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3.

Aproximações e divergências entre psicanálise e psicoterapia


fenomenológico-existencial

BARBOSA, C.; CAMPOS, E.; NEME, C. Daseinsanálise e psicanálise:


caracterização de como se dá esse debate na atualidade. Revista Natureza
Humana, São Paulo, v.22, n.1, pp.123-152, 2020.
Intro
Feno-exitenz: quem segue mais Heidegger. Existe uma confusão entre feno-
exitenz com feno-humanista (estes são diferentes daqueles);
Pela abrangência do tema, escolheremos o recorte que vai de Freud-Lacan à
Daseinsanálise.
- se a crítica fenomenológica vai mais em direção ao naturalismo freudiano,
quando se trata de Lacan esta divergência pode ser superada, por exemplo,
quando diz que a questão da pulsão é propriamente humana por ser marcada
pela linguagem, e a falta de “essência” causada pelo vazio do objeto a.

Questões de embasamento
Primeiro, a fenomenologia enquanto perspectiva filosófica e terapêutica (com
psiquiatras pioneiros desse relacionamento, como Binswanger e Boss), é
questionadora dos fundamentos da psicanálise. Ela pode ser entendida, em
certo sentido, como uma contribuição que busca retirar a psicanálise da sua
aspiração a ciência natural e oferecer-lhe um embasamento ontológico.
Considerando a importância de Husserl no campo da fenomenologia, a filosofia
busca contribuir, em certo sentido, para o fundamento racional do
conhecimento, com a formulação de verdades universais, isto é, independentes
de qualquer particularidades e contingências. Para tanto, ele recorre à minúcia
de uma investigação das estruturas da consciência, possivelmente acessíveis
desde certa metodologia.
Da parte de Freud, o fundamento de seu saber e de sua técnica não é
epistemológico, pois parte do interesse clínico. Assim, não pretende formar
uma perspectiva universal e fechada para, depois, desdobrar sua produção –
no entanto, isso também é consequência dele considerar que seu
embasamento já estava dado: as ciências naturais. Por outro lado, se a
consciência fenomenológica buscava fundamentar uma evidência, Freud
procura um inconsciente que tem por definição o traço da opacidade.
Paradoxalmente, da perspectiva do método, psicanálise e fenomenologia
parecem poder se aproximar, já que revelam certo sentido latente dos
fenômenos que estuda, sendo levada ela mesma para fora do campo natural.
Com Heidegger, a fenomenologia é retirada do campo metodológico e
epistemológico e inserida em uma ontologia da analítica existencial, isto é, sai
da consciência e vai para uma análise do Dasein (ser no aí**) como o modo de
ser do homem (Barbosa, et. Al, 2020). Pensar no Dasein (para alguns, ser-no-
aí) leva ao plano de um “ente” que questiona o “ser” com perguntas do tipo:
como pode existir a pergunta pelo sentido do ser? A existência do Dasein é
pensada como “ek-sistente”, sem fundamento a priori e sem limitação em si
mesmo, só podendo ser apreendido na medida em que entra em jogo sua
inserção no mundo. Sua determinação pelo campo no qual se insere coloca
para ele suas diretrizes fundamentais, que são propriamente humanas e não
podem referirem-se em outros campos. Assim, Heidegger pode perguntar: na
psicanálise, o homem está mesmo aí?
Partindo do fundamento Heideggeriano do ser, Biswanger é um psiquiatra
digno de nota, pioneiro para a daseinsanálise, deflagrador das primeiras
conexões entre psiquiatria, fenomenologia e psicanálise – inserindo-se no
esforço de retirar o campo “psi” da posição naturalista. Para ele, a construção
da noção freudiana de homem seria a de um homem ideal, concebível apenas
a partir de uma “destruição” da experiência antropológica, ou seja,
propriamente humana.
Binswanger concorda com Heidegger sobre Freud não inserir de fato o homem
quando o toma como objeto, porém, entende que a natureza freudiana não é
exatamente a mesma que a das ciências naturais, já que a pulsão traz uma
dimensão “mítica” de intangibilidade, exigindo uma “ontologia”.
Da parte de Boss, a daseinsanalise é uma práxis psicanalítica “purificada dos
erros teóricos de Freud”. Ele diz, ainda, que o método de tratamento da
psicanálise difere muito de sua própria teoria psicológica. Assim, a
daseinsanálise rejeita a criação de pressupostos especulativos, como faz
Freud, mas aceita a prática clínica de lidar com os “sentidos” dos atos
psíquicos – fazendo até uma volta a Freud para aprofundar as descobertas
dele.
Quando freud fala em psique, a daseinsanálise fala em Dasein. Esta última
parece deter-se mais naquilo que é considerado “experiência imeditada”,
desgarrando-se da necessidade de especulações causais. Podemos
questionar que esta suposta necessidade freudiana de “explicar tudo” pode ser
questionada, tendo em vista que já no sonho sobre a injeção de irmã ele
reconhece uma espécie de “umbigo” ininterpretável.
“incompatibilidade que há em assumir um modelo energético para explicar o
funcionamento do psiquismo e, ao mesmo tempo, utilizar-se de um método que
busca traduzir os sentidos dos fenômenos apresentados no contexto clínico”
(p.136)

Pearl : A questão da temporalidade também é um campo frutífero de


intersecção entre feno ext e psicanálise; passado (como marcas), presente
(transferência), desejo e fantasia (futuro); em Heidegger, a temporalidade é a
estrutura ontológica fundamental; o tempo não é uma sucessão de instantes,
mas a ligação entre as três dimensões, uma ligação que, de ambas
perspectivas, causa um estranhamento na linearidade, onde algo do passado
pode ser ressignificado, e o futuro pode ter um caráter de já sabido;

- Heidegger também pensa uma espécie de “fala acontecimental”, uma


linguagem estranha que irrompe nos sentidos que permeiam os sujeitos, tal
como a enunciação lacaniana. Da posição do analista, há a ideia de
“serenidade” que é a postura de estar atento e aberto à irrupção do
“inesperado” na fala dos pacientes, e sustentar-se nesta abertura sem recorrer
ao tamponamento dela;
- angústia: a experiência com a angústia é originária, de quando não temos
elementos para simbolizar a experiência. Neste sentido, ela se repete em
experiências futuras e tem o caráter de ser sempre significada “a posteriori”; ela
representa um curto-circuito para a perspectiva desenvolvimentista da
psicanálise; por ser de teor originária, a angústia aproxima Heid. E Freud pela
sensação constante de desamparo, de estranhamento com respeito a si
mesmo, dimensões fundamentais nos dois campos;

- aproximações na atenção flutuante: na psicanálise, não se deixa levar pela


reflexão, e sim pelo que a fala desperta na “imediaticidade”; atenta mais à
forma do enunciado que a seu conteúdo; posição que pode ser vista do ponto
de vista do modo de ser do Dasein, que apresenta-se no mundo como efeito
dos sentidos do campo no qual ele emerge, isto é, de modo não reflexivo, mas
aberto às significações; a postura na análise parece ser o ponto de maior
aproximação na condução até o sentido do sofrimento;

- sentido do sofrimento: o sofrimento psíquico não seria, em Heidegger, ligado


apenas a uma explicação causal da história pessoal, mas como sofrimento de
uma verdade ontológica, como condição de existência;

- sujeito sempre “ser-com”, relacional, não existe autônomo;

- morte: heid e freud colocam a morte como força central em suas respectivas
concepções da vida, sendo a finitude uma presença fundamental para ambos;
no entanto, o saber sobre a morte muda, pois, para o primeiro, a morte não
encontra representação, e, para o segundo, mesmo inserido no esquecimento
causado pelo cotidiano, a morte é sempre sabida e aparece na angústia;

FEIJOO, A. M.; MATTAR, C. M. Encontros e desencontros nas perspectivas


existenciais em psicologia. Psicologia em revista, BH, v.22, n.2. p.258-274,
2016.

A psicologia fenomenológico existencial não pode ser confundida com a


psicologia humanista existencial, apesar de ambas terem em comum a
oposição a perspectivas causalistas e deterministas, como as comportamentais
e psicodinâmicas.

4. A psicologia com fundamentos fenomenológico-existenciais


A base filosófica mais comum vai de Husserl, Heidegger (um dos filósofos mais
utilizados pela área, com a noção de Dasein) – quanto ao sentido ontológico do
Ser, Kierkegaard – como a ideia de indeterminação existencial, e Sartre, com
as noções de liberdade, angústia, desamparo e responsabilidade.
As críticas à psicanálise vem no sentido do caráter hipostasiado de sua
compreensão fundamental dos fenômenos psíquicos, por se determinarem em
uma estrutura de interioridade que se relaciona com o exterior. Husserl vê
nisso o esquecimento do caráter “intencional” das questões psicológicas. Sartre
coloca que, nesse sentido, a consciência e o mundo surgem simultaneamente,
como a representação de uma explosão de ambas as partes, o encontro
acontecendo “fora” de ambas as partes – isto é, o fenômeno é a relação
originária entre o mundo e a consciência (FEIJOO; MATTAR, 2016, p.267)

Já em Heidegger é a própria existência que se pensa pela intencionalidade, o


sujeito compreendido como Dasein é sempre “com os outros”, “ser-no-aí”.
Neste sentido, o Dasein nunca é apreensível em sua objetividade, “nunca é um
objeto simplesmente presente num lugar qualquer” (p.267), nem externo nem
simplesmente colocado no exterior, o Dasein consiste em pequenas
possibilidades de compreensão, determinadas pelos sentidos do campo no
qual aparece – pensar o Dasein é pensar sempre os outros.

A psicologia feno exitenz se desenvolve sob este caráter de indeterminação do


sujeito, jogando-o para diversas possibilidades de ser disponíveis no mundo,
considerando a existência como desespero, angústia e liberdade – sob
influência de Sartre.
O que está na origem é, então, não uma substância, mas um tipo de disposição
no mundo, ou seja, uma abertura compreensiva para o mundo, com certas
tonalidades afetivas originárias que apontam para este sentido da relação com
o mundo;

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