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Índice

Editorial ------------------------------------------------------------- p. 05
Bruna Gonçalves -------------------------------------------------- p. 10
Isabela Penov ------------------------------------------------------- p. 14
Daniel Rodas ------------------------------------------------------- p. 22
Mírian Freitas ------------------------------------------------------ p. 25
Elaine Miragaia ---------------------------------------------------- p. 30
Nathália Aguiar ---------------------------------------------------- p. 32
Kayane Jhenifer --------------------------------------------------- p. 35
Zoë Naiman Rozenbaum ----------------------------------------- p. 42
Washington Daniel Gorosito ------------------------------------ p. 47
Alexandre Gil França --------------------------------------------- p. 52
Nalberty Medeiros Santos --------------------------------------- p. 60
Maria Raquel ------------------------------------------------------ p. 64
Vânia Malta Catunda --------------------------------------------- p. 66
Paulo Brás ---------------------------------------------------------- p. 69
Géssica Menino ---------------------------------------------------- p. 74
Luiz Otávio de Santi ---------------------------------------------- p. 77
Agradecimentos e Contatos ------------------------------------- p. 85
Editorial
Poeta cabeça de nuvem

Poeta cabeça de são

Poeta trançando na nuvem

O verso que vira canção

Poeta que vive na nuvem

Poeta que pisa no chão

Poeta que o chão é a nuvem

Do verso partindo do chão

Poeta que parte da nuvem

Poeta que é parte canção

Poeta que vive nas nuvens

De dentro seu cor-ação

[IMPROVISO MORNO N°29]

O absurdo do olhar. O absurdo do ver: sentir: tocar. O absurdo do ser. Absurdo-poema.


Que é poema-absurdo: viver. A vida absurdando tudo. A vida revirando tudo. Revivendo
o verso. Revirando o avesso: do mundo.

O absurdo de ser. Viver o poema no hoje. Tocar o agora: o ontem do sopro. Que alça voo.
Às nuvens. Da terra ao céu. Ou do céu em terra: espelho quebrado de cabeça pra baixo.
Poema: tartarugas em voo. Torres nas costas do voo. Voos nos altos dos cascos. Saltos
nos cacos do voo.

A revoada das patas. O alvepata da terra. O patealça do vento. O vento em alça do corpo.
Um voo: de terra e corpo. Torres nos cascos do porto.

Poeta é cabeça de nuvem. Raiz do cabelo na terra. Poeta é estrada de nuvem. Vagando no
osso da serra. Poeta é nuvem de osso. Nascendo qual torre na terra.

Poeta: absurdo do ser. Poema: absurdo do agora.

O tempo: a nuvem: o sul. O verbo-poeta que voa. O alvo-poeta do voo. A terra do tempo
e do TU. Tartaruga da terra-e-céu:

SUCURU!

[Paraíba: Julho do Ano da Nuvem de Dois Mil e Vinte e Três]

Equipe Sucuru
*

* *
hipermercado

absurdo, odete, tudo pela hora

da morte queijo minas frescal iogurte

desnatado coca cola geladinha

para tomar com um cigarro

bem na hora da morte

lembra daquelas senhorinhas,

odete, dos anos 80?

vendo os preços como guardas

de trânsito multando a carne os

legumes enquanto ouviam as frenéticas

nisso, odete, seríamos imbatíveis

odete esse lugar me lembra

um aeroporto um hospital

todo branco mas quando chegar

a hora dirão pensa no paraíso

e eu lembrarei de você

aqui com você me sinto tão bem


*

você vai de rodinhas feito

uma patinadora artística

experimenta, odete,

acrescentar ao lado de tudo

a palavra artística, ali você verá

um frigorífico artístico

confere o seu carrinho: dúzias de

ovos pão de grãos chá

de cranberry três maçãs

verdes, mas que isso,

odete, virou uma madame?

olha, odete, aqui é um campo

de guerra

aqui se expulsa quem leva

uma banana nanica

escondida, aqui se estrangula

quem pega uma caixa de leite

ou um pãozinho francês

foi dele, aliás, que nasceu a revolução


francesa

já das mãos que estrangulam,

odete,

veio a civilização.

Bruna Gonçalves nasceu em 1997, no Rio de Janeiro. É historiadora, professora e poeta.


Publicou o seu primeiro livro de poesia, Inventário dos objetos de decorar e ferir, pela
editora Urutau em 2023. Integra a equipe de poetas do Portal Fazia Poesia.
Diluvianas

Saída do mar – ela


é uma parte do mar
que caminha até mim

Saída do mar – ela


uma mulher tão pouco minha
assim irmanada com a imensidão
à vontade no labirinto, rindo
oceânica – ela
(e o seu riso é a própria voz dos peixes
e das anêmonas de cores irreais)

Saída do mar – ela irrompe


como quem rompe
uma bolsa das águas

Ela nasce
e traz na boca um sol fervendo para a minha boca
um sol estalando na sua língua lenta
e escorrendo entre os nossos peitos colados
quando puxo de lado as cortininhas do biquíni

Meus peitos nos peitos dela:


a areia é vidro, o sol é perto,
o sal é pouco, o mar é lava

é úmido o deserto
*

Banquete

Esta noite vou te dar


de comer
um poema
entre minhas pernas

Linhas úmidas
mornas sílabas
cálidas lambidas
na carne
entre as costelas

Universal

O que você talvez não imagine


é que a palavra
fornicação
sempre deixa molhadinha
a bucetinha da beata
da Igreja Universal

Apesar de tão jovem


a mocinha já sabe vociferar

E enquanto berra
contra putas, adúlteras e pederastas
sua casta xoxota
(hashtag euescolhiesperar)
molha a calcinha
estampada de margaridas
a ponto de escorrer entre as pernas
o asqueroso
e
doce
mel
do
seu
pecado

Depois, de madrugada,
ela tem sonhos muito impróprios
com cenas de uma, digamos
Universal fornicação

Com o pastor Ramos, a pastora Flávia,


o pastor Vladimir e claro
sua adorável esposa que
tem um rabo que meu deus
tem um rabo que
abriria para sempre as portas do céu
e colocaria abaixo
cada
uma
das douradas colunas
do inigualável
e abençoado
Templo de Salomão
*

Fragmentos

Te beijar até desbotar as cortinas

II

A pele quente e molhada do seu labor no meu corpo

III

Despe minha casca e penetra descalço na polpa suculenta


da minha palavra

IV

Me jogar no teu leito como no leito de um rio


Tocar no teu seio como no seio de um rio
Lamber tua garganta como a garganta de um rio
Dormir à tua margem como à margem de um rio

Construir castelos com os teus perfumes. Explodi-los.

VI

Deixa eu te mostrar o clarão do meu sexo incurável


VII

Escuta essa vida, o seu escuro úmido de terra que aguarda


O mesmo escuro que surge sob as pálpebras quando
fechamos os olhos ao mesmo tempo e enxergamos juntos o
mesmo indizível segredo.

VIII

Tem uma vida real se abrindo: escuta o seu fulgor surgindo:


rosas vagarosas em nossas frestas, fazendo festa entre os
nossos cílios.

IX

O tesão da palavra: escorrer. O tesão da palavra: úmida. O


tesão da palavra: inundar. O tesão da palavra.

Antes ser penetrada pelos antúrios

XI

Olhar teu corpo como olharia pela última vez os escombros


de uma casa incendiada.

XII

Toda corpo, como os animais.


XIII

Concebendo uma palavra nova na fricção entre nossos


umbigos.

XIV

Ter o corpo repleto de buracos para que possas admirar o


céu através de mim e eu possa contemplar o reflexo das
nuvens nos teus olhos: a mim isso bastaria para sempre.

Isabela Penov é poeta, atriz e professora em São Paulo. Do Dilúvio Entre Tuas Coxas
(OIA Editora, 2023) é seu terceiro livro de poemas, premiado com o apoio do PROAC -
Programa de Ação Cultural de São Paulo. Antes dele, lançou Aves Marias (ou A
Revoada), Editora Patuá, 2018, e Compêndio para Moças de Olhos Lânguidos, Editora
Urutau, 2022, selecionado pelo Programa Rumos Itaú Cultural.
IGREJA

todos querem
a santidade da
mudez

mal sabem

que os anjos
estão bêbados

PAPAI NOEL

minha mente é uma chaminé


cansada
numa noite de inverno

QUEDA

o poema espirrou
na estampa de um
sorriso

a máscara caiu
*

IDENTIDADE

é possível que em
algum lugar

esteja escondido
aquilo que
somos.

felizmente
não sei aonde é.

FINAL DO JUÍZO

o homem
crendo ser deus

matou a si

Daniel Rodas é escritor, poeta e dramaturgo. Graduado em Letras e Mestrando em


Literatura e Interculturalidade (UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros
e Saturno (Editora Primata, 2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021). Integrou
as antologias Poesia fora do eixo (Toma Aí Um Poema, 2022), Engenho Arretado: poesia
paraibana do século XXI (Patuá, 2023) e Casa Encantada: o conto fantástico paraibano
(Arribaçã, 2023). Tem textos publicados em vários meios eletrônicos nacionais e
internacionais. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir incontrolável da vida.
O CORAÇÃO É UMA CAVERNA

Ainda resta mais um pouco a dizer dos caminhos e alicerces da memória que, através do
coração, escrevem fragmentos na noite sobre cães, formigas, pirilampos, mariposas,
árvores, homem. Ninguém interrompeu o silêncio para dizer que o fogo inacabado da
chama, ainda permanece queimando as fotografias e as plantas em sua pele parda. O vento
reascende a memória, reabre feridas, toma formas imprudentemente poéticas. O livro de
Valter Hugo Mãe saiu da estante hoje, feito um engasgo rouco no profundo grito de uma
garganta afetiva. Palavras-mãe em uma redoma líquida de um mundo de insanos. Iniciou-
se a escrita do desassombro, quem vai aparar as arestas de sangue, desolar a casa e latejar
a ferida rósea sobre o papel? Sobre meu corpo deixarei minha vida inconclusa, textos,
pensamentos esquizofrênicos e inverdades. Ficará o inacabado com gosto de memória
entre um lugar branco e os estilhaços da perturbação que vagueiam meu coração. Recrio
agora, no cerne desse momento, a sensação vertiginosa de um mundo que não dói.
Conservo os pedaços de natureza dentro das conchas das mãos.

FRAGMENTOS DE NALANDA
(Índia)

Os tijolos de adobe falavam sementes humanas


enquanto bocas sorriam para o vento.
As pernas sobre a grama
no verde liso do infinito jardim
diziam poemas com os calcanhares,
diziam rumores ancestrais.
A memória de fogo
os corpos estelares
os vultos que não se foram
após a morte
têm os olhos fixos como telescópios.
Em Nalanda, o tempo reluz no espelho do passado.

No pátio deserto de astros


onde já pisaram as mulheres de Buda,
nasceram flores quânticas.

BOGOTÁ
(Colômbia)

Como um crepúsculo

a cidade se ilumina

no amanhecer entre nuvens

e luzes de um dia

reinventado

pelo vapor adocicado

dos vales

das montanhas

que cercam prédios e muralhas

acima das nuvens

e dos anjos.

PARTITURA

No céu,
o rojão da primavera risca a claridade
de setembro.
Nos quartos da casa as árvores de frutos
brotam entre os tijolos
e os poemas de Rimbaud.

Qual memória ainda existe após a guerra das formigas?

Mírian Freitas é mineira, reside em Juiz de Fora. Doutora em Literatura Comparada,


lecionou nos EUA/MA. É profa do Núcleo de Línguas IFSUDESTE/JF. Publicou
Intimidade vasculhada (7Letras), Exílios naufrágios e outras passagens (Patuá), Quase
(JustFiction), Caio Fernando Abreu: Uma poética da alteridade e da identidade (CRV),
Quando éramos pássaros e outros poemas abissais (Penalux). Mosaico (Sempre-viva
editorial), A memória é uma oficina de ossos (Urutau). Possui publicações em revistas
como CULT, CP Literatura, Mallamargens, Caliban, Palavra Comum, Acrobata, Ruído
Manifesto, Subversa, Diversos&afins, Kametsa (Peru) e outras.
Costureira de mim

Depois de um mês sem escrever, parece que os dedos não reconhecem mais o teclado.
Titubeantes, eles não sabem muito bem por onde começar.

Os olhos, embaçados pelo costume perdido da luz apagada e da sala iluminada apenas
pela tela do computador, parecem ainda mais turvos se eu foco nos dedinhos deixados
pelo meu caçula nas lentes dos óculos.

Distraio-me. Penso que a cama, junto com as crias, deve estar mais quente do que a sala
de casa. Penso em ir dormir. Respiro fundo. E os dedos disparam.

Num segundo reencontram os caminhos milhares de vezes trilhados anteriormente. Os


olhos se acostumam e ignoram as digitais do menino. O pensamento acelera e com ele
vem a sublimação.

Esqueço o corpo, o frio, a gata chata que mia lá fora querendo entrar. E me reencontro.
Comigo mesma, com minha vida interna, com as vozes da minha cabeça. Volto a ser eu.

Escrevendo eu me perco, encontro, reencontro. Partilho, compartilho, divido, multiplico


e somo.

Rasgo-me, mostro-me, retalho-me. Depois costuro. Construo e reconstruo. Reescrevo


minha história e reestruturo quem sou.

O que nascerá daqui? Não sei. O saber vem com o tempo, talvez nem com ele. Mas estou
super afim de seguir e ver no que vai dar.

Elaine Miragaia é natural de São José dos Campos-SP e atualmente reside em Caçapava-
SP. Psicóloga, arteterapeuta e leitora compulsiva, há 21 anos trabalha exclusivamente
com mulheres. Adepta das intensidades, das hipérboles e do uso de palavrões como
advérbios de intensidade, escreve crônicas, relatos e, vez ou outra, resenhas bastante
pessoais sobre os livros que a atropelam. Compartilha seus textos no instagram pessoal,
@elainemiragaia, e no instagram do clube do livro Elas Reveladas (@elasreveladas).
A última valsa

Coração acalentado por um fogo que consome devagar, paciente. Sem vexame,
suas chamas me envolvem numa dança desconhecida, mas que estranhamente meu corpo
reconhece, como se murmurassem no meu ouvido os comandos.

Quando em rebeldia finjo não escutar a voz que vem do oculto, me perco no
balanço dos braços que me cercam e piso no pé de outrem. Peço desculpas, ao meu par e
ao sussurro, e retorno a ciranda. Dois passos pra cá, dois passos pra lá, um giro. A
sensação de pertencimento é igualável ao medo.

Medo de que o fogo me preencha e que não reste mais nada para chamar de meu;
medo que as chamas passem de acalento para prisão; medo que os braços que agora se
apertam em minha cintura guiando a dança, se cansem de me conduzir e parem de valsar.
Tenho medo, mas não o suficiente para me fazer parar. Ainda não, ainda é cedo.

Aperto meu corpo ao do meu par e sinto-me queimar pelo calor que emana, mas
não me afasto. Pelo contrário, me estreito melhor em seu aperto e escuto a voz
desconhecida me dizer para qual lado devo ir dessa vez. Me falam para girar. Giro. Me
mandam pular. Pulo. Ordenam que eu me afaste. Nego.

A dança se torna mais rápida e descompassada conforme o tempo passa. O fogo


que antes não tinha vestígio de pressa se alastra cada vez mais pelo meu corpo, tomando
tudo para si e queimando por onde passa, ferindo minha pele, me fazendo perder o fôlego.

Choro em silêncio. Não pelas queimaduras que agora tenho, mas por não entender
por que elas estão aqui. Era calmo, eu lembro. Tanto, que às vezes precisava me
concentrar para sentir o toque suave deslizando por minhas curvas. Então por que, logo
agora que havia me acostumado com o terno calor beijando minha face, ele se tornou
grosso e áspero? O desconheço. Tento fugir. Não posso mais.

Estive a dançar por tanto tempo que perdi a noção dos dias. Ou podem ter sido
semanas, meses, anos. A plateia que antes assistia à valsa, percebo, desesperada, se
encontra vazia. Não tenho mais ninguém. Aguço os ouvidos em busca do sussurro
familiar, ansiosa pelo próximo comando e pelo conforto que a voz me trazia. Não o
encontro.

No seu lugar, escuto apenas meus passos apressados no piso de mármore que
tentam acompanhar a ciranda de outrem que incansavelmente dança. Percebo,
tardiamente, que não há música. Estranho, pois antes meu coração entoava animado um
samba. Ou poderia ser um pagode.

O balanço segue seu ritmo, trilhando um caminho há muito tempo conhecido por
mim. Não é mais necessário que sussurrem em meu ouvido os passos por que após valsar
por anos a fio, não preciso mais ser guiada. O chão que piso agora já foi pisado antes, a
dança que me envolvi já foi dançada por outras pessoas e o meu par… algum dia eu o
amei? Trilhamos uma longa jornada juntos, passo após passo, giros e mais giros numa
ciranda que eu nem me lembro de ter pedido para entrar. Ainda assim, não sei se o amo.
Ou se deveria amá-lo.

Recordo, saudosa, de como era minha vida no começo de nossa caminhada.


Quando minhas pernas não doíam por valsar e minhas mãos eram menos enrugadas,
quando eu tinha motivos para dançar e quando ao fazê-lo era assistida.

Fecho meus olhos e no meio de um longo suspiro, me ajeito nos braços de quem
nunca foi embora. Seu fogo me queima, mas não como antes. Agora, já cansado, seus
giros parecem me convidar para o fim da valsa. Minha plateia está vazia, a música acabou
e nossa dança agora me tonteia. Foram bons anos.

Giro pela última vez na valsa em que fui forçada a aprender a dançar. Foram bons
anos, mas é dada a hora de descansar. E descansarei com o último que restou ao fim da
ciranda.

Nathália Aguiar tem 18 anos e é estudante de Jornalismo pela Universidade Estadual da


Paraíba (UEPB).
Kayane Jhenifer nasceu em 2004, em Fortaleza (CE). Atualmente mora em Itaitinga,
região metropolitana. É estudante de Química na Universidade Estadual do Ceará. Seu
hobby principal é a fotografia, na qual usa no seu cotidiano e nas horas vagas, registrando
as paisagens urbanas, os elementos naturais e as pequenas coisas.
XXVII. atestado de óbito

desta vez sou eu que escrevo sua morte

é certo
está muito bem verificado
sem sombra de dúvida
definitivamente averiguado
os registros aqui constam
com absoluta certeza
você não mais existe
nunca esteve tão claro

não há necessidade de laudo médico


não há por que passar no necrotério
as causas e consequências
de seu falecimento
não nos são nenhum mistério

aqui jaz tu
observo se decompor
seu corpo nu
totalmente emputrecido
inanimado
pelos vermes tomado e carcomido
seus cabelos secos, despenteados e caídos
seu corpo vazio
completamente desfalecido
tão feio e irreconhecível
seu olhar vago, petrificado e impreciso
você tão morto
sem qualquer vestígio de vida
tão nulo e inútil
como nunca antes conseguiu ter sido

os fogos fátuos te fizeram um salão de festas


amplo e vasto
agora em morte
está muito bem aproveitado

certifico aqui
sem mais delongas
você não mais existe
você não está mais aqui
pois você nunca esteve tão morto
para mim

tenho medo de quebrar minhas asas recém-criadas


quando alçar vôo
ao teu encontro

e se eu cair
e não conseguir mais voar?

o que vai ser de mim?


VII

E se um dia a virem vagando pelo deserto, saibam quem fui. Que já fui ela, essa mulher
rasgada, extorquida, crua, deserdada de seu próprio mundo. Se um dia a virem vagando
pelo deserto com suas asas cortadas, os pés sangrando, pele assada e a garganta inflamada,
saibam que essa mulher um dia fui eu.

Zoë Naiman Rozenbaum (São Paulo, 1997) é escritora, pesquisadora e atriz em


formação. Cientista social graduada pela Universidade de São Paulo, escreveu e publicou
de forma independente seu primeiro livro de poesia Mergulho em Apneia (2021).
Atualmente, vive na França, onde estuda arte dramática no Conservatório Darius Milhaud
Paris XIV. E eu te matei bem aqui (2023), publicado pela Editora Laranja Original, é seu
segundo livro.
LETRAS MISTERIOSAS

Mis palabras

no son mías,

las pido prestadas.

Mi poesía no es audible,

encierra el misterio

de letras apagadas

y derrota a la muerte

solo con las palabras.

EL FIN

La neblina me rodea

no me permite entrar al mundo

de la creación.

Hay que esperar

esperar…

Con mucha paciencia

Esperar a que llegue algo

que no siempre es lo esperado

y aniquila la esperanza.
Hay un aviso confuso

la niebla no se disipa

y me encuentro al pie

de un muro blanco.

Las palabras se extravían

entre sombras

el acto creador

se disipa lentamente

es el fin de la poesía.

PESCADOR DE VERSOS

Una bandada de gaviotas

se precipita

arañando el mar.

La inmensidad verde azulosa es éxtasis.

Hay restos de botes durmiendo en las rocas,

trozos de historias de naufragios

de pescadores y poetas

que compartieron aguas

pobladas por peces esquivos


y versos a la deriva.

Pasión marinera que atormenta

la conciencia del hombre sublevada

buscando la ruta de liberación

en la brisa marinera

que acaricia el velamen suavemente.

Mientras…

Las horas caducan

las estrellas guían la escritura

y la palabra terca

deja huellas sobre el agua.

LETRAS DE FUEGO

“La palavra es un grano apenas,


pero quemante” (Octavio Paz)

Final de lágrimas

en una mesa de café,

un cuaderno de versos.

Poesía refugio.

La frase como estrella fugaz

vivos fantasmas internos

bucean en las profundidades.


¡Cuidado con las palabras!

No tienen compostura

las letras se deshilachan

metamorfoseándose

en un puñal de fuego.

Washington Daniel Gorosito Pérez Miembro de la Academia Nacional de Poesía de la


Ciudad de México. Nace em Montevideo, Uruguay el 24 de junio de 1961. Radica en
Irapuato-Gto. desde 1991. En el año l999 obtiene la ciudadanía mexicana por
naturalización. Catedrático Universitario, Periodista, Conferencista, Poeta, Ensayista e
Investigador. Ha obtenido premios de periodismo, ensayo, cuento y poesía en México,
Uruguay, Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Estados Unidos, Alemania y Francia. Ha
integrado 40 antologías literarias en Uruguay, México, Argentina, Chile, Italia, España
y Estados Unidos. Su columna Encuentro con Gorosito se publica en países de América
Latina y Europa.
DO CONTO JÉSSICA

Trecho 01

(...) Pega um ônibus para Perdizes. Escorre pelo bairro do Bixiga. O gosto de pastel se

espalha suculento, tortuoso. O vinagrete explode sabores noturnos em sua boca. Invade a

janela a noite mal dormida, passa pelos ouvidos, aquece a sonoridade da madrugada que

está sempre por vir. As bandeirinhas da rua Clélia, os feirantes gritando promoções, os

atores do teatro Sérgio Cardoso rindo escandalosos entre as luzes dos faróis. Um casal se

confunde com o muro, ejaculam brasas invisíveis por dentro do boné e de um moletom

amarrado na cintura. Plumas se evolam entre os trabalhadores. Garrafas derramam

cerveja em copos de plástico. Na prainha paulista, os ternos conversam e vendem o

planeta Terra inteiro. Estamos longe… em direção ao Butantã? Durmo e estou dançando

em Londres. Sozinha. Como sempre fui. Acordo na Benedito Calixto. Um clarinetista de

chapéu pisca um olho. E depois o outro. E toca chorinhos. Músicas antigas entre couros,

charutos, fumaças. As mulheres se alimentam e alimentam seus filhos. Uma fileira de

mães amamentando. Suas crias são bonecas perfeitas e brilhantes. Os olhos: duas bolas

de gude polidas. Seriam brinquedos de Deus? Ah, eu consegui! Eu consegui! Moça?

Um sorumbático “o quê” ressoa sem contorno.

Tem gente?

Não.

Que amadora: deveria ter sentado no corredor. Agora um estranho vai lhe encurralar na

janela até a hora de descer. Hoje ela merece não ser tocada. Pelo menos hoje.

Trecho 02

Calor, né. Silêncio. Você é bailarina? Moço, não tô pra conversa. Silêncio. O ônibus faz
uma curva, de modo que a coxa direita do rapaz transmite as ondas eletromagnéticas para

a coxa esquerda de Jéssica. Sua bochecha esquerda lhe devolve um espasmo. Ao fundo,

uma senhora espirra. E depois tosse de maneira seca. A ventarola do teto começa a bater.

Insistentemente. A cada tranco, Jéssica sentia nas nádegas a precariedade do veículo

público. Na verdade, tudo parecia mais precário com a presença do jovem fantasiado de

alguma coisa. Sua saliva tencionava encostar em suas córneas. Seu hálito roçava

intimamente na língua. Quem o vê de longe não o distinguiria de um animal indefeso,

mas Jéssica enxerga um andarilho da noite em busca de ração. Aquelas roupas…. Teria

saído de um circo itinerante? Estaria fantasiado do quê, meu Deus?

Perguntei por causa do coque. Silêncio. E das sapatilhas também. Esta daqui só pode ser

sua. Entrega a sapatilha para Jéssica. Acho que você deixou cair enquanto dormia.

Obrigada. Estende a mão. Prazer, me chamo Junior. Jéssica. Se cumprimentam.

Junior – Minha irmã foi bailarina. (Silêncio) Sua sapatilha me lembrou a minha irmã.

(Silêncio) As bailarinas não são muito de conversa, né. Quer dizer, elas conversam

bastante entre elas, mas com a gente, os reles mortais, elas não estão nem aí. (Silêncio)

Desculpe. É que hoje foi foda. Fiz um teste que deu tudo errado. (Silêncio. Mais silêncio)

Você não está nem aí, né. (Silêncio) O que a gente mais quer é que o mundo nos olhe com

cuidado, mas o que acontece é o mundo criando pernas para pisar na nossa cara. Para

espremer a nossa cara, até as lágrimas saírem lentas. (Silêncio) Desculpe. É que hoje foi

foda.

Jéssica – Estou com uma dor de cabeça…

(Silêncio)

Junior (Começa a rir de si para si mesmo) – Heheheh, e olha só com o que acabei me

metendo: tarô!

Silêncio suficiente para uma ideia; para o início da chuva; para o fim da tempestade.

Jéssica – Tarô? (Pausa) Moço, me desculpe, mas você sabe ler tarô?
O ônibus se transforma num avião jumbo. Os dois estão na primeira classe. Duas taças

de champanhe são servidas.

Junior (Responde quase sem querer, quase em forma de pergunta) – Sei?

Jéssica – E você está com o baralho aí?

Ela sorri como se, de uma hora para outra, a bacia de um rio voltasse a encher.

Eu entrego um baralho pra ele.

Eu – Toma.

Junior – Obrigado.

Jéssica – Você pode tirar as cartas pra mim?

Yo Yo Ma, posicionado no começo da cabine, toca a Suíte n.º 1 de Bach em sol maior.

Junior – Claro.

Jéssica – Ai, que ótimo!

Junior – Qual é a sua pergunta?

Silêncio duvidoso.

Jéssica – Eu quero saber se eu vou ser feliz em Londres. Se terei sucesso por lá.

DO CONTO ELANA

Trecho 01
(...)
Hoje Elana vai ao seu primeiro encontro amoroso. Dirce, sua amiga há quarenta e cinco

anos, diz para que Elana utilize o batom amadeirado de sua coleção. Toma, é seu, Elana.

Mas Elana é sincera em dizer que odeia aquela cor, que lembra a cor de uma lepidóptera,

ou, pior, de uma mariposa-bruxa. Não, jamais devemos parecer uma bruxa em nosso
primeiro encontro; é capaz do cara apagar as luzes todas para voarmos fora dali. Dirce

conta que possui um outro de cor vermelha, mas que acha um clichê utilizá-lo neste tipo

de situação “amorosa”. Elana logo a corrige, pois não se trata ainda de um encontro

amoroso, o ambiente, é possível, bem possível, talvez seja um ambiente romântico, com

uma canção de elevador ao fundo, cuja letra nos conte algumas verdades, com vinho e

comidas exóticas as quais Elana possa abandonar peremptoriamente, como um cidadão

abandonando uma cidade – não: o ambiente é romântico apenas em hipótese. Nada pode

nos dizer que um espaço fechado com mesas e panos brancos sobre a mesa e marcas

redondas de vinho sobre os panos (simetricamente redondas e vermelhas e escuras e

cortantes como tatuagens inacabadas) seja um espaço romântico feito para o romantismo

arquitetado por Eros, o deus do amor – não. Poderia o ar-condicionado estar estragado,

poderia ter um cabelo grosso sobre a comida, sobre a entrada, no dorso da manteiga,

deslizando sobre a superfície amarela do retângulo, misturada à posta escabeche – não.

Nada disso é romântico, Dirce, nada disso me impressiona, nem mesmo o ser humano e

suas boas intenções românticas irão me impelir a usar esse batom vermelho e essas rosas

boiando em meu intestino. Não há nada boiando em seu intestino, Dirce acaricia a cabeça

da amiga. Elas sorriem em conluio. Elana fecha os olhos e diz não querer enxergar mais

nada por pelo menos um intervalo comercial. Atordoada (mas não menos disposta), Dirce

suspira e pede um sorvete de creme com calda de chocolate. Ela sabe que para Elana é

difícil abandonar uma coisa (o sorvete) ou outra (a calda). Nossa especialista em

lepidópteras toma a substância homogênea de olhos fechados.

DO CONTO CÍNTIA

TRECHO 01
(...)
Cíntia (Cantando) – “Traiçoeira e vulgar, sou sem nome e sem lar: sou aquela. Eu sou

filha da rua, eu sou cria da sua costela. Sou bandida, sou solta na vida e sob medida pros
carinhos seus. (Agora, dá uma piscadinha para Noronha, que se esvai feito farinha) Meu

amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus.”

O bar, de novo, explode em aplausos.

Mais aplausos.

Mais e mais.

Bebidas são distribuídas como a queda de um enorme dominó.

Pessoas tiram suas roupas.

Se abraçam coletivamente.

Se beijam.

Têm filhos.

Renascem em outras gerações.

Sobrevoam o telhado do bar.

Se esquecem que já passam das cinco.

Pausa.

Pedro resolve afinar o instrumento.

Pausa.

Ele demora anos. Séculos. Cíntia está cada vez mais idosa. Agora, de bengalas, tosse,

não consegue mais fumar seu habitual Free Azul. A mãe se foi. Assim como Noronha,

Nelsinho e Leandro. Sobraram ela e Pedro, em um bar vazio.

Cíntia (Cantando à capela) – “As suas mãos onde estão? Onde está o seu carinho? Onde

está você?”

Mãos trêmulas acendem um cigarro na bituca de um outro, ajeitam o batom esmaecido,

depositam cerveja em um copo, pedem mais para o garçom, acariciam os cabelos de


Pedro, acariciam os pelos de um cachorro, passeiam por um bosque noturno, deslizam

por um buquê de rosas, lançam beijos à plateia do teatro, rezam para que termine o

batente, pescam um cartão em uma bolsa entupida, lançam maldições a uma vida

incompleta, acenam para si, dão tchau para si, abençoam a si, em uma piada litúrgica feita

por quem, há muito, perdeu a fé em qualquer coisa.

Pedro, finalmente, começa os acordes de “Bom dia, tristeza”, de Adoniran Barbosa e

Vinicius de Moraes.

Alexandre Gil França nasceu em Curitiba, em 1982. Já trabalhou com música, poesia e
teatro. Publicou, em 2015, seu primeiro romance, Arquitetura do Mofo (Selo Encrenca/
Arte e Letra). Atualmente, edita junto com a poeta Iamni a Mathilda Revista Literária. É
mestre em Artes Cênicas pela USP e doutorando em Teoria e História Literária pela
Unicamp.
PALAVRAS MORTAS - ENTRE MENTIRAS E CONTRADIÇÕES

I - Primeiras ilusões

“Há séculos corro, percorro e suspiro, Vacilante paro, deparo e sinto


O amargo, o parco suspiro de uma nova ilusão
O canto maldito de uma boca morta
De uma fé perdida no peito, De um ser esquecido no leito
Desse sangue a jorrar no estreito”.

“Mas paro, corro e deparo comigo


Sozinho a vacilar, a esmo, A escrever versos já mortos
A sentir sensações perdidas, Mentiras, mentiras, amargas ilusões”.

II – O amor esparso

“Na boca do poeta, de um bobo, tolo e palhaço


o amor e a flor são sinônimos.
Já na vida desnuda – é ilusão, é ser lançado e despedaçado ao mero toque do vento. É
sarcasmo, cuspe e escarro”.

“Diz o tolo: ‘Comparada com o esplendor que há em ti,


É treva, bruma, parca e vaga toda a luz do mundo’.
– Risos, tapas e bofetadas – eis o presente [a ser lançado na cara do poeta] dessa [e por
essa] ilusão,
Desse amor que é, na verdade e em verdade vos digo: espasmo, batida, grito, loucura,
sujeira e nada”.

“Pare, escute, escute esse outro verso esparso


Sejamos sinceros
cantemos asinha outra mentira:
O teu ledo sorriso, tua boca que lido, que leio
Em versos, em carne e imerso
É como uma pulcra falena, que brilha e voa no ar,
Que está a adejar por entre os prados que há em mim,
Por entre os regatos que há em mim espalhados em ti”.

III – Um espelho fosco

“Regatos, espelhos, espelhados em quem e por quem?


Espelhos de mim, espelhos a correr por ti,
Como rios, em fragas, cascatas
Em águas a espelhar essa alma, esse amor
Esse, o outro e aquele
Ou seja, nada.
Um espelho fosco, um fosso
Um céu, em séculos, em séculos mortos
Em uma vida morta, cansada
Exaurida de si e de tudo
Um espelho que não mostra nada
Um céu que jaz caído
Uma terra que jaz voando, espraiando no céu morto
E todos nós, vivos, mortos, amados e amantes
Sozinhos
nada.

IV – Verdade morta

“Mas em verdade em verdade [risos], encontro somente


certezas mortas, verdades vazias, corações em desencontro
A mentira que o falso poeta profere já torta e oca:
‘Vou percorrer o mundo por ti, galgar fragas, montanhas em busca de teus beijos
molhados ... A ti somente amarei, celebrarei como musa, divina’.
– Tudo isso é mentira, pois nesse vazio que sinto –
O poeta, eu, outro, outrem, todos?
Nesse vazio que minto sentir, vacilante jazo
A chorar tristezas não ditas
A pensar verdades e mentiras
A sofrer enquanto possesso, enquanto
Esse corpo que, há séculos, procura, procura
E não acha nada, nada, ninguém.
Esse corpo que morre, que mente, que canta, que mancha.
A mancha que é, esse corpo, essa alma, como merda
Jogada em fosso, um esgoto, em mim, em nós, em tudo.

V – Felicidades não ditas, malditas

“Mudemos o canto, os versos e os prantos, foquemos,


toscos, foscos em outros poços
Profundos, vagos de mim, um vago e tolo filósofo, que digo
E acabo, e findo esses versos tolos, mortos
Sobre o outro e sobre mim”.

Nalberty Medeiros Santos Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual da


Paraíba (UEPB). Bolsista do Programa Residência Pedagógica (2018-2020) e bolsista do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (2020-2022). Participante do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia (NEPEFIL/UEPB/CNPQ). E atualmente,
mestrando no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade (PPGLI)
pela Universidade Estadual da Paraíba.
Ímpar

Enroladas por mim


Duas meias sem par
Juntas, enfim!
Como tantos pares
[formados ao acaso]
Perfeita combinação
Ímpar

Quase...

Exausto repousa o corpo


Adormece a mente
E tudo recomeça.

Novas chances em seu travesseiro


Desperdiçadas ao raiar do sol
Dilaceradas. Uma a uma.

A espera dolorosa.
A expectativa frustrada.
E eles não ficavam mais jovens.

Maria Raquel nasceu em Curitiba, no ano de 1976. Alguns de seus poemas podem ser
lidos no portal www.guatafoz.com.br (@guata.foz), outros no @haikai.brasil e alguns em
seu perfil @a.mae.da.malu.
URUTAU

Avisto uma árvore de tocos secos

no parque da minha cidade.

Ao redor, crianças ,jovens e adultos

jogando pedras e sorrindo .

Uns gritam :

“É um bicho”.

Apresso-me e tento saber do

que se trata .

E fico surpresa em ver um pássaro

Que se transforma em toco seco.

Suas pernas acinzentadas se misturam

as cores do tronco da árvore.

Fica parado por horas .

Muito engraçado!

Totalmente paralisado.

Mas os seus olhos são vistos.

A íris é amarelada .

Enxerga até de olhos fechados.

E o que é mais atraente ,

Ou melhor ,espantoso ,

É o seu canto ,lembra direitinho

Uma risada macabra .

E fico atônita em ouvir e todos também,

Levando a extração de sorrisos da

Existência dessa ave –fantasma.


Vânia Lúcia Malta Costa Catunda, é natural de Maceió – Alagoas, filha de José
Inocêncio Leão Costa (em memória) e de Maria Cleuda Malta Costa. Possui 04 irmãos:
Nazaré, Glaucia, Cleide e Junior. Casada com Júlio César Catunda, sem filhos. Servidora
Pública da Secretaria de Saúde do DF, no cargo de Médica Neonatologista. Atualmente
aposentada. Publicou seu primeiro livro de poesias O OLHAR DA VIDA, há um ano e
meio. Tem participações em várias antologias impressas e em e-books e também, em
Revistas Literárias.
NIRVANA

Um dia quieto na minha cabeça

onde o sol nasce a passos lentos

e os versos que vêm e vão são bucólicos

como se Caeiro estivesse arando a terra.

É proibido ter pressa

assim não dá para pensar,

então deixo que tudo percorra

seu próprio tempo,

um pouco de alegria

para dopar o pensamento.

Porque um dia quieto

nasceu em minha cabeça

e fazia algum tempo que não via o sol

de encontro ao mar.

SALVE A MÁQUINA!

O mundo já não precisa

de Deus para lhe ouvir

os algoritmos agora respondem

as orações.
*

COMPASSO DOS PONTEIROS ARRASTADOS

Não vejo as horas passarem

eu que brinco com o tempo

passeando pelas horas.

Costumo abominar a pressa

por mais que seja necessária

às vezes.

Não sou refém do tempo

nem prisioneiro de suas horas

sou apenas passageiro

eu passo

acabo

vou embora.

TEU NOME

Teu nome está grafitado

nas paredes do meu crânio,

está nos outdoors


e nos anúncios das

paradas de ônibus,

está no bloco de notas em branco

que levo pra faculdade.

Teu nome é uma repercussão

um escândalo considerável,

quem dera que todos soubessem

o quanto o teu nome toma boa parte

do meu cotidiano,

teu nome tornou-se um vício de linguagem

no meu vocabulário.

MISTÉRIO

Clarice odiava queimar livros

lia-os escondidos

mas os livros

sempre se manifestavam nela.

Um dia, Clarice desapareceu

ninguém mais a viu,

dizem que ela se escondeu nos livros

fez morada pelas páginas.


E hoje, Clarice é um mistério.

Paulo Brás nasceu em 2000, é cantor-compositor, poeta, ator de Itaitinga (CE) e


estudante de Letras Português na Universidade Estadual do Ceará. Começou sua vida
artística em 2014, na música e no teatro. Autor de Filhos da Vida e Outros Poemas, pela
editora Premius (2021).
Toda mulher

Toda mulher tem um segredo, começa pelo próprio segredo de ser

– Mulher –

Toda mulher tem sua marca, o seu batom preferido e o eu perfume inspirador

Toda mulher tem um registro, um passado, um legado, uma história e um amor

Toda mulher carrega desejos que às vezes devem ser punidos

Toda mulher carrega um sacrifício, um carinho e um inimigo

Toda mulher às vezes cansa de ser mulher e vai ser qualquer outro ser ou bicho

Toda mulher carrega o segredo da jurema e o balanço do desejo e a sede infinita

[de ser menina


outra vez
A Divina Comédia

atravessar o inferno, sem nunca ser esquecido

se distrair no purgatório e subir ao paraíso

denunciando a injúria, a corrupção, a injustiça, a inveja

a avareza, a hipocrisia, a traição, a mentira,

entidades religiosas, reis, impérios, más condutas,

promessas não cumpridas. Ser esmagado, punido e castigado

por seres híbridos e glorificado por seres de luz,

num caminho incerto Virgílio e Dante percorrem as camadas

do humano pecaminoso a procura de seu perdão e de sua misericórdia

Géssica Menino, mãe do Christopher, poeta e escritora. Autora de contos e de inúmeros


poemas publicados em revistas e pela Editora “Toma Aí Um Poema”, assim como, autora
do livro de contos As Laranjas de Alice Mazela, vencedor na Categoria “Capa” do
Primeiro Prêmio Candango de Literatura. Autora de vários poemas da Cemana de 22
(Revista Literária em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna), podendo
ser acessada em: https://www.cemanade22.com/.
DO LIVRO CASA VOADORA

Trecho 1

Casa Voadora é um texto livre, nômade, transversal, escrito em sua maior parte em
confinamento e, depois, mais solto. Andarilho, sem definição única, diarista, pode ser um
tipo de casario, uma vila, construída com as mãos. Dentro desta Nave-Cidade-Bairro-
Casa, há vários tipos de habitações, de formas, de desigualdades, de arquitetura e de
corpos. Ao mesmo tempo que algumas casas possam parecer dissonantes uma da outra,
ou carentes de um estilo único entre si, seus alicerces têm amplitude e capilaridade para
estruturar uma grande teia. Uso o termo “casa” para nomear os capítulos e para adjetivar
estes corpos vivos, nossas lentes para o mundo, o mundo particular de cada um e as casas
que habitamos, naturais ou não. A paisagem literária que tento fazer é variada, uma mais
poética, outra mais ensaística. Algumas mais técnicas, outras mais documentais. Tudo
aqui sai de minha experiência de liberdade que tenho com a literatura, para exercitá-la
como a sinto. Quero falar dos caminhos que faço para ganhar a vida, ajudar os que sofrem
e exercitar meus pensamentos e ações. Sinto que vivi com intensidade uma vida
heterogênea, talvez mais do que uma vida. Entrego-lhe este tecido de pele feito com amor
à arte, ao conhecimento, e especialmente à vida que compartilho com você. Uma estética
de sobrevivência.

Ao fim geral desta escrita, eu me reencontrei com um filme adorável, Caro Diário, de
Nanni Moretti. Se tivesse condições de fazer um filme como este, eu o faria agora. Acho
que há algo de semelhante por escrito.

Trecho 2

Casa de Fogo

O tiro foi certeiro, entrou pelo topo da cabeça e a pequena bala do revólver 22 alojou-se
no centro do cérebro dele. Atravessou tudo, de cima a baixo, lobo frontal, tálamo,
hipotálamo, e parou ali na hipófise. Um estrago mortal. Uma outra bala não foi irmã dessa.
Alojou-se no bolso da calça jeans perto da virilha. Não entrou, deu chabu. Um tiro no
alvo, outro cuspido, encrencado, travado, quase um festim. Se os dois tivessem sido
assim, a história teria sido outra. Poderia ter vários outros desfechos melhores do que o
consumado. Nunca pude conferir o que de fato ocorreu na cena. Minha imaginação
desenha assim: era uma tocaia, a besta se escondeu numa moita ao lado da estrada, talvez
até dentro de um mata-burro. A vítima desceu do cavalo para abrir a porteira quando o
alucinado deu a voz de rendição. Devem ter se estranhado, Mário tentou se defender, aí
veio a primeira bala na calça. Mário deve ter se dobrado para frente num gesto automático
de defesa e expôs o topo da cabeça a Antônio. Daí, mais um passo adiante, a segunda veio
à queima-roupa, chamuscando o cabelo. O moço tinha só 25 anos de idade, o assassino,
uns 35, no máximo.

Mário aguentou uma semana em coma, vegetando. A esperança muitas vezes quer ser
ingênua. Pensávamos, “ele vai acordar, vai ter sequelas terríveis, mas ele vai voltar”. O
crime foi num 28 de dezembro de 1980, o falecimento dia 3 de janeiro de 1981, dia do
aniversário de nossa mãe. A morte de meu irmão Mário Augusto mudou o rumo de várias
famílias, a central delas, a nossa, evidentemente. Uma mudança de fazer a vida ficar sem
sentido por um tempo.

Trecho 3

Casa de sobrevivência – minha casa – o transtorno obsessivo compulsivo, o TOC

Perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo Perigo perigo perigo
perigo perigo perigo perigo perigo perigo Perigo perigo perigo perigo perigo perigo
perigo perigo perigo Perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo
Perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo perigo Perigo perigo perigo
perigo perigo perigo perigo perigo perigo

Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dú- vida e Medo Dúvida
e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvi- da e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo
Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida
e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo
Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida e Medo Dúvida
e medo.

O percurso é dúvida, a incerteza é medo, o perigo é medula. O vale do eco infinito. Busca-
se ajuda! Quero ajuda!

Isso tudo é longo e permanente, está em tudo e em mim, atraves- sa-me, entranha-me, sou
eu, num modo convencional de dizer eu. Pois sinto, sei, conheço, mas não posso dizer eu,
porque do eu somos muitos. Inclusive meus antepassados de quem herdei, vida que levo
e faço, minha epigenética, que é a expressão viva da genética, o aqui e agora e o futuro.
Sou um bicho neocortical, sígnico, linguístico, sonhador, uma casa viva de portas e
janelas abertas, um aglomerado em pó de estrelas. E em mim cabe a dúvida, existe sempre
a dúvida. No plural, elas são as minhas sombras e meus caminhos. Um ciclo muito
eficiente, ancestralmente eficiente, reptilianamente preparado para causar exatamente
aquilo que se quer evitar. O medo nos protege, faz parte dos instintos de proteção, mas
quando é falso e demasiado, patológico, causa, com as sensações e o desconhecimento,
mais medo ainda. O medo traz a dúvida obsessiva que traz a sensação interminável de
perigo iminente. O ser tocado busca ajuda o tempo inteiro para aliviar seus sintomas e o
caminho é um labirinto. É assim que se sente encurralada uma pessoa com TOC –
transtorno obsessivo compulsivo, e não reconhece o porquê, não sabe o que está
acontecendo. Depois de se ligar neste movimento, de chegar a um certo estágio de
consciência e de conhecimento do fato, o ciclo pode perder força, a obsessão diminui de
importância. Já se sabe o nome no inimigo, sabe-se onde ele está. A guerra fica mais
simétrica e, com paciência, interrompida, com alguma paz. Isso para alguns sortudos e
mais, digamos, preparados.

Fui diagnosticado com esta desordem neuropsíquica somente em 2016, por um


competente especialista e sua equipe do Hospital das Clínicas, da Universidade de São
Paulo (USP). Acho o termo em inglês mais interessante – OCD, obsessive compulsive
disorder. Assim, desse jeito, ele parece descrever mais justamente o que realmente
acontece fisicamente, uma desordem nos pensamentos e, consequentemente, no corpo.
Mas não podemos deixar de lado um campo maior do que este, de pouco entendimento
prático ainda para médicos, que são o das doenças psicossomáticas. Depois de mais de
trinta e seis anos com sintomas leves, aumentados com o tempo, sem alguma hipótese e
definição para mim, com o fato de conhecer seu mecanismo, sua forma, seu cheiro, sua
cara, a vida começou a melhorar. Quinze anos é o tempo médio de tomada de consciência
de um diagnóstico de TOC. Quando não sabemos o que está acontecendo, onde estamos,
para onde vamos, perdidos e sem rumo, tudo fica muito pior.
Luiz Otavio de Santi nasceu em 1961 na cidade de São Paulo. Graduou-se em
Comunicação Social, Cinema. É Especialista em Língua Portuguesa. Mestre em
Comunicação e Semiótica, PUC-SP. Doutor em Psicologia Social, USP. Foi professor
universitário por vários anos. É acupunturista, eutonista (eutonia), cineasta, escritor e
poeta.
*

* *
Agradecemos:

A Eva Wilma Rodas Ramalho e Fernando Antônio Ramalho de Amorim – pelo apoio de
sempre;

A todos/as/es os/as/es membro/as/es da Rede AFETIVA de Culturas, da qual fazemos


parte – pelo apoio e a divulgação;

A todos/as/es os/as/es nossos/as/es colaboradores/as, leitor/es/as e amigos/as/es – sem


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