Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Leitor:
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis amos. Os
curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para
quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita.
Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste
Prefácio Interessantíssimo.
Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade.
Nem eu sei.
E desculpo-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista,
confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor
deste livro seria hipócrita se pretendesse representar orientação moderna que ainda não
compreende bem.
[…]
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contato com o
futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia
da existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que desejei a morte do
mundo. Era vaidoso. Quis sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não me pesaria
reentrar na obscuridade. Pensei que discutiriam minhas idéias (que nem são minhas):
discutiram minhas intenções. Já agora não me calo. Tanto ridicularizariam meu silêncio
como esta grita. Andarei a vida de braços no ar, como o "Indiferente" de Watteau.
[…]
Virgílio, Homero, não usaram rima. Virgílio, Homero, têm assonâncias admiráveis.
Sei construir teorias engenhosas. Quer ver? A poética está muito mais atrasada que a
música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando
muito oitavada, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com
1
rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de
verso melódico o mesmo que melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons)
consecutivas, contendo pensamento inteligível.
[…]
Você perceberá com facilidade que se na minha poesia a gramática às vezes é desprezada,
graves insultos não sofre neste prefácio interessantíssimo. Prefácio: rojão do meu eu
superior. Versos: paisagem do meu eu profundo.
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida atual no que tem
de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Se estas palavras freqüentam-me o livro não é
porque pense com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm
nele sua razão de ser.
Sei mais que pode ser moderno artista que se inspire na Grécia de Orfeu ou na Lusitânia
de Nun' Álvares. Reconheço mais a existência de temas eternos, passíveis de afeiçoar pela
modernidade: universo, pátria, amor e a presença-dos-ausentes, ex-gozo-amargo-de-
infelizes.
2
Não quis também tentar primitivismo vesgo e insincero. Somos na realidade os primitivos
duma era nova. Esteticamente: fui buscar entre as hipóteses feitas por psicólogos,
naturalistas e críticos sobre os primitivos das eras passadas, expressão mais humana e
livre da arte.
[…]
Quando uma das poesias deste livro foi publicada, muita gente me disse: "Não entendi".
Pessoas houve porém que confessaram: "Entendi, mas não senti". Os meus amigos...
percebi mais duma vez que sentiam, mas não entendiam. Evidentemente meu livro é bom.
Escritor de nome disse dos meus amigos e de mim que ou éramos gênios ou bestas. Acho
que tem razão. Sentimos, tanto eu como meus amigos, o anseio do farol. Se fôssemos tão
carneiros a ponto de termos escola coletiva, esta seria por certo o "Farolismo". Nosso
desejo: indicaremos o caminho a seguir, bestas: náufragos por evitar.
[…]
Mas todo esse prefácio, com todo o disparate das teorias que contém, não vale coisíssima
nenhuma. Quando escrevi "Paulicéia desvairada" não pensei em nada disto. Garanto
porém que chorei, que cantei, que ri, que berrei... Eu vivo!
Aliás versos não se escrevem para leitura de olhos mudos. Versos cantam-se, urram-se,
choram-se. Quem não souber cantar não leia Paisagem n.º 1. Quem não souber urrar não
leia Ode ao Burguês. Quem não souber rezar, não leia Religião. Desprezar: A Escalada.
Sofrer: Colloque Sentimental. Perdoar: a cantiga do berço, um dos solos de Minha
Loucura, das Enfibraturas do Ipiranga. Não continuo. Repugna-me dar a chave de meu
livro. Quem for como eu tem essa chave.
E está acabada a escola poética "Desvairismo". nova arte moderna cheia de conflito
E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só.
Poderia ter citado Gorch Fock. Evitava o Prefácio Interessantíssimo. "Toda canção de
liberdade vem do cárcere."
KLAXON
Organizado por: significação, estética, cartaz e problema
Significação.
3
A luta começou de verdade em princípios de 1921 pelas colunas do Jornal do Commercio
e do Correio Paulistano. Primeiro resultado: “Semana de Arte Moderna” – espécie de
Conselho Internacional de Versalhes. Como este, a Semana teve sua razão de ser. Como
ele: nem desastre, nem triunfo. Como ele: deu frutos verdes. Houve erros proclamados
em voz alta. Pregaram-se ideias inadmissíveis. É preciso refletir. É preciso esclarecer. É
preciso construir. Daí, KLAXON. (= buzina)
E KLAXON não se queixará jamais de ser incompreendido pelo Brasil. O Brasil é que
deverá se esforçar para compreender KLAXON.
Estética
KLAXON sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. KLAXON
não se preocupará de ser novo, mas de ser atual. Essa é a grande lei da novidade.
KLAXON sabe que a humanidade existe. Por isso é internacionalista. O que não impede
que, pela integridade da pátria, KLAXON morra e seus membros brasileiros morram.
KLAXON sabe que a natureza existe. Mas sabe que o moto lírico, produtor da obra de
arte, é uma lente transformadora e mesmo deformadora da natureza.
KLAXON sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para
diante, sempre, sempre. O campanile de São Marco era uma obra-prima. Devia ser
conservado. Caiu. Reconstruí-lo foi uma erronia sentimental e dispendiosa – o que berra
diante das necessidades contemporâneas.
KLAXON sabe que o laboratório existe. Por isso quer dar leis científicas à arte; leis
sobretudo baseadas nos progressos da psicologia experimental. Abaixo os preconceitos
artísticos! Liberdade! Mas liberdade embridade pela observação.
KLAXON sabe que o cinematógrafo existe. Perola White é preferível a Sarah Bernhardt.
Sarah é tragédia, romantismo sentimental e técnico. Perola é raciocínio, instrução,
esporte, rapidez, alegria, vida. Sarah Bernhardt = século 19. Perola White = século 20. A
cinematografia é a criação artística mais representativa da nossa época. É preciso
observar-lhe a lição.
KLAXON não é exclusivista. Apesar disso jamais publicará inéditos maus de bons
escritores já mortos.
KLAXON é klaxista.
Cartaz
4
KLAXON cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante.
Por isso é polimorfo, omnipresente, inquieto, cómico, irritante, contraditório, invejado,
insultado, feliz.
KLAXON procura: achará. Bate: a porta se abrirá. Klaxon não derruba campanile algum.
Mas não reconstruirá o que ruir. Antes aproveitará o terreno para sólidos, higiénicos,
altivos edifícios de cimento armado.
KLAXON tem uma alma colectiva que se caracteriza pelo ímpeto construtivo. Mas cada
engenheiro se utilizará dos materiais que lhe convierem. Isto significa que os escritores
de KLAXON responderão apenas pelas ideias que assinarem.
Problema
A REDACÇÃO
5
MANIFESTO DA POESIA PAU-BRASIL
A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela,
sob o azul cabralino, são fatos estéticos.
O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner
submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza
vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
[…]
Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo: o teatro de tese e a luta no palco
entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de
lei, gordos e dourados como Corpus Juris.
Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o romance, nascido da
invenção. Ágil a poesia.
A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.
[…]
6
Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas
ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia
eslava compôs para a pleyela. Stravinski.
A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas.
Só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano.
[…]
O estado de inocência substituindo o estado de graça que pode ser uma atitude do
espírito.
OSWALD DE ANDRADE
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o
enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A
reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade,
pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era
urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
[…]
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas
eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do
homem.
[…]
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia.
Ou em Belém do Pará.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto
dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar
brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
[…]
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico.
O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o
esquecimento das conquistas interiores.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência.
Conhecimento. Antropofagia.
[…]
8
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de
Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens
dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da
possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.
[…]
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de
Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque
somos fortes e vingativos como o Jabuti.
[…]
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio
de Mariz.
No matriarcado de Pindorama.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho
fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa
na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito
bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem
loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
OSWALD DE ANDRADE
Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio
de 1928.)
Os Sapos
9
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
Enfunando os papos, - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos. Brada em um assomo
A luz os deslumbra. O sapo-tanoeiro:
- “A grande arte é como
Em ronco que aterra, Lavor de joalheiro.
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!" Ou bem de estatuário.
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
O sapo-tanoeiro, Canta no martelo".
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro Outros, sapos-pipas
É bem martelado. (Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
Vede como primo - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo Longe dessa grita,
Os termos cognatos. Lá onde mais densa
A noite infinita
O meu verso é bom Veste a sombra imensa;
Frumento sem joio.
Faço rimas com Lá, fugido ao mundo,
Consoantes de apoio. Sem glória, sem fé,
No perau profundo
Vai por cinquüenta anos E solitário, é
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos Que soluças tu,
A fôrmas a forma. Transido de frio,
Sapo-cururu
Clame a saparia Da beira do rio...
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..." Manuel Bandeira, 1918
O poeta, através da paródia e da ironia, apresenta uma crítica ao parnasianismo. Dado que, este movimento,
preocupava-se excessivamente com a linguagem formal. Desta forma, ao longo do poema, é visível observar
características defendidas pelos parnasianos: a métrica regular e a preocupação com a sonoridade, por exemplo.
O poema é composto por catorze estrofes: treze quadras e um terceto. Enquanto nas quadras a rima apresenta o
esquema rimático ABAB, ou seja, trata-se de uma rima cruzada, no terceto é destoante. Ainda, a utilização de
recursos estilísticos transmite necessidade de acabar e transformar a poesia.
Os sapos são utilizados metaforicamente para representar os diferentes tipos de poetas e as suas maneiras de
escrever. Primeiramente, o "eu" apresenta o «sapo tanoeiro» e descreve-o como o típico poeta parnasiano. Assim,
para ele, a grande poesia é como o ofício de um joalheiro, há que se lapidar com precisão e paciência («A grande
arte é como/ Lavor de joalheiro.»). Em segundo lugar, o sapo-cururu representa o poeta modernista que aspira
liberdade e usa uma linguagem cotidiana. Contudo, apresenta uma opinião diferente da dos outros sapos.
Concluindo, através da paródia, o poeta, critica a preocupação excessiva dos parnasianos com o aspeto formal da
linguagem sendo que, para elem, esse estilo de poesia deveria ser ultrapassado.
10
pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Poética
Estou farto do lirismo comedido (=refere ao eu lírico de autores que não retratavam a realidade)
do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
[cunho vernáculo de um vocábulo
O poeta faz uma crítica aos políticos que
Abaixo os puristas agem com esperteza para conquistar o
voto do povo, principalmente os humildes
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais e, depois que é eleito acaba com o bolso
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção do povo na cobrança de impostos. Além
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis disso, critica os parnasianos.
12
Poema de Sete Faces
13