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Ao seguir com essa pressuposição, Arendt segue que todo homem “mentalmente
são” teria a capacidade de distinguir o certo e o errado dentro de si, independentemente de
qualquer interferência externa. Para confrontar tal raciocínio, Arendt menciona Kant, ao
afirmar que há um entrave nessa afirmação: “Depois de ter passado a vida entre patifes sem
conhecer outras pessoas, ninguém poderia ter um conceito de virtude.” (Arendt, 2004, p. 125).
Isso implicaria que a mente humana se guia por exemplo, quando em questões morais.
Ao citar o conceito do “imperativo categórico” de Kant, Arendt diz que essa fórmula
seria como uma “bússola”, que facilitaria a distinção do certo e errado pelo homem.
“Sem ensinar absolutamente nada de novo à razão comum, precisamos apenas atrair
a sua atenção para o seu próprio princípio, à maneira de Sócrates, mostrando assim
que não se precisa nem da ciência nem da filosofia para saber o que se deve fazer a
fim de ser honesto e bom” (Arendt, 2004, p. 125)
Arendt faz uma crítica, dizendo que Kant “não teria aceitado como natural que o
homem também vai agir segundo o seu julgamento. O homem não é apenas um ser racional,
ele também pertence ao mundo dos sentidos, que o tentará a se render às suas inclinações em
vez de seguir a razão ou o coração.” (Arendt, 2004, p.126). Assim como Sócrates, ela afirma
que a consciência é fruto de reflexão moral permanente, porém a conduta moral não se segue
necessariamente. Além disso, ela segue que a conduta moral dependeria primeiramente do
relacionamento do homem consigo mesmo.
A obediência às leis, tanto divinas ou humanas, não tem relação com a conduta moral,
segundo Arendt. “Na terminologia de Kant, essa é a distinção entre legalidade e moralidade.
A legalidade é moralmente neutra: tem o seu lugar na religião institucionalizada e na política,
mas não na moralidade” (Arendt, 2004, p. 132).
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Segundo Ensaio / Tópicos de Ética Rodrigo Jaber
Com isso, Arendt afirma que o uso dos imperativos “deves” ou “não deves” ao
consultar a consciência moral, torna as proposições morais evidentes por si mesmas, sendo
axiomáticas. “Se a tradição da filosofia moral (...) concorda sobre alguma coisa desde
Sócrates a Kant e, como veremos até o presente, esse ponto é a impossibilidade do homem
praticar deliberadamente atos cruéis, querer o mal pelo mal.” (Arendt, 2004, p. 136).
“No caso de Kant, a consciência ameaça com o desprezo por si próprio; no caso de
Sócrates, como veremos, com contradizer-se a si mesmo. E aqueles que temem o
desprezo por si próprio ou o contradizer-se a si mesmo são mais uma vez aqueles
que vivem consigo mesmos; acham as proposições morais evidentes em si mesmas,
não precisam da obrigação. (Arendt, 2004, p. 142)
No livro “Eichmann em Jerusalém”, Arendt nos mostra como uma pessoa normal,
com somente ambições burocráticas combinadas com irreflexão, porém desprovida de
perversidade a priori, é capaz de ser responsável de tamanho mal ao aderirem a um regime
totalitário como o nazismo.
“Na filosofia de Kant, essa fonte é a razão prática; no uso doméstico que Eichmann
faz dela, seria a vontade do Führer. Grande parte do minucioso empenho na
execução da Solução Final (...) pode ser atribuída à estranha noção, efetivamente
muito comum na Alemanha, de que ser respeitador das leis significa não apenas
obedecer às leis, mas agir como se fôssemos os legisladores da lei que
obedecemos. Daí a convicção de que é preciso ir além do chamado do dever.”
(Arendt, 2006, p. 154)
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Segundo Ensaio / Tópicos de Ética Rodrigo Jaber
Remetendo a Sócrates, Arendt cita a antiga afirmação que “é melhor sofrer o mal do
que fazer o mal” (2004, p. 211). Há nessa afirmação de Sócrates a relação da reflexão de si
para si. Para o antigo filósofo, a tragédia de cometer um assassinato, por exemplo, seria ter de
conviver na companhia de um assassino o resto da vida. Com isso, ela segue que “as nossas
decisões sobre o certo e o errado vão depender de nossa escolha de companhia, daqueles com
quem desejamos passar a nossa vida” (Arendt, 2004, p. 212).
Arendt procura na literatura alguns exemplos de grandes vilões, para com isso
demonstrar que se uma pessoa se alinha com um desses exemplos, temos uma noção dos
princípios éticos que guiam aquele determinado indivíduo. “No caso improvável de que
alguém venha nos dizer que preferiria o Barba Azul por companhia, tomando-o assim como
seu exemplo, a única coisa que poderíamos fazer é nos assegurarmos de que ele jamais
chegasse perto de nós.” (2004, p.212). Porém o grande perigo seria o caso da indiferença com
a questão da escolha da companhia. Nas palavras de Arendt:
Eis aqui o ponto nevrálgico da questão: Arendt afirma que em casos sem nenhum
precedente, em que não tenhamos nenhum parâmetro para nos agarrar, o exemplo serve como
uma bússola moral, em que podemos confiar o juízo. Porém no caso do indivíduo que não tem
a capacidade, ou se recusa em deliberar entre uma escolha de um exemplo notoriamente mau,
e um conhecidamente bom, acarreta no mal analisado no caso Eichmann. Estamos diante da
superficialidade da moral, onde o mal é capaz de alastrar-se rapidamente em uma sociedade
de indivíduos rasos em reflexão, podendo dar origem a regimes totalitários.
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Segundo Ensaio / Tópicos de Ética Rodrigo Jaber
Arendt menciona que devemos a Kant a diferença entre pensar e conhecer, “entre a
razão, a premência de pensar e compreender, e o intelecto, que deseja e é capaz de certo
conhecimento verificável” (Arendt, 2004, p.231). “A capacidade e a necessidade de pensar
não se restringem absolutamente a qualquer tema específico, como as questões que a razão
propõe e sabe que nunca será capaz de responder.” (Arendt, 2004, p. 231). Já a atividade de
conhecer, seria para Arendt uma “atividade de construção de mundo”.
Essa distinção para Arendt é crucial, pois se pelo pensar somos capazes de distinguir o
certo do errado, então qualquer pessoa dotada de razão, independentemente do nível de sua
erudição ou inteligência, pode executar tal tarefa. Além disso, Arendt observa que a afirmação
de Kant de que “a estupidez é causada por um coração malvado” não se segue.
O não-pensar então é analisado por Arendt como um perigo, já que parece ser um
exercício comum para assuntos que dizem respeito à política e à moral. Sua análise nos revela
que pessoas que seguem o exercício do não-pensar acabam seguindo qualquer regra prescrita
no contexto em que estão inseridas. “As pessoas então se acostumam não tanto ao conteúdo
das regras, cujo exame minucioso sempre as conduziria a um estado de perplexidade (...). Em
outras palavras, elas se acostumam a nunca tomar decisões.” (Arendt, 2004, p.245).
“A falácia mais visível e mais perigosa na proposição, tão antiga quanto Platão:
‘Ninguém pratica o mal voluntariamente’, é a conclusão implícita: ‘Todo mundo
quer fazer o bem’. A triste verdade é que a maior parte do mal é feita por pessoas
que nunca decidiram ser boas ou más.” (Arendt, 2004, p. 247)
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Segundo Ensaio / Tópicos de Ética Rodrigo Jaber
Portanto para Arendt, o pensar não nos salva de nada, a não ser a superficialidade. O
ato reflexivo não reflete em ser bom, mas ajuda a quem não quer ser mal, a não ser mal “sem
querer”.
Referências