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CONCEITOS
John Wilson
Tradução
WALDÉA BARCELLOS
Martins Fontes
São Paulo 200 I
E.ua obra foi pubf1rr1du m·;,(!inafmtme em in,!.!lês tom o tíruln
THINKING W/TH CONCEPTS po1 ?ress Syndicaie
f{ 1hr U1ú1•er,\·11y o{Camhridge. em 1963.
Cop\Ti�Ju © Ca111hridg<' Umrffsiry l'l'l'S."f, /CJ63.
Copyrh:hr © 1()01. Uw·aria Martms Fome.t Editora Ltc/11,
Stio Paufo. poro a f)J'l'St:11W l'(/Jçlío
11 ediç:lo
11rn/lo de 2001
Traduçâo
WAWiA 8ARCELLOS
Re\'iSão da tradução
earulinn 1\11drtrde
Revisâo gráfica
Morin Luf:a ,.-,.m'l!f
fran)' Picasso 8atis1a
Produçilo gráíic:1
Geraldo Afrcs
Paginação/Fotolitos
Srudio 3 De..senrolrimcnto E1/irorial
CDD·l21.4
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Mai:-; que isto, para ser franco, sinto que muitos dos adul
lw. que se preocupam com "grandes questões" - religião,
p11lít1c.;a, moral, �sLudos sociais, ciência ou, simplesmente,
11·li1cionamentos pessoais - fariam melhor se dedicassem
111L·11os tempo à aceitação sem críticas das idéias dos outros
l 111;1is tempo para aprender a analisar conceitos. A análise
AGRADECIMENTOS
NOTA
1
ca e a química, além de características que são totalmente
diferentes. Assim, dizer que a psicologia é ciência ou que
não é passa a ser questão de escolha. Posta nestes termos,
pode parecer que a escolha seja puramente acadêmica. Mas
suponhamos que sejamos obrigados a responder à mesma
1 1 TIVIDADE DA ANÁUSE 7
a) Dificuhlades de temperamento
prática das técnicas, pode ser útil que o leitor os tenha diante
dos olhos, como um lembrete - apesar de serem freqüente
mente óbvios e apesar de, em certo sentido, serem bem co
nhecidos do leitor.
1 l i li li 1 li li:' Dtl ilNJÍL!SE 17
jogo da análise.
b) Técnicas de análise
so e democracia já mostraram.
Por outro lado, assim como já vimos que não se deve
pensar em um significado para cada palavra, tampouco
se deve supor que a maioria dos conceitos seja totalmente
fluido e que cada um tenha apenas os lim ites que mais nos
agradem.
Sabemos, de qualquer conceito, que ele ocupa uma área
que pode ser localizada e mapeada por aproximação, mes
mo que as fronteiras nunca sejam muito precisas. Logo,
mesmo que tenhamos dúvidas sobre se baleias, polvos, es
trelas-do-mar, lagostas e ostras '"cabem" no território do con
ceito de peixe, sabemos pelo menos que. na maioria das cir-
26 PENSA R COJ\4 CONCEITOS
(3) Casos-modelo
U m dos bons modos de começar, sobretudo quando nos
sentimos totalmente perdidos no território de um conceito,
é selecionar um caso-modelo, ou seja, uma ocorrência que
nos pareça, sem dúvida algwna, exemplar; um caso daqueles
t:m que se pensa "Bem, se issu não é um bom exe mpl o de x . . .
nada mais será".
Quanto ao conceito de punição, pode-se pensar no caso
de alguém que desrespeitou intencionalmente uma norma
importante e, por isso, foi castigado por ordem das autori-
( 4 ) Contra-exemplos
Pode-se chegar ao mesmo objetivo pelo método opos
l o , isto é, considerando os casos em que se possa dizer:
"Bem, seja lá o que for tal conceito, isto eu sei que não é."
Suponhamos que estivéssemos preocupados com o concei
to de justiça: escolheríamos casos nos quais não houvesse
( 5 ) Casos afins
São raros os casos em que se consegue analisar um con
ceito sem considerar também outros conceitos afins, seme-
30 PENSAR COM CONCEITOS
( l O) Resultados práticos
As questões sobre conceitos são quase sempre desnor
teantes, porque não se pode garantir que tenham respostas
"certas" ou "erradas"; e pode acontecer de alguém querer
saber se alguma destas perguntas tem algum objetivo ou sig
nificado. De fato, porque são perguntas, elas como que "exi
gem" algum tipo de resposta. E, na medida em que as pes
soas tenham tido alguma intenção ao fazê-las, as perguntas
têm algum tipo de objetivo ou significado. Muitas vezes,
porém, só nos resta tentar adivinhar o objetivo e o signifi
cado. E um dos modos pelos quais podemos arri scar palpites
mais inteligentes, em vez de palpites completamente alea
tórios, é ver os resultados práticos, na vida diária, de uma res
posta "sim'' e de urna resposta "não". Por exemplo, supo
nhamos que alguém pergunte "Como podemos saber que não
é tudo ilusão?" ou "Será que tudo na vida não é só sonho?".
Parece que nossa resposta, seja qual for, não terá efeitos na
prática. Imaginemos que respondêssemos que tudo é ilusão;
que a vida é sonho. E daí? Em que esta resposta afetaria nosso
comportamento? Que diferença real provocaria nos nossos
atos? Claro que a resposta nem afetaria nem faria qualquer
diferença, o que sugere que a pergunta (embora possa ter
algum objetivo ou sentido) não expressa muito claramente
a dúvida ou a preocupação subjace11tes que há na mente de
quem perguntou. Em outras palavras, houve alguma falha
grave na linguagem em que a pergunta foi formulada, uma
vez que se sabe que a resposta sempre implica alguma dife
rença prática em toda e qualquer pergw1ta verdadeira ou
útil. Portanto - dado que os conceitos de ilusão e sonho só
fazem sentido em contraste com os conceitos opostos de
realidade ou de vida de olhos abertos -, vê-se neste exem
plo que não se sabe qual o significado (se é que há aí algum
significado) que pode estar associado à frase "tudo é sonho"
ou "tudo é ilusão". Seria como dizer que todo dinheiro é falso.
1 l i 1 1 'fl)ADE DA ANÁLISE 35
( 1 1 ) Conseqüências na linguagem
Como as palavras são sempre ambíguas e como nem
sempre é possível dizer qual é o significado de uma pala
vra, pode acontecer de, muitas vezes, acabarmos na situa
ção descrita acima, no item (2) (página 25): aquela situação
na qual temos de dizer "Bem, se com tal termo você quer
dizer abc, a resposta é tal; mas se você estiver querendo dizer
xyz, então a resposta é outra".
De fato, porém, podemos avançar um pouco mais:
mesmo quando as palavras são tão vagas que não se pode
dizer que tenham um significado principal, ainda assim
pode-se dizer que é mais racional ou mais útil adotar alguns
significados, em vez de outros. A palavra "democracia" tem
pouquíssimo significado central; o máKimo que se pode di
zer é que, nesta palavra, o significado tem a ver com a idéia
de que o povo exerce algum controle sobre o governo; não
se pode dizer muito mais. Há vários casos aos quais é pos-
36 PENSAR COM CONCEITOS
e) A rmadilhas na linguagem
( 3 ) Implicações ocultas
Algumas palavras são círct1los viciosos muito sutis. Em
outras palavras, carregam implicações que não podem ser acei
tas se quisermos acertar a resposta da pergunta. Assim, a per
gunta "Se a natureza é bem organizada, Deus não tem de
1 ATIVIDADE DA ANÁLISE 41
( 4) Tautologia
Ao defender suas opiniões, as pessoas com freqüência
tentam tornar mais seguro o qLLe dizem, reduzindo suas sen
tenças a tautologias, isto é, reduzindo-as a sentenças que
são necessariamente verdadejras porque quem as emite
as define como verdadeiras. Imaginemos que ternos de res
ponder à pergunta "Há vi lões em todas as tragédias de
Shakespeare?". Poderíamos começar pensando em lago, de
Otelo; em Edmund, de Rei Lear, dentre outros, e formar a
opinião de que a resposta correta é "sim". Se alguém dis
ser, então, "Ah, mas ... e Júlio César, ou Antônio e Cleópatra?",
poderemos nos sentir tentados a salvaguardar nossa opinião,
tornando-a tautológica. Há dois modos de fazer isto. Pode
remos dizer: "Ora, essas não são tragédias de verdade"; ou,
então: "Bem, Marco Antônio em Jú/io César e Cleópatra em
42 PENSAR COM CONCEITOS
( 5 ) Extensão do significado
Não há leis contra ampliar o significado normal das
palavras, só é perigoso. Mas nós, mais uma vez, somos ten
tados a fazê-lo para "proteger" algum de nossos pontos de
vista específicos. Ampliar o sentido das palavras, porém,
vira risco de vida quando ampliamos tanto o significado de
uma palavra que ela deixa de ler qualquer utilidade. Por exem
plo, suponhamos que alguém nos pergunte "Será que todos
os romances têm uma mensagem política?". Há, pelo me
nos, três modos de responder. Talvez o mais racional (i) seja
manter os pés no chão e reconhecer que, norn1almente, só
usamos a palavra "político" para alguns poucos romru1ces:
entre outros, Admiravel m·undo novo de Huxley, 1 984 e A
revolução dos bichos, de OrweJI, por exemplo. Mas podería
mos optar por (ii) ampliar o significado de "político" ou,
1 IT!VID!IDE DA ANÁLISE 43
( 6) Pensamento mágico
Finalmente, há uma quantidade enorme de erros, ainda
não mencionados nos parágrafos anteriores, que, de tantos que
são, não podem ser todos l istados, e que (como já foi dito)
cometemos porque, basicamente, somos dominados ou fas
cinados por uma forma de linguagem. Quando cometemos
estes erros, estamos, quase sempre (em geral, inconscien
temente), pensando de modo infanti l ou primitivo, como se
acreditássemos mais em mágica do que nas coisas que obser
vamos ou aprendemos pela razão. A crença em objetos abs
tratos (mencionada em ( 1 ) ) é só um exemplo deste tipo de
erro, mas h á outros. Por exemplo, na sentença "a gravida
de fez a pedra cair", o perigo não está só na possibilidade
de acreditarmos numa coisa ou força abstrata chamada
"gravidade" (quando o que observamos, de fato, são vários
objetos qu.e têm comportamento regular); o perigo está tam
bém na possibilidade de levarmos muito a sério a palavra
44 PENSAR COM CONCEITOS
d) Estilo
ta com uma conclusão que sabe muito bem não ser derivada
do que foi dito, está condenado desde o início. Mas há for
mas involuntárias e mais sutis de desonestidade, que são mais
difíceis de detectar e corrigir.
Deve-se sempre perguntar, antes de começar a escre
ver, ou ao acabar de compor um texto: "É isto o que eu
quero dizer?", "É isto mesmo que eu quero dizer?" ou "O
que eu disse é mesmo verdade?" Como a análise é essen
cialmente uma atividade dialética, nenhuma sentença pode
ser perfeita e completa; e, nesse sentido, nenhuma senten
ça chega a ser totalmente satisfatória. Mas podemos, aos
poucos, ir ganhando controle cada vez maior sobre a verdade,
mediante um esforço contínuo para nos conscientizarmos
da imperfeição de nossas frases - dos pontos que têm de ser
destacados, das exceções que têm de ser marcadas, dos ar
gumentos que pode1iam desestabilizá-las totalmente e assim
por diante.
Este, provavelmente, é o verdadeiro motivo pelo qual
se devem evitar frases empoladas ou tortuosas: porque, nes
tes casos, a linguagem "esconde" o ponto que o autor quer
provar - para o leitor e para o própri o autor.
O mérito de um estilo direto e c laro não é só a facili
dade de leitura; é, principalmente, o fato de que facilita a
detecção de erros e, portanto, a correção. Há aqui uma forte
analogia entre o comportamento para com outras pessoas e
o modo de escrever. Se somos honestos e diretos ao tra
tar com os outros, conquistamos não só a vantagem de os
outros saberem o que pensamos deles mas, também, a van
tagem maior de sabermos o que pensamos deles. Ou seja,
conhecemos melhor os nossos verdadeiros sentimentos,
porque não os encobrimos com atitudes teatrais, artificiais
e desonestas ou com o esforço para parecermos muito inte-
1 igentes. Ser honesto significa ser direto, c l aro, franco e, ao
mesmo tempo, ser sempre consciente do que se faz ou do
1 I f'IV!DADE DA ANÁLISE
3. Observações complementares
b) O que é um conceito?
Comentário
(a) Trasímaco começa dizendo "Eu defino a justiça ou
o cfüeüo como . . .". Ele está propondo uma definição da pala
vra ou, pelo menos, diz que está. Mas será que é isto o que
está fazendo? Se for, está terrivelmente equivocado. Definição
é uma palavra ou expressão lingüisticamente equivalente ao
que está sendo definido - uma tradução, por assim dizer, de
uma palavra por outras. (Assim,triângulo "figura de três
=
até que ponto este aspecto sociológico tem algo a ver com
o significado de "certo''?
(e) Talvez ele esteja tentando dizer: "O que a majoria
das pessoas chama de 'certo' é, no fundo, o que as classes
dominantes ordenam" ou, com maior precisão: "Se as clas
ses dominantes ordenarem isto ou aquilo, os atos e compor
tamentos que resultarem desta ordem corresponderão ao
que a maioria das pessoas considerará 'certo'." A idéia aqui
é que, se quisermos saber quais as atitudes que, de fato, são
consideradas "certas", ou se quisermos saber o que as torna
"certas", teremos de examinar as atitudes e comportamentos
que sejam do interesse das classes dominantes, porque "ati
tudes certas" coincidem com "atitudes que interessam às
classes dominantes". E coincidem, é claro, pela muito boa
razão de que as classes dominantes fazem leis e estabele
cem códigos de moral que favorecem seus interesses; e é
por força destas leis e códigos que as pessoas consideram
as coisas "certas" ou "não-certas".
(á) Se a questão sociológica de Trasímaco em (b) for
verdadeira, será que (e) também é verdade? Façamos um
paralelo. Pode-se perguntar "O que é u m 'bom menino' na
escola?" e responder "Bem, ' bom menino' é aquele que
satisfaz as exigências do estabelecimento educacional:
que não cria problemas, que cumpre suas tarefas atenta e
cuidadosamente, que, provavelmente, se destaca nos jogos
e em outras atividades, que é obediente, e assim por diante.
Em outras palavras, o tipo de menino que serve aos inte
resses da escola ou das classes dominantes (os diretores)".
Isto é o mesmo que admitir (b): que a instituição decreta
normas no seu próprio interesse; (e): que quando as pes
soas falam de "um bom menino" (como, por exemplo, num
boletim escolar), referem-se, quase sempre, ao tipo de me
nino que serve aos interesses da escola. Mas ninguém
disse, até aqui (veja (a)), que "bom" significa "que serve
1 1 / \//'/OS m; ANÁLTSE 65
b) Um diálogo moderno
l 'omentários
(a) A passagem trata da justificativa de j u ízos morais.
No entanto, ela não parece avançar muito: o pedido de uma
.i ustificativa que Copleston faz no início (2) é repetido no
f"inal (20); e a resposta origi nal de Russell (3) também é
repetida no final (2 1 ). É passivei que as respostas de Russell
Lenham sido totalmente claras e satisfatórias e que Coples
lon s im plesmen te não tenha entendido sua posição, mas não
é muito provável. E também é improvável que as respostas
de Russel l tenham sido totalmente imprecisas e insatisfató
rias. É quase certo que o diálogo não tenha chegado a nenhu
ma conclusão. E, como parece avançar em círculos, talvez
algo não tenha funcionado bem com ele.
(b) Podemos começar por eliminar algumas imperti
nências:
(i) Em 7, Russell não está dando nenhumajustificativa
para suas opiniões morais. Está apenas sugerindo que pode
haver uma explicação científica (presumivelmente, uma
explicação psicológica) para elas, exatamente como existe
uma explicação para o motivo pelo qual os objetos parecem
ser amarelos e azuis.
( i i ) Em 4-6, Copleston apresenta a idéia de umafacuf
dade com o auxílio da qual Russell faz juízos ou distingue
entre o que é bom e o que é mau. A imp l i c ação de 4 ( Bem ,
"
Comentários
(a) Ternos aqui um quadro dos seres humanos não corno
se fossem compostos, essencialmente, dos fatores hereditá
rios, do ambiente ou da posição que têm na vida, mas como
seres que podem fazer escolhas morais. Quando os fatores
hereditários e tudo o mais "se soltarem" deles, nós os vere
mos como "realmente foram". Pessoas que "parecem bas
tante agradáveis" podem ser "de fato piores" do que, por
exemplo, Himmler. O "verdadeiro homem central" é "aqui
lo que escolheu ser".
(b) O mais surpreendente é que, embora este quadro
possa corresponder àquilo em que alguns de nós acredita
mos (ou dizemos acreditar), o quadro não está, de modo
algum, em harmonia com o modo como normalmente fala
mos. Geralmente, consideramos como parte de um homem
características que se podem revelar como enormemente
influenciadas, se não totalmente determinadas, pela heredi
tariedade e pelo ambiente: a inteligência, o temperamento
agradável, a aparência fisica, o senso de humor, e assim por
l�XEMPWS Ot: ANÁLISE 77
Comentários
(a) "Vivemos j untos, mas estamos sempre sós" é um
paradoxo. A impressão (Capítulo 1 , página 42) que se tem
é que os limites do concei.to estão sendo, de algum modo,
estendidos além da conta. Se estamos sempre sós, podemos
atribuir algum sentido à noção de estar na companhia de
alguém, ou de compartilhar alguma coisa com alguém? Será
que Huxley, alguma vez, se permitiria dizer "Fulano de Tal
não está sozinho"? Afinal, aí está uma frase que todos pro
ferimos com grande freqüência. Em outras palavras, há casos
l:".\'EMPLOS Dt:: ANÁLISE 79
Comentários
(a) As duas primeiras frases sugerem opiniões diferen
tes. Uma coisa é falar de "validade", "convicções" e "j usti
ficativa"; outra é falar de coisas que têm uma "função co
mo parte essencial da nossa natureza". A primeira indica
que estamos avaliando crenças, para ver se existem evidên
cias que asjustifiquern, e a ss i m por diante. A segunda suge
re que estamos examinando faculdades humanas ou padrões
de comportamento, e refletindo sobre como funcionam, se
são úteis ou "essenciais'', se são engrenagens im po rtan te s
na máquina humana. A última frase parece apoiar o segun
do tipo de discurso, em vez do primeiro: devemos cons i d e
rar não a validade das crenças humanas, mas o valor das
Comentários
(a) É óbvio que algo de muito estranho acontece aqui
com a palavra "conhecer". Diz-se normalmente "Conheço
o Smith muito bem" sem nenhuma implicação, em termos
lógicos ou concretos, de "matar" Smith ou de "tentar sugar-
84 PENSAR COM CONCEITOS
Comentários
( a ) O fundamento geral deste trecho é que certos tipos
de discussão (sobre o que é verdadeiro ou certo, ou sobre a
vontade de Deus) são inadequados para uma "explicação
histórica''. O candidato, que presumivelmente respondeu a
todas as perguntas do exame oral com frases como "Bem,
86 l,ENSAI? COM CONCEITOS
Comentários
(a) Nesse texto Wilson está tentando construir um dile
ma para prender os que acreditam em milagres. O dilema é
aproximadamente o seguinte: ou (i) os acontecimentos de
nominados "milagres" são apenas acontecimentos muito
intrigantes e de diflcil compreensão (caso em que não pre
cisamos nos preocupar porque pode acontecer de conseguir
mos compreendê-los no futuro) ou (2) então "milagre" sig
nifica "acontecimento inexplicável" ou "algo que ninguém
poderá explicar jamais, em nenhuma circunstância" (caso
em que parece precipitado afirmar que haja m ilagres, por
que quem garante que ninguém, jamais, os explicará?). Tudo
isto parece muito bem colocado, mas quem realmente acre
ditar em m i l a gre s ficará com uma vaga sensação de ter sido
enganado. Será que há aí, de fato, algum dilema?
(b) A lguém que acredite em m ilagres pode negar que
sua posição esteja expressa, com j usteza, por qualquer uma
1 l i \ /l'l.OS IJE ANÁL!SE 89
Etapa 1
Observamos, primeiro , que há dois conceitos obscuros:
"punição" e "represália" e que, portanto, exigem análise. Em
94 PENSAR COM CONCEITOS
Etapa II
Aplicamos agora algumas das técnicas de análise:
(a) Um caso-modelo de punição seria o de um menino
que quebrasse propositalmente uma janela e recebesse cas
tigo corporal aplicado pelo diretor da escola. Este seria tam
bém um caso-modelo de represália.
(b) Um contra-exemplo de punição seria um caso em
que o menino fosse castigado sem ter feito nada de errado.
Evidentemente, este não é um caso de represália. Por que
não? Porque o tratamento que o menino recebeu não lhe foi
aplicado por represália - ele não está tendo de pagar por
algo que tenha feito, já que não fez coisa alguma que exi
gisse represália.
(e) Como caso afim, poderíamos considerar se o trata
mento foi "justo" ou "imparcial". Nos dois casos mencio
nados, o menino "merecia" ser tratado como foi? Diríamos
que sim no primeiro caso e que não no segundo. O primei
ro tratamento foi "justo" e "imparcial"; o segundo poderia
ser chamado de "injusto" e "parcial".
(d) Corno caso limítrofe, poderíamos tomar o caso de
alguém que houvesse cometido um crime, mas, em vez de ser
enforcado ou encarcerado, tivesse sido condenado pelo
juiz a ser internado em um asilo de loucos. A expressão é
estranha ou esquisita. Será que "condenado" é realmente a
palavra certa? E se ele quisesse ir para o asilo? Afinal, "asilo"
nonnalmente significa um abrigo, um refúgio, um lugar agra
dável. Ir para um asilo seria uma "punição"? Quando hesi
tamos, sem saber que nome dar a algo, onde, exatamente,
está nossa dúvida? Estará em não sabermos se ir para o asilo
l:'XEMPLOS /JE ANÁL!SE 95
Etapa III
Comecemos agora nosso diálogo interior. Retomemos,
primeiro, os pontos de que tratamos na etapa anterior. Pode
ríamos ter logicamente urna punição sem represálias? E po
deríamos preservar o fator de coibição sem preservar a noção
de represália? "Represália" parece envolver a idéia de "qui
tação de uma dívida": alguém - o diretor da escola ou o juiz
98 PENSAR COM CONCEITOS
q 1 1 L' o me lhor para você é ser internado num asilo", com esta
Etapa IV
Ao examinar a pergunta mais uma vez, percebemos que
agora parece estranho perguntar "A punição deve ter cará
ter de represá lia?". Em termos lógicos, ela tem de ter. O que
precisamos fazer, portanto, para que nossa resposta seja a
mais eficaz possível, é provar este ponto lógico, antes de
mais nada, e, então, esboçar outras possíveis linhas de abor
dagem para enfrentar as questões que podem estar subja
centes à pergunta, questões como "Nosso tratamento para
criminosos deveria ter o caráter de represália?" ou "Nossa
punição deveria ter apenas o caráter de represália?". Não pre
cisamos nos aprofundar nessas linhas de raciocínio, j á que
essas não foram as perguntas que nos pediram que respon
dêssemos. Mas talvez valha a pena trabalhar um pouco nelas.
·Etapa V
Procuremos agora o modo mais rápido e convincente
de provar os pontos lógicos - e, em primeiro l ugar, o ponto
l:".YEMPLOS DE ANÁLISE JOJ
Etapa VI
Devemos agora tentar organizar essas idéias na forma
de um breve ensaio. Naturalmente seria possível escrever
sobre o assunto em quase qualquer extensão. Para um exem
plo prático, partirei do pressuposto de um prazo de cerca de
quarenta minutos, incluídas as etapas preliminares e a reda
ção em si. Quanto destes quarenta minutos você vai gastar
nas etapas preliminares e quanto vai gastar escrevendo é em
parte uma questão de gosto; mas, como j á dissemos antes,
o melhor é cobrir meticulosamente o terreno preliminar e
só começar a escrever depois de saber quase exatamente o
que vai dizer. Isto significa que o tempo real para escre-
104 PENSAR COM CONCEITOS
Etapa Vil
Agora voltemos a examinar esse ensaio, já que reserva
mos um certo tempo para coneções. Observemos o seguinte:
1 1 J:All'LOS DE ANÁLISE 107
devam ser forçados a sofrer, mas esta é uma idéia que difi
cilmente poderia ser defendida". Será que é mesmo assim?
É o que queremos dizer? Na realidade, poderíamos defen
der várias idéias, inclusive a que se menciona mais adiante,
no mesmo parágrafo: de que se trata de um bom princípio
prático. Seria melhor acrescentar aqui algo semelhante a " ...
(ser defendida) como um fim em si mesma" ou " ... defen
dida como desejável por si mesma".
(/) No final do quarto parágrafo, onde dizemos "Mas
esta é uma questão relativçi a fatos sociológicos", fomos
excessivamente d i retos. O melhor será dizer algo semelhan
te a "Mas essa visão, se quisermos avaliá-la adequadamente,
exige um conhecimento sociológico muito maior do que o
que temos no momento. Pode parecer plausível, mas não faz
muito sentido ceder a palpites no contexto atual".
(g) No início do quinto parágrafo, consideramos sim
ples a pergunta "De que modo devemos tratar os crimino
sos?". Esta não é, certamente, urna pergunta simples, não,
pelo menos em qualquer de seus sentidos mais evidentes.
Deveríamos eliminar o adjetivo simples, ou explicar que nos
referimos a "simples em termos lógicos (porque não inclui
conceitos difíceis nem palavras de alta carga emocional)".
Ao examinar as etapas nesse procedimento, procurei
avançar o mais lentamente possível. O leitor terá a impres
são - e acho que deve, mesmo, ter esta impressão - de que
muitos pontos poderiam ter sido deixados de lado, de que ou
tros pontos merece1iam ser mais bem discutidos e de que, pro
vavelmente, faltaram pontos importantes. É claro que se po
deria escrever muito mais para complementar a parte final
do ensaio - que trata da reformu l ação das perguntas -, já
que ali se abre todo o campo da reforma criminal, dentre
outros campos; mas não creio que tais assuntos estejam es
tritamente incluídos nos termos de referência propostos pela
pergunta, embora acrescentem alguns pontos de interesse e
l:'X�MPLOS DE ANÁLISE 1 09
Etapa I
Observamos (página 23) que esta é uma pergunta mis
ta, que envolve conhecimento sobre a natureza da astrologia
e alguma compreensão do conceito de ciência, e decidimos
enfrentar primeiro a questão do conceito.
Etapa [!
(a) Um caso-modelo de ciência talvez seja a astrono
mia, embora obviamente haja muitos outros. Haveria alguma
vantagem em escolher a astronomia, porque há muito em
comum entre astrologia e astronomia (ambas têm por obje
to as estrelas e os planetas).
(b) Poderíamos também inventar um contra-exemplo
que tivesse a ver com estrelas. Imaginemos que alguém pin
tasse um quadro impressionista em que aparecessem estrelas
ou escrevesse um poema a respeito delas. Nenhuma des
tas atividades pode ser considerada ciência: são considera
das arte. Em certo sentido, como a astronomia, o quadro e
o poema também têm a ver com estrelas, mas a abordagem
é feita de ângulo diferente, ou tem objetivo diferente.
110 PENSAR COM CONCEITOS
Etapa I V
Após mais um exame da pergunta, vemos que ela não
apresenta qua lquer outra dificuldade. Pedem-nos simples
mente que digamos se a astrologia se encaixa no conceito
de ciência. Poderíamos refo rmular a pe rgun ta : "Seria sen
sato considerar ciência a astrologia?", mas de pouco adianta
ria; no máximo, esta ríamos explicitamente reconhecendo que
se trata de questão conceituai.
Etapa V
Devemos agora tentar passar para o papel, do modo mais
sucinto possível, em ordem coerente, os vários pontos lógi
cos que estabelecemos.
( a ) O conceito de ciência distingue-se da mistificação,
118 PENSAR COM CONCEITOS
)
IIL A filo.�ofia e a análise
verdade.
A música, a pi11tura, o teatro e os romances podem,
indiretamente, gerar enunciados factualmente verdadl:i ros.
mediante um processo complexo - que ninguém a i ndn t;Sl ll•
dou a fundo - e que consiste, em termos muito gcrnis, l! l 1 1
l 3(i PENSAR COM CONCEITOS
1 . Em alguns dos textos ci.tados adiante, os autores niio tàlam e111 �t:11s p1 u•
prios nomes, mas apresentam as opiniões de personagens de ro111a11ccs <Ili di1\l11
gos. Isso se aplica aos números (3), (9), (17) e (20),
1 42 PENSAR COM CONCEITOS
Não estou dizendo que isto seja justo. Não estou dizendo que
seja isto que devamos preferir. Mas tenho certeza de que esta
é a lei do mundo em que vivemos. Em todo o reino da natu
reza, cada espécie existe apenas para ser o meio de susten
tação da vida de outra espécie. E m todos os planosi os supe
riores alimentam-se dos inferiores. Em toda parte, o bom é
parasita do mau. E, assim como na natureza, o mesmo ocor
re na sociedade humana. Estudem história com imparciali
dade, leiam-na sob luz forte, e verão que nunca houve uma
grande civilização que não tivesse como base a iniqüidade.
Aqueles que têm olhos para ver sempre admitiram, e sem
pre admitirão, que a maior civilização da Europa foi a da
Grécia. E, naquela civilização, um aspecto que não foi mera
mente acessório, mas condição essencial, foi a escravidão.
Eliminem a escravidão, e terão eliminado Péricles, Fídias,
Sófocles, Platão.
fundo sabe por que está gostando disso?' ou 'É claro que
, ,,
você percebe o que está por trás disso?
(25) C. I'. Snott1, "11ie Two Cultures and the Scientific Revo
lution " [As duas culturas e a revolução científica}
Participei muitas vezes de reuniões de pessoas que, pe
los padrões da cultura tradicional, são consideradas alta
mente instruidas e que, com prazer considerável, expressavam
sua incredulidade ante a ignorânc i a dos cientistas. Uma
vez ou duas senti-me atingido pela provocação e perguntei
ao grupo quantos deles poderiam descrever a Segunda Lei
1 60 PENSAR COM CONCEITOS
(26) Arthur Koestler, "Neither Lotus nor Robot " [Nem lótus,
nem robô}
E por que devem o Mestre e seus discípulos escrever
livros e mais livros para explicar que o Zen não pode ser ex
plicado, que ele está "literalmente para além do pensamento,
fora dos limites do pensamento mais refinado e sutil" que
ele, em suma, não pode ser posto em palavras? Sabemos
que não é só a experiência mística que oferece um desafio
à verbalização. Existe toda uma gama de intuições, impres
sões verbais, sensações corpóreas, que também se recusam
a ser convertidas em moeda verbal. Pintores pintam, baila
rinos dançam, músicos fazem música, em vez de explicar
que estão praticando não-pensamento em suas não-mentes.
A impossibilidade de articular algo em palavras não é mo
nopólio do Zen, mas o Zen é a única escola que criou uma
filosofia a partir deste ponto, cujos expoentes explodem em
verborragia para provar sua constipação mental.
existe?
(42) "Cadbury's significa bom chocolate." O que "sig
nifica" significa nesta frase?
(43) Até que ponto o progresso da ciência depende da
intuição?
(44) "O latim treina a mente." Que evidências se podem
apresentar a favor ou contra esta afirmação?
( 45) Uma teoria científica pode ser verificável em ter
mos conclusivos?
(46) Você class ificaria o primeiro capítulo do Gênese
como "fato" ou "ficção"?
( 4 7) É possível distinguir com precisão uma invenção
de uma descoberta?
(48) "A virtude é sua própria recompensa." Comente.
(49) "Não podemos nunca ter consciência da mente in
consciente, já que por definição ela é inconsciente." É ver
dade?
(50) Existe algo que se possa chamar de "aprender a pen
sar", sem referência a nenhum campo de estudo específico?