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— O conceito de pós-modernidade em questão – os autores já não se viam tão aliados aos preceitos
definidos pela primeira geração, mas também não eram totalmente adeptos às ideias do tradicionalismo;
— Alguns teóricos chamam esse momento de terceira geração modernista; outros, apenas entendem que
foram diferentes correntes que surgiram após a segunda geração;
— Conceito de "nova objetividade": "Não há obra de arte sem forma e a beleza é um problema de técnica e
de forma", Péricles Eugênio da Silva Ramos
Renovação estética;
Valorização da técnica de composição;
— Formada pelos escritores: Ledo Ivo, Geir Campos, José Paulo Paes, Péricles Eugênio da Silva Ramos,
João Cabral de Melo Neto
Uma educação pela pedra: por lições; Outra educação pela pedra: no Sertão
para aprender da pedra, frequentá-la; (de dentro para fora, e pré-didática).
captar sua voz inenfática, impessoal No Sertão a pedra não sabe lecionar,
(pela de dicção ela começa as aulas). e se lecionasse, não ensinaria nada;
A lição de moral, sua resistência fria lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
ao que flui e a fluir, a ser maleada; uma pedra de nascença, entranha a alma.
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
tecendo a manhã
(João Cabral de Melo Neto)
Um galo sozinho não tece uma manhã: E se encorpando em tela, entre todos,
ele precisará sempre de outros galos. se erguendo tenda, onde entrem todos,
De um que apanhe esse grito que ele se entretendendo para todos, no toldo
e o lance a outro; de um outro galo (a manhã) que plana livre de armação.
que apanhe o grito de um galo antes A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
e o lance a outro; e de outros galos que, tecido, se eleva por si: luz balão.
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
morte e vida severina (trecho)
(João Cabral de Melo Neto)
(...) Somos muitos Severinos (de fraqueza e de doença
iguais em tudo na vida: é que a morte severina
na mesma cabeça grande ataca em qualquer idade,
que a custo é que se equilibra, e até gente não nascida).
no mesmo ventre crescido Somos muitos Severinos
sobre as mesmas pernas finas, iguais em tudo e na sina:
e iguais também porque o sangue a de abrandar estas pedras
que usamos tem pouca tinta. suando-se muito em cima,
E se somos Severinos a de tentar despertar
iguais em tudo na vida, terra sempre mais extinta,
morremos de morte igual, a de querer arrancar
mesma morte Severina: alguns roçado da cinza.
que é a morte de que se morre (...)
de velhice antes dos trinta
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.
3.2. mário quintana
— "O escritor não é um ser passivo, que se limita a recolher dados da realidade, mas deve estar no mundo
como presença ativa, em comunicação com o que o cerca", "A Literatura deve ter objetivos profundos e
universalistas: deve fazer refletir e questionar um sentido para a vida e, principalmente, sobre o destino
do homem na vida" – Clarice Lispector;
(...) De mim, pessoa, vivo para a minha mulher, que tudo modo-melhor merece, e para a devoção. Bem-querer de
minha mulher foi que me auxiliou, rezas dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também -
mas Diadorim é a minha neblina... (...)
Grande sertão: veredas (trecho)
E disse, eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor – e mercê peço: – mas, para o senhor
divulgar comigo, a par justo o travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também só soube…
Que Diadorim era o corpo de uma mulher; moça perfeita… Estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa. A
coice d’arma, de coronha…”... E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo: – “Meu amor!…
4.2 clarice lispector
Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos
amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos
amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido
catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos,
tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e
nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado
associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a
palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não
termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos
mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber
como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é
angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no
que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos
sido puros e ingénuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não
fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos
quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima
de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Laços de Família (trecho)
(Clarice Lispector)
O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo.
Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles. Ana ainda teve tempo de pensar por
um segundo que os irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego
profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os
olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar
de sorrir – como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com
ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada – o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a
desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão – Ana deu um grito, o
condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava – o bonde estacou, os passageiros olharam
assustados.
A paixão segundo G.H. (trecho)
(Clarice Lispector)
(...)
Pois em mim mesma eu vi como é o inferno.
O inferno é a boca que morde e come a carne viva que tem sangue, e quem é comido uiva com o regozijo no olho: o
inferno é a dor como gozo da matéria, e com o riso do gozo, as lágrimas escorrem de dor. E a lágrima que vem do
riso de dor é o contrário da redenção. Eu via a inexorabilidade da barata com sua máscara de ritual. Eu via que o
inferno era isso: a aceitação cruel da dor, a solene falta de piedade pelo próprio destino, amar mais o ritual de vida
que a si próprio - esse era o inferno, onde quem comia a cara viva do outro espojava-se na alegria da dor.
Pela primeira vez eu sentia com sofreguidão infernal a vontade de ter tido os filhos que eu nunca tivera: eu queria
que se tivesse reproduzido, não em três ou quatro filhos, mas em vinte mil a minha orgânica infernalidade cheia
de prazer. Minha sobrevivência futura em filhos é que seria a minha verdadeira atualidade, que é, não apenas eu,
mas minha prazerosa espécie a nunca se interromper. Não ter tido filhos me deixava espasmódica como diante de
um vício negado.
Aquela barata tivera filhos e eu não: a barata podia morrer esmagada, mas eu estava condenada a nunca
morrer, pois se eu morresse uma só vez que fosse, eu morreria. E eu queria não morrer mas ficar
perpetuamente morrendo como gozo de dor supremo. Eu estava no inferno atravessada de prazer como um
zunido baixíssimo de nervos de prazer.
E tudo isso - oh horror meu - tudo isso se passava no largo seio da indiferença... Tudo isso se perdendo a si
mesmo num destino em espiral, e este não se perde a si mesmo. Nesse destino infinito, feito só de cruel
atualidade, eu, como uma larva - na minha mais profunda inumanidade, pois o que até então me havia
escapado fora a minha real inumanidade - eu e nós como larvas nos devoramos em carne mole.
(...)