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Editorial ------------------------------------------------------------ p. 05
Mathenovê --------------------------------------------------------- p. 09
Anna Apolinário -------------------------------------------------- p. 20
Bruno Ramalho --------------------------------------------------- p. 23
David Marques de Ramos -------------------------------------- p. 29
Vanessa Vieira ---------------------------------------------------- p. 33
Daniel Rodas ------------------------------------------------------ p. 40
Maria Isabel ------------------------------------------------------- p. 44
Luciano Lanzillotti ----------------------------------------------- p. 52
Camila F. Machado ---------------------------------------------- p. 57
Árion Lucas ------------------------------------------------------- p. 62
Gabriela Lages Veloso ------------------------------------------ p. 70
Ariel Von Ocker -------------------------------------------------- p. 73
Felipe Julius ------------------------------------------------------- p. 83
Deiziane Oliveira ------------------------------------------------- p. 89
Luiz D Salles ------------------------------------------------------ p. 93
Agradecimentos e Contatos ----------------------------------- p. 106
Editorial
O povo que vem do chão
O chão desconhece o Não
Mata rala. Rala branca. Mata branca. Mata rala. Mata brava. Brava branca. Mata branca.
Seca brava. Mata brava. Brava anca. Mata branca. Seca alva. Mata alva verde branca.
Mata branca. Mata calva. Mata verde. Mata alva. Mata vinde. Mata brava. Mata brava
verde mata. Mata o mato. Mata o mata. Mata verde sobre a mata. Mata a morte. Mata-
mata. Mata verde nasce a vida. Mata verde. Mata-vida.
O rito do povo que sobe. O grito do povo que clama. O grito do verso que ouve. O rito
do povo que chama. Queimando no sol que se ergue. Debaixo da chama primeira. Um
grito do rito que clama. Ao som da estrada-peneira.
Peneira o pé! Peneira o pé! A gente desconhece a ré. Peneira o pé! Peneira o pé! Sucuru
é som que dá fé.
SUCURU!
Equipe Sucuru
*
* *
OÁSIS BRASILIENSE, 2021
O PEREGRINO, 2021
ALUSÃO AO CENÁRIO DO SERTÃO EM UM MUNDO PÓS-PANDEMIA, 2021
DESENCONTRO DAS OPORTUNIDADES NO ENTREMEIO DE UMA CONFUSÃO MENTAL, 2021
MULTIFACETADA MARIA, 2021
BLOQUEIO MENTAL, 2020
O HOMEM EM PARALELO À SUA ESTUPIDEZ, 2020
SETE CÂMERAS, 2021
O CONSUMO DO CORPO FEMININO E DA MULHER, 2021
Matheus Azevedo – artisticamente, Mathenovê – mora em Caruaru-PE e tem 18 anos.
Em 2019, ainda no Ensino Médio, iniciou um projeto de exposição em um blog, que
intitulou ―Escrito & Descrito‖, cuja exposição era centrada, principalmente, nos seus
poemas. A partir de 2020, surgiu a ideia de configurar uma página no Instagram para
divulgar, também, suas pinturas, projeto que o define como artista atualmente. No mais,
esse artista traça na sua filosofia a sobrevivência de viver de maneira intensa, junto à
arte, no ápice da pandemia da Covid-19, explorando a crítica social. E-mail:
escritoodescrito@gmail.com / Instagram: @escritodescrito
Me chame de Legião
Os rumores nas nuvens pesam como pianos despencando no mar. Minha sombra
paira com asas de chumbo no dorso macio do abismo nu. Escolhi sapatos esverdeados,
lustrosos como absinto. Conto os passos, babilônica, derramo constelações, vermelhas e
azuis.
Cobiçosa, tento adivinhar o desenho de teus lábios sob a máscara branca. PFF2?
é a mais segura, eles dizem, um escafandro contemporâneo para pulmões temerosos.
Penso na espessura, na textura e no rubor, a barba circundando a fenda inervada. A
borda, a margem úmida. A saliva, a língua, serpentiforme? Sou eu, sôfrega, sedenta,
pantagruélica.
Tiamat estrangulando minha tempestade.
Sangue misturado com terra, placentas estremecem.
Pela janela, observo o redemoinho desvanecendo. Desço para pegar uma taça
com água, resvalo de soslaio meu vestido esvoaçante de volúpia em ti, o corpo
desejando o vinho, a água sustentando o frenesi. Respiro teu pavor, arranho a febre de
teus bramidos. Nossos espectros brilham na tela da célula androide, animais pixelados
em dispositivo sensível ao apocalipse.
7 minutos. Asas ressoam. Meus silvos devastam a cidade.
Você apenas me regalou com uns olhos amendoados, estupefatos e famintos. Eu
conheço todos teus meneios. Tateio tua virulência, devoro tua cólera, eu abrigo teus
ardis. Apunhalo tua pele com minha língua de meretriz.
Em tua carne, todas as fêmeas comungam.
Quero te ouvir sussurrar meu nome enquanto gozas.
Anna Apolinário (Paraíba, 1986) poeta e produtora cultural, organizadora do Sarau
Selváticas. Publicou os livros Solfejo de Eros (Câmara Brasileira de Jovens Escritores),
Mistrais (Prêmio Literário Augusto dos Anjos, Edições Funesc, 2014), Zarabatana
(Editora Patuá, 2016), Magmáticas Medusas (Editora Cintra/ARC Edições, 2018), Las
Máscaras de Aire (Editora Cintra/ARC Edições, 2020) A Chave Selvagem do Sonho
(Triluna, 2020), Furor de Máscaras (Editora Cintra/ARC Edições, 2021).
ensaios sobre o instante
II
na solitude do não
em que o silêncio se aquece,
o que há em mim não esquece
que meu instante é canção.
III
IV
VI
VIII
o sentimento é saudade,
a dor nem sempre tem cura,
mas certa realidade
se acha onde não se procura.
Meu reflexo no espelho era de uma mulher envelhecida com a pele gasta e
enormes olheiras. Era um corpo compungido, contrito pelas dores e pelo vazio. Não
havia mais os beijos na barriga e nem a espera pelo que viria do ventre. Era apenas um
peso, sem beleza nenhuma. Um lar arremetido, uma estrutura sem função. Território
desvalido, sem valor até para mim, que era dona dele. Queria desvesti-lo, amontoa-lo no
mesmo caixote onde estavam as outras peças que não tinham mais utilidade alguma.
Continuei a dobrar as roupinhas, tirando uma a uma do armário e as acomodando
na caixa. Ainda tinham aquele cheiro de recém-compradas. Enquanto fazia a difícil
tarefa de me despedir dos pequenos preparos, imaginava como seria ter nossa criança
correndo pelos corredores. Aprontaria suas travessuras, bateria as portas, espalharia os
brinquedos e logo pronunciaria sua primeira palavra: ―Mamãe‖. E eu, morrendo de
orgulho, passaria horas no telefone contando a novidade para as amigas e tripudiando de
Fábio, que, contrariado, tentaria reverter a situação. ―Pa-pai‖, ele falaria, na tentativa de
fazer nosso pequeno repetir a palavra. E como seríamos felizes. Uma família completa.
Eu me tornaria uma mulher de verdade, como minha mãe, minha avó e todas as que
vieram antes. Eu seria vista, não mais como uma menina inacabada e inexperiente, mas
como uma figura paradigmal, quase como se estivesse em estado sólido. As que viriam
depois me pediriam conselhos, orientações domésticas e maternais. Depois, por ter sido
já adestrada, seria chamada para acompanhar o crescimento de outros, como madrinha.
E então, imagino que a dor para Fábio signifique outra coisa. Não devia senti-la
no físico, pois aquela sementinha nunca esteve ali. Sua consciência estaria limpa. E
quando lhe perguntassem o que havia acontecido para que o herdeiro não tivesse
chegado, responderia que a esposa estava ―mal-ajambrada‖. Todos aceitariam
prontamente aquela justificativa, o papel dele era muito mais funcional que o meu. Não
seria ele quem receberia os abraços solidários porque não evidenciaria seu luto.
Diferente de mim, que seria vista como uma sepultura viva. Apenas olhariam para Fábio
com compadecimento para demonstrar o quão raquítico é um homem sem uma esposa
que enuncie a sua virilidade.
Por um momento, odiei meu marido. Odiei com o mesmo vigor da infelicidade
que sentia. Queria cravá-lo nos olhos e dizer que ele não tinha o direito de me conjeturar
descartável. Gritar que aquela dor era minha, que era meu cerne que estava esmarrido e
não haveria uma segunda tentativa. Eu me negaria. Mas ele não era essa figura. Ele
também chorava. Se resguardava no quarto e quando saía, tinha um sorriso artificial no
rosto, na tentativa fracassada de me confortar.
Fechei o caixote, já atulhado de roupinhas dobradas. Desci com ele nos braços e o
larguei na porta, junto com os móveis do quarto que também seriam levados pelo
caminhão. Pela janela da sala, enxerguei um casal andando pela calçada com um
carrinho de bebê. Era uma jovem bonita, de andar polido, o cabelo meio desgrenhado, e
não parecia feliz. Pelo contrário, se mostrava revoltada toda vez que a criança
choramingava. O rapaz, esguio e desajeitado, não parecia se importar. Caminhava com
um molejo e volta e meia deixava a companheira para trás. Os encarei até virarem a
esquina, quando o caminhão chegou.
David Marques de Ramos é natural de Rosário do Sul e tem 18 anos. Foi através da
leitura e do contato com o teatro que se apaixonou pela Literatura. Atualmente vive em
Caxias do Sul, onde foi um dos ganhadores do 1° Concurso Municipal Literário
promovido pela Academia Caxiense de Letras.
Dos autos
Contraditórias és tu
Impermanência que
Por onde passa e toca
Nos obriga se contentar
Com a ironia da semântica dos prefixos
Contraditórias és tu (impermanência)
Exprime no âmago
Lições de uma vida
E nos debruça por mais joelho
Quando somos mais colo
Contraditória és tu (impermanência)
Por brincar de ser intransitiva
Desprezar complementos
Nessa sintaxe que nos convida
A conjugar transformação
Zeitgeist
Escrever é dilúvio
Que desagua dos terrenos
Hostis das nossas mentes
Escrever é se reconhecer
No espelho da temporalidade
Do tique-taque que nos
Consome da rotina adulta
E escrever é descanso
Dos agouros da vida terrena
É leveza que
Se preenche
Se exata por si
Escrever é respiro
Depois de um tiro
É suspiro, é acalento
Quente e enfeitiçado
É verbo e substantivo
É sensação e leveza
Escrever é tecer
Caminhos e pontes
Entre o real e imaginário
É convencer opositores
Amalgamar continentes
Escrever é traduzir línguas
Transmutar em sintonias
A orelha do Buda ouve tudo. A orelha da vó só ouve mudo. Houve mundo. Do ovo da
orelha. Houve orelha. De dentro do ovo-mundo. Ouve mundo. O largo da orelha. Ouve
orelha. Larga do ovo-mundo. Ouço mundo. Mudo de uma orelha. Houve orelha. O som
de outro mundo.
Daniel Rodas (Teixeira-PB / 1999) é escritor, poeta e dramaturgo. Estudante de Letras
(UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros e Saturno (Editora Primata,
2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021), tem textos publicados em vários
meios eletrônicos, a exemplo das revistas Mallarmargens, Ruído Manifesto, Toró,
Subversa, Kuruma´tá e Trajanos. Faz parte do grupo de teatro ExperIeus da cidade de
Monteiro-PB, onde colabora como ator. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir
incontrolável da vida.
Maria Isabel é pintora, escritora, artesã e artista multidisciplinar autodidata de
Diadema-SP. Adepta do surrealismo e do erotismo em uma mescla onírica fortemente
inspirada por Gaston Bachelard, Anais Nin e George Bataille. Também colaborou nas
edições Nº3, Nº6 e Nº10 da Revista Sucuru.
Instagram: @bellagamella
Contatos
e da vida em festa
advém o primeiro
não-milagre:
Ao final, os amigos
já não se falam:
marcaremos um tempo
para além do que nos foi entregue
em frágil vidro.
Ergueu-se como uma muralha sobre a areia da praia, em uma terça-feira à tarde.
Deitou-se sobre a orla como uma avalanche. Lambendo os carros e as fachadas das
construções, arrastou a tudo e a todos. Sujou-se de toda podridão daquelas ruas,
enquanto lavava aquela parte da cidade. Incluindo a casa daquela mulher.
Moradora do distinto bairro, tinha em sua sala de jantar uma estante canastra que
guardava a bíblia de sua avó e as porcelanas de sua bisa. Com exceção do livro, o resto
ela nunca usava. A mulher era beata fervorosa, lia as escrituras toda noite, já as peças
delicadas de louça estavam intocadas, empoeiradas e tristonhas. Aos domingos, levava
seu livro sagrado para passear e caminhava até a igreja.
A dona estava no auge de seus quarenta anos. Vivia uma vida regrada aos olhos
do Pai e das falecidas avós. Não tinha vícios, não xingava nem quando batia o dedinho
na quina da estante canastra da sala de jantar e não era promíscua. Todavia fosse casada,
nem de sexo gostava. Relacionava-se com o marido apenas para cumprir as obrigações
matrimoniais, duas vez por semana, às quartas e aos sábados. Isso quando o homem não
estava viajando a trabalho. Ele estava quase sempre fora. Os olhos verdes da senhora
transmitiam doçura e seu sorriso era contido. Parecia uma santa de altar. Até o fatídico
dia em que aquela abundância de água chegou a sua casa.
Veio molhada estremecendo as vielas da região. Derrubando as pessoas da
vizinhança em uma única enxurrada. Não era gigante, mas era extensa. E invadiu a casa
da carola arrastando os móveis e principalmente a canastra da porcelana para rua. Virou
a cama de cabeça para baixo e a pousou na porta da garagem. Arrancou a porta dos
fundos da moradia. Quebrou as peças de sua ancestral e regurgitou calhamaços de papel
por toda a calçada. Ao menos a bíblia a moça salvou, agarrando-se a ela com força.
Após o pandemônio, a onda recuou mansa deixando um rastro de destruição para trás e
levando consigo partes da estante da sala de jantar e cacos da louça fina herdada pela
devota.
Os vizinhos começaram a aparecer pouco a pouco, com suas caras amassadas,
mastigadas e cuspidas. Foram se levantando cambaleantes, massageando suas testa,
costas e quadris, gemendo e murmurando ainda assustados com o ocorrido. Vozes
começaram a se exaltar e podia-se ouvir um tem alguém ferido? aqui e outro precisa de
ajuda? ali. Até que logo estavam todos se ajudando e nesse passo ajudaram a crente a se
por de pé.
A mulher, agarrada à sua bíblia, olhou em volta toda aquela papelada espalhada
sobre a porcelana quebrada e sentiu desespero. Prontamente começou a recolher cartas,
desenhos, poesias e insistentemente afastava a todos aqueles que tentassem recolher em
conjunto com ela. O comportamento da beata iniciou um burburinho e logo os vizinhos
ficaram curiosos para saber o que foi escondido na louça antiga.
Mesmo contrariando a vontade da mulher, as crianças recolheram boa parte dos
papéis e prontamente entregaram a seus pais, que fitavam atônitos cada folha que
seguravam. As cartas de amor passavam de mão em mão, os desenhos eram apontados
com vergonha e apreciação, as poesias lidas entre os jovens. O passado voltou andando
debochado e rebolador.
Constrangida, a mulher pôs-se a rebater os olhares julgadores e as críticas feitas
em silêncio. Primeiro disse não serem dela aqueles arquivos. Depois, que não era mais
aquela pessoa. Por fim culpou o tinhoso. Nada do que ela dizia era o suficiente para
explicar o porquê do apego em guardar aquelas coisas que segundo ela não a
representavam mais.
Os poemas e a cartas eram assinados com uma única letra, L.. Falavam sobre
noites suadas de amor e sobre orgasmos. Os desenhos sem assinatura traziam cenas do
corpo da carola quando mais nova, com poucas roupas ou nenhuma. E por isso a
vizinhança, que bem conhecia aquela senhora como intocável, ficou tão impactada pela
surpresa que o destino lhes trouxera.
Humilhada, a beata tomava os papéis de mão em mão. Até que recolheu o último.
Limpando as lágrimas da vergonha, entrou em casa batendo o portão empenado e se
enclausurando no interior de sua residência. A onda trouxera para ela uma destruição
maior que uma cama, uma porta, uma estante. Na visão dela a catástrofe foi a destruição
de sua reputação frente a sua comunidade.
Ademais, a mulher quase se afogou agarrada ao seu livro sagrado. Igualmente há
vinte anos atrás, quase morrera e agarrou-se a fé para não se afogar. A onda de duas
décadas atrás foi ainda maior e a arrebatou. Pegou-lhe em cheio de guarda baixa.
Escrevia-lhe poesias e a desenhava. Tocava-a com mãos firmes cheias de certeza.
Beijava-a beijos molhados e quentes. Era irresistível para quem não sabia nadar. E
mesmo depois de vinte anos, guardou com carinho as dedicatórias nas louças da família.
Passou a madrugada faxinando a desorganização de sua casa e pensando em
cachinhos de cabelo, em hálito de menta, em coxas tremidas, em ânsia ascendente
percorrendo a espinha do sexo ao cérebro. Resfolegava vapor morno pelas narinas e
pela garganta, e se arrepiava só de lembrar de tempos passados. Ela sabia que guardar
tudo aquilo bem guardado novamente seria impossível. O maremoto jogou para fora de
sua casa coisas demais.
Findada a limpeza doméstica, já raiava um novo dia. Cansada, olhava o reflexo da
própria imagem com olhos ansiosos. Não gostava do que via. Usou a água armazenada
na caixa d'agua e tomou um banho quente. Catou um barbeador na dispensa, que ficava
no alto da parede da cozinha, e depilou-se. Arrumou seus cabelos. Pintou os lábios, os
olhos, as bochechas. As roupas lavadas no início da noite, já estavam secas. A dona
escolheu a mais bonita e vestiu. Sentiu-se valorizada pelo espelho. Pegou um punhado
de outras vestimentas e colocou em uma mala. Apanhou seu liquidificador poupado pela
enchente. Calçou bonitos sapatos e caminhou para fora de cabeça erguida.
Deveras fortalecida, sentia uma necessidade latente de mudar. Teriam sido as
águas do renascimento as responsáveis por tamanha revolução? A tragédia líquida se
concretizou como uma verdadeira salvação. Há males que vêm para o bem. A
salmoura que invadira seus pulmões mais cedo foi o vislumbre de frescas
oportunidades, e trabalhou em sua mente como se fosse uma poção mágica.
Os vizinhos se cutucavam, se entreolhavam, sussurravam entre si e fofocavam,
assistindo à figura daquela mulher madura e sem vergonha, renovada pelas águas.
Aproveitando a atenção de todos, a moça anunciou em voz alta, estou de saída, não
volto nunca mais. A onda abriu muitas portas e ela estava decidida a retomar uma
história interrompida por muitos anos. Ou a pelo menos retomar a si mesma da prisão
que se permitiu viver por tanto tempo. Retirou-se do bairro, da cidade, e passando em
frente a orla da praia mirava o mar que a mirava de volta.
Para ela o mar sorria. O recuo e o rebote da transformação repentina levou embora
as correntes. O tchuá-tchuá era a sabida gargalhada de felicidade de uma nova vida,
ouvida com a alma. Viva a liberdade.
Camila F. Machado nasceu e foi criada na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.
Começou a escrever poesias aos 15 anos, durante as aulas de geometria na escola.
Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e
frequentou inúmeros encontros artísticos e literários ao longo de sua vida universitária.
Em 2018, publicou sua poesia em uma coletânea independente de textos femininos
("Que o dedo atravesse a cidade. Que o dedo perfure os matadouros"). Participou do
projeto Cerne Baixada, um acervo digital de poetisas da Baixada Fluminense, acessível
pelo YouTube e pelo Spotify. Em 2021, teve poemas selecionados nos concursos Novos
Poetas 2022 (Editora Vivara) e ―Fronhas Coloridas‖ (Editora Persona). Administra um
perfil de poemas e crônicas autorais no Instagram (@poetacfmachado). Leitora de
poetisas e escritoras mulheres, Camila gosta de escancarar as sensações carnais e
psíquicas, através da poesia contemporânea e da percepção do lirismo escondido no
interior de vivências reais, por mais dolorosas que elas sejam.
lanterna
que susto!
um macaco
esfomeado
descendo
subindo o
cipó sozinho
no meio da
encruzilhada
a galinha
olhos vermelhos
debaixo
da bananeira
choca os ovos
nesse frio
um gato preto
passa correndo
farfalhando terra
o dono em guerra
vem resgatar
vestes escondidas
esquentei
coisa e tal
ia jantar
veio a chuva
pum!
caiu assim
do meu lado
foi deus
depois cortei
isso fui eu
fizemo fogueira
na usina
muita cobra
recuperando
cada toca
se me atacar
eu mato
que as bostas
as garrafas
e o pano
amarelo
dobrado no
galho
com cupins
do cimento
recém-restaurado
preto cremoso
sob o pneu do
pictograma
escorregadio
na placa torta
ao ônibus da seta
as cigarras
entrecortadas
por carros
na lanterna
do imperador
doada ao alto
em 1897
sob a palmeira
que corre o risco
de apagar
clareira
desassossegos dorminhocos
Fosse por raiva e eu saberia o que fazer, mas era nojo o que vi em seu olhar.
SOLIDÃO
Abri teu perfil. Apenas uma notificação: visto por último há cinco minutos.
AS PORTAS
Findos seus vinte minutos, sacou da carteira uma nota de cem reais e lançou-a
sobre o lençol branco.
Entrou no carro e benzeu-se para afastar o pecado. Dirigiu até em casa. Repôs a
aliança e perfumou-se com seu aroma amadeiradamente masculino.
Hoje comprei meu primeiro vestido. Feito de linho em cambraia fina, ele cobriu-
me até os tornozelos. Balançou-se com o vento e agitou-se paulatinamente ante o sopro
sem pudores da brisa.
Acima de mim, havia estrelas maiores do que minha compreensão cuja rota
ignorada num espaço infinito determinaria o destino de universos inteiros.
Mas, ainda assim, foi enorme a felicidade de comprar meu primeiro vestido.
GALINHAS
Por doze dias, a galinha não botou nada. Guardou-se num canto apenas, reticente
da vida e dos propósitos de ser fêmea num mundo de homens.
Por doze dias, seus donos lhe suportaram o capricho. Porém, ante a chegada
décimo terceiro, suspenderam-lhe a comida.
Mais dez dias passou assim a minguar de inanição. Uma certeza apenas
guardava: havia de ser livre e forte e não botar era sua liberdade que se impunha
suprema como a dizer que era, apesar de tudo, senhora de seu corpo.
Perdeu as penas a galinha e o bico enfraqueceu. Já não piava mais e por cansaço
apenas suportava a zombaria cacarejante das outras galinhas que, à custa de seus corpos
e do futuro de seus filhos nascituros, comiam e se fartavam do milho seco e da ração
que lhe davam.
e do defeito que
valoramos como experiência:
emaranhar para elucidar.
pernóstico sensual
Há um pernóstico sensual
amoitado em meu corpo desguarnecido
que deixa de espargir todo o afeto —
súcubo
se deleita com insipidez
não permitindo restar nem filetes —
delegando o ruído vicioso,
as pálpebras trêmulas e
a rouquidão arrebatadora
a mim. sem arbítrio.
dois melindres pra lá, dois pra cá
à aritmética antidemocrática
Deiziane Oliveira
Deiziane Oliveira Santos é graduanda 8º semestre da Língua Francesa da Uneb
Campus ll. Mulher negra, pertencente à religião do Candomblé, artesã e desenhista. A
escrita poética apareceu em sua vida junto aos desenhos, num complemento. Seu
objetivo é ressaltar a escrita periférica de um povo não reconhecido; do negro, do pobre,
principalmente das mulheres negras. Afinal, o conhecimento da vida advém das
vivências, o estudo aprimora este feito.
A Embriaguez das Horas
//
//
me parece querer
sair
meu maior tormento
chego a ter medo
do que
posso o que
devo
no momento
//
//
OUTONO hora de colher pétalas
//
a porta de entrada
pode não ser a mesma da saída
ai como fica (
//
//
fimda noite
começa o dia
//
//
bruteza
o cheiro do café
esparramado na mesa
//
o fundo do poço
pode ser maior
que o fundo dos olhos possa ver
//
//
dia triste
pés de mamonas
galhos vazios
mãos nuas
//
sem opção
//
na batida do funk
pregação na praça
poluição de carros
no dobrar dos sinos
a cidade ausculta
lamenta ou
atura (.
//
pergaminho
//
um pássaro voa
enfrenta cara a cara o por do sol
pousa sobre a rocha
acha-se maior que a madrugada
( sonolência )
nem percebe ser vingado
engolido
ao nascer do dia
//
voo cego - 2
espelho
espaço
caminho
um pássaro
pinguim
deslocad
o de seu
habitar
grito desespero
preso a um imã
na vastidão branca
//
janelas abertas
o arroto do dia perfuma as cortinas
//
só as crianças tem o aval de associar
//
dádiva
hoje uma borboleta
entrou no meu
olhar isso
me deu asas
//
//
notícia boa:
//
lua cheia
entre o muro
& - eu
//
eis a questão
//
será a lá carte ou PF
na prisão
//
enigma:
-á distância-
entre a Vida & a Morte
//
outubro
flores & frutos
canto & encanto
renasce [...]
sabiás famintos
//
já fumei
já bebi
já me
prostitui
já
roubei
já matei
já ENFARTEI
perdição
já morri (
Luiz D Salles é de Aparecida-SP, mora em Diadema. Escritor, compositor e Artista
Visual, autodidata. Participou Laboratório de Poéticas, Produtor Editor Cultural e
Articulador da Revista homônima Antenas e Raízes. Participa de eventos culturais e
oficinas de criação textual. Alguns Poemas. Coletivo Dulcineia Catadora 2013.
Antologia O Subúrbios da Caneta 2014 Dobra Editorial. Os Sorrisos das Amoras 2014
Giostri. Imagens no Espelho 2016 Amazon. Poemas no Periódico A. Poética # 9.
Coletivo-Poemas no site http:// www.mallarmargens.com – Participou da organização
da Feira do Livro de Diadema. Coletivo Tantas Letras de SBC. Organiza o Sarau
Lapada Poética. Participa do Sábados Perversos na Alfarrábio. Projeto
https://www.wattpad.com/user/LuizDSalles (Vencedor do #Wattys2018 )
https://www.revistainnombrable.com/ diversas antologias.
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Agradecemos:
A Eva Wilma Rodas Ramalho e Fernando Antônio Ramalho de Amorim – pelo apoio de
sempre;
Contatos
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Envie seu texto em formato word (letra Times 12) para o nosso e-mail:
revistasucuru@gmail.com. Responderemos o mais breve possível.
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VIVA A SUCURU!
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