A VARIEDADE DAS

PSICOLOGIA ANOMALÍSTICA
EXPERIÊNCIAS
RELIGIOSAS E
ANÔMALAS À LUZ
DA PSICOLOGIA
Por Fábio Eduardo da Silva (CRP-08/13866), coordenador da Comissão Especial de Psicologia
Anomalística e da Religião do CRP-PR e membro do Instituto Neuropsi e do Inter Psi -
Laboratório de Estudos Psicossociais: crença, subjetividade, cultura & saúde, da USP;
Adriana Patrícia Egg-Serra (CRP-08/28580), membro do Laboratório de Fenomenologia e
Subjetividade (LabFeno/UFPR) e do Instituto de Espiritualidade e Saúde, e coordenadora da
Comissão Especial de Psicologia Anomalística e da Religião do CRP-PR;
Adriano Holanda, coordenador do Laboratório de Fenomenologia e Subjetividade (LabFeno/
UFPR) e vice-coordenador do GT Fenomenologia, Saúde e Processos Psicológicos (ANPEPP).

E
m uma sessão de psicoterapia, uma
cliente relata que seu filho dizia que iria
morrer. Dois meses depois ela sonha
com a morte do menino em um acidente com
um caminhão. A criança mostrava medo de
carretas. Infelizmente, o fato previsto ocorre:
um caminhão se desgoverna, invade a casa
onde moravam e atinge seu filho, matando-o.
O acidente leva a mãe à depressão, motivo de
ter buscado ajuda psicológica.
Como considerar essa situação no contexto
psicoterapêutico? Experiências como esta
são raras? Foi coincidência ou haveria algo
subjacente? Esta e outras situações são
exemplos de experiências anômalas (EAs)
– mais frequentes do que se imagina – e
produzem forte impacto psicossocial. São
eventos e experiências humanas difíceis
de explicar por meio de teorias científicas
vigentes. As EAs incluem experiências
fora-do-corpo, de quase morte, alucinatórias,
sinestésicas, de sonhos lúcidos, relacionadas à
psi (por exemplo a telepatia e a precognição),
de contato e/ou abdução por alienígenas,
curas anômalas e experiências místicas ou
espirituais, entre outras.
A Psicologia Anomalística (PA) é um ramo
da ciência psicológica que estuda essas
experiências, sem considerar, a priori, que
existam processos psicológicos efetivamente
anômalos que estejam em sua origem.
Neste enfoque fenomenológico, são
experiências subjetivas, interpretadas como
anômalas pelas pessoas que as vivenciam.
Essas experiências impactam suas vidas e
crenças (especialmente as religiosas), suas
atitudes, decisões, perspectivas sobre o
mundo e relacionamentos.
Uma perspectiva ampliada da PA também
busca avaliar se há fenômenos anômalos
subjacentes a algumas EAs, em particular as
assim chamadas “experiências relacionadas à
psi”, que sugerem a possibilidade de que or-
ganismos interajam entre si ou com seu meio,
sem intermédio dos sentidos sensoriais, ou
que obtenham informações do futuro e inde-
pendentemente da fronteira temporal. Este
enfoque ontológico é objeto de aquecida
discussão científica e tem sido avaliado, prin-
cipalmente, por meio de estudos experimen-
tais, oferecendo evidências de efeitos estatís-
ticos anômalos em pesquisas de fenômenos

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tais como telepatia, precognição, influência
mental direta sobre sistemas físicos e bioló-
gicos, entre outros, independentemente de
como tais efeitos sejam interpretados, o que
ainda é alvo de controvérsia.
Estudos em várias culturas sugerem que cer-
ca de 50% das pessoas investigadas relatam
ter tido ao menos uma dessas experiências.
No Brasil, este valor sobe para cerca de 85%.
Um estudo do GIEPAR (Grupo interdisciplinar
de estudos em Psicologia Anomalística e da
Religião) sobre “Prevalência e relevância das
EAs na prática profissional de psicólogos(as)”
indica que EAs são relatadas tanto por pro-
fissionais como por seus clientes. Das(os) 180
profissionais respondentes, 86,7% indicam ter
vivenciado ao menos uma EA relacionada à
psi, com impacto em sua vida profissional,
compreensão teórica, práticas/intervenções,
decisões e eficácia terapêutica.
Segundo estudos internacionais, EAs pare-
cem influenciar processos clínicos ou psi-
coterapêuticos e apresentar relações com
aspectos psicopatológicos, o que justifica a
necessidade da realização de diagnóstico di-
ferencial entre EAs, experiências espirituais e
transtornos mentais. Abordagens teóricas e
clínicas de atendimento/acolhimento a pes-
soas que passam por EAs têm sido desenvol-
vidas em vários países, incluindo o Brasil, no
qual se destaca o Núcleo Clínico do Inter Psi -
Laboratório de Estudos Psicossociais: crença,
subjetividade, cultura & saúde, da USP.
Além da elevada prevalência, as EAs fre-
quentemente parecem estar “na base de
fenômenos culturais fundamentais, como
a religião”, conforme indicam Fátima
Regina Machado e Wellington Zangari no
texto “Omissões da psicologia, territórios
colonizados: experiências anômalas, inter-
pretações religiosas e atuação do psicó-
logo”. As características anômalas dessas
experiências favorecem interpretações por
perspectivas religiosas, criando uma inter-
secção com a Psicologia da Religião, campo
de estudo que se debruça sobre as expe-
riências e crenças de tipo religioso e, mais
especificamente, sobre o comportamento,
crente ou não, em sua referência à dimen-
são religiosa. O interesse de Psicólogas(os) e
Psiquiatras por comportamentos religiosos
acompanhados de experiências anômalas
foi, inclusive, um dos fatores que colaborou
para o surgimento da Psicologia da Religião. Para saber
A religião como experiência subjetiva sem- mais
pre despertou imenso interesse de estudio-
sos e acompanhou a história da humanida- Associação Nacional
de. No campo da Psicologia, esse interesse é de Pesquisa e Pós-
praticamente paralelo à sua própria consti-
Graduação em
tuição enquanto ciência, tendo sido objeto
Psicologia (ANPEPP):
de estudos e pesquisas da maioria dos gran-
bit.ly/3u3ei6A
des nomes da Psicologia, como Wilhelm
Wundt e William James, por exemplo.
No Brasil, a relevância da temática é
crescente, abrangendo diversas áreas e
pesquisas. Uma das referências é o Grupo de
Trabalho intitulado “Psicologia & Religião”,
Seminários de
da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Psicologia e Senso
Graduação em Psicologia (ANPEPP), criado
Religioso:
em 1997, que reúne pesquisadoras(es) do
país inteiro, sendo um dos mais produtivos
bit.ly/3zwKX5F
e abrangentes grupos de pesquisa do Brasil,
responsável ainda pelos Seminários de
Psicologia e Senso Religioso, realizados a
cada dois anos.
A literatura é pródiga em apontar correla-
ções positivas entre religiosidade e saúde.
Observa-se, inclusive, uma aproximação
cada vez maior de profissionais da saúde As referências usadas
em geral (Médicas(os), Enfermeiras(os), etc.) neste texto estão
da temática e do reconhecimento de sua disponíveis na versão
relevância, ao passo que, na Psicologia, as digital da revista em
discussões esbarram invariavelmente em www.crppr.org.br
confusões e simplificações, mesmo que as
pesquisas e a literatura tomem o enfrenta-
mento religioso como um aspecto central Você sabia?
para a atuação em saúde.
O GIEPAR (Grupo
Experiências religiosas e anômalas são fato- interdisciplinar de
res importantes para a subjetividade e saúde estudos em Psicologia
humanas e nenhuma teoria ou prática psico- Anomalística e da
lógica está completa sem considerá-las! O Religião) foi criado
desenvolvimento científico sobre essas expe- em 2014 no CRP-PR
riências é efervescente no Brasil e no mundo e vem promovendo
e, no entanto, ainda não impacta a maioria estudo, pesquisa e
dos cursos de formação na área da saúde, e eventos de divulgação
em especial da Psicologia. Esta é uma das científica, como o
razões pelas quais foi criada a Comissão Simpósio de Psicologia
Especial de Psicologia Anomalística e da Anomalística e Ciência
Religião no CRP-PR. das Religiões.
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