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VIDA AUTÊNCIA E INAUTÊNTICA: REFLEXÃO E IMPULSO A PARTIR DO

CONCEITO DE ANGÚSTIA DE MARTIN HEIDEGGER

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo contextualizar os pressupostos teóricos utilizados por
Martin Heidegger sobre os conceitos de vida autêntica e vida inautêntica. Para a compreensão, inicial
que for, premente se faz trazer ao texto alguns conceitos principais que norteiam a obra de
Heidegger, bem como fazer uma breve incursão biográfica a seu respeito. A partir disso, destaca-se a
importância de outro filósofo com o qual Heidegger dialoga – o dinamarquês Sören Kierkegaard. Este
será usado como interlocutor de Heidegger. Conceitos que foram desenvolvidos nas obras de
Heidegger, como a angústia, é trabalhado a partir de Kierkegaard. O conceito de angústia é o pano
de fundo para a construção de uma vida autêntica. Mas o que significa vida autêntica em oposição a
vida inautêntica na ótica de Martin Heidegger? Essa é a questão primordial que será percorrida neste
trabalho.

Palavras-chave: Angústia. Dasein. Existência. Vida autêntica. Vida inautêntica.

ABSTRACT: This article aims to contextualize the theoretical assumptions used by Martin Heidegger
on the concepts of authentic and inauthentic life. For the understanding, initial as it may be, there is an
urgent need to bring to the text some main concepts that guide Heidegger's work, as well as a brief
biographical incursion about it. From this, the importance of another philosopher with whom Heidegger
dialogues - the Danish Sören Kierkegaard. This will be used as Heidegger's interlocutor. Concepts
that were developed in Heidegger's works, such as anguish, are worked on from Kierkegaard. The
concept of anguish is the backdrop for building an authentic life. But what does authentic life mean as
opposed to inauthentic life in Martin Heidegger's view? This is the main question that will be covered
in this work. The method used to develop the work is the deductive.

Keywords: Anguish. Dasein. Existence. Authentic life. Inauthentic life.

1. INTRODUÇÃO

O tema pesquisado refere-se à uma questão subjetiva e de certa forma


possui como objetivo encontrar forma e mentes livres dentro de um conceito de vida
autêntica, em contraponto a vida inautêntica delineado por Martin Heidegger.
Defendendo a ideia de que para vivermos em sociedade não precisamos seguir as
massas de forma inquestionada e impensável, mas sim encontrar um mote que dê
sentido à vida como seres únicos que somos, sendo que para tanto é necessário ter
como ponto de referência o tempo como horizonte de finitude da vida. A vida na
sociedade contemporânea exige uma série de desafios de todos nós. Alguns
conseguem viver de forma autêntica e a maioria não. Mas o que significa vida
autêntica e inautêntica na ótica de Martin Heidegger?
O prévio conhecimento e utilização de conceitos dentro da filosofia, é e
sempre foi essencial para delinearmos as questões mais subjetivas, aquilo que nos
compõe, como seres que somos dentro de um universo infinito de formas de sentir,
de pensar e de viver dentro de um horizonte temporal de finitude. A pesquisa deste
tema - vida autêntica e inautêntica, tende a colaborar na teoria e na prática nas
formas de vivência de todos os seres, eis que amplia, maximiza e principalmente
diferencia as maneiras de ser.
Compreender os aspectos de uma vida autêntica e inautêntica a partir de
Martin Heidegger e desenvolver, quiçá, cada um, sua forma de vida que não seja
como a de todos, como massa, mas sim cada um com suas circunstâncias, suas
particularidades e com capacidade de seguir seus próprios sentimentos e
pensamentos de forma original dentro de um horizonte temporal que é a finitude, a
morte.
Dessa forma, para atingir o objetivo deste texto, que é a compreensão,
superficial que for, diante da complexidade dos escritos do autor, de alguns
conceitos desenvolvidos por Heidegger como angústia, vida autêntica e inautêntica,
fenomenologia, existencialismo se fará uma breve incursão sobre sua biografia e
alguns pontos essenciais de sua obra, a qual o legou como o filósofo da finitude.

2. MARTIM HEIDEGGER – UM ALEMÃO EM EVIDÊNCIA

Martin Heidegger viveu entre 1889 e 1976, tendo nascido na Alemanha.


Foi um filósofo cujas primeiras obras contribuíram para a fenomenologia e o
existencialismo. Já em seguida, em suas obras posteriores, preparou o caminho
para a hermenêutica de Hans-Georg Gadamer e o pós-estruturalismo 1 de Jaques
Derrida e Michael Foucault. Nascido em Messkirch, na região da Floresta Negra,
1
Corrente filosófica que refere-se a uma tendência à radicalização e à superação da
perspectiva estruturalista em várias áreas do conhecimento. Seu surgimento está relacionado
principalmente aos eventos contestatórios que marcaram a primeira metade do ano de 1968, em
especial na França. No campo propriamente filosófico seus principais representantes são: Michel
Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard.
Heidegger inicialmente estudou para ser jesuíta, mas em 1911 migrou para a
matemática e a filosofia. Trabalhou como assistente de Edmund Husserl. Sua obra
principal Ser e Tempo, foi publicada em 1927, sendo reconhecida como um dos
pilares do existencialismo. Obra essa que teve foco na questão da metafísica: o que
é o ser dos entes em geral.
Nessa obra, Heidegger inspirou-se no individualismo religioso de Soren
Kierkegaard e no influente movimento chamado filosofia da vida. Em 1928,
Heidegger aceitou a cadeira na universidade que era de Edmund Husserl, em
Freiburg, sendo que em 1933 foi eleito reitor da Universidade, tendo exercido esse
cargo por somente cerca de um ano. A partir do final dos anos 30 seus escritos
começaram a deslocar-se para a forma anti-humanista e poética de pensar,
mencionado por muitos como o Heidegger tardio ou segundo Heidegger. Esse
pensamento o acompanhou ao longo de sua vida que foi responder à questão do
ser.
Heidegger é o principal representante no que concerne a fenomenologia2,
abarcando o problema do sentido do ser, Heidegger aborda a questão tomando
como exemplo o ser humano, que se caracteriza precisamente por se interrogar a
esse respeito. Para Heidegger, o homem está especialmente mediado pelo seu
passado: o ser do homem é um ser que está direcionado, que caminha para um
horizonte de finitude que é a morte, sendo assim sua relação com o mundo se
concretiza por meio dos conceitos de preocupação, angústia, conhecimento, mundo
e existência.
Martin Heidegger, é um pensador alemão de grandiosidade incomparável.
O projeto que acompanhou sua vida foi responder à questão do ser, indagando
sobre as coisas em geral, como pedras, ferramentas, utilidades, pessoas, mais
especificamente o que é ser de um ente. Heidegger se debruçou sobre o tema do
ser humano, mas não nas mesmas conceituações anteriormente delineadas pelos
demais filósofos, se diferenciou ao trabalhar o humano com a ideia de como é o ser
humano, e não o que é o ser humano, visando elucidar de modo explícito o percurso
do humano dentro de um elemento que é primordial – o tempo. A temporalidade

2
Movimento filosófico elaborado por Edmund Husserl, nascido em 1859. Esse movimento
pertenceu a uma corrente conhecida como filosofia da consciência ou filosofia da subjetividade,
sendo que sua preocupação não era fundamentar o conhecimento científico, mas sim, pensar a
consciência reflexiva do ser humano sobre o mundo.
para Heidegger é o horizonte de vivência de todo ser humano e, por consequência
de sua finitude.
Para esclarecer as condições que tornam possível uma compreensão do
ser, Heidegger inicia uma analítica do Dasein3 – palavra alemã que designa
existência ou ser-aí, usada por ele para se referir às estruturas dos seres humanos
para uma compreensão do próprio ser. Nesse sentido, a afirmação de Heidegger é
que “é que a compreensão pré-teórica ou pré-ontológica que o Dasein tem do ser
incorporada nas suas práticas cotidianas, abre uma clareira em que os entes podem
manifestar-se” (CAMBRIDGE, 2011, p. 453).
Em busca, então de uma resposta sobre o que é o ser humano, e qual
seu sentido, Heidegger afirmou que o ser humano é um Dasein, e ao fazer uso
desse termo, o filósofo quer dizer que o ser humano é um ser que está no mundo e
em relação íntima com ele, entrelaçado, interligado, usando uma expressão atual –
conectado. O ser humano assim, embora não tenha escolhido estar no mundo, pois
para Heidegger, o ser é lançado, jogado no mundo, sem que tenha a possibilidade
de opção em relação ao espaço e tempo em que está, encontra-se sempre em
determinada situação dentro desse mundo, tendo sido lançado nele em um projeto
existencial, no qual não pediu para estar. Esse projeto refere-se à tentativa humana
de encontrar, indo além da busca pelo sentido do ser, o sentido de sua própria
existência, que, para Heidegger, não estava previamente determinada
(HEIDEGGER, 2018).
Em sua obra principal intitulada Ser e Tempo, Heidegger preocupou-se
com a busca do sentido do ser, desenvolveu assim, como já referido uma teoria
analítica existencial quando se propôs a pensar no indivíduo que busca investigar o
sentido do ser, tendo como referente a linguagem. Para o autor, antes de buscar
compreender o sentido do mundo e das coisas, o indivíduo deve se preocupar em
conhecer o sentido dele mesmo, do ser humano que busca o conhecimento. Em Ser
e Tempo, menciona que elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar
transparente um ente – o que questiona em seu ser. Em face disso, a proposição do
sentido do ser volta-se para o indivíduo, uma vez que é ele quem procura tal sentido

3
Dasein – a palavra segue em alemão ante a dificuldade de tradução, alguns autores a traduzem como
presença. A tradutora da obra Ser e Tempo Maria Sá Cavalcante Schuback, refere na introdução da obra que sua
tradução se tornaria infiel à característica mais própria da linguagem de Heidegger que não é tanto a introdução
de palavras inusitadas, mas o uso inusitado e extraordinário de palavras usuais e cotidianas da língua alemã.
e deve antes de mais nada, refletir sobre si mesmo, conduta que lhe é própria e que
o diferencia dos outros.
Para estabelecer uma diferença entre o ser humano e os demais entes,
Heidegger usa na obra duas terminologias, diferenciando o ser dos entes. Para o
filósofo, o ser humano (ser) é o único que se coloca a pergunta sobre o sentido do
ser. Colocar-se a perguntar sobre esse sentido é um modo de ser do ser humano,
uma conduta que o diferencia dos demais entes. Heidegger afirma “o perguntar
mesmo tem, como conduta de um ente, daquele que pergunta, um peculiar caráter
de ser” (HEIDEGGER, 1971, p. 15).
Na concepção de Heidegger, o ser humano não é uma simples presença
no mundo, um simples objeto, como são os seres inanimados, mas ele é, mais do
que ser, o ente para o qual as coisas são presentes, uma vez que, por não
possuírem consciência, essas coisas não podem ser presentes em si mesmas, mas
podem ser para o ser humano, que é o único capaz de refletir e vivenciar a
existência delas. Desta maneira, afirma-se que a essência humana consiste em sua
existência. A essência da existência, por sua vez, é a possiblidade do indivíduo de
definir-se, de construir-se, de fazer da maneira que lhe aprouver, dependendo de si
mesmo para fazer de sua existência o que achar melhor, podendo perder-se ou
conquistar-se, ter uma vida autêntica ou inautêntica.
Os existencialistas, tanto Heidegger quanto Jean-Paul Sartre, consideram
o ser humano como um ser livre para fazer de si o que quiser, pois, ao contrário de
outros seres ele é capaz de refletir sobre sua existência, e tal consciência converte-
se em total liberdade. Mesmo tendo nascido sem um sentido predefinido, sendo um
ser-aí colocado no mundo em determinada situação com um tempo, local, família e
convivência escolhidos por ele, o ser humano é um ser de possibilidades, podendo
se definir de acordo com as suas escolhas.
Segundo Heidegger, o ser humano, como ser-aí, estando no mundo, não
é um mero objeto e sim, possibilidades, encontrando-se, dessa forma, diante da
necessidade de alcançar o que o filósofo chama de transcendência existencial, não
bastando para tanto existir, é necessário também transcender a existência,
ultrapassá-la, projetando-se e indo além do que está posto para se construir como
ser.
Nesse sentido, a existência é poder-ser, é possibilidade de ser, de se
expandir, de não mitigar a própria existência, não minimizar, mas sim maximizar
todas as possibilidades que o ser possui enquanto ser vivente. O ser humano possui
a necessidade de projetar e nesse aspecto, o mundo apresenta-se como uma
ferramenta para que ele alcance seu objetivo, projetando e construindo seu próprio
mundo. Por essa razão, Heidegger afirma que o ser humano é um ser-no-mundo,
pois é diante do mundo e por meio dele que o homem precisa se construir. O mundo
é assim, uma construção humana: construindo-o e modificando-o, a pessoa constrói
e modifica a si mesma, e consequentemente seu em torno de vivência
(HEIDEGGER, 2018).
O termo estar-no-mundo, muito utilizado por Heidegger, significa que o
indivíduo deve ser transcendência, deve elevar-se utilizando esse mundo como
ferramenta para as suas ações e comportamentos dentro das circunstâncias de vida
criadas por ele próprio. Essa transcendência, é em si, liberdade, uma vez que a
pessoa de posse das múltiplas ferramentas ofertadas pelo mundo, pode se construir
da maneira que quiser, no entanto, ao mesmo tempo que se apresenta como
ferramenta para a construção do indivíduo, o mundo é limitado, já que possui certas
restrições e necessidades que ultrapassam a vontade humana (HEIDEGGER,
2018).
Segundo Heidegger, a pessoa se constrói e se define na liberdade,
utilizando o mundo como ferramenta. Mas porém, nesse mundo existem outras
pessoas que se encontram na mesma situação de plena e total liberdade e que
assim não podem ser desprezadas ou desconsideradas. Não há, assim, um sujeito
sem mundo e tampouco um eu isolado no mundo. O mundo, é assim, um conjunto
de “eus” que se relaciona de alguma forma, pois todos participam do mesmo mundo.
Por esse motivo, assim, é impossível viver nele sem existir o cuidado entre os seres
humanos, o que Heidegger chamava de cuidar dos outros, sendo está a base da
vida em sociedade.
Para Heidegger, o ser-aí possui duas condições: ele é e ele tem de ser.
Isso significa que, ao mesmo tempo que está inserido no mundo, o indivíduo precisa
transcender, devendo sair da condição de objeto e encontrar um sentido para a sua
existência, projetando-se ao futuro com fins a um objetivo (HEIDEGGER, 2018).
Heidegger considera o homem como um “ser-no-mundo”, que se
caracteriza mais propriamente como um “ser-para-a-morte”, face a temporalidade e
dentro de um horizonte de finitude. Para fugir de si e de sua própria morte o homem
decai no mundo, se atira, salta, se joga, em um mundo se sentimentos, de paixões
que se interligam entre as noções de angústia, liberdade, autenticidade e
inautenticidade, sendo mais comumente a inautenticidade.

3. VIDA AUTÊNTICA E VIDA INAUTÊNTICA EM MARTIN HEIDEGGER

Em Martin Heidegger, a vida humana, em seu aspecto cotidiano, se


apresenta como uma forma inautêntica de existência, marcada por três
características: a faticidade, a existencialidade e a decadência. O cotidiano como
faticidade manifesta o homem como ser-no-mundo, jogado no mundo, sem que isso
tenha sido uma escolha sua, pois é dirigido, norteado, conduzido por uma sociedade
de massa, onde segue o mesmo modelo, o mesmo estereótipo dos demais seres
que compõem a sociedade (HEIDEGGER, 2018).
Heidegger, na obra Ser e Tempo, conduz seu trabalho embasado no
conceito de tempo, que para ele é o horizonte da toda existência. Vejamos,
(HEIDEGGER, 2018, p. 55):

O tempo é de onde a presença em geral compreende e interpreta


implicitamente o ser. Por isso, deve-se conceber e esclarecer, de modo
genuíno, o tempo como horizonte de toda a compreensão e interpretação do
ser. Para que isso se evidencie, torna-se necessária uma explicação
originária do tempo enquanto horizonte de temporalidade, como ser da
presença, que se perfaz no movimento da compreensão de ser.

Para o filósofo, somos seres finitos e vivemos dentro de um horizonte


temporal. O autor afirma que “o ser só pode ser compreendido, sempre e cada vez,
na perspectiva do tempo” (HEIGEGGER, 2018, p. 56). Heidegger então, parte da
analítica do Dasein, observando que as interpretações tradicionais da existência
humana têm sido unilaterais no sentido em que se concentram em nossos modos de
existir quando estamos ocupados em teorizações e reflexões separadas. Com a
intenção de se afastar da linha tradicional de René Descartes, que repousa no
modelo sujeito-objeto, Heidegger passa a descrever a cotidianidade média do
Dasein – ou seja, nossa atividade ordinária, pré-reflexiva, quando estamos
envolvidos com nossas ocupações práticas.
A fenomenologia da cotidianidade, supõe Heidegger, leva-nos a ver a
totalidade da existência humana, incluindo nossas disposições, nossa capacidade
de individualidade autêntica, e todo âmbito dos nossos envolvimentos com o mundo
e com os outros. Heidegger afirma que não há a essência humana pré-datada.
Desta forma, os humanos como seres autointerpretantes são o que fazem de si
mesmos no decorrer de sua vida ativa. Para Heidegger (2018, p. 57), “uma
investigação ontológica concreta há de começar pelo horizonte liberado pelo tempo,
com uma investigação sobre o sentido do ser”.
Para tanto, Heidegger elenca o Dasein como um acontecer como um
acontecer que se estende com o nascimento e vai até a morte, podendo ser
entendido como um movimento temporal - devir, um vir-a-ser constante, sempre em
movimento. Verifica-se que o Dasein possui três existenciais, sendo que no primeiro,
o Dasein encontra-se lançado em um mundo não escolhido por ele próprio, mas sim
já entregue à tarefa de viver sua vida em um contexto concreto. Em segundo, o
Dasein como projeção, ou seja, já sempre tomando uma posição acerca da sua vida
agindo no mundo, dirigindo-se par ao futuro no sentido de que a contínua realização
de possibilidades no curso da nossa vida ativa constitui a nossa identidade ou ser. E
terceiro, Dasein como ser-para-a-morte, significa dizer que as posições que
tomamos, nossas compreensões definem nosso ser como totalidade (HEIDEGGER,
2018).
Na ótica de Heidegger, esses três existenciais definem a existência
humana como desdobramento temporal. Nascemos e possuímos como horizonte a
morte. Dentro dessa perspectiva, há um lapso temporal em que construímos e
desenvolvemos a vida, com possibilidade de ser autêntica ou inautêntica. Para
possuir uma vida autêntica, o ser precisa sentir angústia e então, dominado por este
sentimento, sair do seu estágio de conforto e saltar para a autenticidade. Heidegger,
em Ser e Tempo (2018, p. 40), afirma que “todo questionar é um buscar. Toda busca
retira do que se busca sua direção prévia. Questionar é buscar cientemente o ente
naquilo que ele é e como ele é”. Diante dessa afirmação, denota-se que a vida
autêntica é um constante e dialético buscar.
Em contrapartida, a inautenticidade converte o homem em algo diluído e
sem face – como se fosse um estrangeiro, um estranho para si mesmo, também
chamado de impessoal, surgindo assim um humano naufragado na dimensão
definida pelo nós. Esse nós, então submete o homem à coletividade, ao habitual, ao
costumeiro, ao genérico, o que dificulta e por vezes impede o diálogo, o crescimento
e massifica o homem. Dessa inautenticidade, teremos o surgimento do homem
massa, conceito desenvolvido por Theodor Adorno, precursor da Escola de
Frankfurt, o qual criticou com grande rispidez a Razão Instrumental encetada pelo
Iluminismo. Para criticar essa Razão Instrumental, bem como a inautenticidade do
homem massa que se converte em um homem débil, genérico, Adorno elaborou o
conceito de indústria cultural4.
A inserção da nossa existência, na visão de Heidegger em um contexto
cultural explica toda nossa tendência para a inautenticidade, na medida que somos
envoltos nas práticas da comunidade. Somos acostumados a nos deixar levar pela
multidão, pela massa, fazendo aquilo que se faz normalmente, como regra, em
forma de papéis, de representação, seguindo os estereótipos, e em consequência
perdendo a capacidade de assumir e definir nossas próprias vidas a partir de um
horizonte de finitude que é inevitável. Heidegger afirma que “o ser-no-mundo está
sempre em decadência” (2018, p. 248).
Esse perder-se, essa queda em preocupações públicas, Heidegger vê
como um sinal de que estamos fugindo do fato de sermos seres finitos, que estão
inevitavelmente diante da morte, entendida como a culminação das nossas
possibilidades. Para ele, quando, através da angústia e do escutar da voz da nossa
consciência original enfrentamos o ser para a morte, a vida pode ser transformada.
Nesse sentido, vejamos (DICIONÁRIO DE FILOSOFIA DE CAMBRIDGE, 2011, p.
455):

Ser autêntico é enfrentar com clarividência nossa responsabilidade pelo que


nossa vida está acrescentando como um todo. E porque nossa vida é
inseparável da existência da nossa comunidade, e a autenticidade envolve
assumir responsabilidades que circulam em nossa herança compartilhada
para realizar um destino comunitário.

A existência autêntica é a existência idealizada do Dasein excluindo tudo


aquilo que possa vir a impedir sua autenticidade. É somente através desta que o
homem é capaz de diferenciar o humano do não humano. Ao contrário, na
4
O conceito de Indústria Cultural foi criado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno
(1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), em que propuseram que a cultura popular é semelhante a uma
fábrica que produz bens culturais padronizados - filmes, programas de rádio , revistas etc. - usados para
manipular a passiva sociedade de massa. Para os autores, o consumo dos prazeres fáceis da cultura popular,
disponibilizados pelos meios de comunicação de massa, torna as pessoas dóceis, por mais difíceis que sejam suas
circunstâncias econômicas.
inautenticidade, queda, ou decaimento, misturam-se os dois significados, e aí o
desamparo ocorre. O sentimento de abandono existe desde que o ente é lançado ao
mundo sem que dele dependa a escolha. Esse desamparo reaparece sempre na
luta que o indivíduo trava durante toda a sua existência, sob a forma de angústia ou
medo.
A vida inautêntica, para Heidegger, é uma forma de fugir a um sentimento
de inadequação da vida, perdendo-se no outro, na tentativa de justificar seus atos
num sujeito impessoal, o peso tornar-se menor. Entretanto, é apenas a angústia que
levanta o Dasein de sua queda, forçando-o a escolher entre uma vida autêntica ou
uma inautêntica.
Em posição antagônica, a vida autêntica é o viver para a morte, o ter
consciência plena da morte, da finitude, o modo de vida consciente de que o fim é
inevitável para todos, antecipando a ideia de morte e impedindo a pessoa de estar
simplesmente presa aos fatos e as circunstâncias, tal antecipação da morte leva a
pessoa ao sentimento de angústia, que a coloca diante do nada, da ausência de
sentido da existência e dos projetos humanos.
Em Ser e Tempo (2018, p. 248), Heidegger afirma que:

O fenômeno da angústia foi colocado à base da análise como uma


disposição suficiente que aguarda tais exigências metodológicas. A
elaboração dessa disposição fundamental e a caracterização ontológica do
que nela se abre como tal retira seu ponto de partida do fenômeno da
decadência e delimita a angústia frente ao fenômeno que lhe é próximo, a
saber, o fenômeno do medo.

Já no parágrafo 40 da mesma obra, Heidegger trata da disposição


fundamental da angústia como abertura privilegiada da presença. A angústia, então,
é uma possibilidade ontológica da presença que deverá descortinar o horizonte
ôntico e explicar a própria presença como ente. Heidegger, assim, desencadeia e
enceta várias questões acerca da angústia a partir de que todo descortinar só é
possível dentro da abertura constitutiva da presença, sendo que está se baseia na
disposição do compreender. Vejamos, (HEIDEGGER, 2018, p. 250):

Em que medida a angústia é uma disposição privilegiada? Será de fato que,


na angústia, a presença se coloca diante de si mesma a partir de seu
próprio ser, a ponto de, numa perspectiva fenomenológica, o ente revelado
na angústia chegar a se determinar em seu ser ou, ao menos, poder
preparar adequadamente uma tal determinação?

Extrai-se do texto colacionado acima, que Heidegger é um questionador


nato. Para o filósofo, a busca em alcançar-se a totalidade, parte-se das análises
concretas da decadência, e para tanto, imergir no impessoal junto ao mundo das
ocupações revela algo como se fosse uma fuga de si mesmo, da presença, mas
nessa fuga, a presença não se coloca diante de si mesma de acordo com a
tendência característica da decadência, o desvio conduz para longe da presença.
(HEIDEGGER, 2018, p. 250).
A angústia sempre se determina de forma latente, o ser-no-mundo, este
ser que vem ao encontro na ocupação junto ao mundo pode sentir medo. Heidegger
(2018, p. 256) afirma que “medo é angústia imprópria entregue à decadência do
mundo, e como tal, angústia nela mesma velada”. Heidegger chama a atenção para
a pouca frequência, eis que há uma decadência enorme e predisposição do ser para
o predomínio do público e da massa, sem questionamentos e sensibilidade de
percepção da atmosfera que nos ronda com a finitude. O irromper fisiológico da
angústia só é apresentável e possível porque a presença se angustia no fundo do
seu ser e diante dessa manifestação faz brotar o ânimo, a gana de vida enquanto
ser finito.
Heidegger vai mais longe e menciona o quão raras são as tentativas de
interpretação do fenômeno da constituição- e função ontológico-existencial. Sendo
que para ele, (HEIDEGGER, 2018, p. 257), “as razões disso, residem, em parte, no
desprezo pela análise existencial da presença em geral, em parte e, em geral, na
desconsideração do fenômeno da disposição”.
Seguindo nessa dimensão, para o filósofo alemão existir de forma
autêntica só é possível àquele que tem a coragem de encarar a possibilidade da
morte e também sentir a sua própria finitude e não se iludindo ao pensar que a vida
presa às coisas e aos fatos traria sentido para a sua existência humana. O indivíduo
da vida autêntica, por sua vez, teme a angústia, desviando o pensamento da finitude
e se iludindo com as coisas do mundo, acreditando que elas podem trazer sentido à
sua existência, inebriando-se com o agora. Para Heidegger (2002, p. 252), angústia
é aquilo que:
[...] abre, de maneira originária e direta, o mundo com o mundo. Não é
primeiro a reflexão que abstrai do ente intramundano para então só pensar
o mundo e, em consequência, sugerir a angústia nesse confronto. Ao
contrário, enquanto modo de disposição, é a angústia que pela primeira vez
abre o mundo como mundo. Isso, porém não significa que, na angústia se
conceba a mundanidade do mundo. A angústia não é somente angústia
com, mas é angustiar-se por a angústia se angustia pelo próprio ser-no-
mundo.

Neste ponto é preciso deixar claro a diferença entre a angústia


kierkegaardiana, a qual conduz a meras possibilidades, diferentemente da angústia
heideggeriana, que coloca o indivíduo em contato com o nada. É a partir desse nada
que ele escolhe a autenticidade ou não. E, então, ele tenta com isso dar realidade a
esse nada absoluto.
Nessa seara, um elemento imprescindível de ser mencionado e
aprofundado é a angústia - conceito desenvolvido pelo filósofo dinamarquês Sören
Kierkegaard (1813-1855), para o qual, a angústia é tomada como uma condição
fundamental da existência humana, e também como propulsor para a vivência de
uma vida autêntica. Para Kierkegaard, cada indivíduo por mais que deseje fugir, não
encontra fuga da mesma, pois ela propicia ao homem a liberdade através das
possibilidades que a mesma visualiza antes da concreção do que antes era mera
possibilidade.
Assim, pode-se afirmar que a angústia é um medo fora de foco, disperso.
Kierkegaard vai a fundo e usa o exemplo de um homem na beira de um precipício.
Quando o homem olha para baixo, ele experimenta um medo focado de cair, mas ao
mesmo tempo, o homem sente um grande impulso de se atirar intencionalmente
para o precipício. Essa experiência de dupla sensação é a ansiedade devido à
nossa completa liberdade para escolher saltar ou não saltar.
A angústia direciona o homem não para uma liberdade abstrata, mas para
a real liberdade que exige compromissos e responsabilidades àquele que busca ser
autêntico frente sua própria determinação de personalidade, que se dá pela escolha
da escolha. A partir daí este indivíduo já não permanece no instante da decisão, mas
torna-se ele mesmo um ser que existe com suas diversas características e sujeito às
contingências da vida.
A analítica existencial da presença há de resguardar uma clareza de
princípio sobre sua função ontológica fundamental. Por isso, a fim de cumprir a
tarefa preliminar de explicitação do ser da presença, ela deve buscar uma das
possibilidades de abertura mais abrangentes e essa possibilidade de abertura reside
na angústia. Nessa toada, Heidegger afirma que (2018, p. 248):

O fenômeno da angustia foi colocado à base da análise como uma


disposição suficiente que aguarda tais exigências metodológicas. A
elaboração dessa disposição fundamental e caracterização ontológica do
que nela se abre como tal retira seu ponto de partida do fenômeno da
decadência e delimita a angustia frente ao fenômeno do medo,
anteriormente analisado. Enquanto possibilidade de ser da presença, a
angústia, junto com a própria presença que nela se abre, oferece o solo
fenomenal para a apreensão explícita da totalidade originária da presença.

A existência é devir, contingência. Cada homem é um ser indeterminado,


inacabado, finito, limitado, angustiado, que sofre, enfim; mas que, ao mesmo tempo,
pode se autoconstruir ao decidir para si e tomar postura pessoal diante do que seja
social. Heidegger menciona dois aspectos da inautenticidade – o subjetivo e o
objetivo, expressos na devoção exagerada ao trabalho, ao comportamento
mecanicamente representado, também como forma de diluição de si mesmo. O
avanço tecnológico colabora muito para esse segundo aspecto.
Kierkegaard se debruça e desvela acerca da primeira ansiedade
experimentada pelo ser humano: a escolha de Adão em comer da árvore do
conhecimento, proibido por Deus. Pelo facto de os conceitos de bem e de mal não
existirem antes de Adão comer o fruto da árvore, considerado o pecado original.
Assim, Adam – o primeiro, não possuía estes dois conceitos, não tendo ciência de
que ao igerir do fruto da árvore do conhecimento, seria considerado um "mal". O que
ele sabia era que Deus lhe tinha dito para não comer da árvore do conhecimento. A
angústia vem do facto de a própria proibição por parte de Deus implicar que Adão
era livre e que poderia escolher obedecer ou desobedecer a Deus. Depois de Adão
ter comido da árvore, o pecado nascera. Então, segundo Kierkgaard, a angústia
precede o pecado e foi a angústia que levou Adão a pecar.
No entanto, inicialmente parece contraditório, porém Kierkgaard, em sua
obra, menciona que é somente pela angústia que se pode chegar a salvação, pois é
somentte ela que aponta a direção e nos informa das nossas próprias possibilidades
de escolha, do nosso autoconhecimento e responsabilidade pessoal, levando-nos de
um estado de imediatismo não-autoconsciente a uma reflexão autoconsciente. Um
indivíduo torna-se verdadeiramente consciente do seu potencial através da
experiência de ansiedade/angústia. Assim, a angústia pode ser uma oportunidade
para o pecado mas pode também ser o caminho para o reconhecimento ou
realização da identidade e liberdades de cada um.
Se partimos da compreensão do ser que define a existência, também
deve ser levado em conta que está existência é na maior parte das vezes existência
inautêntica, ou seja, o homem no cotidiano se mantém numa situação de
encobrimento de seu ser, possui uma interpretação errônea de sua própria
existência, que se mantém para ele encoberta. Esta tendência de encobrimento é
principalmente provocada pela tradição, que no mundo grego colocou pela primeira
vez a questão do ser, mas logo em seguida a esqueceu e a afirmou sucessivamente
apenas por meio do ser do ente, mas não do ser enquanto tal.
Podemos mencionar a vida inautêntica em relação a três elementos
heideggerianos, quais sejam, o ser-com-os-outros, o ser-para-a-morte e a angústia.
No ser-com-os-outros, o ouro é submetido a uma vida que não foi escolhida por ele,
e, com isso, há o estabelecimento de uma relação de submissão. Já no ser-para-a-
morte é a vida em que o sujeito se prende às coisas em si mesmas, considerá-las
como instrumentos que o levarão a um projeto maior, sendo esta uma existência
anônima. À essa vida, Heidegger chama de dejeção, que é a queda da pessoa no
plano das coisas do mundo. A existência humana torna-se vazia e sem sentido, e a
pessoa fica cada dia mais presa às coisas, buscando nelas algo que as satisfaça,
em vez de ser utilizado como instrumento, o mundo é visto como com um fim em si
mesmo. Segundo Heidegger, há no entanto, uma voz na consciência, que chama e
desperta a pessoa do simples apego aos fatos e as coisas para um sentido autêntico
da vida, à busca não do ser em si, mas do sentido do ser, ao sentido do existir
(HEIDEGGER, 2018).
Na angústia, o indivíduo da vida inautêntica teme a angústia, desviando o
pensamento da finitude e se iludindo com as coisas do mundo, acreditando que elas
podem trazer sentido à sua existência, inebriando-se com o agora. Para Heidegger,
o medo é diferente da angústia. Na vida inautêntica, tem-se o medo diante da morte,
atitude esta que nega o fim, iludindo-se cegamente com os fatos. Para o filósofo
alemão, medo e angústia se entrelaçam, andam na mesma direção, e algumas
vezes até se confundem. Assim, Heidegger (2018, p. 251), afirma que:
Não há dúvida de que o nexo ontológico entre angústia e medo é ainda
obscuro. Mas é claro que, entre ambos, existe um parentesco fenomenal. O
indício de parentesco reside em ambos os fenômenos permanecerem, na
maior parte das vezes, inseparáveis um do outro, e isso a tal ponto que se
chama de angústia o que é medo, e se fala de medo quando o fenômeno
possui o caráter de angústia.

Não precisamos ir mais longe para entender que, nos traços preliminares
da filosofia de Heidegger, assim como naquela que já havia sido perfilada por
Kierkegaard, existência e ipseidade não são sinônimos ou termos que poderiam ser
substituídos um pelo outro. Na existência, a ipseidade não é evidente. Ipseidade
está sempre além da existência. O ente denominado Dasein está aí, exposto na ex-
sistência, antes que tenha mesmo problematizado a sua ipseidade. A possibilidade
da ipseidade aparecerá para o Dasein como algo a ser procurado, algo a ser
alcançado.
A maior realização de Heidegger, é a elaboração completa da finitude
como constituinte positivo do ser humano. A partir dessa ótica, ele completou a
revolução filosófica Kantiana, deixando claro que a finitude é a chave da dimensão
transcendental. O ser humano está sempre a caminho de si mesmo, de vir a ser,
mesmo frustrado, lançado e uma situação em que é um ser passivo, receptivo,
afinado, exposto a algo esmagador que é a finitude, mas longe disso limitá-lo, essa
exposição é o próprio fundamento do surgimento do universo do sentido da
mundanidade do homem. Para Heidegger, é somente dentro dessa finitude que os
entes nos parecem inteligíveis no sentido de partícipes do mundo, incluído sem um
horizonte de sentido.
A vida autêntica repousa nesse fato. No buscar, no procurar por algo que
construa o ser humano diferentemente dos outros demais seres, com suas
características e circunstâncias próprias. Desvela o ser, retira a mesmice, torna o ser
um representante único e condutor de sua própria vida.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho se deteve de maneira geral, em apontar alguns


conceitos delineados pelo filósofo Martin Heidegger, para que se pudesse obter uma
compreensão sobre o que significa vida autêntica e vida inautêntica. A partir de
alguns conceitos, como angústia, Dasein e seus existenciais, temporalidade e
finitude. Sem deixar de mencionar, é claro, que para Heidegger, a vida é sentida e
vivida a partir de um horizonte temporal de finitude que nos coloca como seres para
a morte, indubitavelmente.
A caracterização da vida humana autêntica, em um sentido moral está no
fato dela prescindir das convencionalidades ou de heteronímias como guias
imperativos, em um agir fundamentalmente livre, e neste sentido, comprometido com
o projeto humano que inclui suas circunstâncias – facticidade, bem como sua
responsabilidade de fazer-se mediante a coexistência. Para o filósofo, existir de
forma autêntica só é possível àquele que tem a coragem de encarar a possibilidade
da morte e também sentir a angústia do ser para a morte e também de sentir a
angústia da finitude e não se iludindo ao pensar que a vida autêntica que assume a
morte como possibilidade, aceitando-a como o fim inevitável, mas nem por isso
prendendo-se às coisas e aos fatos do mundo como se pudessem fazer sentido na
vida.
Seguindo no mesmo sentido, a vida autêntica só é possível quando a
pessoa aceita a ideia de que ela é um ser para a morte, ou seja, a morte é a maior
de todas as possibilidades e que ela certamente se concretizará. Para Heidegger a
morte é a possibilidade de que todas as outras possibilidades se tornem
impossíveis. Portanto, a consciência remete à pessoa o sentido da morte e revela
que que todos os planos são nulos, ou seja, todo projeto deve trazer em si a
consciência de que tudo pode acabar de forma inesperada com a morte.
Se por um lado, essa ideia poderia levar a pessoa à desesperança, por
outro lado, a consciência da finitude é o que a impede de fixar-se em uma situação
fática, mostrando-lhe a nulidade do projeto e a historicidade de sua existência, a
qual é passageira. Assim, a autenticidade da vida está no reconhecimento de que
qualquer projeto é em vão, pois tudo irá acabar com a morte.
Heidegger faz uma análise profunda e chega à conclusão de que a morte
é vislumbrada pela maioria apenas em seu sentido trivial. Eis o paradoxo: de fato,
temos medo da morte e tomamos algumas precauções para retardá-la. Mas, mesmo
tendo certeza da morte, vivemos como imortais. Eis que angústia e morte
interpenetram-se de uma forma que a angústia nos coloca face a face com a morte;
é por meio dela que podemos nos ver como seres-para-a-morte. O homem,
projetando sua própria morte, deve assumir-se como ser finito e, com isso,
transcender da faticidade, do impessoal, da inautenticidade para a existência
autêntica.
Nesse viés, “autenticidade do ser” indica o momento em que o homem
alcançou, através de um processo de investigação interna, sua maneira original de
ser, e compreendeu modos de agir e pensar que lhe trazem o finar de incômodos e
angústias diante da vida e dos outros homens. Por outro lado, “inautenticidade do
ser” não indica o homem de “ser” falso, mas aquele que ainda não tomou
consciência sobre si mesmo, que ainda não descobriu modos de ser que lhe são
peculiares. Isso porque ele ainda não conseguiu distinguir entre as maneiras de
pensar e agir que lhe são próprias e aquelas que possui devido a suas experiências
de vida.
As ideias de autenticidade e inautenticidade apresentam-se no
pensamento de Heidegger como uma forma de qualificar o estado em que o ser do
homem encontra no próprio homem. Compreender tais ideias é de grande
importância para podermos entender os fundamentos da abordagem
Fenomenológica-Existencial heideggeriana no que diz respeito à existência do
homem e ao cuidado com a existência.
A vida autêntica, por outro lado, é aquela em que o sujeito compreende
que as coisas não podem ser vistas em si mesmas, devendo ser utilizadas como
instrumentos que levam o homem além da simples materialidade das coisas. Para
Heidegger, a vida autêntica só é possível quando o homem aceita a ideia de que ele
é um ser-para-a-morte, sendo que essa consciência da finitude o impede de se fixar
nos fatos, mostrando a nulidade do projeto de sua vida, que é em si passageira. A
autenticidade da vida consiste, portanto, em reconhecer que qualquer projeto ou
plano é em vão, pois tudo vai acabar com a morte, a impossibilidade da
possibilidade.

REFERÊNCIAS

CAMBRIDGE, Dicionário de Filosofia, 2011, 2° Ed. Editora Paulus, São Paulo.


GILES, T. R. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo. EPU:USP,
1975.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 2018. Editora Vozes, 10° edição.

________O que é isto – A Filosofia. 2018. Coleção Vozes de Bolso.

________Identidade e Diferença. 2018. Coleção Vozes de Bolso.

________ As Questões Fundamentais da Filosofia. 2017. Editora WMF Martins


Fontes Ltda, 1° edição.

________Introdução à Filosofia. 2009. Editora WMF Martins Fontes Ltda, 2° edição.

STEIN, Ernildo. Mundo Vivido: das vicissitudes e dos usos de um conceito da


fenomenologia. 2004. Editora EDIPUCRS. Porto Alegre.

_______Seis Estudos Sobre Ser e Tempo. 2014. Editora Vozes. 5° Edição.

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