.
Boas práticas
196
A construção do argumento
argumentativos sabe que não existe uma “melhor forma” de estruturar essa aula:
há diversas maneiras eficazes. Aqui, vamos apenas enumerar algumas.
Para os professores que são calouros no campo da argumentação, esta seção
oferece um mapa dessa abordagem pedagógica. Para os que já têm mais experiência
com o assunto, esta seção oferece uma lista de ideias de como reestruturar aulas
já criadas. Se pedimos a nossos alunos, constantemente, que questionem suas su-
posições acerca de argumentos por eles apresentados, precisamos também estar
dispostos a questionar as nossas suposições a respeito do ensino.
As informações a seguir representam uma abordagem eclética sobre a retóri-
ca e a construção de argumento como uma diferente forma de ver o mundo e não
apenas como fins que podem ser alcançados com a mera repetição de uma fórmula
(ainda que, em certas ocasiões, os pesquisadores que adotam essa metodologia
sugerem um processo um tanto quanto formal). Algumas das melhores práticas
partem do desejo de ajudar alunos a irem além de sua posição isolada de indivíduo
e a se colocarem em um contexto mais abrangente. Esse esforço social baseado
na identidade grupal inclui a retórica da libertação, o argumento feminista e a
aprendizagem-serviço.
A retórica da libertação é um movimento educacional que surgiu como reação
aos modelos de educação para alunos passivos. Ela foi fundamental para o esforço
de evidenciar questões ligadas à representatividade dentro da sala de aula e ao
reconhecimento da educação como um processo não neutro – a ideologia é sempre
transmitida junto com o conhecimento. Ao incorporar a retórica da libertação à
aula sobre argumento, criamos um ambiente abertamente politizado, que tem a
cultura como ponto focal de discussão, e chama os alunos a questionar, de manei-
ra crítica, o conteúdo do curso e as experiências e ideologias que eles trazem à
discussão como falantes ou escritores. A escrita é um veículo que pode ser usado
de diferentes maneiras na formação do aluno, que se engajará de forma crítica ao
mundo à sua volta.
197
A construção do argumento
198
A construção do argumento
e apresentar aos alunos os métodos de questionamento que são aceitos por deter-
minada área do conhecimento.
O rápido avanço de possibilidades tecnológicas forçou os professores a reava-
liarem o papel e o impacto das diferentes tecnologias de escrita sobre o poder do
argumento. A escrita com computadores é um exemplo disso. Como os alunos da
atualidade constantemente se sentam à frente de um teclado, é importante levar
em consideração a linguagem que eles trazem à sala de aula. A tecnologia também
pode expandir os limites do que é considerado “escrita”, especialmente quando o
hipertexto é utilizado em sala de aula para mudar a perspectiva sobre um deter-
minado argumento. Os avanços tecnológicos também afetaram mecanismos de
pesquisa – a confiabilidade de fontes e autoria de ideias estão entre alguns dos
assuntos recentemente controversos.
A retórica visual também se concentra em tecnologias que impactam nossas
vidas. Ela busca ampliar as discussões sobre o argumento para incluir nelas o
exame de imagens visuais que constantemente complementam ou substituem as
palavras. Mesmo que as imagens sejam mais memorizáveis e capazes de maior res-
sonância psicológica, seu impacto passa, comumente, despercebido. Há mensagens
ocultas na mídia visual, que exigem que repensemos nossa habilidade de processar
informações. A partir da exploração da produção e consumo de textos visuais, os
alunos podem se tornar mais conscientes sobre a forma como as imagens sutis
podem transmitir conteúdos persuasivos.
Por que a construção do argumento e, mais amplamente, a retórica, deveriam
receber toda essa atenção em sala de aula? Precisamos ensinar retórica para que
possamos nos proteger dela. As mensagens persuasivas nos rodeiam a todo tem-
po – elas perfazem um amálgama de nossos “eu” coletivos. Quanto melhor nós – e
nossos alunos – identifiquemos essas mensagens em sua forma real (pontos de
vista, não verdades monolíticas) melhor atuaremos nesse mundo de “Babel após
a queda”. Essa seção de boas práticas será mais útil se for empregada como ponto
199
A construção do argumento
de partida para uma exploração mais detalhada do que essas posições teóricas e
pedagógicas têm a oferecer no contexto de uma determinada aula. Esses resumos
de práticas destacam as diferenças entre os praticantes.
Retórica da libertação
200
A construção do argumento
201
A construção do argumento
202
A construção do argumento
Apesar dos pontos de vista divergentes acerca dos valores da pedagogia liber-
tadora, estudiosos da área ainda atribuem valor à busca por lutas ideológicas na
sala de aula de escrita. A prática da retórica da liberação, no entanto, pode tomar
diversas formas de acordo com o professor e o material didático. Shor (1980, p.
162-69) parte dos artifícios cotidianos, já que integram o “universo gerador” dos
alunos. É o caso da atividade que propõe (World’s Biggest Hamburger – Atividade
do maior hambúrguer do mundo), criada quando a autora trouxe um hambúrguer
para a sala de aula, para que seus alunos o examinassem de acordo com o método
de Descrição-Diagnóstico-Reconstrução.
203
A construção do argumento
ao apresentá-los sob uma nova perspectiva e contexto, o que permite aos alunos
a oportunidade de reinterpretar o corriqueiro. Professores de argumento devem
introduzir exercícios dessa natureza, porque eles são abertamente argumentativos.
Os alunos terão opiniões distintas, inevitavelmente, a respeito da natureza do que
é corriqueiro em suas vidas. No entanto, se observado sob a ótica ideal, o exercício
pode deixar claro que as tentativas de descrever, diagnosticar e reconstruir são, na
verdade, conceitos pessoais unidos uns aos outros por posicionamentos políticos.
Outra forma que a retórica da liberação assume é exemplificada por Berlin
(2003), quando trata sobre “retórica socioepistêmica”. Uma sequência de exercícios
começa,
[...] com uma matéria do Wall Street Journal intitulada The Days of a
Cowboy are Marked by Danger, Drudgery, and Low Pay (O dia a dia de um
vaqueiro é marcado por perigo, labuta e salário pífio), escrito por William
Blundell. As instruções são, ao mesmo tempo, variadas e acessíveis aos
alunos. Inicialmente, a turma deve levar em conta o contexto da maté-
ria, explorando as características da relação entre o jornal e os eventos
históricos que circundam a produção do texto. O objetivo da análise é
determinar quais aspectos serviram de significantes principais para os
leitores originais. O significado da palavra cowboss (capataz ou patrão)
é estabelecido pela relação de oposição entre cowboy (vaqueiro ou peão
de boiadeiro) e o chefe que trabalha na cidade, longe da fazenda. (Essas)
dicotomias sugerem outras, como natureza-civilização e peão-peão ur-
bano. Os alunos passam, então, a notar que essas dicotomias são estabe-
lecidas de forma hierárquica, com um dos lados em posição de privilégio
em relação ao outro. Eles também veem o quanto essas hierarquias são
instáveis. Os alunos analisam, discutem e escrevem sobre posições acer-
ca de certos aspectos determinantes dentro dessas narrativas social-
mente pré-fabricadas e descobrem que o texto busca posicionar o leitor
sobre um determinado tipo de papel masculino. Eles podem, então, ex-
plorar sua própria cumplicidade e resistência ao se adequar a esse papel
(BERLIN, 2003, p. 125-27).
204
A construção do argumento
Essa metodologia se adéqua bem aos objetivos propostos pelo autor, a saber:
mostrar aos alunos que “narrativas” – práticas significantes que parecem naturais
e não pré-fabricadas – na verdade moldam suas vidas. O conteúdo associado a essa
sequência está centralizado no “[...] posicionamento de aspectos fundamentais in-
seridos na textura da narrativa socialmente pré-fabricada” (BERLIN, 2003, p. 126).
Por exemplo, embora individualidade e liberdade sejam aspectos frequentemente
associados a peões de boiadeiro, o artigo também descreve essas personagens como
merecedoras de respeito e submissas ao cowboss (o patrão). Uma vez que a narra-
tiva é destrinchada, uma análise mais consciente do conteúdo permite aos alunos
situar cada narrativa em um cenário econômico, social e político mais abrangente.
Schutt (1998, p. 126) sugere basear o conteúdo do curso em espaços sociais.
205
A construção do argumento
Feminismo e argumentação
206
A construção do argumento
207
A construção do argumento
208
A construção do argumento
209
A construção do argumento
Nesse ponto, Fulkerson sugere que o gênero textual que propõe novas polí-
ticas é o que aborda injustiças perpetradas na comunidade imediata, da mesma
forma que aborda uma argumentação em parceria com – direcionada a buscar
um consenso mutuamente satisfatório sobre a criação de mudanças no processo
democrático.
Miller (1996) aborda teorias femininas de forma diferente em um curso online
Feminism and Expository Writing (Feminismo e a escrita expositiva). Baseando a
tarefa proposta em “assuntos pertinentes à retórica feminista”, a autora afirma que,
Para deixar a tensão mais palpável para os alunos, Miller propõe uma tarefa
em que ela pede
210
A construção do argumento
Assim, Miller, sugere Easley (1997), permite que os alunos articulem e nego-
ciem as tensões inerentes aos modelos de argumentação feminista por si mesmos.
Práticas e abordagens da argumentação feminista são contraditórias. No
entanto, é razoável dizer que essas contradições fazem essas abordagens viáveis
e sustentáveis. Utilizar respostas e abordagens feministas em nossa sala de aula
não apenas beneficia os alunos, porque lhes oferecer uma ampla gama de estraté-
gias argumentativas que se somam às ferramentas retóricas já à disposição, mas
também porque encoraja os professores/pesquisadores a “[...] romperem com
abordagens calcificadas, acríticas”, tanto na abordagem do argumento quanto no
ensino (PALCZEWSKI, 1996, p.161).
Aprendizagem-serviço e argumentação
211
A construção do argumento
212
A construção do argumento
213
A construção do argumento
tos ou não nos âmbitos municipal, estadual ou federal. Eles são depois
levados a produzir um pequeno texto [argumento] ou desenvolver um
panfleto que explique detalhadamente como um cidadão comum pode se
colocar em contato com esse representante. Os alunos, então, entregam
esse texto a seus vizinhos, e, em um trabalho subsequente, exploram o
impacto do trabalho previamente divulgado. Para esse segundo texto,
os alunos podem organizar encontros ou recorrer a outros textos sobre
ações cívicas.
214
A construção do argumento
215
A construção do argumento
nas diversas disciplinas (BAZERMAN, 2005). A WAC e a WID são relevantes para
as boas práticas de ensino de argumento de duas formas diferentes:
[...] cada vez que um aluno se senta para escrever, ele precisa “inventar”
uma universidade que se adapte à ocasião que ele vive – inventar, aqui,
refere-se tanto à universidade em si quanto a suas subdivisões, como o
Departamento de Antropologia, Economia ou Inglês. O aluno, nessa cir-
cunstância, precisa aprender a falar a língua de seu professor, a falar
como fala o acadêmico, a experimentar as diferentes e peculiares formas
de saber, selecionar, avaliar, reportar, concluir e argumentar que defi-
nem o discurso dessa comunidade em particular.
216
A construção do argumento
217
A construção do argumento
218
A construção do argumento
Computador e escrita
219
A construção do argumento
220
A construção do argumento
221
A construção do argumento
222
A construção do argumento
Retórica visual
223
A construção do argumento
224
A construção do argumento
que a retórica deliberativa. Hobbs (2002) afirma que Francis Bacon, ao chamar
emblemas de imagens, aceitou a premissa de que as imagens são mais memoráveis
que as palavras. A autora recorre à uma citação de Bacon, para essa constatação.
225
A construção do argumento
No texto Reading the Visual in College Writing Classes, Hill (2003) partilha al-
gumas de suas próprias técnicas para introdução da retórica visual na sala de aula.
Seus exemplos são diversificados, e cobrem desde o arranjo dos espaços entre as
linhas do texto e o tamanho dessas linhas (como faz Bernhardt, 1996), passando
pela análise retórica de fotografias famosas (como a dos fuzileiros navais dos Es-
tados Unidos erguendo a bandeira americana no solo de Iwo Jima, no Japão), até
a desconstrução de valores culturais escondidos de maneira subliminar em um
anúncio impresso de uma empresa que vende seguros de vida. A análise apresen-
tada por Hill (2003) de cada um desses exemplos ajuda a demonstrar, claramente,
a diversidade de apelos visuais de persuasão e oferece a professores e alunos uma
fundamentação pedagógica firme a partir da qual pode explorar outros exemplos
de retórica visual.
Para os professores que pretendem continuar explorando as conexões entre
retórica e cultura visual, os artigos de Frascina (2003) e Zagacki (2005) oferecem
uma análise complementar das pinturas de Norman Rockwell. Frascina compara
os originais de Rockwell, inspirados na Segunda Guerra Mundial, com as versões
digitalmente alteradas, produzidas pelo jornal The New York Times, após os aten-
tados de 11 de setembro de 2001, numa tentativa de demonstrar a “memória cul-
tural coletiva” que imagens poderosas podem construir. Zagacki usa as pinturas
de Rockwell sobre direitos civis para ilustrar como as obras de arte visuais “[...]
podem operar na retórica para articular o conhecimento” e moldar a percepção do
público. Os dois trabalhos oferecem excelentes oportunidades para os professores
apresentarem aos seus alunos os conceitos e métodos da retórica visual, além de
orientá-los a respeito de como os apelos imagéticos persuasivos podem ser ana-
lisados e desconstruídos.
Exemplos práticos de outros gêneros da retórica visual também existem.
Em Understanding Comics: The Invisible Art, McCloud (1994) utiliza quadrinhos de
forma criativa para analisar as práticas retóricas aí empregadas. A análise dos
componentes retóricos verbais e visuais do filme The Usual Suspects (Os Suspeitos,
226
A construção do argumento
filme de 1995, lançado no Brasil, em 1996, e dirigido por Brian Singer), realizada
por Blakesley (2003), oferece um raciocínio estrutural que pode ser aplicado ao
estudo da retórica visual no cinema. Já Television News as Rhetoric de Smith (1977)
funciona bem em conjunto com The Rhetoric of Television News, de Nydahl (1986),
e com Uses of Television, Hartley (1999) para oferecer exemplos representativos
de estudo e aplicação da retórica televisiva. Os professores que desejam combinar
estudos sobre televisão e cinema podem optar pelo artigo de Rosteck (1989), que
analisa a estrutura argumentativa de Report on Senator McCarthy de Edward R.
Murrow, uma parte integrante da série documental See It Now. Esse artigo também
analisa o filme de George Clooney, Good Night, and Good Luck, 2005), que apresenta
outra visão sobre o mesmo episódio histórico.
Aqueles que se interessem pela retórica aplicada aos videogames e pelas cons-
tantes discussões acerca dos impactos nocivos de jogos violentos podem consultar
Lachlan (2003) e Smith (1977), além das incontáveis matérias jornalísticas que
cobrem o debate entre Joseph Lieberman, designers de jogos e jogadores de todo o
mundo (o site wikipedia.org oferece uma excelente cobertura desse assunto). Todo
esse material pode também ser combinado aos videogames Doom, Doom 3, e ao filme
Doom: The Movie (2005, dirigido por Andrzej Bartkowiak), para exemplificar de
forma prática a maneira como as diferentes retóricas visuais impactam o assunto.
Os próximos anos verão os estudos da retórica visual ganhando cada vez mais
status em todas as disciplinas acadêmicas relevantes, incluindo retórica e escrita.
Os professores que vislumbram o futuro começarão a ampliar seus conhecimentos
da teoria e pedagogia da retórica visual (aproveitando a proliferação de exemplos
culturais disponíveis a seu redor) como forma de se prepararem para a crescente
consciência acadêmica do apreço pelo poder de persuasão de uma imagem e de
textos visualmente persuasivos.
227
A construção do argumento
228
Glossário31
Neste glossário, tentamos ser concisos na definição e descrição dos termos.
Trata-se de um glossário específico para nossa forma de tratar o ensino da cons-
trução do argumento, neste livro. Isso significa que alguns termos específicos do
recorte terminológico de Kenneth Burke aparecem entre os termos tradicionais.
Também não se trata de uma lista definitiva ou exaustiva, já que são muitos os
termos da retórica usados quando se fala de ensino do argumento.
Para outras definições de termos-chave retóricos, os leitores interessados
devem consultar um dos trabalhos de referência da área, como a Encyclopedia of
Rhetoric, editado por Thomas Sloane, a Encyclopedia of Rhetoric and Composition,
editado por Theresa Enos, ou Sourcebook on Rhetoric, de James Jasinski.
229
A construção do argumento
230
resultado. Potencialmente, pode também ser usado para fins manipu-
lativos. Se usado como técnica, a identificação pode não ser vista como
sincera, criando uma falsa sensação de empatia.
231
A construção do argumento
232
A construção do argumento
233
A construção do argumento
234
A construção do argumento
a. Exemplo: uma instância específica que fornece uma base para uma
regra e atua como ponto de partida de uma generalização. Um exemplo
deve ser, pelo menos provisoriamente, um fato. Os exemplos servem tan-
to para ilustrar uma generalização como para estabelecer a verdade da
generalização. De acordo com Perelman, grande parte de um argumento
é concebido para levar a audiência a reconhecer fatos não válidos (ou
seja, os exemplos que contradizem generalizações ou regras que também
admitem). Para Aristóteles, as provas surgem na forma de entimema ou
exemplo. Um exemplo não é a relação da parte com o todo, nem do todo
com a parte, nem de um todo com outro todo. Ao contrário, o exemplo é
a relação da parte com a parte, de um igual com outro igual. Os exemplos
podem ser históricos (que faz referência a eventos passados) ou inventa-
dos (Aristóteles identificou a fábula como um tipo de exemplo inventado).
235
A construção do argumento
236
com uma pessoa B se elas têm interesses em comum ou se for persuadida
a acreditar que esses interesses existem: “[...] ao ser identificado com B,
A é ‘substancialmente um’ em relação a outra pessoa que não seja ela
mesma” (BURKE, 1969, p. 21). No processo de agir em conjunto, os in-
divíduos compartilham sensações, conceitos, ideias e atitudes. O termo
de Burke para isso é consubstancialidade, uma maneira de “agir juntos”.
Para esclarecer isso, Burke fala de consubstancialidade em termos de
relações entre pais e filhos. Por exemplo, uma criança é consubstancial
com seus pais no sentido de que é ao mesmo tempo sua prole e um su-
jeito autônomo. Um mínimo de separação (divisão) sempre existe, pois
cada pessoa é “[...] única, um locus individual de motivos” (BURKE, 1969,
p. 21). Através da identificação, a retórica e a argumentação se tornam
possíveis, pois os argumentos usam os princípios de fusão e divisão para
permitir atitudes e persuadir. Ver também: Paradoxo da substância.
237
A construção do argumento
238
A construção do argumento
239
A construção do argumento
240
A construção do argumento
241
A construção do argumento
242
A construção do argumento
ação mais do que naqueles que são generalistas. O Pathos (termo grego
para “sofrimento” ou “experiência”) refere-se às emoções do público,
quando elas são trazidas para uma situação favorável à adesão ao pró-
prio argumento. O orador pode apelar eficazmente para o pathos porque
conhece as crenças e os valores do público e empregar várias estratégias
retóricas apropriadamente. O logos (termo grego para “palavra”) refere-se
à racionalidade do próprio argumento. O argumento deve ser consistente,
coerente, racional, bem fundamentado, e plausível em seu apelo lógico.
243
A construção do argumento
244
A construção do argumento
245
A construção do argumento
Stasis Theory – Da palavra grega staseis que significa “tomar uma po-
sição”. Na teoria retórica, a Stasis theory pode ser usada para encontrar
pontos comuns de uma questão, ou como uma estratégia de criação que
fornece ao orador uma série de perguntas que servem para descobrir o
ponto de discordância entre dois opositores. Desde o século II da nossa
era, tradicionalmente tem havido uma ordem hierárquica das questões
de Stasis. No entanto, recentemente alguns pesquisadores argumentam
que as questões não necessariamente têm de ser feitas numa ordem
específica, e, dependendo da situação retórica, algumas das questões
podem não ser aplicáveis. Encontrar o ponto de origem de um desacordo
é desnecessário, se o objetivo do argumento é chegar a uma resolução ou
pelo menos a uma compreensão mais clara do problema, por oposição
às disputas, que são muitas vezes o resultado de um argumento em que
a Stasis não foi alcançada antes do engajamento. As Stasis são divididas
em quatro perguntas:
246
A construção do argumento
247
A construção do argumento
248
Referências
ADLER-KASSNER, L., CROOKS, R. and WATTRS, A. Watters (Eds.). Writing the Community:
Concepts and Models for Service-Learning in Composition. Washington, DC: AAHE, 1997.
ARISTOTLE. On Rhetoric: A Theory of Civic Discourse. Tr. George Kennedy. New York:
Oxford, 1991.
BAKHTIN, Mikhail Speech Genres and Other Essays. Ed. By Caryl Emerson and Michael
Holquist. Tr. Vern W. McGee. Austin: University of Texas Press, 1986.
BAKHTIN, Mikhail. Marxism and the Philosophy of Language. 1929. Tr. Ladislav Matejka
and I. R. Titunik. Cambridge: Harvard UP, 1886.
BARKER, J. Evaluating Web Pages: Techniques to Apply & Questions to Ask. Berkeley: Uni-
versity of California Berkeley, 2005.
BAZERMAN, C., LITTLE, J., BETHEL, L., CHAVKIN, T., FOUQUETTE, D. and GARUFIS, J.
(Eds.) Reference Guide to Writing Across the Curriculum. West Lafeyette, IN: Parlor and
the WAC Clearinghouse, 2005.
BECK, S. E. The Good, The Bad, & The Ugly: Why It’s a Good Idea to Evaluate Web Sources.
New Mexico: New Mexico State University, 2005.
BELENKY, M. et al. Women’s Ways of Knowing: The Development of Self, Voice, and Mind.
New York: Basic Books, 1986.
249
BERNHARDT, S. A. Seeing the Text. College Composition and Communication, 37.1, 1986,
66-78.
BERLIN, J. Rhetoric, Poetics, and Cultures: Refiguring College English Studies. West Lafayet-
te: Parlor, 2003.
BERTHOFF, A. The Intelligent Eye and the Thinking Hand. In: HAYS, J. N., ROTH, P. A.,
RAMSEY, J. R. and FOULKR, R. D. (Eds.). The Writer’s Mind: Writing as a Mode of Thinking.
Ed. Urbana: NCTE, 1983b.
CURTIUS, E. R. European Literature and the Latin Middle Ages. Princeton, NJ: Princeton/
Bollingen, 1973.
BERUDE, M. The Employment of English: Theory, Jobs and the Future of Literary Studies.
New York: New York University Press, 1998.
BIZZELL, P. and HERZBERG, B. (Eds.) The Rhetorical Tradition: Readings from Classical
Times to the Present. 2nd ed. New York: Bedford/St Martin’s, 2001.
BIZZELL, L. and FREIRE, P. What Education Can Do. JAC, 17.3, 1997, p. 319-22.
BITZER, L. The Rhetorical Situation. Philosophy and Rhetoric, 1.1, 1968, p. 1-14.
______. The Rhetorical Situation. In: COVINO, W. And JOLLIFFE, D. (Eds.). Rhetoric: Con-
cepts, Definitions, Boundaries. New York: Allyn & Bacon, 1995. 300-10.
250
BOLTER, J. D. Topographic Writing: Hypertext and the Electronic Writing Space. In:
DELANY, P. and LANDOW, D. P. (Eds.). Hypermedia and Literary Studies. Cambridge: MIT
Press, 1991, p. 105-18.
BROWNELL, T. Planning and Implementing the Right Word Processing System. Computers
and Composition, 2.2, 1984. p. 3-5.
BUBER, M. Eu e Tu. Tradução, introdução e notas por Newton Aquiles Von Zuben. 10. ed.
São Paulo: Centauro, 2001.
BURKE, K. The Philosophy of literary form. Louisiana: State University Press, 1941.
______. Attitudes Toward History. 3rd ed. Berkeley: University of California Press, 1984.
______. Permanence and Change: An Anatomy of Purpose. 3rd ed. Berkeley: University of
California Press, 1984b.
______. Revolutionary Symbolism in America. In: SIMONS, H. W. And MELIA, T. (Eds.). The
Legacy of Kenneth Burke. Madison: University of Wisconsin Press, 1989, p. 267-73.
251
COLLIER, R. and WERIER, C. When Computer Writers Compose by Hand. Computers and
Composition, 12.1, 1995, p. 47-59.
CONKLIN, J. and BEGEMAN, M. L. gIbis: A Hypertext Tool for Team Design Deliberation.
Proceedings of Hypertext, 87, 1987, p. 247-68.
CROSSWHITE, J. The Rhetoric of Reason: Writing and the Attractions of Argument. Madi-
son: U of Wisconsin P, 1996.
CROWLEY, S. A Plea for the Revival of Sophistry. Rhetoric Review, 7.2, 1989, p. 318-34.
CRUSIUS, T. Kenneth Burke and the Conversation after Philosophy. Carbondale: Southern
Illinois UP, 1999.
DOWLING, C. Word Processing and the Ongoing Difficulty of Writing. Computers and
Composition, 11.3, 1994, p. 227-35.
252
DEANS, T. Writing Partnerships: Service-Learning in Composition. Urbana: NCTE, 2000.
EDE, L. Is Rogerian Rhetoric Really Rogerian?. Rhetoric Review, 3.1, 1984, p. 40-48.
ELLSWORTH, E. Why Doesn’t This Feel Empowering? Working through the Repressive
Myths of Critical Pedagogy. Harvard Educational Review, 59.3, 1989, p. 297-324.
ELLUL, J. Propaganda: The Formation of Men’s Attitudes. 1965. New York: Vintage, 1973.
ENGLE, M. Evaluating Web Sites: Criteria and Tools. Cornell University Library, 28 Oct. 2005,
disponível em: http://www.library.cornell.edu/ olinuris/ref/research/webeval.html.
FRASCINA, F. The New York Times, Norman Rockwell and the New Patriotism. Journal
of Visual Culture, 2.1, 2003, p. 99-130.
FISH, S. Condemnation without Absolutes. New York Times, 15 Oct. 2001, p. A22.
253
FOSS, S. K., and GRIFFIN, C. L. A Feminist Perspective on Rhetorical Theory: Toward A
Clarification of Boundaries. Western Journal of Communication, 56.3, 1992, p. 330-49.
______. Composition at the Turn of the Twenty-First Century. College Composition and
Communication, 56.4, 2005, p. 654-87.
GAGE, J. The reasoned thesis. In: EMMEL, B., RESCH, P. and TENNEY, D. (Eds.). Argument
Revisited, Argument Redefined: Negotiating Meaning in the Composition Classroom. Thou-
sand Oaks, CA: Sage, 1996. p. 1-15.
______. Teaching the Enthymeme: Invention and Arrangement. Rhetoric Review, 2.1, 1983,
p. 38-50.
GARDNER, H. Changing Minds: The Art and Science of Changing Our Own and Other
People’s Minds. Boston: Harvard Business School, 2004.
GEERTZ, C. Blurred Genres: and the Refiguration of Social Thought. The American Scholar,
29.2, 1980, p. 165-79.
GOS, M. Computer Anxiety and Computer Experience: A New Look at an Old Relationship.
The Clearing House, 69.5, 1996, p. 271-76.
HANDA, C. (Ed.). Visual Rhetoric in a Digital World: A Critical Sourcebook. New York: Be-
dford/St. Martin’s, 2004.
254
HILL, C. A. Reading the Visual in College Writing Classes. In: HELMERS, M. (Ed.). Inter-
texts: Reading Pedagogy in College Writing Classrooms. Mahwah, NJ: LEA, 2003, p. 123-50.
HOBBS, C. L. Learning from the Past: Verbal and Visual Literacy in Early Modern Rhetoric
and Writing Pedagogy. In: FLECKENSTEIN, K., CALENDRILLO, L. T. and
HAYNES, C. and HOLMEVIK, J. R. High Wired: On the Design, Use, and Theory of Educational
MOOs. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1998.
HERZBERG, B. Community Service and Critical Teaching. College Composition and Com-
munication, 45.3, 1994, p. 307-19.
255
KAHANE, H. Logic and Contemporary Rhetoric: The Use of Reason in Everyday Life. Belmont:
Wadsworth Publishing Company, 1971.
KAJDER, S. and BULL, G. Scaffolding for Struggling Students: Reading and Writing with
Blogs. Learning and Leading with Technology, 31.2, 2003, p. 32-46.
KENNEDY, G. Classical Rhetoric and its Christian and Secular Tradition from Ancient to
Modern Times. 2nd ed. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1999.
KIEFER, K. Computers and Teacher Education in the 1990s and Beyond. In: HAWISHER,
G. E. and SELFE, C. L. (Eds.) Evolving Perspectives on Computers and Composition Studies:
Questions for the 1990s. Urbana: NCTE, 1991, p. 113-31.
KINKEAD, J. and UGAN, J. A Report on the 1983 CCCC Special Session for Writing Lab
Directors. Writing Lab Newsletter, 7.10, 1983, p. 5-6.
KOLB, D. Association and Argument: Hypertext in and Around the Writing Process. New
Review of Hypermedia and Multimedia, 11.1, 2005, p. 27-32.
KRESS, G. and LEEUWEN, T. V. Reading Images: The Grammar of Visual Design. New York:
Routledge, 1996.
LACHLAN, K., SMITH, S. L. and TAMBORINI, R. Popular Video Games: Quantifying the
Presentation of Violence and Its Context. Journal of Broadcasting & Electronic Media, 41.1,
2003, p. 58-76.
LAKOFF, G. Moral Politics: How Liberals and Conservatives Think. 2nd ed. Chicago: Uni-
versity of Chicago Press, 2002.
256
LAMB, C. E. Beyond Argument in Feminist Composition. College Composition and Com-
munication, 42., 1991, p. 11-24.
LAZERE, D. Back to Basics: A Force for Oppression or Liberation?. College English, 54.1,
1992, p. 17-21.
LeCOURT, D. and BARNES, L. Writing Multiplicity: Hypertext and Feminist Textual Poli-
tics. Computers and Composition, 16.1, 1999, p. 55-72.
LEO, J. Cultural Relativism Leaves Some Blind to Evil. Arizona Republic, 15 October 2001,
p. A18.
MAUK, J. Location, Location, Location: The ‘Real’ (E)states of Being, Writing, and Thinking
in Composition. College English, 65.4, 2003, p. 368-88.
McALISTER, A., SIMON, A. R. and SCANLON, E. Combining Interaction and Context Design
to Support Collaborative Argumentation Using a Tool for Synchronous CMC. Journal of
Computer Assisted Learning, 20.3, 2004, p.194-204.
McCLOUD, S. Understanding Comics: The Invisible Art. New York: HarperCollins, 1994.
McELHOLM, D. Text and Argumentation in English for Science and Technology. Berlin: Peter
Lang, 2002.
257
MILLER, C. Genre as Social Action. Quarterly Journal of Speech, 70.2, 1984, p. 151-67.
MORAN, C. Computers and Composition 1983-2002: What We Have Hoped For. Computers
and Composition, 20.4, 2003, p. 343-58.
NYDAHL, J. The Rhetoric of Television News. Teaching English in the Two-Year College,
13.4, 1986, p. 290-97.
PALMINI, D. Using Rhetorical Cases to Teach Writing Skills and Enhance Economic Le-
arning. Journal of Economic Education, 27.3, 1996, p. 205-16.
PALMQUIST, M. A Brief History of Computer Support for Writing Centers and Writing-
-Across-the-Curriculum Programs. Computers and Composition, 20.4, 2003, p. 395-413.
PERELMAN, C. The Realm of Rhetoric. Tr. William Kluback. South Bend, IN: University of
Notre Dame Press, 1982.
______. Theory of Practical Reasoning. In: BIZZELL, P. and HERZBERG, B. (Eds.). The
Rhetorical Tradition: Readings from Classical Times to the Present. 2nd ed. New York:
Bedford/St Martin’s, 2001, p. 1384-409.
PERRY, W. Forms of ethical and intellectual development in the college years: A scheme. San
Francisco: Jossey-Bass, 1999.
258
RAMAGE, J.; BEAN, J. C. and J, J. Writing Arguments: a Rhetoric With Readings. Boston:
Pearson Custom Publishing, 2007.
RORTY, R. Philosophy and the Mirror of Nature. Oxford: Basil Blackwell, 1979.
RUSSELL, D. Activity Theory and Its Implications for Writing Instruction. In: PETRAGLIA,
J. (Ed.). Reconceiving Writing, Rethinking Writing Instruction. Mahwah, NJ: Erlbaum, 1995,
p. 51-77.
SELFE, C. L. and SELFE, R. The Politics of the Interface: Power and Its Exercise in Elec-
tronic Contact Zones. College Composition and Communication, 45.4, 1994, p. 480-504.
SHOR, I. and FREIRE, P. A Pedagogy for Liberation. South Hadley, MA: Bergin & Garvey, 1987.
SHOR, I. Critical Teaching and Everyday Life. Boston: South End, 1980.
259
______. (Ed.) Freire for the Classroom: A Sourcebook for Liberatory Teaching. Portsmouth,
NH: Boynton/Cook, 1987.
______. When Students Have Power. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
SPIGELMAN, C. Argument and Evidence in the Case of the Personal. College English, 63.1,
2001, p. 63-87.
STROUPE, C. Visualizing English: Recognizing the Hybrid Literacy of Visual and Verbal
Authorship on the Web. College English, 62.5, 2000, p. 607-32.
SIMONS, H. W. and MELIA, T. (Eds.). The legacy of Kenneth Burke. London: The University
of Wissonsin Press, 1989.
SCHUTT, R. M. Starkweather and Smith: Using ‘Contact Zones’ to Teach Argument. Tea-
ching English in the Two-Year College, 25.2, 1998, p.126-131.
TAYLOR, C. Sources of the Self: The Making of the Modern Identity. Cambridge: Harvard
University Press, 1989.
TEICH, N. Rogerian Problem Solving and the Rhetoric of Argumentation. JAC, 7, 1987, p.
52-61.
WATTERS, A. (Ed.). Writing the community: concepts and models for service-learning in
composition. Washinton: DC: AAHE, 1997.
260
WILKES, J. Science Writing: Who? What? How?, The English Journal, 67.4, 1978, p. 56-60.
William and Mary University Web. Strategic Plan: Into the Fourth Century. n.d.
14 May 2004, disponíve em: <http://www.wm.edu/administration/provost/ stplan/
pubserv.php>.
WILLIAMS, J. B. and JACOBS, J. Exploring the Use of Blogs as Learning Spaces in the Higher
Education Sector. Australasian Journal of Educational Technology, 20.2, 2004, p. 232-47.
YOUNG, R. E., BECKER, A. L. and PIKE, K. L. Rhetoric: Discovery and Change. New York.
Harcourt, 1970.
ZAGACKI, K. Visibility and Rhetoric: The Power of Visual Images in Norman Rockwell’s
Depictions of Civil Rights. Quarterly Journal of Speech, 91.2, 2005, p. 175-200.
261
A construção do argumento
A
262
Sobre os autores
John Ramage
Foi professor, por mais de trinta anos, na Montana State University e na
Arizona State University. Ensinou literatura, escrita, teoria retórica e
argumentação na graduação e na pós-graduação. Também foi coordena-
dor de programas de escrita por mais de uma década, supervisionando
centros de escrita, programas curriculares e de suporte acadêmico. Seu
livro Writing Arguments, em co-autoria com John Bean e June Johnson,
já está na oitava edição.
Zachary Waggoner
É professor do Departamento de Inglês na Arizona Satate University. En-
sina retórica, escrita, teoria de jogos eletrônicos e atua na formação de
professors. É autor de My Avatar, My Self: Identity in Video Role-Playing
Games e de vários artigos sobre o ensino da escrita.
Micheal Callaway
É professor residente no Mesa Community College, em Mesa, Arizona.
Além do ensino, atualmente, tem se dedicado ao desenvolvimento de
currículo para cursos de educação para o desenvolvimento. Além de
atividades de ensino, ele também se interessa por questões de avaliação.
Jennifer Clary-Lemon
É professora assistente de retórica na University of Winnipeg. Os seus
interesses de investigação incluem a retórica da representação e a histó-
ria da escrita e da disciplinaridade. É co-autora com Peter Vandenberg
e Sue Hum de Relations, Locations, Positions: Composition Theory for
Writing Teachers. Também tem publicações em revistas como American
Review of Canadian Studies e Handbook of Research on Writing.
263
Sobre os tradutores
Clemilton Lopes Pinheiro
Doutor em Letras, área de Filologia e Linguística Portuguesa, pela Uni-
versidade Estadual Paulista Júlia de Mesquita Filho. Realizou estágio de
pós-doutorado em Linguística na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3. É
professor de linguística na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Marcus Mussi
Doutorando em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba. É pro-
fessor de inglês no Centro de Formação de Professores da Universidade
Federal de Campina Grande.
264
Maria Hozanete Alves de Lima
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas. Realizou
estágio de pós-doutorado no Institut de textes et manuscrits modernes,
unidade de pesquisa ligada ao CNRS da França. É professora de estudos
clássicos na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
265
A
A construção do argumento fornece uma ampla gama de
recursos para o ensino da escrita. As ideias dos principais
teóricos da Retórica clássica e contemporânea, de Aristóteles a
Burke, Toulmin e Perelman, e sua relevância para a instrução
são apresentadas sucintamente. Os autores classificam de forma
clara e expõem suas posições sobre a pedagogia das falácias
informais, da propaganda, e apresentam as razões para preferir
uma abordagem a outra entre as disponíveis para o ensino da
escrita. Os autores igualmente destacam o papel do argumento
em abordagens que não são diretamente vinculadas ao tema,
como as que destacam o movimento feminista, a retórica da
liberação, os estudos culturais críticos, o movimento escrita
através do currículo, as novas tecnologias e a retórica visual. As
referências bibliográficas dão a oportunidade de aprender mais
sobre essas abordagens.
ISBN 978-85-66530-81-0