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A BANALIDADE DO MAL, SEGUNDO HANNAH ARENDT, E A

ATUALIDADE DE SEU PENSAMENTO PARA A DISCUSSÃO ACERCA


DO AGIR ÉTICO E DE SUA RELAÇÃO COM O DIREITO

Helena Cavichioli Dante1


Lorena Marquioli Biazon

Palavras-chave: pós-modernidade, irreflexão, emancipação.


Resumo

Trata-se de resumo expandido a ser apresentado no Congresso


Internacional de Ciências Jurídicas da UEM – A Tutela das Vulnerabilidades
da Pessoa Humana, tendo por tema a banalidade do mal e a irreflexão,
segundo Hannah Arendt, e sua perpetuação na sociedade atual, objetivando
contribuir para a discussão da emancipação do homem, do agir ético, e de
sua relação com o Direito. Para tanto, examina-se a crise ética no contexto
da sociedade pós-moderna, o papel do Direito e a ideia da emancipação;
ainda, é analisada a compreensão de Hannah Arendt acerca da banalidade
do mal e da irreflexão/necessidade de pensar para o agir ético, bem como
explicitada, a partir das ideias da filósofa, a compreensão do agir ético em
relação à emancipação do homem e à ampliação da consciência moral.

Introdução

Tendo por base o contexto sócio-histórico identificado como pós-


modernidade, no qual o Direito se encontra inserido nos dias hodiernos, o
presente trabalho tem por tema a compreensão da banalidade do mal e da
irreflexão, segundo Hannah Arendt, e sua perpetuação na sociedade atual,
com o fim de contribuir para a discussão existente acerca do agir ético, da
emancipação do homem, e da relação existente entre a Ética e o Direito.
O período da pós-modernidade é marcado por incertezas e
inseguranças, de maneira que a liquidez de suas relações provoca a
instabilidade da moral e da ética, notando-se, ainda, a ausência da prática
da reflexão. Visa-se demonstrar assim, que tais circunstâncias repercutem
no mundo jurídico, permeado por normas ineficazes e em volume crescente.
Dessa forma, o tema se justifica ante a crise ética na pós-
modernidade, sendo de grande importância a discussão acerca da ligação
da Ética com o Direito. Ademais, se justifica porque as ideias de Hannah
Arendt, analisadas na presente pesquisa, se apresentam como uma
alternativa, uma proposta de possível quebra dessa conjuntura de crise.
Inicialmente, analisando-se os conceitos da pós-modernidade, da
modernidade líquida e da crise ética, com base nas ideias dos autores
Eduardo C. B. Bittar e Zygmunt Bauman, discute-se acerca do agir ético,
com o fim de explicitar o apego aos clichês pela sociedade e, especialmente,

1 Orientador(a): Prof.(ª) Jacqueline Sophie Guhur Frascati


sua dependência em relação às ideias postas pelo Direito do que é certo ou
errado.
Neste ponto, insere-se a necessária capacidade de compreensão das
diferenças e, por consequências, das camadas mais vulneráveis do corpo
social, por diversas vezes vistas como “o outro”, alheio e ameaçador.
Ainda, são abordadas as ideias de Immanuel Kant, com o fim de tratar
da emancipação do homem em relação a valores preestabelecidos, de sua
iluminação, para que possa vir a pensar por si só, saindo da menoridade e
realizando uma atividade de reflexão, buscando suas próprias respostas.
Em seguida, é abordado o conceito de “banalidade do mal”, elaborado
por Hannah Arendt, tendo por finalidade examinar porque a crítica realizada
pela filósofa ainda persiste na atualidade e a relação deste conceito com o
Direito. Nesse ínterim, desenvolve-se a análise em relação à vita activa e
vita contemplativa, com o objetivo de compreender as ideias da autora
acerca do pensar e do não pensar, bem como de examinar os pressupostos
para o agir ético.
A presente pesquisa é, essencialmente, bibliográfica, de abordagem
crítico reflexiva da realidade e do conhecimento, e tem como base central as
obras “A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar” e “Eichmann em
Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”, ambas da pensadora
Hannah Arendt. Outros autores, tais quais Zygmunt Bauman, Eduardo C. B.
Bittar e Immanuel Kant, principalmente através das obras “O Direito na pós-
modernidade” e “Modernidade líquida”, bem como do texto “Resposta à
pergunta: O que é o Iluminismo?”, são utilizados como forma de
contextualização e apoio à pesquisa.

Resultados e Discussão

A partir da pesquisa realizada, compreende-se que a pós-


modernidade, período atual, se apresenta em um contexto de dissensos e
desestabilizações, possuindo forte caráter questionador, conforme postula
Bittar. Assim, valores anteriormente firmados são colocados em dúvida,
resultando em um sentimento de insegurança pelo coletivo, que não
vislumbra um referencial sólido sobre o qual se pautar.
Tal insegurança caracteriza o que Zygmunt Bauman chama de
modernidade líquida, a modernidade da fluidez e das instabilidades, tal qual
as substâncias líquidas. Por conseguinte, é justamente a ausência de
certezas que resultam em uma crise de confiança, na qual “o outro” passa a
ser visto com estranheza e receios, podendo-se indicar, a título
exemplificativo, grupos mais vulneráveis, posto apresentarem a diferença,
quebra de padrões e de ideias pré-estabelecidas.
Assim, compreende-se que a crise ética pós-moderna acaba por
atingir a esfera jurídica, posto que o Direito inevitavelmente reflete tais
incertezas. Nesse sentido, tal teoria se confirma vez restar demonstrado
que, embora procure acompanhar as constantes mudanças da realidade, o
Direito nem sempre logra fazê-lo, resultando ineficaz, algumas vezes, em
relação a certos conflitos os quais tenta regular.
Por conseguinte, analisando-se, as ideias kantianas acerca da
iluminação, isto é, da saída da menoridade pelo homem – o qual deveria
deixar de se guiar por ideias preestabelecidas e passar a exercer o uso da
razão – entende-se que a liberdade seria pressuposto essencial. De maneira
semelhante, constata-se que o indivíduo pós-moderno se encontra em tal
estado de menoridade, seja por preguiça ou pelos receios de se lançar aos
desafios do pensar.
Na sequência, a obra “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a
banalidade do mal”, de Hannah Arendt, apresenta breve relato acerca de
Adolf Eichmann, ex-oficial nazista, um dos responsáveis pelo extermínio de
judeus durante o Holocausto, na Segunda Grande Guerra, e levado a
julgamento em Jerusalém.
Hannah Arendt pôde identificar no comportamento do réu indícios de
que o mal que fizera não foi motivado por ideologia ou ódio aos judeus, mas
sim pela comodidade de limitar-se a uma obediência cega e desconexa do
pensar, que dispensa questionamentos, levando-a à conclusão de que seus
atos estavam ligados à sua incapacidade reflexiva, e não a algo de
monstruoso intrínseco.
Desse modo, a simples ausência de pensamento contribuiu para
consequências terríveis, o que Hannah Arendt veio a chamar de “banalidade
do mal”, desconstruindo a ideia de que a maldade é uma condição
necessária para o “fazer-o-mal”, e este, por sua vez, é banal, tão comum
quanto seu agente.
Entende-se, então, que o pensar seria um pressuposto para o agir
ético, possibilitando evitar o “mal”. Considerando as diferenças entre vita
activa e vita contemplativa, esta seria relacionada ao Ser, e, por sua vez, à
atividade do pensar. Desse modo, o pensar, para Arendt, implicaria na
retirada do mundo das aparências e seria autodestrutivo, sem gerar
resultados a partir de seu exercício. Assim, constata-se que o pensar não
obrigatoriamente leva ao agir ético, mas é necessário para alcançá-lo, vez
que possibilita o questionamento de todas as ideias prontas impostas.
Por conseguinte, tais indagações suscitadas pela atividade do pensar
e a consequente ampliação da consciência moral se mostram grandes
aliadas à tutela das vulnerabilidades, em especial no que concerne ao
campo do Direito, posto que agentes jurídicos pensantes, emancipados e
livres de predeterminações, por óbvio possuem maior capacidade de
compreensão de todos os componentes do corpo social, sem enxergar
determinados grupos enquanto “o outro”.
Neste diapasão, traça-se um paralelo entre as análises do pensar e a
ética no Direito pós-moderno. Isso porque a ausência do pensar pelos
indivíduos passa a exigir do Direito maior regulamentação, em uma tentativa
de postular os parâmetros morais do coletivo. Contudo, entende-se que tal
tentativa nem sempre obtém êxito. Assim, é possível se valer de exemplos
que confirmam a ineficácia do Direito ante a crise pós-moderna, esta
ensejada pela ausência da atividade do pensar, tais como a “lei do jaleco” nº
14.466/11 e o crime de desobediência de medidas protetivas, criado pela Lei
nº 13.641/18.
Conclusões

A referida pesquisa buscou analisar a crise ética pós-moderna,


permeada por insegurança e composta por indivíduos irreflexivos, que
deitam sobre o diferente um olhar avesso. Deste modo, concluiu-se que este
período de incertezas acaba por ensejar a dispensa do pensar. Neste ponto,
depreendeu-se que as considerações de Immanuel Kant, acerca da
menoridade e da iluminação, apresentam aspectos válidos ao se analisar,
criticamente, a conjuntura atual.
Por conseguinte, ante a complexidade das considerações axiológicas
hodiernas, assinalou-se se tornar mais fácil relegar exclusivamente ao
Direito a decisão do ético, constatando-se dois perigos decorrentes: o
caminho imoral em que a irreflexão pode levar, e a ineficácia, em diversas
situações, do Direito pós-moderno, concluindo-se pela necessidade
indispensável do pensar.
Acerca da primeira problemática, as ideias da filósofa Hannah Arendt
se mostraram extremamente coerentes e atemporais, firmando-se que, tal
qual assinalado pela pensadora, a ausência do pensar pode vir a abrir
caminhos para atitudes imorais, compreendendo-se, a partir disto, o conceito
de banalidade do mal. Neste sentido, a prática da reflexão é que poderia vir
a ensejar o agir ético.
Por sua vez, no que se refere ao segundo perigo assinalado, concluiu-
se que, além de ensejar a banalidade do mal e impossibilitar o agir ético, a
ausência do pensar acaba por incumbir unicamente ao Direito o dever da
postulação do que seria certo, ressalvando-se que, embora lhe caiba tal
tarefa, não deve desempenhá-la de maneira exclusiva, fato este que gera
consequências negativas, algo devidamente demonstrado diante da
ineficácia do Direito ante os conflitos pós-modernos, estes, por sua vez,
também ligados à ausência do pensar.

Referências
ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. 4ª ed.
Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2000.
___. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. 22ª
reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O Direito na pós-modernidade. 3 ed.,
São Paulo: Atlas, 2014.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo?
Disponível em:
<http://www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf>. Acesso em:
15 maio 2017.

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