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Índice

Editorial ------------------------------------------------------------ p. 05
Luciano Lanzillotti ----------------------------------------------- p. 10
Anna Kusminska ------------------------------------------------- p. 13
Daniel Rodas ------------------------------------------------------ p. 15
Sérgio Inestrosa --------------------------------------------------- p. 22
Vivian Pizzinga ---------------------------------------------------- p. 25
Humberto Pio ----------------------------------------------------- p. 27
Catarina Almeida ------------------------------------------------- p. 30
Gabriela Lages Veloso ------------------------------------------- p. 34
Andreza Andrade ------------------------------------------------- p. 36
Richard Gonçalves ----------------------------------------------- p. 38
Alline Rodrigues -------------------------------------------------- p. 40
Uelson Teixeira ---------------------------------------------------- p. 43
Lucas Araújo ------------------------------------------------------ p. 46
Armstrong Barros Sousa ---------------------------------------- p. 51
Agradecimentos e Contatos ------------------------------------ p. 58
Editorial
O fio da navalha afia

Corte palavra-faca

Corta co’a faca e fia

Rito tecido em faca

Roda a rodagem cria

Verbo que corta e ata

Canto que gira a faca

Verso que roda e pia

Fio da navalha corta

Roda girante fia

Vida que nasce importa

Faca da vida afia.

[IMPROVISO MORNO Nº18]

A Vida fia. Máquina de peito e boca. A Vida afia. Faca na navalha-boca. A Vida pia.
Canto de pássaro toca. A Vida fia. Verso tecido à roca. A Vida cria.

E o tempo renasce em volta. O tempo é gente. Gente que corre a volta. Do corpo-mente.
Corpo que sente e solta. A Vida sente. Dentro da mente e solta: o grito QUENTE
E o morno renasce vivo. Renasce torto. Corta na curva o horto. Renasce rito. Tece na
máquina-corpo. O canto-grito. De hoje: agora ou nunca. O novo agiTU.

Tu é quem pode agir. Só Eu e Tu. NÓS que agita aqui. Agita o CRU. Corpo futuro é nó.
Atado ao TU. Ação de um dedo em nó. O verbo é NU.

E disso. Que é isso e certo. O certo é gente. Agora agir que é tempo. Agora é gente. É
hora é hora é hora. Da nossa gente. Mostrar que a garganta corta. E o corpo sente.

Por isso. Quem vem pra roda. Por isso. Quem roca a roda. Quem roda roçando a roda.
Canta: agora e sempre.

E insiste. No novo agiTU. E corta. Com o novo griTU. Liberta: o corpo-mente. E solta:
O novo espíriTU.

E disso. Se faz o novo. Quebrando. O chão que pisa. Atando. O nó que trisca. Fazendo.
Com quem se arrisca.

Viver: coragem crua. Viver: o sonho nu. Viver: poeta é rua. Viver: é

SUCURU!

[Paraíba: Setembro do Ano do Corte de Dois Mil e Vinte e Dois]

Equipe Sucuru
*

* *
Livraria

Caminha pelas ruas do bairro


buscando por uma livraria.

As ruas acabam, o bairro finda


e as livrarias desapareceram
em espaço e tempo.

É o produto não natural


mais vital que existe.

Tão vivo e com frutas


como árvores.

Luminoso e vital
como o sol.

Íntegro e complexo
como mamífero.

Quando livrarias desaparecem,


algo finda em um povo.

Selfies

Aloca-se em pequeno espaço entre a multidão


e a celebridade.

II

Melhor ângulo, rosto, corpo


no almoço de domingo.
III

Instantâneos de lágrimas
sorrisos, pijamas e jantares.

IV

Corre do ônibus de excursão


para ter a primeira foto na piscina.

Escorrega no precipício
após se manter na ponta
dos pés em busca de Wi-Fi
para publicar a grande imagem.

VI

O aparelho não se abisma


e o conteúdo é salvo em pendrive.

VII

Viraliza

VIII

Velório lotado,
caixão aberto,
centenas de fotos.

Luciano Lanzillotti é professor, Doutor em Literatura Brasileira (UFRJ, 2012), autor


de Geometria do Acaso (Dialética, 2021) e Membro efetivo do Pen Clube do Brasil
Trecho do livro - Ossada Perpétua, de Anna Kuzminska
(Aboio Editora)

09.06. Diário de quarentena onze. Dia nove do seis. Não é possível desaparecer
completamente. Quando alguém interage com o mundo, deixa resíduos por toda parte.
A frase original é mais bonita, mas enfim. Eu acreditava que para desaparecer, bastava
se trancar no quarto. Hoje é mais difícil. Tem blogs que nunca consegui deletar. Deixei
meu CPF em algumas notas fiscais. Meu número de celular talvez seja o mesmo para
sempre. Tem gente que se lembra de mim como a segunda na ordem de chamada. Tem
gente que se lembra de mim como a filha dos meus pais. Meus irmãos nunca me
deixariam desaparecer completamente. Ou as paredes da república, onde eu anotei umas
ideias, à caneta. Ou o fisco. Ou a VIVO. A fantasia de se enfiar no mato e nunca mais
ver a cara de um ser humano que seja — isso é sumir, não é desaparecer. Morrer não é
desaparecer, contrariando minhas crenças. Eu tenho uma lista mental de todas as
pessoas que sumiram. Nenhuma desapareceu. Tem como encontrá-las, se eu me esforçar
um pouco. Ainda assim, às vezes tenho a sensação de desaparecer. E muitas vezes tenho
vontade de desaparecer. Mas eu vi um vídeo, há algum tempo, que dizia que 1) não dá,
2) meu corpo precisaria ficar trancado num apartamento por muitos anos, se
putrefazendo, para alguém se dar conta de que eu desapareci. É meio dramático.

***

sobre o livro: dividido em contos, trechos de diários e poemas, Ossada


Perpétua se debruça sobre o simbolismo em torno da morte como objeto central
- ressignificando-a dentro do contexto pandêmico. Esta é a primeira publicação
da Aboio, portal literário que recém-inaugura novo braço editorial, e está
atualmente em campanha de financiamento coletivo pela Benfeitoria até o dia 21
de setembro. Saiba mais por aqui: https://bit.ly/3wjGbtk

***

Anna Kuzminska nasceu no Rio de Janeiro, cresceu em Teresópolis. É fotógrafa,


escritora e poeta. Ossada Perpétua (Aboio, 2022) é o seu livro de estreia.
TRÊS POEMAS DE ALFRED DE MUSSET –
TRADUZIDOS POR DANIEL RODAS

O poeta Alfred de Musset (Fonte: Wikipedia)

Nome de destaque do romantismo francês – mas ainda pouco traduzido em terras


tupiniquins – Alfred de Musset (1810-1857) é um poeta singular. Dono de uma dicção
que oscila entre o frescor e a sobriedade, sua escrita é marcadamente romântica, com
poemas que abordam temas como o amor, a juventude e a decadência, por vez com um
tom levemente filosófico.

Parisiense legítimo – nasceu e morreu na capital francesa – Musset viveu o período de


grande efervescência política e literária da França na primeira metade do século XIX,
convivendo com artistas de renome em sua época, a exemplo de Victor Hugo, Alfred de
Vigny e Charles Nodier. Alcançando grande fama ainda em vida, percorreu o caminho
―típico‖ dos poetas românticos franceses: viveu de forma boêmia e desregrada,
escandalizando a sociedade do seu tempo com relacionamentos furtivos – um deles com
a romancista George Sand – e morrendo jovem e quase esquecido, aos quarenta e sete
anos, deixando uma obra de destaque para ser reavaliada na posteridade.

Os três poemas a seguir – o primeiro extraído da coletânea Les Nuits (1837) e os dois
seguintes das Poèsies Nouvelles – estão entre os mais conhecidos do autor, sendo
bastante representativos de sua poética. Em A Cortina da Minha Vizinha (―Le rideau de
ma voisine‖), temos uma cena furtiva, quase que um instantâneo verbal, no qual o eu-
lírico observa, através do balançar suave de uma cortina, o semblante da mulher que
deseja. Tomado de esperanças românticas, o eu-lírico se põe num rápido devaneio, mas
é cortado subitamente pelo choque da realidade: a amada já ama um ―lourdaud‖ (―tolo‖,
―estúpido‖, aqui traduzido pela gíria ―mala‖) qualquer.
Já no segundo poema, Tristeza (―Tritesse‖), há a predominância de um tom vagamente
filosófico/existencial: a tristeza do eu-lírico é marcada pela consciência agridoce da
Verdade, do conhecimento profundo que expõe a fragilidade das ideias e concepções
humanas, sobretudo, quando confrontadas com a imagem divina. A temática amorosa
retorna no terceiro poema, Marie (―Marie‖), onde o eu-lírico se utiliza de alusões
românticas – e simbolicamente eróticas – para descrever a mulher amada, culminando
na imagem intensa e algo panteística do último verso: a Amada, sob a ótica extática do
amado, ―brilha e se confunde com o céu‖. Nos três poemas, portanto, temos como fio
condutor a tensão entre realidade e desejo, verdade e ilusão, macro e micro, através de
elementos que se mesclam numa imagética discursiva aparentemente ingênua, mas
detentora de grande profundidade.

Considerando meus conhecimentos ainda intermediários na língua francesa – sou, de


fato, um tradutor enxerido de primeira viagem – busquei traduzir esses poemas com o
máximo de esmero possível, ainda que, por respeito aos tradutores profissionais, os
considere mais como ―experimentos tradutórios‖ do que como traduções propriamente
ditas. Sendo assim, no decorrer do processo de tradução, optei por manter o ritmo e os
sentidos gerais do poema, sem grande preocupação com a métrica – algo que para mim,
como poeta, é dispensável – adotando, aqui e ali, soluções e adequações linguísticas que
possibilitassem uma releitura adequada do sentido original em nossa língua.

Sem mais delongas, eis a seguir o resultado da minha empreitada:

A Cortina da Minha Vizinha


Inspirado em Goethe

A cortina da vizinha ao lado

Vai se erguendo lentamente

Ela vai – eu penso e calo –

Tomar ar na varanda em frente

Da janela que se abre:

Eu sinto o coração palpitar

Talvez ela saiba – quem sabe!

Que eu estou a espiar


Mas ah! Estou delirando

Minha vizinha ama um mala

E é o vento que vai levantando

O canto da cortina da sala.

Le Rideau de ma Voisine

Imité de Goethe

Le rideau de ma voisine

Se soulève lentement.

Elle va, je l’imagine,

Prendre l’air un moment.

On entr’ouvre la fenêtre :

Je sens mon coeur palpiter.

Elle veut savoir peut-être

Si je suis à guetter.

Mais, hélas ! ce n’est pas qu’un rêve :

Ma voisine aime un lourdeau,

Et c’est le vent qui soulève

Le coin de son rideau.

*
Tristeza

Perdi a minha força e existência.

E meus amigos. E minha alegria.

E até mesmo o orgulho que existia

Na crença da minha inteligência.

Quando vi, a Verdade, certa vez

Pensei encontrar nela uma amiga

Mas eis que ao tocá-la uma ferida

Abriu-se e o encanto se desfez.

Mas ela é ainda assim, eterna e bela.

E aqueles que porventura fogem dela

Terão talvez tudo ignorado.

Por ela Deus fala o que é profundo

E tudo o que me resta deste mundo

E ter vez por outra assim chorado.

Tristesse

J'ai perdu ma force et ma vie,

Et mes amis et ma gaieté;

J'ai perdu jusqu'à la fierté

Qui faisait croire à mon génie.


Quand j'ai connu la Vérité,

J'ai cru que c'était une amie ;

Quand je l'ai comprise et sentie,

J'en étais déjà dégoûté.

Et pourtant elle est éternelle,

Et ceux qui se sont passés d'elle

Ici-bas ont tout ignoré.

Dieu parle, il faut qu'on lui réponde.

Le seul bien qui me reste au monde

Est d'avoir quelquefois pleuré.

Marie

Assim, como a flor da primavera

Que surge na floresta, renascendo

Ao primeiro sopro-Zéfiro, florescendo

Um sorriso de mistério ela era.

E ao seu caule tão fresco e tão suave

Sentindo num instante, quando a vejo

Seu cálice na terra que se abre

Tremendo de alegria e de desejo.

Assim, quando Marie, a minha amada

Entreabrindo o lábio, tão querida

Com seus olhos azuis, olha pro léu


Em harmonia e luz, cheia de vida

Parece que sua alma, minha amiga

Brilha e se confunde com o céu.

Marie

Ainsi, quand la fleur printanière

Dans les bois va s’épanouir,

Au premier souffle du zéphyr

Elle sourit avec mystère ;

Et sa tige fraîche et légère,

Sentant son calice s’ouvrir,

Jusque dans le sein de la terre

Frémit de joie et de désir.

Ainsi, quand ma douce Marie

Entr’ouvre sa lèvre chérie,

Et lève, en chantant, ses yeux bleus,

Dans l’harmonie et la lumière

Son âme semble tout entière

Monter en tremblant vers les cieux.

Daniel Rodas (Teixeira-PB / 1999) é escritor, poeta e dramaturgo. Graduado em Letras


(UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros e Saturno (Editora Primata,
2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021). Tem textos publicados em vários
meios eletrônicos nacionais e internacionais.
4 Tankas

Indo para baixo


O rio irriga os vales.
A velha cabana…
As estrelas governam
As horas da noite.

Duas crianças brincam


Debaixo a sombra da árvore.
Um cão fareja…
Do galho mais alto
Um balanço rústico.

Várias trilhas
Ao pé da montanha.
Uma lagoa…
O dia se desenrola
Sobre os verdes vales.

4
Anda nas colinas
Toda a tropa a cavalo.
O cheiro de pólvora.
Em vegas e ravinas
Pobreza geral.
Sergio Inestrosa (San Salvador, 1957) é professor de assuntos espanhóis e latino-
americanos no Endicott College, em Beverly, MA. É membro do Conselho Editorial da
Tiberíades, Red Iberoamericana de Poetas y Críticos Literarios Cristianos e da revista
Electrónica Cine y Literatura, com sede em Santiago do Chile. Seu último livro de
poesia foi publicado por Almava (EUA) em novembro de 2019. Antes disso, o mesmo
editor publicou Luna que não para em uma edição bilíngue em espanhol/inglês. Como
estudante da Maestria no México, a Universidade Ibero-americana publicou o livro
Vivir la fiesta, no qual lida com as festividades dos santos padroeiros em um vilarejo
nos arredores da Cidade do México. Em maio de 2019, participou do Festival
Internacional de Poesia de Havana, por ocasião do 500º aniversário da fundação desta
cidade; em outubro do mesmo ano, participou do XXII encontro de poetas ibero-
americanos em Salamanca, dedicado a San Juan De la Cruz.
hiato

no melhor dos mundos possíveis, eu teria acordado feliz e grata, e isso seria uma regra,
não uma exceção. não haveria atrito entre o mundo e eu. todas as coisas, pequenas
colisões da vida, aconteceriam nos tempos certos, nos ritmos ideais. eu estaria à altura
das minhas vontades, das minhas verdades. e poderiam ser poucas, contanto que
precisas. não haveria discrepância entre meus ideais e minhas possibilidades, não
haveria hiato entre a imagem que faço de mim e o corpo que sustento. café nunca me
faria mal, o dia seguinte nunca cobraria a fatura, os relógios seriam brandos, as rupturas,
amenas.

no melhor dos mundos possíveis, não haveria, no fim do dia, essa sensação de que falta
muito para alcançar tudo o que falta, porque tudo o que falta não seria tanto assim e
estaria ao alcance da mão.

[...]

Trecho do texto ‘hiato’, de Ruído nos Dentes (Urutau, 2022).

Vivian Pizzinga escreve e tem doutorado em Saúde Coletiva (IMS/Uerj). Nas letras,
lançou Ruído nos Dentes (Urutau, 2022, poemas), A Primavera Entra Pelos Pés, 2015, e
Dias Roucos e Vontades Absurdas, 2013 (Oito e meio, contos). Integra coletâneas e
revistas literárias, como Cada um por si e Deus Contra Todos (Tinta Negra, 2016),
Escriptonita (Patuá, 2016), Revista Lavoura. Foi finalista do concurso Cuéntame um
cuento, da Universidade de Salamanca em parceria com o Museu da Vida (Fiocruz), de
2020, e do gênero Crônicas do Prêmio Off-Flip 2022.
Chinelada

cronos castiga
extremidades
frio nos pés é
fato recente

sapateira
não abre
mofo toma conta
fungo come couro

ele isolado
a sola hidrolisada
apela pela
nesga de sol

pantufa é
tendência mas
já não compra
supérfluo

as meias
zen
número suficiente para
emprestar ao par
Inventário da mochila

1. trident fresh amarfanhado sabor cereja ice


2. parte de cima (top) de um biquíni branco com babados
3. coleção amarela de vias termossensíveis
4. par de dados verdes translúcidos e gastos
5. tubo de loção hidratante lero-lero
6. aparas de lápis coloridos diversos
7. cotoco de lápis preto sextavado
8. borracha bicolor (azul e vermelha)
9. palavras cruzadas desafio cobrão.

Permeável

teus pés os dedos juntinhos


no chinelo dela emprestado
tuas mãos de forte articular
abóbadas de abdução plena
teus olhos insolúveis de ver
de através meus olhos azuis

Humberto Pio nasceu em Mantena – MG, em 1972, e vive em São Paulo. É poeta,
arquiteto e professor. Publicou os livros Talagarça (Editora Reformatório, 2021)
e Coágulo (Editora Reformatório, 2019) - vencedor do Prêmio Maraã de Poesia 2018.
Integra diversas coletâneas e revistas literárias.
pálpebras

não gosto de me banhar no escuro, esperar em meio a penumbra que a água cintilante
me cobrisse, da cabeça, aos ombros, até os pés. não sei se não gosto ou tenho medo,
acho que tenho medo, não entendo muita coisa nessa minha cabeça enraizada. meu
possível medo não tem relação direta com demonologia na ausência de luz, tem com o a
cor da minha cabeça.

dentro dos meus olhos existe um tom de preto jamais esquecido por mim, um tom
escuro e espesso, um tom adocicado como as palmas das mãos e ensaboado com cheiro
de erva doce, um tom que me dá medo. fechando os olhos, deixando as pálpebras
caírem finalmente sobre a derme molhada e observando em silêncio o tom rico de preto
sem luz. a ausência de cor. a ausência. creio que tenha medo da falta de cor, da ausência
me perseguindo como um cachorro raivoso, aguardando pacientemente o momento em
que meus globos fecharei e ele me devorará. a falta com coleira amarela, devorando
meus olhos.

uma vez exausta de tanta ausência me agarrei em um pincel velho, no fundo do armário
da cozinha, lavei a sujeira para fora de suas cerdas, escavei um vidro de tinta amarela na
estante da sala dos meus tempos de estudante e enfiei o pincel ali dentro, a tinta já
vencida parecia engolfada, vomitada e pouco brilhosa. o aspecto da cor não me deixou
enjoada, era melhor que o preto a me cercar piscada após piscada. puxando meu cílio
com força suficiente para despregar a pele do meu olho esquerdo, enfiei, devagarinho as
cerdas finas do pincel sobre minha pálpebra e espalhei. o ardor do material tóxico
arrepiou uma trilha de pelos em meu braço, meus dedos tremeram e não vacilaram, o
medo da falta era mais forte que a dor do novo. o novo e suas faltas. tenho a mesma
sensação quando me olham, quando esticam seus olhos escuros até meu rosto e os
repousam ali, sinto uma ausência danada, como se estivesse sendo observada por um
punhado de pernas ambulantes e nenhuma alma. também não acredito em alma,
essência, essas coisas espirituais me deixam sem graça.

tenho uma timidez imensa quando se trata de deus, deus e seu grandioso amor grandioso
perdão e onipresença e onipotência e tudo de grande que ele possuí, me sinto com seis
anos perto de deus, enfiada naquela cadeira de madeira que meu tio me deu de presente
para ler, eu arrastava a coisa pesada até quintal e ficava lá sozinha segredando as
palavras do meu livro para o chão. acho que não gosto de ser olhada, mas também gosto
quando me detalham. detalham com os olhos, sem esticar eles, mexendo pouco a
cabeça, sustentando meus olhos nos seus, me sinto em letras garrafais. me sinto
versificada, metrificada e com rimas marcadas. estou começando a achar que também
tenho medo de ser olhada, é que eu tenho tanta coisa feia guardada atrás das minhas
pálpebras foscas, não quero que vejam essas coisas, detesto a ideia de ser desvendada.
arranje outro mistério para ser desvendado, eu não.

odiaria ser lida, aberta e sobreposta e corrida e pausada e ritmada e criticada e


apreciada, odiaria. não sou um poema para ralar nos seus lábios como você quer, para
despertar sua curiosidade e atiçar sua pulsação. quero ser melancólica e fria, quero que
as pessoas tenham preguiça de me ler, que pulem minhas linhas, que desdenhem do que
eu sou e exijo que não me entendam. não quero ser entendida. quero ser silenciosa,
quieta e camuflada nessa parede de tijolos laranja. quero distância da esquisitice dos
poetas, quero passos, grandes passos para longe dos dedos trêmulos e coração ardente
ao escrever uma linha. também não quero ser odiada. quero ser n a d a. quero ser
afogada em uma imensidão de versos sem poesia.

mas também tenho essa sensação estridente na beirinha da minha pele que me impede
de não escrever, essa coceira arrastada pelas minhas mãos que não me deixam parar,
essa fraqueza que me atinge as pernas quando penso em um par de palavras juntas, não
sou escritora, colocar duas frases juntas não é escrever. escrever é enfiar sangue e alma
e olhos sem pálpebras em um papel branco e observar enquanto ele cria vida e voa
através do céu sem nuvens e chora e ama e vive e enoja qualquer um que tentar possuí-
lo, e eu certamente não faço isso, não tenho tal coisa como uma alma e forças para parir
a vida sobre o papel.

tenho pavor a ser publicada, a ser impressa, a ser lida, a não ser lida. tenho pavor a
escrever, me sinto aterrorizada encarando uma folha ofício, como quem encara seu
criador. deve ser terror o que me toca debaixo dos braços, me ergue e me puxa como
uma marionete em direção ao lápis, me empurrando para um abismo mortal e eu sou
constantemente aterrorizada pelas palavras que escrevo, cada uma, voltando para mim
na escuridão atrás das minhas pálpebras. não quero ser escrita e quando vejo, já me
escrevi e desenscrevi vinte vezes e mais dez que não risquei. passei borracha sobre
meus dedos na esperança que eles desaparecessem, se eles se forem eu não poderei
retornar ao vício que possuo por juntar sílabas e tentar sufocá-las com significados que
eu não tenho.
certa vez minha avó me disse que escritores são pessoas que amam demais, amam tanto,
tanta coisa, que não sabem conter esse amor e o derramam sobre o papel, deve ter sido
sobre seus lábios rachados, dentro dos cabelos brancos, sobre os joelhos quebrados,
deve ter sido dentro da minha avó que percebi que não era escritora, mesmo com meu
caderninho inseparável, com meu lápis azul como o céu, com meu coração desritmado,
eu não escrevia derramando amor nesse mundo, eu traçava palavras com dor e lágrimas
e tanto ódio que as folham sempre pareciam machucadas. eu não tinha amor sobrando
para dedicar as minhas palavras, pra ser sincera eu contava meu amor nos dedos, em
dois deles, eu possuía muito pouco para conseguir cogitar a ideia de compartilhar. mas
também não quero ser escritora, escritores são todos tristes e fodidos e mentalmente
abalados e profundamente estúpidos e altamente perigosos, não quero isso, não que eu
tenha escolha, mas se tivesse, não iria querer. prefiro ser debilmente mortal,
ignorantemente tímida enquanto coloco duas e duas palavras juntas e leio elas para o
sol.

queria saber por que deus não me encheu de um tiquinho de amor extra para eu colocar
nas palavras, queria ter tido amor suficiente para sair amando tudo como os escritores,
não quero ser escritora, odeio essa palavra, escritora. odeio. mas também odeio a
ausência dela. ausências em geral me deixam agoniada sabe? como fincar seu pé na
areia molhada da praia e não conseguir sair. o não estar me causa terror, sou terrível
com pessoas indo embora, não sei aceitar a partida de alguém, seja por um momento,
seja para sempre. aeroportos me causam enjôos, encerramento de ciclos me causam
dores e palavras finais me arranham o rosto. prefiro não ter as chegadas, abro mão delas,
não quero essas coisas em minha vida, esses organismos vivos me conversando e
olhando e tocando e arrancando-me sensações e afeto, apenas para se transformarem em
ausência um dia. também odeio a ausência das palavras, essa falta de sílabas suficientes
para exemplificar exatamente o que se passa atrás dos meus olhos.

odeio o preto das minhas pálpebras, certa vez tentei pintar o escuro delas com tinta
amarela. já lhe contei essa história?

Meu nome é Catarina Almeida, sou educadora, tenho vinte e um anos, sou do Recife e
escrevo porque dói e dói porque escrevo.
(Re)viver

Agendas cheias de

compromissos vazios

nos tornam apáticos e

indiferentes ao mundo

ao nosso redor. É preciso

que algo aconteça para

nos acordar do transe

cotidiano. Esse é o papel

da arte: trazer um sopro

de vida aos nossos dias

e apurar nossos olhares

e consciências. A arte –

em cada nota, tinta ou

letra – salva vidas.

Gabriela Lages Veloso é contista, cronista, poetisa e ensaísta. Atualmente, é colunista


das Revistas Sucuru e Literatura Errante. Em 2020, publicou o conto O Relicário na
Revista Intransitiva (UFRJ). E, em 2021, colaborou com revistas nacionais e
internacionais, tais como Quatetê, Desvario, Tamarina Literária, Granuja e Ser
MulherArte — Revista Feminina de Arte Contemporânea; assim também como
participou das Antologias poéticas Elas, a poesia, o indescritível e Mulheres de Atenas.
Poemas antes das 6

Nem sempre insônia

preocupações e dinheiro

ausências veladas

alguém no mundo dos despertos

sonhos claros e vívidos confundem

não lembro se disse ou falei

tivesse ido não passaria noites em vela

rondando chamas no fogão à lenha

aquecendo essa vida parca

comendo noites compulsivamente

num suceder de suceder

águas profundas na maré cheia trazem o mar

revoltas do fundo à superfície

sonhos reviram almas

espíritos e cadáveres na areia.

Andreza Andrade é paulista, escreve desde a infância, faz trilha e acampa. É mestre
em Literatura e Vida Social pela UNESP, pedagoga, gestora educacional, cursa Pós-
graduação em Educação e Direitos Humanos pela UFABC. Tem poemas publicados em
Antologias, e em diversas revistas, é autora de Um Tanto Mais Que Hoje (editora
Libertinagem 2021), e colunista na Revista Cassandra.
Última Memória de nós

quando cheguei, você estava


sentado na mesa de
bar imaginando a ilusão,
bebia. vinho foi só o começo.

então, me aproximei,
chego com uma taça,
me sirvo a vontade,
sem sorriso.

olhos vazios e inchados,


O coração não batia.

dessa vez foi para valer,


não havia saudades, apenas, vinho.

Da coletânea Para todos os poemas que irei escrever (2022)

Richard Gonçalves tem 20 anos, é um jovem escritor em crescimento, sempre gostou


de se aventurar no mundo dos livros (principalmente ficção), mas foi só aos 14 anos que
conheceu o mundo poético e diretamente se apaixonou, desde então vem demonstrando
seus sentimentos através da escrita em formas de poemas. Instagram :
@osilencio_quefica
ABOIZ

Rascou o meu coração em pedaços


O remendou
E o transformou
Em farrapos

O vão entre a costura


Entra o ar da dor
Nem sei se há cura
Para semear o amor

Então,
Plantarei
No jardim do horror
Mesmo sabendo que florescerá
Um falso amor

MON CHER

Ah, como chego a salivar


De vontade de te beijar
Nada como a luz do luar
Para nós dois se amar

Não vou negar mais nada


Já estou anos nessa estrada
Chega de ser amargurada
Sou sua até de madrugada

Se vai ter final feliz


Eu não sei dizer,
Mas com certeza eu fiz
O que tinha que fazer
Mon cher
SEM RUMO2

Perdi o rumo quando você me deixou


Perdi o rumo e não sei quem eu sou
Perdi o rumo mergulhando na dor
Perdi o rumo e nada me restou
Perdi o rumo e a solidão me pegou
Até eu encontrar um novo amor

Alline Rodrigues é carioca, nascida em 14 de Setembro de 1992. Formada em Letras


pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Especializada em Literatura Brasileira
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É revisora de textos, contista,
poeta e acredita que a poesia é o desabafo da alma.
Náusea

Um segredo quase saiu da minha boca. Mal pude controlar a vontade de falar.
O segredo não pertencia a mim, era de minha tia.
Quase solto...
Quase falo...
Mas ficou no quase, não tive coragem de contá-lo.
Caro leitor será se devo lhe contar? Ou escondê-lo no mais seguro possível.
Penso... Você que está a ler essa náusea já pensou em revelar um segredo que não
é seu?
Caro leitor, leitora... Conto-te o que nunca ouvirdes de ninguém.
Minha tia é casada, têm filhos e cachorros, anda sempre bem arrumada e
perfumada; mal sabe seu marido o que ela faz; dorme com um homem cada noite, um
mais rico que outro é daí que vêm suas joias e perfumes. Madalena sempre menciona
que trabalha muito... acho que você já entendeu no que ela trabalha.
Madalena é viciada na riqueza dos outros; ela mesma é incapaz de fazer a sua.
Seu marido mais tolo que todos os homens que já tive o desprazer de conhece, ele
nem sabe falar imagine pensar; vive de casa para o trabalho. Senhor leitor posso te
contar outro segredo que nem passa pela sua cabeça, o marido de Madalena trabalha
num bordel, servi mesas e vez ou outra vai para um quarto com uma mulher, já lhe
passou pela cabeça que ambos são infiéis ao casamento que juraram amor eterno.
Madalena é louca por dinheiro, seu marido viciado em mulheres. Eles possuem
vida dupla, dão bons exemplos aos filhos, porem fazem tudo o que querem escondidos
na calada da noite e na máscara que vestem de dia.
Pedro, Paulo André, Constantino... Homens? Não. Imaginações.
Carlos, Mário... Homens? Sim. Ricos... Os quais Madalena nunca esquece, e
como poderia esquecer se eles lhe dão tudo até a roupa do corpo.
Caro leitor! Curioso?
Madalena é uma mulher como outras tantas, tontas, conta, reponta.
Revelo-te aqui quem é Madalena, minha tia, trabalha em um bordel o mais caro da
cidade de Londres, foi lá que a conheci em sua outra vida. Vestido provocante, decote
explícito... Ela olhou para mim afastei-me rapidamente do lugar que estava, me escondi
no escuro da noite. Sempre vou vê-la dança...
Ela nunca saberá que sempre a observo dançar e fazer um culto ao diabo e um
louvor aos homens, que a chamam de dama da noite senhora do dia.
Caro leitor! Revelo-te aqui minha identidade, sou filho adotivo de Madalena, o
seu sangue não corre dentro de minhas veias.

Uelson Teixeira | Nascido em 26 de Novembro de 2000 | Escritor | Monteiro-PB |


Estudante de Letras UEPB | Escrever é um modo de encantar |
Sintonia

Há poesia no seu olhar,

há poesia no seu falar,

há poesia em nós.

Há rimas em nossos corpos,

mas não há melodias.

Não é sobre melodias,

é sobre entender que no seu corpo

há poesia pura.

Amante

Já fui amante do nosso sonho.

Hoje, convivo com a certeza,

com a claridade de que você

nunca fará parte dele.

Almas gêmeas,

almas perplexas,

de tanto acreditar,

perdi as esperanças.

Vivo sem meio sorriso

ou meio sentimento,
meio amor ou meia dor,

eu me amo.

Infância

Corria pelas ruas.

Corria como se não houvesse

problemas para consertar.

Ainda criança,

amante dos sonhos,

pregava risadas no jardim de corações.

O tempo voa,

as fantasias acabam,

perdido no tanto faz,

afogado nos sentimentos:

a cada história, há uma desilusão.

Meu sertão, minha imaginação

Vivo no meu sertão, que paira sobre terras áridas.

Vivo no meu sertão, com sede de revolução.

Vivo no meu sertão, com minha imaginação,

pois mesmo com minhas indagações, nele eu sonharei.

Esse é meu sertão, terras áridas ao calor do sol.


Esse é meu sertão, que clama por inovação.

Terras áridas sob o calor do sol, invoquei minhas imaginações.

Terras áridas sob o pôr do sol, embarquei no trem do tempo.

Trilhos mágicos nessas terras áridas

embarquei no trem do tempo

viajando no meu próprio tempo.

Esse é meu sertão, minha inovação.

Um trem que embarca na minha imaginação.

Espelho, Espelho Meu

Espelho, espelho meu,

existe alguém mais bela do que eu?

Quando aceitei seu adeus,

meu coração dilacerou desenfreadamente.

Quando aceitei seu adeus,

meu coração estilhaçou-se como um mar ensanguentado.

Não por você ter partido, querido, mas por ter feito do meu amor

à sua diversão aleatória.

Chorei sim.

Chorei infinitamente.

Chorei porque depositei todo meu suspiro em você.

Espelho, espelho meu

existe alguém mais bela do que eu?

Salteei nele, meus sonhos.


Salteei nele, meu amor poético.

Salteei tanto nele e tão pouco em mim,

que já me sinto fraca por não ter amado a mim mesma.

Sinto-me como um oceano ensanguentado

nas profundezas dos meus sentimentos.

Não sinto meu corpo,

ele naufraga solitariamente sobre um oceano de mágoas

que há em meu coração.

Sinto-me afogando num oceano de doses profundas de

sentimentos,

pois perdi meu último suspiro nas dores que ele plantou

em mim.

Aqui, estou,

vivendo loucamente

uma amarga e perturbadora ilusão ilustrada por mim.

Espelho, espelho meu,

existe alguém mais bela do que eu?

Sim. O seu coração.

Meu nome é Lucas Ferreira de Araújo, 20 anos, de São Luís do Maranhão. Sou
formado no curso Técnico de Meio Ambiente pelo Instituto Federal do Maranhão (2020
– 2021). Estou no terceiro período do curso de Comunicação Social/Jornalismo da
Universidade Federal do Maranhão.
Companheira, só, solitária, solidão

És digna de todo meu apreço,

Meu respeito, meu pensar,

Porque mesmo diante dos meus tropeços

Nunca recusaste a me amar.

Estais sempre ali com sorriso no rosto,

De mãos estendida a me esperar,

Nunca trai, nunca se vai.

Minha companheira,

Sempre disposta, nunca oposta,

Sei que em teus braços, tenho morada

Sei que em teu colo, meu peito cala

Segura de si, nunca se abala.

Queria eu, oh minha amada, amante, solidão

Que meus amores tivessem tua compreensão

Quem sabe assim, te deixaria de vez

E ao meu pobre coração, daria a chance

De viver uma eterna paixão.

Enquanto isso não se faz,

Fico contigo, minha companheira

Só, solidária (solitária), solidão.


Sou Armistrong Barros Sousa, nascido em São Luís do Maranhão, onde moro
atualmente. Gestor, Poeta, fotografo, patinador de fins de semana, um amante de
artesanato, livros e cultura local, feiras e brechós, é um ser que vive intensamente a vida
procurando vê-la de formas e ângulos diferentes, expressando em forma de poemas a
vida que tem vivido.
*

* *
Agradecemos:

A Eva Wilma Rodas Ramalho e Fernando Antônio Ramalho de Amorim – pelo apoio de
sempre;

A todos/as/es os/as/es membro/as/es da Rede AFETIVA de Culturas, da qual fazemos


parte – pelo apoio e a divulgação;

A todos/as/es os/as/es nossos/as/es colaboradores/as, leitor/es/as e amigos/as/es – sem


os/as/es quais a Sucuru não existiria.
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