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Schelling e o ceticismo (1794 – 1806)


Schelling and the skepticism (1794 – 1806)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo trazer um esclarecimento preciso das relações e diálogos
que se desenvolveram entre o pensamento schellinguiano e a tradição do ceticismo, mais
especificamente o ceticismo de Gottlob Ernst Schulze. Primeiramente mostraremos como que
o pensamento de Schelling tem nas críticas céticas à filosofia crítica kantiana, ao modo como
foi apresentada por Reinhold, sua condição de possibilidade. Tendo isto estabelecido, num
segundo momento a incumbência será voltada a apresentar como Schelling estabelece em
filosofia um novo método e princípio visando pôr-se para além das possibilidades do discurso
cético. Esta posição visava fundamentar a existência de um princípio absoluto como condição
de todas as coisas. Diante disto, este não poderia ser deduzido por relações de pensamento -
principal método utilizado pelo ceticismo.

PALAVRAS-CHAVE: Schelling; Ceticismo; Schulze; Princípio absoluto.

ABSTRACT
This study aims to bring a precise clarification of possible relationships and dialogues
developed between schelling’s thought and tradition of skepticism, namely Schulze’s
skepticism. First, we will show how the thought in which Schelling was an exponent has in
the skeptical criticism of Kantian critical philosophy, as presented by Reinhold, its condition
of possibility. That being said, in a second moment the task will be to show how Schelling
establishes, in philosophy, a new method and principle in order to put himself beyond the
possibilities of skeptical discourse. This position was intended to substantiate the existence of
an absolute principle as the condition of all things. Given this, it could not be deduced by
relations of thought - main method used by skepticism.

KEYWORDS: Schelling; Skepticism; Schulze; Absolute principle.

1. Introdução

A maioria dos trabalhos sobre o pensamento de Schelling apresentam uma divergência


a respeito da quantidade de fases que o autor perpassou em seu desenvolvimento. Isto
dificultaria qualquer pesquisa pois, muitas das vezes, temas que foram apresentados e
interpretados de certo modo num determinado escrito, foram revistos e articulados de modo
diverso num outro. Entretanto, sobre o modo como o ceticismo, que por sua vez acossou todo
o caminho de desenvolvimento do Idealismo Alemão, foi recebido por Schelling, acreditamos
que, por mais que ele seja posto a partir de diferentes perspectivas, ainda persiste um substrato
que se mantém presente nas diversas etapas que aqui apresentaremos. Não pretendemos
delimitar cada uma das mudanças que o pensamento do autor percorreu. Nossa atenção será
voltada para a descoberta de uma unidade presente nelas.
2

O recorte temporal que foi feito, abrangendo desde o período fichteano (1794) até o
apogeu da filosofia da identidade (1806), é sem dúvidas o período em que Schelling mais se
relacionou com as discussões provocadas pelo ceticismo. Primeiramente, mostraremos como
Fichte lida com os problemas dos pretensos discursos céticos em voga, provocando uma
reviravolta no modo como a filosofia crítica deveria ser encarada. Isto será necessário para
clarificar, posteriormente, como o pensamento de Schelling desdobra e rearticula os
resultados desta relação, pondo-se pretensamente numa posição para além das possibilidades
deste discurso. Mostrar-se-á que esta condição nasce a partir do descobrimento da identidade
absoluta no seio da relação entre sujeito-objeto.

2. Schelling e o desenvolvimento de um novo ponto de partida em filosofia

Podemos dizer que até o final do século dezoito Schelling mantivera-se em harmonia
com a posição teórica que Fichte havia desenvolvido a respeito das proposições principais do
ceticismo, neste caso, principalmente, os ceticismos de Maimon e Schulze.1 Isto é perceptível
levando em consideração as primeiras páginas do escrito Über die Möglichkeit einer Form
der Philosophie überhaupt (Formschrift), desenvolvido por Schelling ainda em 1794. As
proposições iniciais ali demostram o comum acordo entre Schelling e Fichte sobre o real valor
do ceticismo diante das principais discussões que aquela doutrina havia causado no
pensamento filosófico. Neste escrito demonstra-se que as primeiras impressões que Schelling
havia feito da filosofia crítica kantiana veio já acompanhada da polêmica suscitada pelo
ceticismo de Schulze contra a filosofia transcendental de Kant e, principalmente, a nova
versão do criticismo por Reinhold. Na esteira dos descobrimentos operados pela Doutrina da
Ciência de Fichte, Schelling entende que a vulnerabilidade da filosofia kantiana residia na
falta de um “princípio básico” que ligasse os princípios daquela filosofia, a saber, a
sensibilidade, a imaginação e o entendimento. 2 De modo mais especifico, esta posição ia de
encontro com o modo como Fichte havia interpretado e desdobrado as proposições arroladas a
partir da discussão entre Reinhold e Schulze acerca da necessidade de uma proposição
fundamental em filosofia.3 De modo geral, estavam de acordo com os avanços de Reinhold, a
saber, que a filosofia deveria tornar-se sistema propriamente dito, mas recusavam o princípio
oferecido por Reinhold, no qual foi alvo das contundentes críticas do ceticismo schulzeano.
1
Cf. Frank (1985).
2
Cf. Schelling (1975, p.2).
3
Cf. Schelling (1975, p.3) e Fichte (1984a, p.5).
3

A crítica de Schulze, no seu Aenesidemus de 1792, ao “princípio da consciência” de


Reinhold, naquele momento, havia sido responsável por um forte esmorecer das bases que a
Filosofia Crítica havia construído. Schulze, com uma jocosa ironia, e utilizando-se de
personagens por ele caracterizados, suscitou as mais calorosas disputas no seio daquele
ambiente filosófico. Dentre os que ficaram irrequietos pelo ceticismo schulzeano estava o
jovem J. G. Fichte, que em carta a Heinrich Stephani, ainda em 1793, fez questão de deixar
isso claro: “O Senhor leu o Enesidemo? Ele perturbou-me por um longo tempo, demoliu
Reinhold em mim, tornou Kant suspeito para mim, e derrubou o meu sistema a partir de sua
base. Impossível viver ao ar livre! ” (FICHTE, 1986, pág. 94-95 apud BARBOSA, 2016, pág.
19). Foi o Aenesidemus que fizera com que Fichte revisasse sua adesão e entusiasmo com a
Filosofia Crítica, tendo que adiante reafirmar seu compromisso com a filosofia de Kant não
mais com a sua “letra”, mas sim com seu “espírito”.4
Deste ponto de vista, o desenvolvimento posterior de Fichte e de Schelling, se apoiou
na necessidade de uma fundamentação absoluta que escapasse dos erros que fizeram a
filosofia de Kant e Reinhold serem duramente objetadas pelo ceticismo. O ceticismo de
Schulze havia atacado a Elementarphilosophie de Reinhold pela falta de absolutidade de seu
“princípio da consciência”. Ele não havia deixado claro a possibilidade da unidade essencial
entre consciência e objeto. Faltava-lhe uma proposição absoluta que determinasse a forma
daquela ligação. O exemplo desta carência se fazia mostrar nas filosofias de Kant e Reinhold
pela doutrina da coisa em si. No que diz respeito a esta doutrina, Schulze havia demonstrado o
salto que ambas realizavam entre uma condição de necessidade e uma condição de existência.
Pode-se dizer, desta forma, que o ceticismo de Schulze, indiretamente, se apresentou
determinando o modelo para uma filosofia absoluta. A necessidade deste fundamento funda
todo o empreendimento filosófico de Fichte e Schelling ao passo que, à luz do idealismo
transcendental, buscavam um sistema da razão com base numa atividade originária. O
princípio da egoidade que Fichte estabeleceu dizia respeito à necessidade de fundação de um
princípio que não precisasse partir do conteúdo das representações às coisas mesmas. Este
princípio incluiria todos os opostos finitos nele mesmo como autoprodução de si, rumo a sua
autoconsciência. Deste modo, a Formschrift, tal como Fichte fizera em seu Sobre o conceito
da Doutrina da Ciência de 1794, entendia que, necessariamente, no ato do conhecimento, a
forma engendrava o conteúdo e, assim, o conteúdo a forma. A forma não se contrapunha ao
conteúdo, mas a demonstração de sua ligação, objetivo de toda filosofia, garantiria as
condições de unidade de todas as proposições particulares numa proposição absoluta. Esta
4
Sobre esta divisão entre o “espírito” e a “letra” Cf. (FICHTE, 1984a, pág. 6).
4

proposição era representada pela forma Eu = Eu como expressão da unidade existente entre o
conteúdo de algo posto e o modo da posição, equivalente a forma. Descartava-se então a
malfadada coisa em si com base num princípio superior, a saber, o da autoposição do Eu.
Já em 1797 no seu Idéias para uma Filosofia da Natureza, estava disposto a
considerar, enquanto atividades originárias, tanto o elemento subjetivo, quanto o objetivo. Isto
quer dizer que a filosofia da natureza de Schelling irrompe na tentativa de mostrar a própria
natureza dotada das mesmas capacidades que possui o ser humano, isto é, elementos como a
racionalidade, idealidade, etc. Entendemos que esta nova consideração significa uma
ampliação dos princípios em que o Idealismo estava assentado. Há aqui um rearranjo
completo sobre como se entende as estruturas fundamentais do mundo. Uma realidade
inconsciente emerge, na qual o mundo não pode ser entendido como conjunto da existência de
objetos. Seria desta forma o papel da filosofia buscar este princípio real que não pode ser
pensado como uma mera coisa. O princípio de Schelling não significava mais aquele onde
estavam dadas as condições do conhecimento a partir das disposições da subjetividade, mas
estaria para além da relação sujeito-objeto. Sua declarada pretensão era de posicionar-se para
além da divisão entre dogmatismo e criticismo, unificando em seu princípio absoluto a
justaposição tanto do spinozismo (necessidade), quanto do criticismo (liberdade).
Um ano antes, em suas Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e criticismo de 1796,
Schelling já havia se posicionado de forma parecida acerca do problema da correspondência
entre representações e o objeto. Afirmava que a “solução dessa questão não pode mais ser
teórica, mas se torna necessariamente prática. Pois, para poder respondê-la, (...) , tenho de
suprimir para mim os limites do mundo da experiência, tenho de deixar de ser um ser finito”
(SCHELLING, 1984, p.19). A esfera prática, quando fortalecida, seria capaz de superar a
limitação da esfera teórica e sua dualidade entre sujeito e objeto. 5 O acesso àquela identidade
primordial entre sujeito e objeto, a qual Schelling chama Absoluto, só poderia advir pela
supressão do mero ponto de vista subjetivo. Deveria ser dado por uma “experiência imediata”,
que não fosse mediada por objetos, mas produzida por uma ação livre de toda causalidade da
natureza. Em 1795 no Vom Ich als Prinzip der Philosophie oder über das Unbedingte im
menschlichen Wissen Schelling já havia reconhecido que em todo ato de pôr da consciência
finita uma oposição era pressuposta. No ato do conhecimento a consciência finita entendia a
síntese do diverso da intuição como mera representação. Mas Schelling concebe na
pressuposição desta síntese do diverso da intuição uma unidade anterior.

5
Este princípio pode ser deduzido como consequência daquilo em que Fichte já havia anteriormente
estabelecido. Cf. Fichte (1984b, p.142).
5

Este princípio reverbera de forma direta na maneira sobre como Schelling concebe o
ceticismo. Isto foi evidente quando nas Cartas imputou ao cético, “aquele que acredita em
uma ‘verdade infinita’, ou melhor, ‘verdade progressiva e construída por si mesma’”
(SCHELLING, 1984, p.17). Na concepção de Schelling, muito próxima da posição spinozana,
a negatividade do discurso do ceticismo revelaria a busca do cético por uma verdade para
além de tudo aquilo que se conhece. Isto seria a indicação da necessidade da busca para além
do saber naturalizado da razão teórica. Por isso, “a escuridão que o cético busca transmitir
sobre o conhecimento humano apenas revela a luz sem a qual nada poderia ser colocado na
sombra” (GARDNER, 2016, p.329, tradução nossa). Schelling, de modo perspicaz, percebe
que o saber de uma verdade infinita se revela nos incansáveis argumentos que o ceticismo
trouxe acerca de todo o saber de posse da filosofia, causando os mais poderosos embaraços
em sistemas pretensamente coerentes. Resumidamente, esta elevação acima da verdade do
saber teórico se insere pela percepção da ineficácia da própria razão teórica em dar conta de
lidar com as exigências do conhecimento. Esta questão não é nova na história da filosofia. Ela
tem sua raiz constitutiva perpassada por uma gama de discussões e autores a respeito do real
fundamento da realidade.
Alguns, diante dos crescentes ataques do ceticismo, preferiram adequar-se
teoricamente de acordo com aquilo que se chama sentimento imediato. 6 No contexto teórico
de Schelling encontramos uma versão deste princípio em Friederich Jacobi. É de Jacobi que
Schelling retira a ideia de uma inadequação da razão teórica em produzir conhecimento
verdadeiro. Contudo, no que diz respeito ao desdobramento da derivação deste princípio há
uma profunda diferença. O fideísmo de Jacobi obriga-o a pronunciar a incapacidade da
filosofia de revelar um fundamento seguro, permanecendo fixo à rigidez do conhecimento
enquanto derivação da Glaube. Schelling, diferentemente, parte de uma revolução interna ao
próprio desenvolvimento do método filosófico. Desta forma, a filosofia deveria, em sua raiz,
desenvolver sua forma de reflexão a partir de um tipo não-comum, e puramente inovador.
Como dissemos, o ceticismo no pensamento de Schelling pode ser entendido nesta
fase como método que exige uma elevação acima de todo o saber aferrado a razão teórica.
Interessante notar é que este valor foi tempos depois desenvolvido por Hegel em seu Sobre a
relação do ceticismo com a filosofia, de 1802. Neste artigo, que Hegel publica no novíssimo

6
Foi assim no período posterior a Reforma Protestante com a necessidade de afirmação de um critério de
verdade que os fideístas ganharam destaque. O ataque cético se volta para o problema de critério levantado pela
Reforma, indagando sobre a certidão dos argumentos de Lutero e Calvino, e pondo à tona à questão a autoridade
de poder decidir o que dizem as Escrituras. De acordo com os fideístas, a Reforma só apresentara as opiniões dos
reformadores não constituindo suas argumentações o verdadeiro caminho. Cf. Popkin (2000).
6

Jornal Crítico de Filosofia, em que o próprio Hegel dividia os encargos editoriais com
Schelling, faz-se uma exaltação do ceticismo genuíno, atribuído a Pirro, que revelava
essencialmente a posse da necessidade de uma elevação acima da verdade fornecida pela
consciência comum. O ceticismo então “pode ser considerado o primeiro degrau para a
filosofia; pois o começo da filosofia tem de ser elevação acima da verdade fornecida pela
consciência comum e o pressentimento de uma verdade superior” (HEGEL, 2000, p. 332,
tradução nossa).
No contexto do texto de Hegel, sob o pano de fundo desta adesão Schelling-Hegel
estava a aceitação por ambos de um novo princípio em filosofia. A adesão primária com
Fichte permanece a respeito das contribuições do ceticismo, mas se desfaz no gradual
desenvolvimento de Schelling. Se Fichte havia apresentado o desenvolvimento de uma
retomada da capacidade de representação dos sujeitos a partir da consciência voltada a si
mesma, com Schelling somos apresentados a uma nova consideração acerca do
impulsionamento vital desta capacidade. Este novo princípio conhecido como princípio da
identidade, de forma mais explícita apresentado por Schelling na Darstellung meines Systems
der Philosophie, de 1801, identificava uma condição de identidade absoluta entre subjetivo
(idealismo transcendental) e objetivo (filosofia da natureza) conforme o princípio A = A. É
nesta obra que Schelling faz um rearranjo interno sobre a disposição de seu sistema de
filosofia. Apresenta então sua filosofia da identidade, enquanto indiferença entre a filosofia
transcendental – da inteligência a natureza - e filosofia da natureza – da natureza a
inteligência. Especificamente, tratava-se de apresentar ambas as disciplinas a partir da
unidade primordial entre elas, advinda por meio daquilo que chamou de “intuição intelectual”.
Lembremos que anteriormente Schelling pretendia apresentar ambas as disciplinas a partir de
uma perspectiva particular a cada uma. De modo declarado, estava em jogo um retorno as
bases de um monismo de modelo spinozano onde “a razão absoluta, ou razão, tem de ser
pensada como a total indiferença do subjetivo e do objetivo” (SCHELLING, 2001a, pág.349,
tradução nossa). Para tal sistema, essa identidade, sujeito-objeto, é condição necessária de
todo conhecimento e deve ser concebida não como a autoconsciência transcendental, mas
como autoconhecimento do princípio incondicionado. Este sistema da identidade se enquadra
perfeitamente na necessidade de se buscar um princípio incondicionado para além do sistema
de funcionamento da razão teórica ao modo como Kant e Fichte haviam apresentado.
Schelling paradoxalmente buscava encontrar este princípio permanecendo ainda
dentro do domínio da própria filosofia transcendental. Grosso modo, seria como se, ao ir além
dos pontos alcançados por Kant e Fichte, Schelling não ultrapassasse esses limites em geral.
7

O que fez foi articular o pressuposto necessário de todo o conhecimento. Tem-se assim, como
princípio constitutivo, a ideia de que a correspondência entre entidades diferentes é
essencialmente impossível. O que se revela é que para haver relação possível,
necessariamente, teria que haver algum tipo de conexão enquanto identidade do subjetivo e do
objetivo. Esta novíssima forma de filosofia que Schelling apresenta no início do novo século
além de representar definitivamente a sua cisão com Fichte anuncia também o abandono de
seu interesse pelo ceticismo. Esta concepção de identidade diferenciava-se do modelo
genético que Fichte havia apresentado e também não se relacionava com o modelo
transcendental no qual uma coisa se deriva de outra. Estas formas de conhecimento tinham
como pedra de toque as contraposições reflexivas que elas pressupunham na relação sujeito e
objeto. Nas atividades do saber, o filósofo deveria capaz de ascender não à uma realidade
construída, mas sim exibir o que estava posto desde o início de sua ação, ou seja, explicitar o
que inicialmente estava apenas posto implicitamente.

3. A recepção das críticas céticas no pensamento de Schelling

Agora, as motivações que fazem Schelling minimamente se relacionar com as


discussões acerca dos problemas do método cético são derivadas do contato de Hegel com
Schelling. Se neste período há a incorporação hegeliana da necessidade, anteriormente
apontada por Schelling, de uma elevação do saber para além do conhecimento dado pela
sensibilidade, esta relação parece se inverter a partir de 1802 nos Ferneren Darstellungen aus
dem System der Philosophie. De acordo com Vieweg (2007, p.133), nesta obra, foi Schelling
que assumiu certas ideias e formulações de Hegel desenvolvidas no escrito sobre o ceticismo
de 1802.

Isso é demonstrado pela distinção entre o ceticismo “ruim” e o “verdadeiro”: o


primeiro está completamente interligado com a reflexão e, ao mesmo tempo,
significa que a filosofia atacou e destruiu a própria filosofia, o outro, o verdadeiro
ceticismo é o oposto. (...) Seu problema consiste no fato dele tirar suas armas do
entendimento, da reflexão (VIEWEG, 2007, p.133, tradução nossa).

Trata-se, portanto, de apontar os problemas de uma cognição aferrada ao saber da


sensibilidade em detrimento da verdade ulterior que da filosofia brotavam suas condições de
descoberta. Se em 1792, Schulze, no Aenesidemus, acusou toda a tentativa do idealismo
kantiano de partir das representações às coisas em si, a partir de 1801, Hegel e Schelling, o
acusaram de assegurar as representações como fonte única de toda cognição possível. O
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princípio da identidade de Schelling escaparia dos principais ataques do Aenesidemus aos


princípios do Idealismo transcendental. Schelling esclarece que o absoluto não pode estar
posto em um dos polos envolvendo o processo de conhecimento. O Aenesidemus já havia
deixado explícitos os problemas de se postular as coisas em si na ordem do objeto quando
criticou a filosofia kantiana, e também demonstrou os problemas em pôr a consciência
cognoscente como fundamento último. Schelling, desta forma, foge da necessidade de
estabelecer um sistema inerente ao sistema da representação. Como necessidade para o
salvaguardo da relação entre sujeito-objeto, ele busca, dedutivamente, um princípio
incondicionado.
No entanto, por mais que o método cético que o Aenesidemus postulou revelasse a
necessidade uma nova forma de filosofia, a proposta de seu ator não poderia ter sido mais
infeliz. Em 1801 Schulze havia publicado seu Crítica da filosofia teórica, obra destinada a
lançar juízo sobre as possibilidades de todo conhecimento, acusando todas as possibilidades
de uma meta-teoria acerca do conhecimento, ou melhor, criticava os “julgamentos peculiares
à filosofia, ou seja, aqueles que definem os fundamentos absolutos ou ao menos
suprassensíveis de algo que está presente de uma maneira condicionada de acordo com o
testemunho da consciência, ou seja, os fundamentos presentes fora da esfera da consciência”
(SCHULZE, 1801, p.585 apud HEGEL, 2000, p. 320, tradução nossa). Em detrimento do
ceticismo de Pirro, esta concepção foi duramente criticada por Hegel em seu Sobre a relação
do ceticismo com a filosofia de 1802. Para Hegel, este representava uma deterioração do
ceticismo genuíno (pirrônico), pois ao negar todos os juízos “filosóficos” apoiava-se no mais
baixo dogmatismo realista (HEGEL, 2000, p. 330). De forma geral, Schulze foi acusado pela
filosofia da identidade de Schelling e Hegel de dar ênfase a unilateralidade das fontes do
conhecimento. Questionava, assim, a polaridade do princípio schulzeano na qual assegurava
um extremo negativo, ou seja, o incondicionado inalcançável, objeto de toda filosofia teórica,
e uma dimensão extrema positiva, dada como certeza indubitável e inconteste, isto é, o
conhecimento referente a toda experiência (HEGEL, 2000, pp.319-320). Schelling, com o
princípio da identidade, acreditava estar de acordo com a necessidade apontada pelo ceticismo
antigo e para além de Schulze quando negara toda cognição advinda da sensibilidade. A
verdade desta relação como pura identidade possibilitou a Schelling uma condição na qual o
ceticismo tivera que novamente rearranjar seus princípios para então poder levantar as
principais objeções ao sistema da identidade.
Em 1803 e 1805, uma nova insurgência do ceticismo de Schulze ao sistema da
identidade desenvolvido foi trazido à luz. Schulze, motivado pela concepção negativa que o
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seu ceticismo foi concebido no texto escrito de Hegel de 1802, desenvolve dois textos. Nestes
textos, advindos como respostas à filosofia da identidade, Schulze critica a noção de razão da
filosofia da identidade com base na ideia de que o absoluto que Schelling concebia nada mais
era que o fruto de uma meta-teoria da estrutura do conhecimento em geral, não fazendo jus à
realidade da experiência. Sua abordagem se enquadrava da seguinte forma: “A intenção do
autor é demonstrar, (...) como que os postulados metodológicos, ou metatéoricos, do conceito
de Absoluto propagado por Schelling (e Hegel), como base de um sistema "absoluto" das
ciências, já havia falhado em sua abordagem” (MEIST, 2013, p.194, tradução nossa). Schulze,
tanto nos Aphorismen über das Absolute, de 1803, quanto no Die Hauptmomente der
Skeptischen, de 1805, pôs em perspectiva o pouco apelo do sistema da identidade à
consciência comum em sua relação cognoscitiva produzida diante dos objetos da experiência.
A noção de intuição intelectual, compreendida por Schelling como desdobramento
prático e teórico da identidade entre sujeito e objeto, segundo Schulze, seria mal
fundamentada, e sua pedra de toque se apresentava no interior dos conceitos que ela mesma
pressupunha. Para Schulze “só se precisa considerar que os conceitos de pensamento
subjetivo e ser objetivo se contradizem mutuamente segundo seu conteúdo para logo
compreender que a consciência de uma unidade dos mesmos é impossível” (SCHULZE,
2013, p.374, tradução nossa). O que estava em jogo por parte de Schulze, é o fato de que os
conceitos que o idealista pressupõe uma união imediata e reciproca, isto é, matéria e forma,
do ponto de vista da consciência comum, estão profundamente separados. Assim, “as raízes e
os elementos deste absoluto são, portanto, dois conceitos [sujeito e objeto], cujo conteúdo
constitui-se de conteúdos de nossa consciência, e que expressam meras relatividades”
(SCHULZE, 2013, p.375, tradução nossa).7 Desta forma, nenhum objeto, enquanto
independente do sujeito, seria passível de ser conhecido. Para Schulze todo o conhecimento
parte de uma característica primordial: antes de tudo é conhecimento de um sujeito, não
cabendo discurso possível sobre as coisas em si mesmas. De toda forma, dentro do
enquadramento realizado por Schelling, a posição de Schulze poderia ser tomada como um
modelo típico das filosofias do entendimento.
Sem embargo, o sistema da identidade identificava que a relação entre objetos e o
conhecimento advindo do entendimento revela em seu interior uma configuração necessária
derivada dos conceitos de relação e condição. Estes por serem pressupostos de toda cognição
do entendimento representariam a existência da identidade essencial entre sujeito e objeto.
Isto significaria de fato uma forma de se pôr para além dos simples conhecimentos de objetos
7
Cf. Meist (2013, p.214).
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que o entendimento disponibilizava. Para Schelling, na Darstellung, a genuína tarefa da


filosofia seria revelar, ou demonstrar, como as oposições que se apresentam como
característica real da experiência humana, se revelam quando expostas a partir do ponto de
vista da identidade, ou melhor, do ponto de vista do absoluto.

O que o filósofo deve fazer uma vez que ele se situou no ponto de vista "absoluto"
da indiferença, onde ele se encontra não apenas imediatamente consciente, mas
mesmo em um com o absoluto? A resposta de Schelling é que a nova tarefa da
filosofia agora é mostrar ou demonstrar exatamente como as oposições e
multiplicidades que são e permanecem como uma característica fundamental da
experiência humana real, tanto sensível quanto intelectual, aparecem quando vistas
de sua nova e absoluta perspectiva absoluta, agarrando assim e exibindo-os não
como eles aparecem, mas como eles realmente são (BREAZEALE, 2014, p.94,
tradução nossa).

Este ponto de vista seria, em si mesmo, o órgão do qual a filosofia deve partir, uma
vez que ela, em sua essência, se preocupa apenas com as coisas como são em si, e não como
elas se dispõem dentro da experiência empírica proporcionada pelo entendimento. Assim, a
abolição da oposição entre pensamento e ser, que para Schelling sempre foi o objetivo da
cognição teórica e da vida prática, não é encarada como a conclusão, mas sim como o início
da filosofia em si mesma, ou seja, da filosofia da identidade.

“Nem ‘objetivo’ nem ‘subjetivo’, o ponto de vista da filosofia é o ponto de vista


mais alto e mais universal possível. A filosofia perseguida desse ponto de vista
absoluto rejeita os pontos de vista exclusivos tanto do ‘realismo’ quanto do
‘idealismo’, cada um dos quais, segundo ele, se define principalmente por sua
oposição ao outro. Em contrapartida, a filosofia genuína, como a própria razão
absoluta, rejeita o tipo de pensamento que postula uma oposição fundamental entre
sujeito e objeto, ideal e real, mente e natureza, ou conhecimento e ser. O tipo de
pensamento que postula tais oposições produz uma filosofia de mero ‘entendimento’
ao invés de uma ‘razão’ e ocupa o ponto de vista, não de ‘especulação’, mas de
‘reflexão’” (BREAZEALE, 2014, p.93, tradução nossa).

Schelling, dando um passo atrás na investigação acerca das condições de possibilidade


de todo conhecimento, deu um passo para além daquele no qual o ceticismo de Schulze se
afirmava. Se o cético acusou a filosofia de Schelling de não reconhecer o saber das
representações como único conhecimento possível ao se apoiar em conceitos como o de
intuição intelectual, Schelling nada mais poderia fazer do que concordar categoricamente com
Schulze. Seus pontos de partida eram completamente distintos e a recente posição schulzeana
é a que Schelling, especificamente, pretendeu, conforme vimos aqui, desde seus escritos
juvenis, se distanciar.
A resposta direta de Schelling às últimas acusações viriam mais tarde na publicação
dos Aforismos para Introdução à filosofia da natureza, de 1806. Schelling, ao contrário do
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que muitos esperavam, não deu especial atenção às críticas do ceticismo, mas pode-se dizer
que apenas reafirmou boa parte de seu pensamento – aqueles mesmos que Schulze tempos
atrás havia criticado. Parece-nos que a indicação da referência à Schulze naquela obra serviu
apenas para demarcar o conhecimento do próprio Schelling das críticas que ele sofrera. Ele
entende que as críticas ao cético moderno no artigo de Hegel de 1802 foi o principal motivo
dos Aphorismen e do Die Hauptmomente terem ganhado caracterização. Seguindo o ponto de
desenvolvimento do pensamento schellinguiano, podemos apontar como causa possível desse
tratamento de Schelling para com o ceticismo de Schulze, a distância primordial que o autor
acreditava ter aprofundado entre o seu sistema da identidade e o resto da produção filosófica
daquele momento. Observando com atenção veremos que assegurar esta distância foi o grande
ideal de seu sistema desde as obras juvenis.
Ao postular uma identidade fundamental entre sujeito e objeto, acreditou se distanciar,
estando para além, da fonte de cognição advinda da representação da qual o ceticismo
schulzeano se apoiava. Uma crítica cética ao modo como foi construída no Aenesidemus ao
princípio da consciência de Reinhold não caberia no sistema schellinguiano, “pois o princípio
da identidade racional não serve para ele como uma lei do pensamento, (...) não é, portanto,
um meio discursivo de derivar uma coisa de outra” (BREAZEALE, 2014, p.96, tradução
nossa). Schelling em 1806, então, deixou a indicação disto ao transparecer uma possível
indolência para com o crítico cético. Acreditava assim que seus pontos de partida eram
completamente opostos.

4. Conclusão

Apesar do multifacetado desenvolvimento do pensamento schellinguiano no período


em que aqui foi analisado, crer-se ter demonstrado suficientemente que o modo como o
Schelling lidou com o ceticismo partiu de um total e completo distanciamento no que diz
respeito aos seus pontos de partida e, assim, no que se refere à visão do que a filosofia deve
ser. Schelling, gradativamente, ao modo que desenvolve seu sistema, crer se posicionar cada
vez mais para além das possibilidades do discurso cético. Seu princípio absoluto, tomado
como o mais alto princípio no qual perpassa as esferas da subjetividade e da objetividade, não
sendo deduzido por relações de pensamento, mas como pressuposto necessário de toda
cognição possível, não se mostrava submetido possivelmente aos ataques do ceticismo. Esta
inclinação a um absoluto anterior as relações de pensamento, surge primeiramente com Fichte
influenciado pelas necessidades que o próprio ceticismo imputara à filosofia.
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A partir do momento que a filosofia fichteana conseguiu resolver os problemas


derivados da crítica cética ao modelo de filosofia que Reinhold havia apresentado, Schelling
se voltou a resolver unicamente os problemas que a própria filosofia de Fichte havia incitado.
A descoberta de um princípio absoluto por Fichte trouxe à tona no pensamento de Schelling a
possibilidade da eliminação da dualidade entre sujeito e objeto em nome de um princípio
absoluto incondicionado. A resposta que Fichte deu como consequência do embate entre o
ceticismo e a Elementarphilosophie de Reinhold ainda era presa ao modo representativo de
conhecimento. Cabia ao idealismo consequente dar um passo atrás, revelando o que se
mostrava como condição de todo princípio relacional, isto é, a identidade absoluta entre ser e
pensar.
A partir daquilo que aqui já apontamos sobre a postura schellinguiana, e observando o
famoso desdobramento desta posição de Schelling no pensamento de Hegel na
Fenomenologia do Espírito de 1807, podemos concluir que para a visão schellinguiana, Hegel
ao pensar a estrutura absoluta como resultado do desenvolvimento do saber da consciência
comum em sua historicidade, voltava àquela estrutura que pressupõe a necessidade do saber
representativo. Contrariamente ao empreendimento schellinguiano, a Fenomenologia buscou
tornar claro a recusa de Hegel não apenas da intuição intelectual, mas de toda forma de acesso
imediato ao princípio absoluto. De fato, o tratamento dos dois autores a partir desta fase de
produção filosófica toma características consideravelmente opostas. Podemos afirmar que nas
críticas de Schulze ao sistema da identidade “um passo essencial foi estabelecido, que Hegel
deveria então fazer para sua separação da abordagem de Schelling e, portanto, uma renúncia
da posição defendida no Jornal Crítico” (MEIST, 2013, p.200, tradução nossa). Acreditamos,
desta maneira, que Hegel pensou que a refutação do ceticismo se dava incorporando a própria
necessidade cética ao seu sistema. Schelling, ao contrário, desde o início se distanciou das
críticas céticas divergindo a respeito do ponto de partida que a filosofia deveria se ocupar.

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