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O CONCEITO DE TONALIDADE AFETIVA EM MARTIN HEIDEGGER

COMO FORMA DE ABERTURA PARA A COMPREENSÃO DO SER-AÍ - DASEIN

Joici Antônia Ziegler1

RESUMO: O presente artigo aborda a analítica existencial de Martin Heidegger, tendo como pano
de fundo a relação entre tonalidades afetivas como modo de abertura e compreensão do Dasein.
Esses conceitos são desenvolvidos privilegiadamente em Os conceitos fundamentais da metafísica
Mundo, Finitude e Solidão, onde o autor apresenta o tédio como elemento hermenêutico, a partir do
qual o modo de ser cotidiano do existente é interpretado. Na referida obra, o autor faz referências
prévias ao incomparável caráter da filosofia, tanto que as indagações acerca das tonalidades afetivas
estão direcionadas ao caráter de desvelar a filosofia, tendo o pensamento metafísico como um
pensamento que se encontra no cerne do conceito da filosofia. Também chama a atenção para o
caráter dubio na essência da filosofia e no próprio filosofar, perpassando pela justificação e
caracterização da pergunta acerca do mundo, da finitude e também da singularização, que se
movimenta no cerne do conceito, como metafísica, para então descrever a origem e história da
palavra metafísica. O método utilizado para desenvolver o texto é o bibliográfico.

Palavras-chave: Dasein; Existência; Tédio; Tonalidades Afetivas.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto consiste em partir do que Heidegger nominou de


tonalidade afetiva para a compreensão do Dasein, do ser-aí. Tonalidade afetivas
para o autor são o modo de abertura do ser, e consequentemente para a
compreensão da analítica existencial, com o objetivo de esclarecer como o modo de
ser do humano é, fundamentalmente e intrinsicamente. O modo de ser da
compreensão intrinsecamente modalizado afetivamente e como todo afeto ou
emoção é um modo de abertura compreendedora de nós mesmos a nosso próprio
ser enquanto ser-no-mundo.

1
Doutoranda e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Direito
pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Santo Ângelo/RS.;
Licenciada em Filosofia pela UNINTER; Pós Graduada em Filosofia na Contemporaneidade pela URI.
Email – joiciantonia@yahoo.com.br
O tema pesquisado refere-se à uma questão subjetiva e de certa forma possui
como finalidade encontrar forma e mentes livres dentro de um conceito de
tonalidade afetiva e as interações que o Ser realiza a partir de e com, em
contraponto com a vida inautêntica delineada pelo próprio Heidegger.
O prévio conhecimento e utilização de conceitos dentro da filosofia sempre foi
essencial para delinearmos as questões mais subjetivas, aquilo que nos compõe,
como seres que somos dentro de um universo infinito de formas de sentir, de pensar
e de viver dentro de um horizonte temporal de finitude. A pesquisa deste texto –
tonalidades afetivas, tende a colaborar na teoria e na prática nas formas de vivência
de todos os seres, eis que amplia, maximiza e principalmente diferencia as maneiras
de ser e sentir. Compreender os aspectos das tonalidades afetivas como modo de
abertura para a compreensão do Dasein é uma forma de sentir o pulsar da vida
autêntica.
Dessa forma, para atingir o objetivo deste texto, que é a compreensão,
superficial que for, diante da complexidade dos escritos do autor, de alguns
conceitos desenvolvidos por Heidegger como tonalidade afetiva, compreensão,
abertura, Dasein se fará uma breve incursão sobre sua biografia e alguns pontos
essenciais de sua obra, a qual o legou como o filósofo da finitude.
Se em Ser e Tempo a tonalidade afetiva fundamental, em que Heidegger se
debruçou era a angústia, evidenciada pelos conceitos de vida autêntica e
inautêntica. Já na obra Os conceitos fundamentais da metafísica, o autor apresenta
o tédio como elemento hermenêutico a partir do qual o modo de ser cotidiano do
existente é interpretado. Essa opção por outra tonalidade afetiva fundamental, indica
a necessidade de explorar outros aspectos a partir da cotidianidade do ser-aí, que
não puderam ser desenvolvidos e descritos em Ser e Tempo, o que não implica que
a tonalidade afetiva do tédio seja mais ou menos profunda ou abrangente que a
angústia.
A análise do tédio traz importantes considerações acerca de conceitos
centrais do pensamento heideggeriano, tais como mundo, tempo e finitude, embora
sob uma ótica diferente daquela de Ser e Tempo. Temas como ser-para-a-morte,
existência, cura e compreensão não ocupam lugar de destaque como objetos de
análise nos Conceitos, embora a totalidade do projeto ontológico de Ser e Tempo
possa ser pressuposta no processo de compreensão nessa preleção.
A obra Conceitos fundamentais da Metafísica Mundo – Finitude – Solidão,
divide-se em três momentos: considerações prévias sobre o significado da filosofia
enquanto metafísica, interpretação da tonalidade afetiva do tédio, elucidação do
conceito de mundo na tese de que o homem é formador de mundo.
Para que o texto fique expresso de uma maneira didática e para a melhor
compreensão, serão descritos, a seguir, conforme a exposição de Heidegger cerca
da relação da tonalidade afetiva do tédio com os conceitos de tempo e mundo. Cabe
salientar que não se trata de uma exegese dessa obra, mas de uma apropriação do
pensamento heideggeriano, a fim de esclarecer o fenômeno do novo, que ganha
outras dimensões na análise do tédio, do mundo e do tempo.

2. MARTIM HEIDEGGER – UM ALEMÃO EM EVIDÊNCIA

Martin Heidegger viveu entre 1889 e 1976, tendo nascido na Alemanha. Foi
um filósofo cujas primeiras obras contribuíram para a fenomenologia e o
existencialismo. Já em seguida, em suas obras posteriores, preparou o caminho
para a hermenêutica de Hans-Georg Gadamer e para o pós-estruturalismo 2 de
Jaques Derrida e Michael Foucault. Nascido em Messkirch, na região da Floresta
Negra, Heidegger, inicialmente estudou para ser jesuíta, mas em 1911 migrou para
a matemática e a filosofia. Trabalhou como assistente de Edmund Husserl. Sua obra
principal Ser e Tempo, foi publicada em 1927, sendo reconhecida como um dos
pilares do existencialismo. Obra essa que teve foco na questão da metafísica: o que
é o ser dos entes em geral.
Heidegger é o principal representante no que concerne a fenomenologia 3,
abarcando o problema do sentido do ser, Heidegger aborda a questão tomando
como exemplo o ser humano, que se caracteriza precisamente por se interrogar a

2
Corrente filosófica que refere-se a uma tendência à radicalização e à superação da
perspectiva estruturalista em várias áreas do conhecimento. Seu surgimento está relacionado
principalmente aos eventos contestatórios que marcaram a primeira metade do ano de 1968, em
especial na França. No campo propriamente filosófico seus principais representantes são: Michel
Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard.
3
Movimento filosófico elaborado por Edmund Husserl, nascido em 1859. Esse movimento
pertenceu a uma corrente conhecida como filosofia da consciência ou filosofia da subjetividade,
sendo que sua preocupação não era fundamentar o conhecimento científico, mas sim, pensar a
consciência reflexiva do ser humano sobre o mundo.
esse respeito. Para Heidegger, o homem está especialmente mediado pelo seu
passado: o ser do homem é um ser que está direcionado, que caminha para um
horizonte de finitude que é a morte, sendo assim sua relação com o mundo se
concretiza por meio dos conceitos de preocupação, angústia, conhecimento, mundo
e existência, bem como as várias tonalidades afetivas.
Martin Heidegger, é um pensador alemão de grandiosidade incomparável. O
projeto que acompanhou sua vida foi responder à questão do ser, indagando sobre
as coisas em geral, dentre outras como pedras, ferramentas, utilidades, pessoas,
mas se debruçou com entusiasmo especificamente em conhecer e descrever o que
é ser de um ente. Heidegger se questiona sobre o tema do ser humano, mas não
nas mesmas conceituações anteriormente delineadas pelos demais filósofos, se
diferenciou ao trabalhar o humano com a ideia de como é o ser humano, e não o
que é o ser humano, visando elucidar de modo explícito o percurso do humano
dentro de um elemento que é primordial – o tempo. A temporalidade para Heidegger
é o horizonte de vivência de todo ser humano e, por consequência de sua finitude.
Para esclarecer as condições que tornam possível uma compreensão do ser,
Heidegger inicia uma analítica do Dasein4 – palavra alemã que designa existência ou
ser-aí, usada por ele para se referir às estruturas dos seres humanos para uma
compreensão do próprio ser. Nesse sentido, a afirmação de Heidegger é que “é que
a compreensão pré-teórica ou pré-ontológica que o Dasein tem do ser, incorporada
nas suas práticas cotidianas, abre uma clareira em que os entes podem manifestar-
se” (CAMBRIDGE, 2011, p. 453).
Em busca, então de uma resposta sobre o que é o ser humano, e qual seu
sentido, Heidegger afirmou que o ser humano é um Dasein, e ao fazer uso desse
termo, o filósofo quer dizer que o ser humano é um ser que está no mundo e em
relação íntima com ele, entrelaçado, interligado, usando uma expressão atual –
conectado. O ser humano assim, embora não tenha escolhido estar no mundo, pois
para Heidegger, o ser é lançado, jogado no mundo, sem que tenha a possibilidade
de opção em relação ao espaço e tempo em que está, encontra-se sempre em
determinada situação dentro desse mundo, tendo sido lançado nele em um projeto
existencial, no qual não pediu para estar. Esse projeto, refere-se à tentativa humana
4
Dasein – a palavra segue em alemão ante a dificuldade de tradução, alguns autores a
traduzem como presença. A tradutora da obra Ser e Tempo Maria Sá Cavalcante Schuback, refere na
introdução da obra que sua tradução se tornaria infiel à característica mais própria da linguagem de
Heidegger que não é tanto a introdução de palavras inusitadas, mas o uso inusitado e extraordinário
de palavras usuais e cotidianas da língua alemã.
de encontrar, indo além da busca pelo sentido do ser, o sentido de sua própria
existência, que, para Heidegger, não estava previamente determinada
(HEIDEGGER, 2018).
Em Ser e Tempo, Heidegger preocupou-se com a busca do sentido do ser,
desenvolveu assim, como já referido uma teoria analítica existencial quando se
propôs a pensar no indivíduo que busca investigar o sentido do ser, tendo como
referente a linguagem. Para o autor, antes de buscar compreender o sentido do
mundo e das coisas, o indivíduo deve se preocupar em conhecer o sentido dele
mesmo, do ser humano que busca o conhecimento. Em Ser e Tempo, menciona que
elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar transparente um ente – o que
questiona em seu ser. Em face disso, a proposição do sentido do ser volta-se para o
indivíduo, uma vez que é ele quem procura tal sentido e deve antes de mais nada,
refletir sobre si mesmo, conduta que lhe é própria e que o diferencia dos outros.
Para estabelecer uma diferença entre o ser humano e os demais entes,
Heidegger usa na obra duas terminologias, diferenciando o ser dos entes. Para o
filósofo, o ser humano é o único que coloca, que indaga acerca do sentido do ser.
Colocar-se a perguntar sobre esse sentido, é um modo de ser do ser humano, uma
conduta que o diferencia dos demais entes. Heidegger afirma “o perguntar mesmo
tem, como conduta de um ente, daquele que pergunta, um peculiar caráter de ser”
(HEIDEGGER, 1971, p. 15).
Na concepção de Heidegger, o ser humano não é uma simples presença no
mundo, um simples objeto, como são os seres inanimados, mas ele é, mais do que
ser, o ente para o qual as coisas são presentes, uma vez que, por não possuírem
consciência, essas coisas não podem ser presentes em si mesmas, mas podem ser
para o ser humano, que é o único capaz de refletir e vivenciar a existência delas.
Desta maneira, afirma-se que a essência humana consiste em sua existência. A
essência da existência, por sua vez, é a possiblidade do indivíduo de definir-se, de
construir-se, de fazer da maneira que lhe aprouver, dependendo de si mesmo para
fazer de sua existência o que achar melhor, podendo perder-se ou conquistar-se, ter
uma vida autêntica ou inautêntica (HEIDEGGER, 2018).
Segundo Heidegger, o ser humano, como ser-aí, estando no mundo, não é
um mero objeto e sim, possibilidades, encontrando-se, dessa forma, diante da
necessidade de alcançar o que o filósofo chama de transcendência existencial, não
bastando para tanto existir, é necessário também transcender a existência,
ultrapassá-la, projetando-se e indo além do que está posto para se construir como
ser.
Nesse sentido, a existência é poder-ser, é possibilidade de ser, de se
expandir, de não mitigar a própria existência, não minimizar, mas sim maximizar
todas as possibilidades que o ser possui enquanto ser vivente. O ser humano possui
a necessidade de projetar e nesse aspecto, o mundo apresenta-se como uma
ferramenta para que ele alcance seu objetivo, projetando e construindo seu próprio
mundo. Por essa razão, Heidegger afirma que o ser humano é um ser-no-mundo,
pois é diante do mundo e por meio dele que o homem precisa se construir. O mundo
é assim, uma construção humana: construindo-o e modificando-o, a pessoa constrói
e modifica a si mesma, e consequentemente seu em torno de vivência
(HEIDEGGER, 2018).
O termo estar-no-mundo, muito utilizado por Heidegger, significa que o
indivíduo deve ser transcendência, deve elevar-se utilizando esse mundo como
ferramenta para as suas ações e comportamentos dentro das circunstâncias de vida
criadas por ele próprio. Essa transcendência, é em si, liberdade, uma vez que a
pessoa de posse das múltiplas ferramentas ofertadas pelo mundo, pode se construir
da maneira que quiser, no entanto, ao mesmo tempo que se apresenta como
ferramenta para a construção do indivíduo, o mundo é limitado, já que possui certas
restrições e necessidades que ultrapassam a vontade humana (HEIDEGGER,
2018).
Para Heidegger, o ser-aí possui duas condições: ele é e ele tem de ser. Isso
significa que, ao mesmo tempo que está inserido no mundo, o indivíduo precisa
transcender, devendo sair da condição de objeto e encontrar um sentido para a sua
existência, projetando-se ao futuro com fins a um objetivo (HEIDEGGER, 2018).
Heidegger considera o homem como um “ser-no-mundo”, que se caracteriza
mais propriamente como um “ser-para-a-morte”, face a temporalidade e dentro de
um horizonte de finitude. Para fugir de si e de sua própria morte o homem decai no
mundo, se atira, salta, se joga, em um mundo de sentimentos, de paixões que se
interligam entre as noções de angústia, liberdade, autenticidade e inautenticidade,
sendo mais comumente a inautenticidade.

3. TONALIDADE AFETIVA EM MARTIN HEIDEGGER


Martin Heidegger, em sua obra magna Ser e Tempo, lança as bases de toda
sua filosofia e aborda conceitos em que vai dar segmento em outros títulos, obras e
preleções. Em Ser e Tempo, como já mencionado, o autor privilegia a angústia como
tonalidade afetiva fundamental, dando ênfase à este afeto. No entanto, aborda de
forma rápida e preliminar no parágrafo 29, nominado A presença como disposição,
abrindo caminho para a questão do humor como tonalidade afetiva. Heidegger
(2018, p. 193), assim preleciona:

O que indicamos ontologicamente com o termo disposição é, onticamente, o


mais conhecido e o mais cotidiano, a saber, o humor (N47), o estar afinado
num humor. Antes de qualquer psicologia dos humores, ainda bastante
primitiva, trata-se de ver este fenômeno como um existencial fundamental e
delimitar sua estrutura.

Nessa passagem, Heidegger (2018, p. 193), afirma que “o humor revela como
alguém está e se torna”. Claramente, percebe-se que essa disposição de humor é
um modo de abertura do mundo, da copresença e da existência.
Ao fazer o fechamento do parágrafo 29, Heidegger já traz a concepção inicial
acerca da abordagem sobre o medo. Sinalizando que este possui uma relação
fundamental com a disposição fundamental da presença e da angústia. Heidegger,
no parágrafo 30, elenca três perspectivas e singularidades acerca do medo, sendo
elas: o de que se tem medo; o ter medo e o pelo que se tem medo (HEIDEGGER,
2018). Essas três singularidades e perspectivas não são causais, eis que com elas
vem à luz a estrutura da disposição.
Fazendo referência ao medo como tonalidade afetiva, em Ser e Tempo,
especificamente o medo de que se teme, este pode ser caracterizado como
“amedrontador”, nas palavras de Heidegger (2018, p. 200), “é sempre um ente que
vem ao encontro dentro do mundo que possui o modo de ser do que está à mão, ou
do ser simplesmente dado ou ainda da copresença”. A ideia central nessa categoria
de medo é determinar fenomenalmente o que é amedrontador em seu ser
amedrontador. O que pertence ao seu ser amedrontador a ponto de vir ao encontro
no ter medo, eis que aquilo a que se tem medo possui caráter de intimidação, de
ameaça, mesmo que velada, inerte. Essa tonalidade implica em várias questões de
forma conjuntural de ser prejudicial ao ser.
Denota-se, que já em Ser e Tempo, Heidegger abre caminho para as
tonalidades afetivas e em Os conceitos fundamentais da Metafísica: Mundo –
Finitude – Solidão, o autor faz uma incursão primorosa e aprofundada das
tonalidades afetivas fundamentais e seu modo de abertura para a compreensão do
Dasein, bem como faz referências prévias ao incomparável caráter da filosofia, tanto
que as indagações acerca das tonalidades afetivas estão direcionadas ao caráter de
desvelar a filosofia, tendo o pensamento metafísico como um pensamento que se
encontra no cerne do conceito da filosofia abrangendo a totalidade e transpassando
conceptivamente a existência. Também chama a atenção para o caráter dubio na
essência da filosofia e no próprio filosofar, perpassando pela justificação e
caracterização da pergunta pelo mundo, pela finitude e pela singularização, que se
movimenta no cerne do conceito, como metafísica, para então descrever a origem e
história da palavra metafísica.
Heidegger direciona sua atenção para o tédio como tonalidade afetiva em
destaque, sendo que sua abordagem é dividida em três momentos, quais sejam: a
primeira forma de tédio: o ser entediado por alguma coisa; a segunda forma de
tédio: o entediar-se junto a algo e o passatempo correspondente; e a terceira forma
de tédio: o tédio profundo enquanto o “e entediante para alguém”. A fim de seguir a
linha de raciocínio heideggeriana, começaremos a nossa análise pela ordem
estabelecida pelo autor.

3.1. Esclarecimento prévio acerca do sentido do despertar de uma


tonalidade afetiva fundamental

A discussão sobre a tonalidade afetiva do tédio inicia com o questionamento


do que significa propriamente um despertar para a tonalidade afetiva do filosofar.
Nessa discussão, Heidegger mostra que uma tonalidade afetiva não é algo que
surge simplesmente como resultado de um querer que conscientemente decide o
seu estado de ânimo. Não se trata desse sentido de despertar, mas de deixar o que
dorme vir a estar acordado. A tonalidade afetiva é o modo de ser do ser-aí,
determinando à sua relação com as coisas, o modo como elas se apresentam e a
convivência com os outros. Por conseguinte, o humor é o pressuposto da ação e do
pensamento.
Nesse sentido de despertar, Heidegger indaga acerca das tonalidades
afetivas, como por exemplo, de onde vem uma tonalidade afetiva? quais tonalidades
afetivas estão em jogo para a filosofia? e ainda, por sobre que caminho temos de
despertar, afinal uma ou outra tonalidade afetiva fundamental do filosofar?
Heidegger (2015, p. 78), busca respostas a partir dos questionamentos acima
e esclarece:

Tonalidade afetiva – não é justamente isto o que menos se deixa inventar,


mas que sempre se abate sobre alguém; não é justamente isto que não
estamos em condições de impingir, mas que se conforma por si mesmo?
Não é justamente isto que não se alcança através da mera coação, mas em
que caímos? Nesse sentido, podemos e temos o direito a uma tal tonalidade
afetiva quando a deixamos ser e não a alcançamos através de um impulso
artificial e arbitrário. Ela já precisa estar aí. O que podemos fazer é apenas
constatá-la.

Tonalidades afetivas, ou sentimentos, são adventos do que se dão no


interior do sujeito – como euforia, satisfação, bem-aventurança, tristeza, melancolia,
ira, raiva, medo, são todos estados anímicos do sujeito. As tonalidades são algo que
se apodera de nós, que não comandamos, que se formam por si mesmas, que não
podem obter-se pela força e nas quais, de cada vez, nos vimos mergulhados. Uma
tonalidade está já aí. Tudo o que podemos fazer é constatá-la, senti-lá.
Podem até ser registrados em quanto tempo duram, como se intensificam e
perdem sua intensidade, ou seja, é intrínseco ao ser humano – ao Dasein. No
entanto, em face da diversidade das tonalidades afetivas que podem ser
despertadas e compõe o ser, Heidegger indaga, como é que devemos apreender,
positivamente a tonalidade afetiva como pertencente à essência do homem e como
deve ser nossa atitude em relação ao próprio homem, se quisermos despertar
determinada tonalidade afetiva.
O Dasein – o ser-aí, é perpetrado, composto de tonalidades afetivas, pois
estas o compõe, cercam e o definem. Em face dessas indagações trazidas por
Heidegger (2015, p. 85), por exemplo acerca da tristeza, o autor afirma que “o
homem que se tornou triste se fecha, se torna inacessível”. De outra banda, uma
pessoa com bom humor pode animar uma reunião, um encontro, eis que o ânimo é
contagiante. Desta forma, denota-se que as tonalidades afetivas ditam as diretrizes
não somente daquele que a está sentindo, mas também daqueles que se encontram
no em torno, tamanha sua abrangência na composição do ser.
No cenário da analítica existencial, os afetos ou emoções (Stimmungen), têm
um lugar destacado e devem ser caracterizados em termos relevantemente
originais. Nessa seara, poder-se-ia indicar que os afetos não são meros estados
mentais contingentes do homem enquanto sujeito de representações, mas sim são
modos de ser fundamentais do Dasein.
O modo como Heidegger inicia a aproximação ao fenômeno do tédio é a
análise de como ele e sentido no dia a dia, e isso significa entender o tédio como
resultado de alguma causa. O “entediante”, entretanto, não pode ser confundido com
uma causa inicial, que vai trazer consigo a propriedade de tornar o homem
entediado. Heidegger, (2018, p. 101), apresenta esse problema com as seguintes
palavras:

Pois o que significa o fato de certas coisas e pessoas causarem tédio em


nós? Por que exatamente esta coisa e aquela pessoa, esta região e não
outra? Ainda além: por que esta coisa agora e outra vez já não, por que o
que nos entediava anteriormente de repente não nos entedia mais? É
preciso efetivamente que haja
em tudo isto algo que nos entedie. O que é que nos entedia? De onde ele
vem? O que nos entedia, dizemos que causa tédio. O que é este causar?
Ele corresponde ao evento que tem lugar quando uma frente fria causa a
queda da coluna de mercúrio no termômetro? Causa – Efeito! Fantástico!
Ele talvez corresponda ao evento que tem lugar quando uma bola de bilhar
bate em uma outra e causa através daí o movimento da segunda?

Heidegger mostra que, costumeiramente, referimo-nos ao entediante no


sentido do tédio ser uma característica objetiva do ente. Desta forma, quando nos
referimos ao um livro, por exemplo, como entediante, pretende-se que esse ente
possua em si a propriedade de trazer o tédio consigo: “o próprio livro – em si – é
entediante; ele não é apenas entediante para nós, para a leitura e em meio à leitura,
mas ele mesmo, a construção interna do livro é entediante” (HEIDEGGER, 201, p
Mas, porém, deve-se atentar para o fato de que não é característica do
próprio livro ser entediante, não é uma propriedade essencial do livro na medida em
que está ligada, tanto ao objeto que entedia, quanto ao sujeito entediado. Não se
trata de uma causa que vem do entediante, mas de um entediar-se junto à coisa.
De acordo com Heidegger, “caracteres como ‘entediante’ são, portanto,
pertencentes ao objeto, e, contudo, retirados do sujeito”. Esse duplo aspecto do
entediante é, até mesmo, contraditório e, no entanto, reflete o fato de que há uma
relação, tanto com a coisa mesma, quanto com aquele que é afetado por ela de
alguma forma. O entediante possui a sua vigência, não no sentido de uma causa,
mas como algo que afina o homem de uma tal maneira, que ele é obrigado a deter-
se consigo mesmo.
Toda essa discussão encaminha-se para um aprofundamento do entediante:

Sem mais tomamos o termo ‘entediante’ sob a significação de


arrastado, aborrecedor em sua aridez; o que não significa:
indiferente. Pois quando algo é arrastado e aborrecedor em
sua aridez, então vem à tona através daí que ele não nos
deixou completamente indiferentes. Ao contrário: estamos
presentes na leitura, entregues a ela, mas não tomados por
ela. Arrastado significa: não nos prende. Estamos entregues à
leitura, mas não estamos tomados por ela – só estamos sendo
mantidos junto a ela. Aborrecedor em sua aridez diz: ele não
nos preenche, somos largados vazios. Se virmos estes
momentos conjuntamente em sua unidade, então talvez
tenhamos conquistado uma primeira coisa ou ao menos nos
movido – dito de maneira mais cautelosa – nas proximidades
de uma interpretação própria: o que entedia, o entediante é o
que nos detém e nos larga vazios.

2. O entediar-se junto a algo e o modo do passatempo a ele


subordinado

3. A terceira forma de tédio: o tédio profundo enquanto o “é entediante


para alguém”

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho se deteve de maneira geral, em apontar alguns


conceitos delineados pelo filósofo Martin Heidegger, para que se pudesse obter uma
compreensão sobre o significado e extensão das tonalidades afetivas no DASEIN. A
partir de alguns conceitos, como tonalidade afetiva, Dasein, disposição, abertura,
temporalidade e finitude. Sem deixar de mencionar, é claro, que para Heidegger, a
vida é sentida e vivida a partir de um horizonte temporal de finitude que nos coloca
como seres para a morte, indubitavelmente.
A caracterização da vida humana autêntica, em um sentido moral está no
fato dela prescindir das convencionalidades ou de heteronímias como guias
imperativos, em um agir fundamentalmente livre, e neste sentido, comprometido com
o projeto humano que inclui suas circunstâncias – facticidade, bem como sua
responsabilidade de fazer-se mediante a coexistência. Para o filósofo, existir de
forma autêntica só é possível àquele que tem a coragem de encarar a possibilidade
da morte e também sentir a angústia do ser para a morte e também de sentir a
angústia da finitude e não se iludindo ao pensar que a vida autêntica que assume a
morte como possibilidade, aceitando-a como o fim inevitável, mas nem por isso
prendendo-se às coisas e aos fatos do mundo como se pudessem fazer sentido na
vida.
Seguindo no mesmo sentido, a vida autêntica só é possível quando a pessoa
aceita a ideia de que ela é um ser para a morte, ou seja, a morte é a maior de todas
as possibilidades e que ela certamente se concretizará. Para Heidegger a morte é a
possibilidade de que todas as outras possibilidades se tornem impossíveis. Portanto,
a consciência remete à pessoa o sentido da morte e revela que que todos os planos
são nulos, ou seja, todo projeto deve trazer em si a consciência de que tudo pode
acabar de forma inesperada com a morte.
Se por um lado, essa ideia poderia levar a pessoa à desesperança, por outro
lado, a consciência da finitude é o que a impede de fixar-se em uma situação fática,
mostrando-lhe a nulidade do projeto e a historicidade de sua existência, a qual é
passageira. Assim, a autenticidade da vida está no reconhecimento de que qualquer
projeto é em vão, pois tudo irá acabar com a morte.
Heidegger faz uma análise profunda e chega à conclusão de que a morte é
vislumbrada pela maioria apenas em seu sentido trivial. Eis o paradoxo: de fato,
temos medo da morte e tomamos algumas precauções para retardá-la. Mas, mesmo
tendo certeza da morte, vivemos como imortais. Eis que angústia e morte
interpenetram-se de uma forma que a angústia nos coloca face a face com a morte;
é por meio dela que podemos nos ver como seres-para-a-morte. O homem,
projetando sua própria morte, deve assumir-se como ser finito e, com isso,
transcender da faticidade, do impessoal, da inautenticidade para a existência
autêntica.
Nesse viés, “autenticidade do ser” indica o momento em que o homem
alcançou, através de um processo de investigação interna, sua maneira original de
ser, e compreendeu modos de agir e pensar que lhe trazem o finar de incômodos e
angústias diante da vida e dos outros homens. Por outro lado, “inautenticidade do
ser” não indica o homem de “ser” falso, mas aquele que ainda não tomou
consciência sobre si mesmo, que ainda não descobriu modos de ser que lhe são
peculiares. Isso porque ele ainda não conseguiu distinguir entre as maneiras de
pensar e agir que lhe são próprias e aquelas que possui devido a suas experiências
de vida.
As ideias de autenticidade e inautenticidade apresentam-se no pensamento
de Heidegger como uma forma de qualificar o estado em que o ser do homem
encontra no próprio homem. Compreender tais ideias é de grande importância para
podermos entender os fundamentos da abordagem Fenomenológica-Existencial
heideggeriana no que diz respeito à existência do homem e ao cuidado com a
existência.
A vida autêntica, por outro lado, é aquela em que o sujeito compreende que
as coisas não podem ser vistas em si mesmas, devendo ser utilizadas como
instrumentos que levam o homem além da simples materialidade das coisas. Para
Heidegger, a vida autêntica só é possível quando o homem aceita a ideia de que ele
é um ser-para-a-morte, sendo que essa consciência da finitude o impede de se fixar
nos fatos, mostrando a nulidade do projeto de sua vida, que é em si passageira. A
autenticidade da vida consiste, portanto, em reconhecer que qualquer projeto ou
plano é em vão, pois tudo vai acabar com a morte, a impossibilidade da
possibilidade.

REFERÊNCIAS

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GILES, T. R. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo.
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________Os Conceitos Fundamentais da Metafísica: Mundo – Finitude –


Solidão. 2015. Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro, 2° edição.

STEIN, Ernildo. Mundo Vivido: das vicissitudes e dos usos de um conceito da


fenomenologia. 2004. Editora EDIPUCRS. Porto Alegre.

_______Seis Estudos Sobre Ser e Tempo. 2014. Editora Vozes. 5° Edição.

Isso significa, segundo Heidegger, que as coisas ao nosso redor sempre se mostram pelas
lentes das tonalidades afetivas. “Tonalidades afetivas são como atmosferas, que nos envolvem
de tal
forma que tudo imediatamente se mostra a partir de seu modo de afinação. CASANOVA, Marco
Antônio. Compreender Heidegger. Petrópolis, Editora Vozes, 2009, p. 109.

Os humores, dessa forma, não são meros estados psicológicos que


assomam o homem; referem-se a uma característica essencial de ser-no-mundo que é a
disposição13 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis, Editora Vozes, 2011, p. 193.

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