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Da ordem da apresentação:

1. Agradecimentos;
2. Breve apresentação de Arendt;
3. Breve apresentação da situação do caso Eichmann;
4. Os protocolos de Wansee;
5. O julgamento;
6. A questão moral e política

Datas: 1. Julgamento: 1961. Captura em 1960, 10 meses de preparação.


2. Conferência de Wansee: 20 de janeiro de 1942

Sobre a incompreensão da noção de banalidade do mal


Principal incompreensão reside na ideia de que o indivíduo possa ser de alguma
maneira “naturalmente” subsumido por um sistema ao qual ele se torna obediente, e que
seu arbítrio não é capaz de elevá-lo desse sistema. A ideia de banalidade do mal não
implica em compreender o indivíduo como uma mera engrenagem em um sistema.

Essa é a razão, segundo Arendt, de que a batalha contra o mal deve ser travada
nos recessos da moralidade e do pensamento do indivíduo, o que, por definição, desafia
e questiona constantemente as ordens mundiais consensuais. É uma luta pessoal de cada
pessoa contra fixações, padrões e legados sociais e históricos - o que Arendt chama de
"o fardo da humanidade" que repousa sobre os ombros do homem. A mesma
humanidade que, junto com o humanismo, também cultivou e justificou por gerações
uma história do mal em todas as suas formas - imperialismo, colonialismo, racismo e
egoísmo grupal, nacional e privado - sempre visando excluir e atropelar o outro.

Além disso, o pensamento, que é obrigado a acomodar a situação do Outro,


requer a totalidade de nossas habilidades humanas. É a essência da nossa humanidade.
Por exemplo, o pensamento não se contenta em ouvir o Outro; Para entender e pensar
sobre o mundo, é preciso ser capaz de entrar no lugar do Outro. Isso exige empatia,
pensamento profundamente emotivo (em oposição ao sentimentalismo), compromisso e
imaginação necessária para projetar, na medida do possível, suas experiências pessoais
no outro. Para Arendt, recuar do mundo para si mesmo, insularidade, isolamento e
dependência à lógica em si, que é o oposto do pensamento, causam um golpe mortal no
pensamento e constituem a raiz de todo mal.

Na minha opinião, Arendt, de fato, pertence aos filósofos que acreditam que o
homem é basicamente bom, que o impulso moral, como a necessidade de amizade e
amor, é mais autenticamente humano que mal. Ela também acredita que o processo de
lutar contra o mal, como o pensamento em si, é interminável, pois cada momento da
nossa vida é um "novo começo" ou "novo nascimento", como ela disse, uma
oportunidade para correção, contrição. reconciliação, transformação e revolução É
apenas raro que um indivíduo escolha o mal por si só, na maioria das vezes ele escolhe
ideologias, clichês, conveniência, meias-verdades e mentiras, novos e antigos tipos de
ethos, entrega à moda e quadros históricos e contemporâneos da mente, alguns dos
quais até ganham impulso por algum tipo de “necessidade histórica”.

O conceito da banalidade do mal não pretende explicar a história do racismo ou


do egoísmo humano. É uma ideia filosófica do reino da moralidade político-social, não
um substituto para a continuação da pesquisa sociológica e histórica. Ela toca no nervo
sensível da responsabilidade moral do indivíduo de se posicionar contra a sociedade, em
qualquer lugar e a qualquer momento, para confrontar convenções e clichês que
preenchem os processos automáticos do mal. Exige que o indivíduo vá além do
horizonte da vida cotidiana autocentrada, e não se renda a conveniências físicas,
emocionais ou intelectuais, a interesses pessoais e de grupo egoístas, à colaboração cega
com a sociedade, ao prazer de um sentido acrítico de coesão, ao gozo de pertencer ao
forte, como tal, a mentiras e meias-verdades, a mudez, a funcionalidades da vida e a
justificar o que existe.

Arendt (e muitos outros, precisa ser dito) enfatiza esses e outros padrões
similares em todos os seus escritos como demonstrações de conformismo, de tornar-se
inativo, de adaptação cega e aceitação e colaboração com o mal sem pensar. Em sua
opinião, esses padrões fazem parte do arsenal da banalidade do mal, através do qual o
mal penetra no mundo, oferecendo a aparência de patriotismo, decência e necessidade,
alimentada pelo irrealismo e pelas mentiras das ideologias fechadas, que
freqüentemente se justificam. através da agência de sua lógica interna. A “não-
identificação” com o Outro é, na opinião de Arendt, prova marcante da perda da
capacidade de pensar do indivíduo: a saber, ser humano.

O procedimento em quatro passos do imperativo


categórico
1. É importante reconhecer que a lei moral, o imperativo categórico
(IC) e o procedimento do imperativo categórico são três coisas
diferentes.
A lei moral é uma ideia da razão. Especifica um princípio que se
aplica a todos os seres razoáveis e racionais (ou, para abreviar, seres
razoáveis) quer sejam ou não, como nós, seres finitos com
necessidades. Serve para Deus, para anjos e para seres razoáveis em
quaisquer outras partes do universo (se existirem), bem como para
nós.
O imperativo categórico, sendo um imperativo, dirige-se apenas
àqueles seres razoáveis que, por serem finitos com necessidades,
experimentam a lei moral como uma restrição. Como seres assim
definidos, experimentamos a lei moral dessa forma e, por isso, o
imperativo categórico especifica como essa lei se deve aplicar a nós
(Fundamentação ll:12-15 [412-414]).
Para que o imperativo categórico seja aplicável à nossa situação,
deve adaptar-se às nossas circunstâncias na ordem da natureza. Essa
adaptação é realizada pelo procedimento do IC, na medida em que leva
em conta as condições normais da vida humana por intermédio da
formulação da lei da natureza (Fundamentação ll:33 [421]).
2. Considerando estas observações como prefácio, estabelecerei
agora o procedimento do IC em quatro passos 1. No primeiro passo,
temos a máxima do agente, que é, suponhamos, racional do ponto de
vista do agente: isto é, a máxima é racional dada a situação do agente e
as alternativas disponíveis, em conjunto com os desejos, habilidades e
crenças do agente (consideradas racionais nas circunstâncias). Kaant
considera máxima como um princípio subjectivo: um princípio
segundo o qual o sujeito age (Fundamentação ll:30n. [421]). Quando a
máxima do agente é racional do seu ponto de vista, como supomos
aqui, ela pode ser considerada subjectivamente válida.
Deve pressupor-se também que a máxima é sincera, quer dizer,
reflecte as verdadeiras razões que o agente tem para a acção
pretendida, na medida em que este, que presumimos lúcido, as
descreveria com franqueza. O procedimento do IC aplica-se, então, a
máximas a que os agentes lúcidos e racionais chegaram em vista do que
consideram ser as características relevantes das suas circunstâncias.
Devemos acrescentar que o procedimento se aplica igualmente bem a
máximas às quais os agentes racionais e sinceros poderiam chegar
(mas não chegaram), dadas as circunstâncias normais da vida humana.
Para concluir: a máxima do agente no primeiro passo é tanto
sincera como racional. É um imperativo hipotético particular (que se
deve distinguir do imperativo hipotético); e uma vez que usa o
pronome da primeira pessoa, digamos que expressa a intenção pessoal
do agente de agir segundo a máxima. Tem a seguinte forma padrão:
1) Devo fazer X nas circunstâncias C a fim de realizar Y a menos que Z. (Aqui, X é uma
acção e Y é um fim, um estado de coisas.)
Observe-se que a máxima inclui a claúsula “a fim de” e refere-se, assim,
a um fim. Para Kant, todas as acções têm fins (Metafísica dos
Costumes, Intro. 6:384 ss.). A natureza da cláusula de frase é
importante na distinção entre deveres de justiça e outros tipos de
deveres, mas deixarei isso de lado aqui.
3. O segundo passo generaliza a máxima do primeiro passo; o
resultado é o que podemos chamar um preceito universal (mas não
segundo a terminologia de Kant) que se aplica a todos. Quando esse
preceito passa no teste do procedimento do IC, é uma lei prática, um
princípio objectivo válido para todo ser racional
(Fundamentação II:30n. [421]). Assim, temos:
2) Todos devem fazer X nas circunstâncias C a fim de realizar Y a menos que Z.

No terceiro passo, devemos transformar o preceito universal expresso


de 2 numa lei da natureza para obter:
3) Todos fazem sempre X nas circunstâncias C a fim de realizar Y, como se por uma lei
da natureza (como se uma tal lei tivesse sido implantada em nós por um instinto
natural) (Fundamentação II:37 [422-423]).

O quarto passo é o mais complicado; levanta questões que não


podemos discutir aqui em detalhe. A ideia intuitiva é a seguinte:
4) Devemos acrescentar a (como se fosse) lei da natureza do passo 3 às leis da natureza
existentes (tal como são por nós compreendidas) e então examinar o melhor que
pudermos qual seria a ordem da natureza uma vez dado tempo suficiente aos efeitos da
lei recentemente acrescentada para se concretizarem.

Presume-se que uma nova ordem natural resulta do acréscimo da lei do


passo 3 às outras leis da natureza, e que essa nova ordem natural
estabeleceu um estado de equilíbrio cujos traços relevantes somos
capazes de conceber. Passaremos a designar essa nova ordem natural
um “mundo social ajustado”. Pensemos também neste mundo social
como um mundo associado à máxima do passo 1, e imputemos ao
agente uma intenção legisladora, uma intenção de, por assim dizer,
legislar um mundo como esse. Aqui, a ideia é que um agente ideal
razoável, considerando se deve ou não agir segundo a máxima do passo
1, implicitamente aceita as exigências da razão prática pura
representadas nos passos que conduzem até ao passo 4, inclusive.
4. O imperativo categórico de Kant pode agora ser exposto da
forma seguinte: É-nos permitido agir segundo a máxima racional e
sincera do passo 1 apenas se duas condições forem satisfeitas:
Primeiro, devemos ser capazes de, enquanto agentes sinceros, razoáveis e racionais,
ter a intenção de agir segundo aquela máxima quando nos consideramos membros do
mundo social ajustado que lhe está associada e, desse modo, agindo como se
pertencessemos a esse mundo e estivessemos sujeitos às suas condições; e
Segundo, devemos ser capazes de querer esse mesmo mundo social ajustado e de
aceitá-lo caso viéssemos a pertencer-lhe.

Por conseguinte, se não pudermos ao mesmo tempo querer esse


mundo social ajustado e tencionar agir segundo aquela máxima na
qualidade de membros desse mundo, não podemos agir agora segundo
a máxima, ainda que seja, por suposição, plenamente racional
consideradas as nossas circunstâncias presentes. O imperativo
categórico, tal como é representado pelo procedimento do IC, aplica-
se-nos independentemente de quais possam ser as consequências da
nossa conformidade com ele para os nossos desejos e necessidades
naturais. Isto reflecte a prioridade da razão prática pura sobre a razão
prática empírica.
Por fim, deve-se ter em mente que este modelo do procedimento
do IC obtém-se da formulação da lei da natureza, e consiste em
(Fundamentação 11:33 [421]):
Age como se a máxima de tua acção devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei
universal da natureza.
Interpretamos essa formulação como uma intenção legisladora
imputada: é como se tivéssemos o poder da razão legisladora e o
exercício desse poder fosse uma condição para podermos agir
conforme à nossa máxima. Cumpre verificar se podemos ou não fazer,
no mundo social ajustado, o que agora tencionamos; e se podemos
querer esse mundo."

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