Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Editorial ------------------------------------------------------------- p. 05
Bruna Gonçalves -------------------------------------------------- p. 10
Isabela Penov ------------------------------------------------------- p. 14
Daniel Rodas ------------------------------------------------------- p. 22
Mírian Freitas ------------------------------------------------------ p. 25
Elaine Miragaia ---------------------------------------------------- p. 30
Nathália Aguiar ---------------------------------------------------- p. 32
Kayane Jhenifer --------------------------------------------------- p. 35
Zoë Naiman Rozenbaum ----------------------------------------- p. 42
Washington Daniel Gorosito ------------------------------------ p. 47
Alexandre Gil França --------------------------------------------- p. 52
Nalberty Medeiros Santos --------------------------------------- p. 60
Maria Raquel ------------------------------------------------------ p. 64
Vânia Malta Catunda --------------------------------------------- p. 66
Paulo Brás ---------------------------------------------------------- p. 69
Géssica Menino ---------------------------------------------------- p. 74
Luiz Otávio de Santi ---------------------------------------------- p. 77
Agradecimentos e Contatos ------------------------------------- p. 85
Editorial
Poeta cabeça de nuvem
O absurdo de ser. Viver o poema no hoje. Tocar o agora: o ontem do sopro. Que alça voo.
Às nuvens. Da terra ao céu. Ou do céu em terra: espelho quebrado de cabeça pra baixo.
Poema: tartarugas em voo. Torres nas costas do voo. Voos nos altos dos cascos. Saltos
nos cacos do voo.
A revoada das patas. O alvepata da terra. O patealça do vento. O vento em alça do corpo.
Um voo: de terra e corpo. Torres nos cascos do porto.
Poeta é cabeça de nuvem. Raiz do cabelo na terra. Poeta é estrada de nuvem. Vagando no
osso da serra. Poeta é nuvem de osso. Nascendo qual torre na terra.
O tempo: a nuvem: o sul. O verbo-poeta que voa. O alvo-poeta do voo. A terra do tempo
e do TU. Tartaruga da terra-e-céu:
SUCURU!
Equipe Sucuru
*
* *
hipermercado
um aeroporto um hospital
e eu lembrarei de você
experimenta, odete,
um frigorífico artístico
de guerra
ou um pãozinho francês
odete,
veio a civilização.
Ela nasce
e traz na boca um sol fervendo para a minha boca
um sol estalando na sua língua lenta
e escorrendo entre os nossos peitos colados
quando puxo de lado as cortininhas do biquíni
é úmido o deserto
*
Banquete
Linhas úmidas
mornas sílabas
cálidas lambidas
na carne
entre as costelas
Universal
E enquanto berra
contra putas, adúlteras e pederastas
sua casta xoxota
(hashtag euescolhiesperar)
molha a calcinha
estampada de margaridas
a ponto de escorrer entre as pernas
o asqueroso
e
doce
mel
do
seu
pecado
Depois, de madrugada,
ela tem sonhos muito impróprios
com cenas de uma, digamos
Universal fornicação
Fragmentos
II
III
IV
VI
VIII
IX
XI
XII
XIV
Isabela Penov é poeta, atriz e professora em São Paulo. Do Dilúvio Entre Tuas Coxas
(OIA Editora, 2023) é seu terceiro livro de poemas, premiado com o apoio do PROAC -
Programa de Ação Cultural de São Paulo. Antes dele, lançou Aves Marias (ou A
Revoada), Editora Patuá, 2018, e Compêndio para Moças de Olhos Lânguidos, Editora
Urutau, 2022, selecionado pelo Programa Rumos Itaú Cultural.
IGREJA
todos querem
a santidade da
mudez
mal sabem
que os anjos
estão bêbados
PAPAI NOEL
QUEDA
o poema espirrou
na estampa de um
sorriso
a máscara caiu
*
IDENTIDADE
é possível que em
algum lugar
esteja escondido
aquilo que
somos.
felizmente
não sei aonde é.
FINAL DO JUÍZO
o homem
crendo ser deus
matou a si
Ainda resta mais um pouco a dizer dos caminhos e alicerces da memória que, através do
coração, escrevem fragmentos na noite sobre cães, formigas, pirilampos, mariposas,
árvores, homem. Ninguém interrompeu o silêncio para dizer que o fogo inacabado da
chama, ainda permanece queimando as fotografias e as plantas em sua pele parda. O vento
reascende a memória, reabre feridas, toma formas imprudentemente poéticas. O livro de
Valter Hugo Mãe saiu da estante hoje, feito um engasgo rouco no profundo grito de uma
garganta afetiva. Palavras-mãe em uma redoma líquida de um mundo de insanos. Iniciou-
se a escrita do desassombro, quem vai aparar as arestas de sangue, desolar a casa e latejar
a ferida rósea sobre o papel? Sobre meu corpo deixarei minha vida inconclusa, textos,
pensamentos esquizofrênicos e inverdades. Ficará o inacabado com gosto de memória
entre um lugar branco e os estilhaços da perturbação que vagueiam meu coração. Recrio
agora, no cerne desse momento, a sensação vertiginosa de um mundo que não dói.
Conservo os pedaços de natureza dentro das conchas das mãos.
FRAGMENTOS DE NALANDA
(Índia)
BOGOTÁ
(Colômbia)
Como um crepúsculo
a cidade se ilumina
e luzes de um dia
reinventado
dos vales
das montanhas
e dos anjos.
PARTITURA
No céu,
o rojão da primavera risca a claridade
de setembro.
Nos quartos da casa as árvores de frutos
brotam entre os tijolos
e os poemas de Rimbaud.
Depois de um mês sem escrever, parece que os dedos não reconhecem mais o teclado.
Titubeantes, eles não sabem muito bem por onde começar.
Os olhos, embaçados pelo costume perdido da luz apagada e da sala iluminada apenas
pela tela do computador, parecem ainda mais turvos se eu foco nos dedinhos deixados
pelo meu caçula nas lentes dos óculos.
Distraio-me. Penso que a cama, junto com as crias, deve estar mais quente do que a sala
de casa. Penso em ir dormir. Respiro fundo. E os dedos disparam.
Esqueço o corpo, o frio, a gata chata que mia lá fora querendo entrar. E me reencontro.
Comigo mesma, com minha vida interna, com as vozes da minha cabeça. Volto a ser eu.
O que nascerá daqui? Não sei. O saber vem com o tempo, talvez nem com ele. Mas estou
super afim de seguir e ver no que vai dar.
Elaine Miragaia é natural de São José dos Campos-SP e atualmente reside em Caçapava-
SP. Psicóloga, arteterapeuta e leitora compulsiva, há 21 anos trabalha exclusivamente
com mulheres. Adepta das intensidades, das hipérboles e do uso de palavrões como
advérbios de intensidade, escreve crônicas, relatos e, vez ou outra, resenhas bastante
pessoais sobre os livros que a atropelam. Compartilha seus textos no instagram pessoal,
@elainemiragaia, e no instagram do clube do livro Elas Reveladas (@elasreveladas).
A última valsa
Coração acalentado por um fogo que consome devagar, paciente. Sem vexame,
suas chamas me envolvem numa dança desconhecida, mas que estranhamente meu corpo
reconhece, como se murmurassem no meu ouvido os comandos.
Quando em rebeldia finjo não escutar a voz que vem do oculto, me perco no
balanço dos braços que me cercam e piso no pé de outrem. Peço desculpas, ao meu par e
ao sussurro, e retorno a ciranda. Dois passos pra cá, dois passos pra lá, um giro. A
sensação de pertencimento é igualável ao medo.
Medo de que o fogo me preencha e que não reste mais nada para chamar de meu;
medo que as chamas passem de acalento para prisão; medo que os braços que agora se
apertam em minha cintura guiando a dança, se cansem de me conduzir e parem de valsar.
Tenho medo, mas não o suficiente para me fazer parar. Ainda não, ainda é cedo.
Aperto meu corpo ao do meu par e sinto-me queimar pelo calor que emana, mas
não me afasto. Pelo contrário, me estreito melhor em seu aperto e escuto a voz
desconhecida me dizer para qual lado devo ir dessa vez. Me falam para girar. Giro. Me
mandam pular. Pulo. Ordenam que eu me afaste. Nego.
Choro em silêncio. Não pelas queimaduras que agora tenho, mas por não entender
por que elas estão aqui. Era calmo, eu lembro. Tanto, que às vezes precisava me
concentrar para sentir o toque suave deslizando por minhas curvas. Então por que, logo
agora que havia me acostumado com o terno calor beijando minha face, ele se tornou
grosso e áspero? O desconheço. Tento fugir. Não posso mais.
Estive a dançar por tanto tempo que perdi a noção dos dias. Ou podem ter sido
semanas, meses, anos. A plateia que antes assistia à valsa, percebo, desesperada, se
encontra vazia. Não tenho mais ninguém. Aguço os ouvidos em busca do sussurro
familiar, ansiosa pelo próximo comando e pelo conforto que a voz me trazia. Não o
encontro.
No seu lugar, escuto apenas meus passos apressados no piso de mármore que
tentam acompanhar a ciranda de outrem que incansavelmente dança. Percebo,
tardiamente, que não há música. Estranho, pois antes meu coração entoava animado um
samba. Ou poderia ser um pagode.
O balanço segue seu ritmo, trilhando um caminho há muito tempo conhecido por
mim. Não é mais necessário que sussurrem em meu ouvido os passos por que após valsar
por anos a fio, não preciso mais ser guiada. O chão que piso agora já foi pisado antes, a
dança que me envolvi já foi dançada por outras pessoas e o meu par… algum dia eu o
amei? Trilhamos uma longa jornada juntos, passo após passo, giros e mais giros numa
ciranda que eu nem me lembro de ter pedido para entrar. Ainda assim, não sei se o amo.
Ou se deveria amá-lo.
Fecho meus olhos e no meio de um longo suspiro, me ajeito nos braços de quem
nunca foi embora. Seu fogo me queima, mas não como antes. Agora, já cansado, seus
giros parecem me convidar para o fim da valsa. Minha plateia está vazia, a música acabou
e nossa dança agora me tonteia. Foram bons anos.
Giro pela última vez na valsa em que fui forçada a aprender a dançar. Foram bons
anos, mas é dada a hora de descansar. E descansarei com o último que restou ao fim da
ciranda.
é certo
está muito bem verificado
sem sombra de dúvida
definitivamente averiguado
os registros aqui constam
com absoluta certeza
você não mais existe
nunca esteve tão claro
aqui jaz tu
observo se decompor
seu corpo nu
totalmente emputrecido
inanimado
pelos vermes tomado e carcomido
seus cabelos secos, despenteados e caídos
seu corpo vazio
completamente desfalecido
tão feio e irreconhecível
seu olhar vago, petrificado e impreciso
você tão morto
sem qualquer vestígio de vida
tão nulo e inútil
como nunca antes conseguiu ter sido
certifico aqui
sem mais delongas
você não mais existe
você não está mais aqui
pois você nunca esteve tão morto
para mim
e se eu cair
e não conseguir mais voar?
E se um dia a virem vagando pelo deserto, saibam quem fui. Que já fui ela, essa mulher
rasgada, extorquida, crua, deserdada de seu próprio mundo. Se um dia a virem vagando
pelo deserto com suas asas cortadas, os pés sangrando, pele assada e a garganta inflamada,
saibam que essa mulher um dia fui eu.
Mis palabras
no son mías,
Mi poesía no es audible,
encierra el misterio
de letras apagadas
y derrota a la muerte
EL FIN
La neblina me rodea
de la creación.
esperar…
y aniquila la esperanza.
Hay un aviso confuso
la niebla no se disipa
y me encuentro al pie
de un muro blanco.
entre sombras
el acto creador
se disipa lentamente
es el fin de la poesía.
PESCADOR DE VERSOS
se precipita
arañando el mar.
de pescadores y poetas
en la brisa marinera
Mientras…
y la palabra terca
LETRAS DE FUEGO
Final de lágrimas
un cuaderno de versos.
Poesía refugio.
No tienen compostura
metamorfoseándose
en un puñal de fuego.
Trecho 01
(...) Pega um ônibus para Perdizes. Escorre pelo bairro do Bixiga. O gosto de pastel se
espalha suculento, tortuoso. O vinagrete explode sabores noturnos em sua boca. Invade a
janela a noite mal dormida, passa pelos ouvidos, aquece a sonoridade da madrugada que
está sempre por vir. As bandeirinhas da rua Clélia, os feirantes gritando promoções, os
atores do teatro Sérgio Cardoso rindo escandalosos entre as luzes dos faróis. Um casal se
confunde com o muro, ejaculam brasas invisíveis por dentro do boné e de um moletom
planeta Terra inteiro. Estamos longe… em direção ao Butantã? Durmo e estou dançando
chapéu pisca um olho. E depois o outro. E toca chorinhos. Músicas antigas entre couros,
mães amamentando. Suas crias são bonecas perfeitas e brilhantes. Os olhos: duas bolas
Tem gente?
Não.
Que amadora: deveria ter sentado no corredor. Agora um estranho vai lhe encurralar na
janela até a hora de descer. Hoje ela merece não ser tocada. Pelo menos hoje.
Trecho 02
Calor, né. Silêncio. Você é bailarina? Moço, não tô pra conversa. Silêncio. O ônibus faz
uma curva, de modo que a coxa direita do rapaz transmite as ondas eletromagnéticas para
a coxa esquerda de Jéssica. Sua bochecha esquerda lhe devolve um espasmo. Ao fundo,
uma senhora espirra. E depois tosse de maneira seca. A ventarola do teto começa a bater.
público. Na verdade, tudo parecia mais precário com a presença do jovem fantasiado de
alguma coisa. Sua saliva tencionava encostar em suas córneas. Seu hálito roçava
mas Jéssica enxerga um andarilho da noite em busca de ração. Aquelas roupas…. Teria
Perguntei por causa do coque. Silêncio. E das sapatilhas também. Esta daqui só pode ser
sua. Entrega a sapatilha para Jéssica. Acho que você deixou cair enquanto dormia.
Junior – Minha irmã foi bailarina. (Silêncio) Sua sapatilha me lembrou a minha irmã.
(Silêncio) As bailarinas não são muito de conversa, né. Quer dizer, elas conversam
bastante entre elas, mas com a gente, os reles mortais, elas não estão nem aí. (Silêncio)
Desculpe. É que hoje foi foda. Fiz um teste que deu tudo errado. (Silêncio. Mais silêncio)
Você não está nem aí, né. (Silêncio) O que a gente mais quer é que o mundo nos olhe com
cuidado, mas o que acontece é o mundo criando pernas para pisar na nossa cara. Para
espremer a nossa cara, até as lágrimas saírem lentas. (Silêncio) Desculpe. É que hoje foi
foda.
(Silêncio)
Junior (Começa a rir de si para si mesmo) – Heheheh, e olha só com o que acabei me
metendo: tarô!
Silêncio suficiente para uma ideia; para o início da chuva; para o fim da tempestade.
Jéssica – Tarô? (Pausa) Moço, me desculpe, mas você sabe ler tarô?
O ônibus se transforma num avião jumbo. Os dois estão na primeira classe. Duas taças
Ela sorri como se, de uma hora para outra, a bacia de um rio voltasse a encher.
Eu – Toma.
Junior – Obrigado.
Yo Yo Ma, posicionado no começo da cabine, toca a Suíte n.º 1 de Bach em sol maior.
Junior – Claro.
Silêncio duvidoso.
Jéssica – Eu quero saber se eu vou ser feliz em Londres. Se terei sucesso por lá.
DO CONTO ELANA
Trecho 01
(...)
Hoje Elana vai ao seu primeiro encontro amoroso. Dirce, sua amiga há quarenta e cinco
anos, diz para que Elana utilize o batom amadeirado de sua coleção. Toma, é seu, Elana.
Mas Elana é sincera em dizer que odeia aquela cor, que lembra a cor de uma lepidóptera,
ou, pior, de uma mariposa-bruxa. Não, jamais devemos parecer uma bruxa em nosso
primeiro encontro; é capaz do cara apagar as luzes todas para voarmos fora dali. Dirce
conta que possui um outro de cor vermelha, mas que acha um clichê utilizá-lo neste tipo
de situação “amorosa”. Elana logo a corrige, pois não se trata ainda de um encontro
amoroso, o ambiente, é possível, bem possível, talvez seja um ambiente romântico, com
uma canção de elevador ao fundo, cuja letra nos conte algumas verdades, com vinho e
abandonando uma cidade – não: o ambiente é romântico apenas em hipótese. Nada pode
nos dizer que um espaço fechado com mesas e panos brancos sobre a mesa e marcas
cortantes como tatuagens inacabadas) seja um espaço romântico feito para o romantismo
arquitetado por Eros, o deus do amor – não. Poderia o ar-condicionado estar estragado,
poderia ter um cabelo grosso sobre a comida, sobre a entrada, no dorso da manteiga,
Nada disso é romântico, Dirce, nada disso me impressiona, nem mesmo o ser humano e
suas boas intenções românticas irão me impelir a usar esse batom vermelho e essas rosas
boiando em meu intestino. Não há nada boiando em seu intestino, Dirce acaricia a cabeça
da amiga. Elas sorriem em conluio. Elana fecha os olhos e diz não querer enxergar mais
nada por pelo menos um intervalo comercial. Atordoada (mas não menos disposta), Dirce
suspira e pede um sorvete de creme com calda de chocolate. Ela sabe que para Elana é
DO CONTO CÍNTIA
TRECHO 01
(...)
Cíntia (Cantando) – “Traiçoeira e vulgar, sou sem nome e sem lar: sou aquela. Eu sou
filha da rua, eu sou cria da sua costela. Sou bandida, sou solta na vida e sob medida pros
carinhos seus. (Agora, dá uma piscadinha para Noronha, que se esvai feito farinha) Meu
Mais aplausos.
Mais e mais.
Se abraçam coletivamente.
Se beijam.
Têm filhos.
Pausa.
Pausa.
Ele demora anos. Séculos. Cíntia está cada vez mais idosa. Agora, de bengalas, tosse,
não consegue mais fumar seu habitual Free Azul. A mãe se foi. Assim como Noronha,
Cíntia (Cantando à capela) – “As suas mãos onde estão? Onde está o seu carinho? Onde
está você?”
por um buquê de rosas, lançam beijos à plateia do teatro, rezam para que termine o
batente, pescam um cartão em uma bolsa entupida, lançam maldições a uma vida
incompleta, acenam para si, dão tchau para si, abençoam a si, em uma piada litúrgica feita
Vinicius de Moraes.
Alexandre Gil França nasceu em Curitiba, em 1982. Já trabalhou com música, poesia e
teatro. Publicou, em 2015, seu primeiro romance, Arquitetura do Mofo (Selo Encrenca/
Arte e Letra). Atualmente, edita junto com a poeta Iamni a Mathilda Revista Literária. É
mestre em Artes Cênicas pela USP e doutorando em Teoria e História Literária pela
Unicamp.
PALAVRAS MORTAS - ENTRE MENTIRAS E CONTRADIÇÕES
I - Primeiras ilusões
II – O amor esparso
IV – Verdade morta
Quase...
A espera dolorosa.
A expectativa frustrada.
E eles não ficavam mais jovens.
Maria Raquel nasceu em Curitiba, no ano de 1976. Alguns de seus poemas podem ser
lidos no portal www.guatafoz.com.br (@guata.foz), outros no @haikai.brasil e alguns em
seu perfil @a.mae.da.malu.
URUTAU
Uns gritam :
“É um bicho”.
que se trata .
Muito engraçado!
Totalmente paralisado.
A íris é amarelada .
Ou melhor ,espantoso ,
um pouco de alegria
de encontro ao mar.
SALVE A MÁQUINA!
as orações.
*
às vezes.
eu passo
acabo
vou embora.
TEU NOME
paradas de ônibus,
um escândalo considerável,
do meu cotidiano,
no meu vocabulário.
MISTÉRIO
lia-os escondidos
mas os livros
– Mulher –
Toda mulher tem sua marca, o seu batom preferido e o eu perfume inspirador
Toda mulher às vezes cansa de ser mulher e vai ser qualquer outro ser ou bicho
Trecho 1
Casa Voadora é um texto livre, nômade, transversal, escrito em sua maior parte em
confinamento e, depois, mais solto. Andarilho, sem definição única, diarista, pode ser um
tipo de casario, uma vila, construída com as mãos. Dentro desta Nave-Cidade-Bairro-
Casa, há vários tipos de habitações, de formas, de desigualdades, de arquitetura e de
corpos. Ao mesmo tempo que algumas casas possam parecer dissonantes uma da outra,
ou carentes de um estilo único entre si, seus alicerces têm amplitude e capilaridade para
estruturar uma grande teia. Uso o termo “casa” para nomear os capítulos e para adjetivar
estes corpos vivos, nossas lentes para o mundo, o mundo particular de cada um e as casas
que habitamos, naturais ou não. A paisagem literária que tento fazer é variada, uma mais
poética, outra mais ensaística. Algumas mais técnicas, outras mais documentais. Tudo
aqui sai de minha experiência de liberdade que tenho com a literatura, para exercitá-la
como a sinto. Quero falar dos caminhos que faço para ganhar a vida, ajudar os que sofrem
e exercitar meus pensamentos e ações. Sinto que vivi com intensidade uma vida
heterogênea, talvez mais do que uma vida. Entrego-lhe este tecido de pele feito com amor
à arte, ao conhecimento, e especialmente à vida que compartilho com você. Uma estética
de sobrevivência.
Ao fim geral desta escrita, eu me reencontrei com um filme adorável, Caro Diário, de
Nanni Moretti. Se tivesse condições de fazer um filme como este, eu o faria agora. Acho
que há algo de semelhante por escrito.
Trecho 2
Casa de Fogo
O tiro foi certeiro, entrou pelo topo da cabeça e a pequena bala do revólver 22 alojou-se
no centro do cérebro dele. Atravessou tudo, de cima a baixo, lobo frontal, tálamo,
hipotálamo, e parou ali na hipófise. Um estrago mortal. Uma outra bala não foi irmã dessa.
Alojou-se no bolso da calça jeans perto da virilha. Não entrou, deu chabu. Um tiro no
alvo, outro cuspido, encrencado, travado, quase um festim. Se os dois tivessem sido
assim, a história teria sido outra. Poderia ter vários outros desfechos melhores do que o
consumado. Nunca pude conferir o que de fato ocorreu na cena. Minha imaginação
desenha assim: era uma tocaia, a besta se escondeu numa moita ao lado da estrada, talvez
até dentro de um mata-burro. A vítima desceu do cavalo para abrir a porteira quando o
alucinado deu a voz de rendição. Devem ter se estranhado, Mário tentou se defender, aí
veio a primeira bala na calça. Mário deve ter se dobrado para frente num gesto automático
de defesa e expôs o topo da cabeça a Antônio. Daí, mais um passo adiante, a segunda veio
à queima-roupa, chamuscando o cabelo. O moço tinha só 25 anos de idade, o assassino,
uns 35, no máximo.
Mário aguentou uma semana em coma, vegetando. A esperança muitas vezes quer ser
ingênua. Pensávamos, “ele vai acordar, vai ter sequelas terríveis, mas ele vai voltar”. O
crime foi num 28 de dezembro de 1980, o falecimento dia 3 de janeiro de 1981, dia do
aniversário de nossa mãe. A morte de meu irmão Mário Augusto mudou o rumo de várias
famílias, a central delas, a nossa, evidentemente. Uma mudança de fazer a vida ficar sem
sentido por um tempo.
Trecho 3
Perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo Perigo perigo perigo
perigo perigo perigo perigo perigo perigo Perigo perigo perigo perigo perigo perigo
perigo perigo perigo Perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo
Perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo Perigo perigo perigo
perigo perigo perigo perigo perigo perigo
Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dú- vida e Medo Dúvida
e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvi- da e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo
Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida
e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo
Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida
e medo.
O percurso é dúvida, a incerteza é medo, o perigo é medula. O vale do eco infinito. Busca-
se ajuda! Quero ajuda!
Isso tudo é longo e permanente, está em tudo e em mim, atraves- sa-me, entranha-me, sou
eu, num modo convencional de dizer eu. Pois sinto, sei, conheço, mas não posso dizer eu,
porque do eu somos muitos. Inclusive meus antepassados de quem herdei, vida que levo
e faço, minha epigenética, que é a expressão viva da genética, o aqui e agora e o futuro.
Sou um bicho neocortical, sígnico, linguístico, sonhador, uma casa viva de portas e
janelas abertas, um aglomerado em pó de estrelas. E em mim cabe a dúvida, existe sempre
a dúvida. No plural, elas são as minhas sombras e meus caminhos. Um ciclo muito
eficiente, ancestralmente eficiente, reptilianamente preparado para causar exatamente
aquilo que se quer evitar. O medo nos protege, faz parte dos instintos de proteção, mas
quando é falso e demasiado, patológico, causa, com as sensações e o desconhecimento,
mais medo ainda. O medo traz a dúvida obsessiva que traz a sensação interminável de
perigo iminente. O ser tocado busca ajuda o tempo inteiro para aliviar seus sintomas e o
caminho é um labirinto. É assim que se sente encurralada uma pessoa com TOC –
transtorno obsessivo compulsivo, e não reconhece o porquê, não sabe o que está
acontecendo. Depois de se ligar neste movimento, de chegar a um certo estágio de
consciência e de conhecimento do fato, o ciclo pode perder força, a obsessão diminui de
importância. Já se sabe o nome no inimigo, sabe-se onde ele está. A guerra fica mais
simétrica e, com paciência, interrompida, com alguma paz. Isso para alguns sortudos e
mais, digamos, preparados.
* *
Agradecemos:
A Eva Wilma Rodas Ramalho e Fernando Antônio Ramalho de Amorim – pelo apoio de
sempre;
Contatos
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Envie seu texto em formato word (letra Times 12), juntamente com sua minibio (num
mesmo arquivo word) para o nosso e-mail: revistasucuru@gmail.com. Responderemos o
mais breve possível.
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VIVA A SUCURU!
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