A psicologia fenomenológico-existencial se constitui a partir da influência do
pensamento filosófico sobre psiquiatras e psicólogos, com início na primeira metade do século XX. No caso de Heidegger, a forma como este descreve o homem enquanto ser- no-mundo serve como solo para a elaboração de uma psicologia não-mentalista, que valoriza o ser humano em relação com o que é diferente de si mesmo. Para quebrar pensamentos consolidados pela tradição metafísica, Heidegger cria termos próprios, em busca uma descrição fenomenológica do modo de ser do ente que nós mesmos somos. Ele diferencia ser e ente no nível ontológico (ser) – condições de possibilidade da existência – e o ôntico (ente) – modo de ser daquilo que está presentificado. É sua descrição ontológica que atrai a atenção de psicólogos e psiquiatras, ao perceberem aí a possibilidade de uma nova concepção de homem, que se distancia das analogias naturalistas, do dualismo sujeito-objeto e das relações mecânico-funcionais com o ambiente. Já podemos notar, assim, a aproximação de seu pensamento com um fundamento básico da logoterapia, quando se opõe ao determinismo, apresentando o homem enquanto um ser de liberdade. Heidegger (2006) descreve o ser humano como ser-no-mundo, ou seja, sem dualismos, polaridades ou oposições entre homem e mundo: o ser do homem, portanto, torna-se indissociável do mundo. Ele também se refere a este ser como Dasein ou Ser- aí. Os demais entes surgem neste "aí", que é sempre abertura relacional, de modo prático e não somente contemplativo. Para Heidegger, sendo o ser humano abertura, este irá sempre ao encontro dos demais entes, transcendendo a si mesmo: "Ser transcendente, isto é, ser aquele que atravessa e ultrapassa, é algo que só os 'sujeitos' podem ser, os 'sujeitos' no sentido ontologicamente bem compreendido do Ser-aí" (Heidegger, 2012, p. 433). Mais uma vez podemos observar um paralelo com um princípio logoterapêutico, a autotranscendência, que implica na relação do homem ou em sua orientação para aquilo que difere de si mesmo. Nas palavras de Frankl (1993, p. 99), " o verdadeiro sentido da vida deve ser descoberto no mundo, e não dentro da pessoa humana ou de sua psique, como se fosse um sistema fechado". Heidegger também descreve o Dasein em termos de um poder-ser que, apesar de ainda não realizado, já o caracteriza de fato como devir. O Dasein não se define, assim, pelo que é, porque o poder-ser é indissociável da sua facticidade. A dimensão do possível é intrínseca ao ser, uma vez que aquilo que o Dasein ainda não é de fato, o é como possibilidade. O ser é algo que está sempre em jogo no ente, como algo possível, que está por ser feito, por ser realizado. A esse respeito Frankl (1986) afirma que a realidade do homem “é uma possibilidade, e o seu ser é um poder-ser" (p. 121). Ele acrescenta também que "em nenhum instante da sua vida, pode o homem esquivar-se à forçosa necessidade de escolher entre as possibilidades" (p. 121-122). Para Frankl (1993): "O sentido da vida difere de pessoa para pessoa, de um dia para outro, de uma hora para outra. O que importa, por conseguinte, não é o sentido da vida de um modo geral, mas antes o sentido específico da vida de uma pessoa em dado momento" (p. 98). Assim podemos perceber que a vontade de sentido decorre dessa indeterminação, desse poder-ser. Somente quando o modo de ser se apresenta indeterminado é possível questionar um direcionamento ou busca de sentido pessoal e singular. Pela indeterminação do ser humano, a vontade de sentido se apresenta como um modo de autodeterminação, como um autodirecionamento elegido, uma vez que o ser humano é livre para determinar-se.
Referências
Frankl, V. (1986). Psicoterapia e sentido da vida. São Paulo: Quadrante.
Frankl, V. (1993). Em busca de sentido. Petrópolis: Vozes.
Heidegger, M. (2006). Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes.
Heidegger, M. (2012). Os problemas fundamentais da fenomenologia. Petrópolis: