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Elementos para uma Epistemologia do Romance

Wilton Barroso

1. Introdução
Seria difícil concebermos a disciplina filosófica, a estética, se não houvesse a matéria
prima, a atividade artística. Por conseguinte, não haveria epistemologia se não existisse uma atividade
científica. De fato essa moderna disciplina filosófica emerge e desenvolve-se através de uma interação
muito forte com as temáticas das ciências; ou seja, tanto do ponto de vista de suas práticas, quanto dos
seus discursos e problemas.
Provavelmente, por ser jovem a disciplina, o termo que a define, epistemologia, é ainda
envolto em certa nebulosidade conceitual. A formulação moderna do conceito foi originalmente
proposta por B. Russell, em 1894, em um ensaio sobre os Fundamentos da Geometria. O conceito
epistemology está ligado a problemas referentes à Teoria do Conhecimento. O conceito é expresso
pela primeira vez em francês em 1901, epistemologie, decorrente da tradução do ensaio de Russell.
Todavia, pela prática ou uso do termo nesta língua, epistemologie representa as temáticas referentes à
Filosofia e à História das Ciências. Desta maneira, não poderíamos relacionar espistemology com
epistemologie, e sim, epistemology com théorie de la connaissance e epistemologie com philosophy
and history of science. O sentido se estabiliza no francês a partir dos anos 50 e transborda nestes
termos para o alemão e o italiano. Portanto poderíamos falar em dois usos para um mesmo termo; um
anglo-saxônico e outro continental. Não cabe desenvolver a questão aqui, mas essa nebulosidade
representa muito mais do que uma simples questão de uso ou tradução, ela é decorrente da percepção
distinta da história da Filosofia dos séculos XVII e XVIII. Deixo aqui o registro porque essa nuança é
seguidamente negligenciada em nossa língua.
A pesquisa epistemológica contemporânea contempla problemáticas bastante diversas;
assim a configuração teórica varia segundo a valorização que se dê a uma ou outra problemática. Do
gesto de caracterização decorrem dificuldades, nem tanto pela variedade de sentidos que a noção
comporta, mas, sobretudo, pela diversidade e complexidade das problemáticas tratadas. No âmbito das
problemáticas fundamentais da disciplina figuram questões como a reformulação e a renovação da
Filosofia das Ciências provocadas pela crise de fundamentos ocorrida na Matemática e na Física; a
necessidade elucidativa das proposições científicas suscitadas pela nova atenção à linguagem e à
matematização da Lógica; e a diversificação de epistemologias ligadas particularmente à uma ciência e
refratárias à conceituação geral. Claro que não figura a problemática ligada ao romance.
No contexto refratário emergem várias aplicações da epistemologia a diferentes
ciências, isto implica no surgimento de epistemologias de sensibilidade histórica. Estas têm como
objetivo declarado e comum esclarecer o processo interno de elaboração das teorias científicas;
progressiva intervenção das ciências humanas no auxílio ao esclarecimento e à compreensão dos
saberes, tanto do ponto de vista das condições psicogenéticas da sua aquisição, quanto do ponto de
vista das condições históricas da sua constituição.
No contexto presente, já que aceitei, tenho que configurar uma epistemologia que
valorize a multiplicidade temática e que priorize o seu objeto e a sua história. Só depois de caracterizar
as vertentes histórico-filosóficas da epistemologia é que se abrem as condições para pensarmos uma
epistemologia do romance.

2. A constituição de uma epistemologia de sensibilidade histórica

A Epistemologia, entendida como Filosofia e História da Ciência, começou a se tornar clara,


como programa de pesquisa, durante o século XIX. Por um certo lapso de tempo parecia não ser
controversa, gerando, portanto, uma conceituação geral globalizante. A procura deste programa era
basicamente explicitar os segredos do progresso científico e em seguida legislar sobre o valor e o
objetivo dos progressos obtidos pela Ciência. Grosso modo, foi isso que fez o positivismo comteano e
que, em grande medida, inspirou as reformulações feitas pelo empirismo lógico no século XX. Esse
programa procura esclarecer as etapas da marcha progressiva do espírito humano, o que transforma a
Filosofia Positiva de Comte numa espécie de lei fundamental de um percurso necessariamente descrito
em três fases : teológica, metafísica e científica. Isso corresponde a três métodos e, por conseguinte, a
três filosofias distintas, mas linearmente articuladas. O ponto de partida, o ponto definitivo ou de
chegada, e um intermediário, que serve apenas como meio de transição. O que aponta para a pretensão
declarada do positivismo em criar um conceito universal fundamentado em leis que por definição
seriam naturais e imutáveis, excluindo-se toda e qualquer possibilidade de recurso ao sentido que
constituiria uma regressão epistemológica. Contudo, a extrema rigidez do método do modelo
enciclopédico positivista e, sobretudo, a crise nos fundamentos de disciplinas como a Matemática e a
Física, que eram pilares do modelo positivista, fizeram que o positivismo perdesse a sua força. Mas
me parece, ainda, justo e correto dizer que elementos estratégicos do programa positivista, como as
pretensões em estabelecer os critérios de cientificidade, identifiquem-se tanto quanto possível aos
próprios critérios de racionalidade.
Ainda no século XIX, P. Duhem procura elucidar as características fundamentais da teoria
física de modo a evitar qualquer contaminação de natureza metafísica. Ele mostra que a teoria física
não é uma explicação, mas um conjunto ou sistema de proposições matemáticas, deduzidas de um
número mínimo de princípios fundamentais, os quais por sua vez têm como função representar as leis
experimentais. Basicamente Duhem quer criticar duas vertentes. A primeira, positivista, que quer
enxergar nas teorias físicas o objeto ou elemento último da realidade material. A segunda, que impõe a
teoria à construção de sistemas mecânicos. Ou seja, a física não pode desembocar na metafísica, nem
nos conflitos que lhe são característicos. Tal gesto pretende defender as teorias físicas dos riscos
metafísicos, conservando-lhe duas características essenciais: a economia intelectual e sua elegância
estética oriunda de aspectos formais e racionais. Diz o autor francês do final do século XIX que :
"laços ideais estabelecidos pela sua razão entre concepções abstratas correspondem a ligações
reais entre os seres concretos, em que estas abstrações têm lugar".(p. 57)

A teoria por si só não garante nenhuma correspondência com o real, a teoria é importante não
por isso, mas basicamente porque ela é capaz de fazer previsões. Continuo citando Duhem :
"a teoria física nunca nos dá a explicação das leis fundamentais, nunca nos revela as realidades
que se ocultam atrás das aparências sensíveis ; mas quanto maior é o seu aperfeiçoamento, maior é o
nosso pressentimento de que uma ordem lógica, na qual ela ordena as leis experimentais, é o reflexo
de uma ordem ontológica ; maior a nossa suspeita de que as relações que estabelece entre os dados de
observação correspondem a relações entre as coisas ; maior a nossa convicção de que tende a ser uma
classificação natural".(p.60)

Duhem concebe a teoria física através de quatro fases: definição e medida das grandezas
físicas; escolha das hipóteses; desenvolvimento matemático da teoria; e comparação da teoria com a
experiência. Essas quatros fases se articulam formando totalidades ou organismos que inviabilizam a
realização de experiências cruciais definindo-se assim a teoria descrita de modo holista, esse aspecto
seria retomado no século XX, por Quine, que estendeu o holismo epistemológico de Duhem a um
holismo semântico; mas isso é só um comentário, já que nos afastaríamos do nosso objetivo, o
romance.
Ao século XX coube prestar esclarecimentos sobre a natureza ou a função das teorias. Esta
atividade de pesquisa foi extremamente fecunda, suscitou sérias e severas críticas à concepção
positivista de história da ciência, procedendo a um questionamento profundo do ideal de progresso,
repensando o posicionamento externo a esse ideal, no interior da cultura.
Gaston Bachelard destacou a íntima relação entre a consciência da modernidade e a
consciência de historicidade, ponto igualmente relevante para Alexandre Koyré. A sua obra foi
construída segundo a convicção de que a partir de uma perspectiva unitária do pensamento se
articulam de modo muito profundo e constante o científico e o filosófico. A relevância desta
articulação é que ela permite que se insista na dimensão teórica da ciência e da cultura.
"é essencialmente teoria, procura da verdade, por isso ela tem, e sempre teve, uma vida própria,
uma história imanente, e é apenas em função de seus próprios problemas, sua própria história, que ela
pode ser compreendida pelos seus historiadores".
A questão decisiva, saber se a história da ciência é ou não história, foi colocada por G.
Canguilhem. Para ele é distinto o objeto da ciência do objeto da história da ciência, uma vez que:
"é a história de um objeto que é uma história, que tem uma história, ao passo que a ciência é
ciência de um objeto que não é história, que não tem história".

Acabamos de notar o óbvio, ou seja, do ponto de vista da configuração que resolvemos adotar
fica bastante clara a íntima e complexa relação da pesquisa epistemológica com o parâmetro histórico.
A relevância desta relação fará com que um filósofo do século XX, Hanson, sustente a tese segundo a
qual a história da ciência sem a filosofia da ciência é cega; e que a filosofia da ciência sem história da
ciência é vazia. Desta inseparabilidade fundamental a epistemologia obtém a extrema centralidade nas
suas diligências argumentativas.

3. A relação arte e ciência: uma questão histórico-filosófica

A chamada modernidade, em Filosofia, começou a se delinear no século XVI, mas toma


contornos mais nítidos nos trabalhos de R.Descartes, Leibniz e Espinosa. Neles está contida uma certa
noção de totalidade que nos acostumamos a chamar filosofia. Dentro desta rúbrica estão praticamente
todos os saberes nobres, basicamente a filosofia, a ciência e a arte. Foi a vocação esquerdista avant
l'heure de Dennis Diderot que fez com que no século XVIII os ofícios fossem incluídos na rúbrica
filosofia.
Tomemos o exemplo de Leibniz. Há anos muitos pesquisadores tentam em vão uma unificação
sistemática de sua obra, que por ser muito ampla, vasta e variada, impõe ao comentador uma formação
impossível de ser obtida em nossos dias. Qualquer um dos três grandes filósofos do século XVII laçam
desafios mais ou menos análogos a seus comentadores contemporâneos. Todavia, tais desafios contêm
um fundamento geral de toda a cultura moderna e ao mesmo tempo apontam o caminho da
especialização, que serve de meio entre eles, lá no passado, e nós, aqui e agora. Em suma, a ultra-
especialização contemporânea é fruto da decomposição genética, no sentido que lhe atribuía Espinoza,
do pensamento moderno sacralizado no século XVII por Descartes, Leibniz e Espinoza.
Arte e Ciência buscam uma unidade no bojo do projeto Encyclopédie levado a cabo por
Diderot e d'Alembert, no correr do século XVIII. Um projeto de tamanha amplidão não poderia de
modo algum ser levado a quatro mãos, essa foi uma empreitada coletiva de muitas e muitas mãos,
talvez essa seja uma das justificativas para que a Encyclopédie represente a Obra do século da Luzes,
primeiro contributo moderno ao ideal da liberdade e da democracia. A construção da Encyclopédie
põe um problema epistemológico curioso, o chamado problema da definição; a solução dada a ele
marca de modo claro e constante a gênese e a constituição da obra. Por conseguinte, há implicações
importantes tanto para a ciência, quanto para a arte, bem como para as suas relações. Para d'Alembert
a relação arte e ciência deveria ser regulamentada a partir da primazia dos critérios ditos científicos, ou
seja, a constituição da memória como uma espécie de arquivamento ou abstração das experiências
sensíveis. Sucedendo-se uma linearidade de argumentação, que exclui a nuança ou a retórica, e se
fundamenta numa dinâmica da relação causa e efeito. Diderot se opôs, por vezes com bastante
virulência, às pretensões de d'Alembert. O ponto de convergência, sem o qual a obra simplesmente não
teria existido, foi a caracterização de ambas como atividades racionais, entendidas de um modo muito
próximo àquelas prescritas no método geométrico de Espinosa. Ou seja, o raio, que na construção do
círculo é um invariante, é quem define a totalidade expressa através do círculo. Assim sendo, o critério
de racionalidade acordado entre os editores da Encyclopédie é o de que cada totalidade, leia-se, cada
verbete, possui uma invariança fundamental. Dentro deste critério Diderot definirá Poesia e Literatura
como atividades artísticas racionais.
Esclarecendo melhor, se a literatura é uma atividade racional descrita através de um critério
apoiado em noções tais como formas perfeitas, formas geométricas aqui entendidas como perfeições
da Filosofia, há, portanto, no contexto da Encyclopédie as condições de equivalência entre ciência e
literatura. Se a equivalência existe, estou agora autorizado a aproximar a epistemologia da literatura.
De maneira que, onde tínhamos epistemologia, entendida como Filosofia e História da Ciência,
passaremos a ter epistemologia entendida também como Filosofia e História da Literatura.
Tradicionalmente a relação Filosofia e Literatura se dá através da Hermenêutica, que produz há
muito tempo resultados interessantes a propósito da interpretação do texto literário. Isso é algo muito
bem estabelecido e na minha formulação não está contida nenhuma contestação a essa fértil e saudável
relação. Meu problema é outro, não estou interessado em provocar mais uma cretina contenda entre
diferentes linhas filosóficas. Quero mostrar a eficácia das colocações epistemológicas para a teoria do
romance; falo da genética do texto literário. Proponho uma epistemologia com sensibilidade histórica,
tendo como objetivo declarado, comum à dimensão filosófica e histórica, esclarecer o processo interno
de elaboração da teoria que prescreve a existência de um romance ou de uma obra literária. Fazendo
com que progressivamente, com o auxílio de aspectos sociológicos, antropológicos e culturais, fiquem
esclarecidos e entendidos os procedimentos formais contidos na gênese da criação literária, seja do
ponto de vista das condições genéticas, seja do ponto de vista da história da sua constituição.

4. Esboço de uma epistemologia do romance

O objeto do romance é distinto do objeto da epistemologia do romance; o primeiro contribui


com a criação, execução e divulgação do romance, com a coisificação do romance; enquanto o
segundo só pode dar a sua contribuição após a efetivação do primeiro, já que o objetivo declarado, a
vocação da epistemologia, Filosofia e História, do romance é a de esclarecer as etapas da genética
literária do texto. O gesto epistemológico, ou sujeito investigativo, procura de forma abstrata passar
para além do texto, perguntando-se o que lhe é possível saber do objeto/texto/conjunto de textos/obras.
Este gesto epistemológico voltado ao texto literário faz com que se entre na estrutura íntima do
romance, decompondo-o, procurando regularidades, procedimentos formais, em suma, um fundamento
ou princípio geral. Acostumei-me a chamar essa atividade de serio ludere.
O serio ludere busca inicialmente uma decomposição da obra. Qual elemento literário faz com
que o romance comece e termine? Esse elemento pode ser um contexto/problema, uma personagem,
uma situação histórica, etc… representando, portanto, o fundamento primeiro. Caracterizando-se
assim a definição do objeto epistemológico do romance, distinto, portanto, do objeto do romance.
Ainda é necessário analisar os aspectos que caracterizam esse fundamento, descobrindo a sua
configuração, fazendo-o dialogar com a história da literatura dentro da qual o objeto/texto literário está
inserido. Caracteriza-se, agora, que o objeto da história do romance é distinto do objeto do romance. O
terceiro elemento é o estilo, melhor dizendo, a Filosofia do Estilo. Fundamentalmente o papel
exercido pelo narrador do texto literário, o objeto filosófico do narrador, é por conseguinte distinto do
objeto do autor. Logo o serio ludere me permite sintetizar três aspectos distintos, o epistemológico que
deve ser entendido como articulado com os seus componentes histórico e filosófico. Outra propriedade
do serio ludere é criar uma demarcação entre a epistemologia, que visa o internalismo do cânone, e a
Teoria Literária.
Para Kant a busca ao internalismo das proposições leva ao entendimento:

"Não existe nada além do conceito fundamental primeiro de todos os caracteres necessários de
uma coisa (esse conceptus)".

A questão que se coloca do ponto de vista da epistemologia do romance é a identificação do


conceito fundamental do objeto/romance. O texto literário tem que ser decomposto, despido até chegar
no seu aspecto mais primário, esse é o conceito ou problema que o autor do texto quis tratar. Nele
devem estar contidos aspectos fundamentais:

"a essência lógica do conceito é o conceito fundamental subjetivo, mas a sua validade não se
aplica a tudo, ela é igualmente variável; a essência real é objetiva".

O conceito fundamental ou problema literário é oriundo de critérios subjetivos, sua validade


depende somente das condições em que foi subjetivamente pensada. A essência real é a teoria interna
que sustenta uma objetividade.

"O conhecimento da essência lógica se obtém de maneira puramente analítica, particular,


restrita e interna, aquela da essência real de maneira sintética".

Então esse fundamento, problema literário, tem uma origem subjetiva, mas é de algum modo
uma síntese representativa de algum análogo do real.
A Estética para Kant pode ser substantivo ou adjetivo, há ainda os conceitos de Estética
Transcendental e Estética Transcendental da Razão Prática Pura. Interessa-me presentemente a
Estética enquanto adjetivo. Encontramos aí duas definições muito interessantes e que se articulam e
completam; estão na Crítica à Faculdade de Julgar
Def. 1 - Estética é aquilo que revela a sensibilidade;
Def. 2 - Estética é aquilo que se relaciona com o que é puramente subjetivo na representação
ou intuição de um objeto, é relativo e particular do sentimento que acompanha a intuição, pode
transformar-se em elemento de conhecimento do objeto.

O meu interesse pela adjetivação judicativa kantiana está ligado às correlações existentes entre
estas e o problema literário da narrativa. Um parâmetro essencial da construção do romance é como o
autor vai escolher narrá-lo. Essa escolha subjetiva é uma questão explosiva na História da Literatura,
basta evocar, por exemplo, o narrador ausente de Gustave Flaubert ou o narrador autoral-temporal de
Hermann Broch. A leitura de Kant me confirma que a qualificação estética fundamental no romance
está indissociável do problema do critério, ou ainda da ausência deste, de escolha. Essa liberdade de
escolha, que, por ser subjetiva, não pode ser universalisada como elemento de conhecimento da
estrutura de qualquer romance, pode muito bem ser utilizada como elemento de conhecimento
particular, no caso, o romance que exprime a escolha subjetiva do narrador, que fica assim validado. O
narrador literário é estético. Desta proposição fundamental obtém-se a essência lógica do objeto
literário, já que toda atribuição reflexiva do narrador será articulada com a escolha estética que a
antecedeu. Num certo sentido, antes de ser filosófico, o narrador é estético. A escolha fundamental é
subjetiva e a validade do conhecimento também. Confuso? Nem tanto, porque o narrador, uma vez
feita a escolha, torna-se objetivo, na medida em que está obrigado a ser coerente com a escolha que é
feita uma única vez, variá-la transformaria o texto em algo incompreensível, posto que irracional. O
fundamento tem que ser invariante, lembrem de Espinoza e seu método geométrico. O narrador tem
que ser constante para contribuir para a credibilidade do texto literário.
Por fim falemos da terceira propriedade do serio ludere, a História da Literatura. O texto
literário, para gerar um entendimento ampliado como o que aspira o serio ludere, está sempre de modo
direto ou indireto articulado com algum outro texto antepassado ou contemporâneo. Essa propriedade
do serio ludere serve para criar as condições para o entendimento do contexto do romance, seja do
ponto de vista da tradição, seja do ponto de vista da problemática. A percepção sociológica do tempo
literário e a sua conseqüente ou não transformação antropológica.
Antes que me critiquem, acuso eu mesmo o meu trabalho de incompletude. Por isso dei-lhe
como título o prudente elementos para… Há ainda dificuldade de fundamentação e sobretudo de
generalização. Por isso nos últimos anos tenho procedido a estudos de caso como recurso de busca na
solução das tais incompletudes. Nelas, creio eu, meus propósitos ficam mais claros.

5. Três aplicações : Flaubert, Broch e Kundera


É impossível pretendermos que uma teoria em curso de elaboração, como a minha
epistemologia do romance, dê conta de toda a literatura universal. Esta impossibilidade ainda persiste
se abaixarmos nossas ambições para o âmbito da literatura nacional. O estágio atual das minhas
pesquisas apontam, ainda, para resultados relativamente modestos, poderíamos chamá-los de estudos
de caso : i. um romance que é Mme Bovary, de Gustave Flaubert (1821-1880); ii. uma trilogia de
romances, Os Sonâmbulos, de Hermann Broch (1888-1954); e iii. uma obra romanesca, a de Milan
Kundera. Todas as três abordagens procuram satisfazer ao critério determinado pelo serio ludere.

i. Mme Bovary: Flaubert: narrador ausente, Emma um conceito

Este livro foi escrito entre 1852 e 1854. Foi publicado pela primeira vez, com cortes, pela
Revista de Paris, entre dezembro de 1856 e fevereiro de 1857. Causou a prisão do seu autor e a revista
foi retirada de circulação. Flaubert foi processado por calúnia e difamação da honradez da mulher
francesa, e também por incitação à prevaricação e à esbórnia. Vocês já ouviram falar deste grande
escândalo. Flaubert foi absolvido em abril de 1857 e o livro virou o maior best-seller do século
passado, teve três tiragens sucessivas de 15 mil exemplares e atingiu a fantástica marca de 45 mil
livros vendidos, o que, convenhamos, se é muito para um livro publicado nos dias de hoje, imagina há
cento e poucos anos atrás.
O romance fala de Emma, uma mulher normanda, região oeste da França, desnudando
sem nenhum juízo de valor toda a intimidade dela. Portanto o autor não adjetiva a estória, apenas a
narra.
Esse tipo de narrativa faz com que o autor desapareça atrás do texto, deixando, por
assim dizer, inteiramente a sós a estória e o leitor. Não há intermediação entre a estória narrada e o
leitor. Isso é importantíssimo para a história do romance.
Essa concepção liberta o autor. Antes ele era obrigado a assumir posições. Vide as
implicações do peido de Bogagem (Manoel Barbosa du Bocage), um grande mestre da poesia
portuguesa pré-romântica, que esteve no Brasil em 1790 e morreu regenerado pelo Santo Ofício por
um último poema onde pede que rasguem os seus poemas Pornográficos.
Flaubert criou um estilo de fazer romance que pode ser classificado como
resolutamente moderno, e isso por bem mais de uma razão. A primeira delas foi a invenção do texto
sem autor. O autor, livre do peso da responsabilidade da emissão até então inevitável do juízo moral,
passa a poder descrever pecados sem ser envolvido pelo contexto do pecado. E isso é, em 1854,
absolutamente novo e a libertação que provoca é fascinante; análoga ao “Pai afasta de mim esse
cálice”, do Chico, ao final dos anos de ditatura.
O trabalho, e não mais a inspiração, é mecanismo de criação artística, a sua maneira. O
trabalho de criação impõe um certo rigor teórico. Pensar, antes de começar, que tipo de romance o
autor deseja. Impõe, ainda, um trabalho coerente de pesquisa para a construção do personagem. Outro
aspecto inovador de Flaubert : ele buscava impressionar o leitor pelo realismo. Logo, ele estava
atrelado a isso: teorizar antes de começar.
Quando se visita os arquivos Flaubert na biblioteca municipal de Rouen, bela cidade da
Normandia, exatamente nos arquivos encontramo-nos com a obra em etapas. Trago aqui algumas das
minhas notas, que têm interesse com o que falamos aqui.
O personagem central de Mme. Bovary de Gustave Flaubert é Emma, Emma Bovary.
Quem é Emma ?
Oprimida - vítima - bela
História Oficial: perdedor e ganhador.
A correspondência com Loise Colet nos informa sobre o que pensa Flaubert enquanto escreve.
Sabemos os seus anseios sobre o texto. Trancado na Normandia. Frustrado ao final, um livro que tinha
dado trabalho. As pesquisas de Flaubert deixaram marcas claras do percurço rumo ao real. Vejamos os
casos que ajudaram na construção de Emma.
a) Delphine Couturier - Delamare, que casou-se com um certo Dr. Eugene Delamare, ex-
aluno do Dr. Flaubert. Ele casou-se em segundas núpicias com Delphine. Ela o era infiel e teve uma
morte misteriosa aos 27 anos, o marido faleceu meses depois deixando uma filha orfã.
b) Mme. Schelsinger (Mme. Arnoud) e Loise Colet. Ambas com nomes fictícios são
personagens importantes de um outro romance de Flaubert, que só foi publicado após a sua morte:
Educação sentimental.
c) Mme Lafarge - Memórias Românticas. Ela envenenou o marido que a mantinha sob
cativeiro.
d) Mme Ludovica - Descoberta em 1947, em Rouen. Trata-se de um manuscrito escrito
pela doméstica de Mme. Louise Pradrier, jovem esposa de um escultor conhecido. Levou o marido ao
endividamento e depois separaram-se; ela continuou como antes. A vida como ela é. Só que escrita em
1854.
Vem à tona no romance o velho problema da traição feminina. Não mais como crítica
ao comportamento imoral da mulher/personagem. Esse tipo de situação já havia sido bastante
explorado pelo chamado Teatro de Boulevard. Lá buscava-se o riso, o riso provocado por um Buffon
(palhaço). Este era invariavelmente o marido/personagem que era traído. Tratavam-se de enredos
tendo basicamente 3 personagens : o marido, a mulher e o amante; onde a mulher e o amante acabam
por, de alguma forma, segredar-se a platéia. Ou seja, aquela velha situação, todo mundo sabe..., o
traído é sempre o último a saber...
Flaubert não estava nenhum pouco interessado no riso, situava-se sempre com clareza
do lado do serio ludere. Ele queria resgatar a alma de Emma, entender de uma vez por todas como era
que este tipo de coisa ou situação se repetia sem pausa no mundo real.
O marido :
Charles Bovary, médico e corno.
Os Amantes :
a) Leon : É o primeiro em ordem de aparição, some depois volta no final.
b) Rodolphe : É o segundo a chegar, mas o primeiro a conseguir...
c) Os personagens complementares : Homais e o Abade Bournisien.
A novidade da construção conceitual de Emma, pedaço por pedaço, levou a literatura ao
REALISMO. Ao invés de tocar o leitor pela emoção ou estimulá-lo ao devaneio, o estilo inaugurado
por Flaubert pretende tocar o leitor pela razão ou estimulá-lo ao conhecimento teórico real, sem as
complicações de quem teve que viver para saber.
Isso não é exatamente uma questão com solução simples, do tipo escolho uma e mando
a outra para o espaço. Haverá leitores para ambas as situações. Essa dicotomia é inovadora em 1854.
Ela não veio para resolver, veio para ampliar a escolha de estilo ou possibilidade, uma novidade que
ao que parece não existia antes de Flaubert publicar Mme. Bovary.
O texto, como o autor o concebe, não é um panfleto do tipo que incita a mulher a imitar
Emma. Apenas a despe na intimidade do texto com o leitor.
Memória é um agregado racional de sensações e experiências cruciais. O recém sabido,
no caso o texto literário, se junta à memória, dá experiência à teoria. E isso também é novo em 1854.

Os Sonâmbulos : o narrador que se insere no seu tempo

Os Sonâmbulos é uma trilogia constituída por três romances : i. 1888, Pasenow ou o


romantismo; ii. 1903, Esch ou o anarquismo; iii. 1918, Huguenau ou o realismo. Esta obra é uma
colossal aquarela sobre a Alemanha de 1888 à 1918. O autor é Hermann Broch, de origem judaica,
austríaco de Viena e filho da burguesia industrial; tendo debutado tardiamente na literatura, com bem
mais de 40 anos, justamente com Os Sonâmbulos. Sua obra mais importante e sem dúvida a mais
complexa é A Morte de Virgílio. Nela, Broch narra os últimos dias do autor de Eneida, atormentado
pela idéia de destruir os manuscritos desta, fundamentalmente porque está decepcionado com o seu
tempo. Esta obra é sem dúvida uma grande meditação lírica sobre a aproximação da morte e dos
momentos derradeiros que a antecedem. Para o tipo de pesquisa que desenvolvo é extremamente
importante mencionar o texto teórico. Criação literária e conhecimento, na verdade, são prefácios de
livros, artigos para revistas e também conferências, reunidas cerca de um ano após sua morte pela
filósofa Hannah Arendt, que também escreve o prefácio e as notas/comentários. Muito interessante o
texto sobre Joyce.
A concepção que percebo em Broch, tomando como parâmetro os três livros dele
citados, é uma concepção do romance que aponta para uma subjetividade radical que eleva o romance
a uma espécie de forma suprema de conhecimento do mundo. Desmistificando as ilusões líricas,
fundamentalmente dialogando com a sua própria narrativa, esta concepção procura mostrar que a
grande obsessão do século XX é a geração de modelos líricos destinados a engrandecer o espírito
humano, mas que na verdade aparecem como elementos constituintes de um processo de degradação
de valores. De certa forma, os três volumes dos Sonâmbulos configuram três degraus do declínio dos
Tempos Modernos: o romantismo, a anarquia e o realismo. Dos três volumes percebe-se de modo
claro e evidente que o autor defende a idéia de que o mundo moderno, cada dia mais moderno, se
veste da razão - evoluir é incorporar a razão. Graças à escolha de um narrador autoral, onipresente,
ainda que contido em seu próprio tempo, os três narradores não se comunicam. Por exemplo, no
primeiro romance há um personagem, Bertrand, que é o grande amigo de Pasenow, que será
moralmente desmascarado no segundo por Esch. Isso esclarece o primeiro, mas não há comunicação
entre os narradores, eles são distintos. A decadência acontece fundamentalmente porque um elemento
irracional consegue manipular a racionalidade reinante. Fazendo da vida moderna um grande
paradoxo, racional versus irracional; as condições de hegemonia do segundo transformam o teatro
lírico da vida em teatro macabro, monstruoso.
A escolha de um narrador autoral, onipresente, mas contido em cada romance é
fundamental para que Broch consiga desnudar a intimidade do irracional, componente indispensável
na gênese das guerras, revoluções, apocalipses, intifadas, tempestades no deserto, ou algum análogo
de uma busheira ou busheria, como queiram. As estórias dos três romances se passam aos olhos dos
narradores, os olhos deles são capazes de perceber o interno e o externo das situações. Curiosamente,
o autor cria um diálogo do narrador com o texto que está sendo narrado, algo como o narrador
reflexivo. Um exemplo que dá a medida do que falo são as relações Teoria do Conhecimento e
Literatura, Kant e a criação, que figuram em nove ou onze capítulos que se perdem no interior da obra,
mas que, colocadas de forma paulatina, permitem ao leitor ir desnudando junto com o narrador a
dimensão macabra da vida. O texto de Broch é forte porque é credível, tanto pela onipresença do
narrador, o que garante a confiabilidade da existência do fato narrado, quanto pela reflexão crítica do
narrador, através do recurso à Filosofia e à Sociologia. Há momentos no texto em que o narrador
pensa a situação alemã, de um ponto de vista da sociologia da religião, retratando as contradições
vividas por judeus, católicos e protestantes, evidenciando com propriedade o estopim, cujas
conseqüências ninguém que esteja vivo neste planeta deveria esquecer. Revela-se o papel fundamental
do narrador como possibilidade de existência do romance.

O Don Juanismo Kunderiano

Analisar epistemologicamente a fábula romanesca de Milan Kundera, esta é uma


atividade de pesquisa minha que, forçadamente marginal, arrasta-se ou estende-se, depende do ponto
de vista, por cerca de 5 anos. Já dei várias vezes um curso com essa proposta e estou fazendo isto
neste semestre. O que eu quero com essa obra?
Primeiro gostaria de dizer que a idéia me veio porque constato com pesar que nossos
graduados saem sem ter uma percepção, mínima que seja, da totalidade de uma obra filosófica. Na
prática eles saem com uma colcha de retalhos em temas e autores. Não quero nem vou tão pouco
proceder a uma crítica fácil, seria leviano. Sei perfeitamente que é muito difícil, na estrutura atual das
universidades públicas é simplesmente impossível, que seja ministrada uma disciplina que leve o
aluno a ler a obra completa de um filósofo. Quem acreditaria num curso que prometesse todo Kant ou
todo Descartes num único semestre? Só um aluno de faculdade particular.
Foi neste contexto que me veio a idéia de desenvolver um estudo epistemológico de
uma obra literária. Na verdade, a minha primeira intenção era fazer um estudo não em Milan Kundera,
mas em Machado de Assis. Isto foi há muito tempo, estava fazendo uma leitura em ordem cronológica
e temática da obra de Machado de Assis; desisti quando percebi que para fazê-lo teria que enfrentar
muitos textos de comentadores, críticos, etc, bem mais que Edgar Romero. Confesso que ainda sonho
em enfrentá-lo, afinal, ninguém melhor do que o bruxo do Cosme Velho captou o ciúme como um
sentimento fundamental para entender a cultura brasileira, nossa sensibilidade profunda, mas isso fica
para um dia qualquer no futuro.
Vi algumas vantagens na minha escolha. Kundera é um autor ainda em atividade.
Pensava que com isso teria que ler poucos comentadores, o que está longe de ser verdade, e que, por
ser um autor atual de sucesso, poderia interessar os alunos.
Mas há outra razão bem mais profunda. Kundera me havia impressionado pela maneira
como ele intermeava comentários sobre a vida, a filosofia, ao mesmo tempo que narrava. Confesso
que ainda não havia lido Broch, o que só fiz em 2000 no frio parisiense. Decidi-me por uma leitura
cronológica da obra, que desde então já foi acrescida de dois romances pelo autor. Procedi, então, à
leitura dos romances, que hoje são nove, A Brincadeira, de 1967, Risíveis Amores, de 1968, A vida
está em outro lugar, de 1973, A valsa dos adeuses, de 1973, O livro do riso e do esquecimento, de
1978, A Insustentável leveza do ser, de 1985, A Imortalidade, de 1989, A lentidão, de 1995,e A
identidade, de 1997. Fui, na seqüência, aos textos teóricos do escritor tcheco, que são dois:
Testamentos traídos e a Arte do romance. Só depois passei aos comentadores, dentre os quais dou
especial destaque a Maria Nemcova Banerjee, Terminal Paradox: The Novels of Milan Kundera e
Kvetoslav Chvatik, Le Monde Romanesque de Milan Kundera. Foi com essa bagagem que comecei e
fui aos poucos introduzindo, por sugestões dos comentadores, aspectos filosóficos e históricos.
A minha tese é que a obra de M. Kundera representa em sua estrutura mínima,
fundamental, um estudo das diferentes possibilidades do chamado don juanismo moderno. Neste
sentido, os romances de sua coleção não seriam mais do que estudos de caso. A vantagem
epistemológica seria a de chegar-se a uma espécie de síntese estrutural da obra. Mas ao longo do
tempo fui descobrindo novas coisas e fazendo novas relações, sempre fiel ao entendimento de
epistemologia como Filosofia e História.
De fato, todos os personagens de Kundera são Don Juans, atletas sexuais, como ele
mesmo os define em um dos seus textos teóricos. Vejam bem, o próprio autor assim os define, não há
a menor necessidade que um epistemólogo tupiniquim afirme isso tempos depois no meio do cerrado.
Mas só o epistemólogo é capaz de perceber a dimensão unificadora da obra em questão, afinal é isso
que dá substância à noção de obra. Ela é um conjunto organizado, em suma, raciocinado. Essa
regularidade define as condições estéticas, existenciais e morais das personagens kunderianas. Kiki,
célebre personagem de Tolstoi, em Ana Karenina, não poderia ser nunca e de jeito nenhum uma
personagem de Kundera. Ela não se encaixaria na teoria interna dos romances de Kundera. Esse é o
preço de uma teoria interna no romance, ela limita as possibilidades criativas, mas impõe uma maior
profundidade interna. O filósofo percebe que esta invariança das personagens dá uma idéia análoga à
idéia espinosiana de totalidade. É o arco que limita e define a totalidade.
A tradição que se encontra em M. K. é a do romance europeu, cujas origens estão em
Rabelais, Cervantes, Diderot e Broch, fundamentalmente. De novo os textos teóricos do autor são de
grande valia. De cada um desses escritores podemos resgatar elementos fundamentais que o ajudaram
a construir seu mundo romanesco. Dos três primeiros vêm o riso e a ironia; de Broch, o narrador
autoral onipresente que ele assume a partir de A vida está em outro lugar. Claro não falei em Flaubert
porque ele é paradigmático. Tudo isso ajuda a esclarecer as diferentes temáticas e períodos da história
tratados nos romances, sempre observando o estilo definido dos personagens, verdadeiros egos
fictícios experimentais criados pelo autor e que servem de pretexto para uma análise sobre a vida e as
suas irônicas contradições.
Ao tratar de problemas literários clássicos, MK, o investigador de casos, surpreende
com uma solução original. Isso desde o primeiro romance, que é o mais marcado pela estética
luckaciana. Ao tratar de um clássico triângulo amoroso, MK consegue criar um final imprevisto, com
um suicídio que vira diarréia, ou seja, riso, palhaçada, desrazão, brincadeira, que é o título do
Romance. Através da sexualidade prática ou teórica, bem sucedida ou fracassada, das suas
personagens, que são invariavelmente Don Juans, pouco importa se homem ou mulher, desvenda-se
toda uma complexa reflexão sobre a condição humana. A pequena história como uma imitação da
grande história.

6. Conclusão
Bem, é tempo de concluir todo esse emaranhado de coisas. Claro, todo mundo já
entendeu que não tenho uma teoria acabada. Já disse isso eu mesmo e vocês todos obviamente
perceberam. Mas há elementos relevantes deste meu programa de pesquisa que justificam a sua
apresentação.
Penso ter mostrado de que ponto de vista epistemológico se fundamenta a minha
démarche: a epistemologia entendida como uma articulação entre a História e a Filosofia.
Em seguida mostrei as possibilidades de existência de uma disciplina filosófica como a
epistemologia do romance. Mostrei as relações dessa temática com a História da Filosofia Moderna,
hoje mais Kant, mas há outros filósofos igualmente interessantes, cujas idéias podem muito bem
dialogar com as questões relevantes para uma tal disciplina.
Justifiquei, em um contexto preciso, o do Iluminismo, a paridade entre arte e ciência.
Pelo menos de modo a satisfazer a problemática. Certo denotei fundamentos, mas ainda não possuo
critérios que me permitam uma ampla generalização da minha teoria. Mas isso para quem faz pesquisa
está longe de ser um desalento, é antes um estímulo.
Penso que mostrei possuir três estudos, mais ou menos estruturados, que apontam para
uma boa aplicabilidade ao estudo da construção do texto literário. É esse o objeto declarado, segundo
meu entendimento, da Epistemologia do romance.

Referências
M. M. Carrilho, Epistemologia : posições e críticas, Gulbenkian, Lisboa, 1991.
Rudolf Eisler : Kant lexicon, Gallimard, Paris, 1994.
Hermann Broch : Création Littéraire et Connaissance, Gallimard, Paris, 1966.
Maria Nemcova Banerjee : Terminal Paradox: The Novels of Milan Kundera. New York:
Grove Weidenfeld, 1990.
Kvetoslav Chvatik : Le Monde Romanesque de Milan Kundera. Gallimard, Paris, 1995
Milan Kundera : Testamentos traídos, Nova Fronteira, Rio, 1984.
A arte do Romance, Nova Fronteira, Rio, 1988.

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