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Modernismo – 1°Fase

Momento Demolidor (1922 – 1930)

Iniciado com a Semana de Arte, o momento demolidorcorresponde a um período agitado,


no qual predomina a irreverência, a insurreição. A palavra de ordem é o rompimento com
as ideias, a expressão já rançosa do passado. Era preciso estar de acordo com as grandes
renovações universais, sem, contudo, copiá-las. Era preciso criar um estilo autenticamente
brasileiro, a partir da pesquisa da realidade brasileira. Nessa primeira fase. Que vai da
Semana de Arte até a publicação dos primeiros romances do ciclo nordestino, predominam
a poesia (poesia satírica e irreverente, poema –piada), os artigos de jornal e os ensaios.

Características:

1.Liberdade de criação

Poética
(Manuel Bandeira)

Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

2. Nacionalismo

Você sabe o francês "singe"


Mas não sabe o que é guariba?
— Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja. (Lundu do escritor difícil – Mário de Andrade)

3. Verso livre

Erro de português(Oswald de Andrade)

Quando o português chegou


Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

4.Desprezo pela gramática Normativa (Oswald de Andrade)

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio


Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

5.Coloquialismo

Pronominais (Oswald de Andrade)

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

6.Cotidiano

Poema tirado de uma notícia de jornal (Manuel Bandeira)

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão
sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

7.Paródia
Escapulário (Oswald de Andrade)
No pão de açúcar
De cada dia
Daí-nos Senhor
A poesia
De cada dia.

As meninas da gare (Oswald de Andrade)


Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.
8. Poema Piada
No meio do caminho (Drummond)
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.

9. Iconoclastia
Os sapos (Manuel Bandeira)
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,


Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo


Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom


Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos


Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,


Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,


Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

►Terminada a primeira fase do modernismo concluimos que os artistas priorizaram


no seu fazer poético os seguintes aspectos:

- Valorização do cotidiano

- Nacionalismo crítico

- Desprezo pela gramática tradicional

- Resgate das raízes culturais

- Renovação da linguagem

- Uso de versos livres e brancos

-Oposição ferrenha ao parnasianismo (principalmente pelo fato de “encasillar” a


poesia)

- Ironia, paródia

- Experimento estético

II MOMENTO MODERNISTA- POESIA

A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Vinícius de Moraes (RJ,1954)

1. Contexto Histórico
Período extremamente rico tanto em termos de produção poética quanto de prosa, mas que
reflete um conturbado momento histórico: no plano internacional vive-se a grande depressão
econômica (A crise de 29), que reflete suas conseqüências justamente nesse período na economia
brasileira, o avanço do nazifascismo e a II Guerra Mundial; no plano interno, Getúlio Vargas
ascende ao poder e se consolida como ditador, no Estado Novo. Desta forma, a par das pesquisas
estéticas, o universo temático se amplia, incorporando preocupações relativas ao destino dos
homens e ao “estar –no-mundo”.

A Crise da bolsa de valores de NY seguida pelo colapso do sistema econômico mundial é a Grande
Depressão> se caracteriza pelas paralisações das fábricas, rupturas das relações comerciais,
falências bancárias, desemprego, fome, miséria... Cada país procura solucionar internamente a
crise mediante a intervenção do Estado. O agravamento das questões sociais e o avanço dos
partidos comunistas e socialistas entra em choque com os interesses das burguesias nacionais,
que passam a defender um Estado autoritário, pautado por um nacionalismo conservador, por um
militarismo crescente e uma postura antimilitarista e antiparlamentar; ou seja, um estado fascista.
É o que acontece na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no
Portugal de Salazar. O desenvolvimento do nazifascismoe sua vocação expansionista , o crescente
militarismo e armamentismo, somados às frustrações geradas pelas derrotas na I Guerra
conformam, em linhas gerais, o quadro que deflagraria a II Guerra Mundial (1939 -45) e ao horror
atômico de Hiroxima e Nagasáqui (agosto de 1945).
No Brasil

O ano de 1930 marca o ponto máximo do desgaste da República Velha, do domínio das oligarquias
ligadas ao café e o início do longo período que Getúlio Vargas permanece no poder.
Para a sucessão do presidente Washington Luís disputavam o candidato Getúlio Vargas,
representante da Aliança Liberal (MG, RS, Paraíba) e candidato oficial Júlio Prestes, paulista que
contava com o apoio das demais unidades federativas. O resultado foi favorável a Prestes, mas
estoura a Revolução de 30 em outubro e se sentem os resultados da crise econômica mundial.

2. Características

Representa um amadurecimento e um aprofundamento das conquistas da geração de 22. Na


temática se observa uma nova postura artística: passa-se a questionar a realidade com maior vigor
e, fato extremamente importante, o artista passa a questionar-se como indivíduo e como artista
em sua “tentativa de explorar e interpretar o estar-no-mundo”. O resultado é uma literatura mais
construtiva e mais politizada, que não quer e não pode se afastar das profundas transformações
ocorridas nesse período, daí o surgimento de uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o
intimismo, caso de Cecília Meireles, Jorge Lima, Vinícius de Moraes e de Murilo Mendes, em
determinada fase.

3. Principais Poetas

Cecília Meireles

Motivo

Eu canto porque o instante existe


e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,


não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.


Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles

Vinícius de Morais

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto


Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante


Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938

Jorge de Lima

Nasceu em 23 de abril de 1895, em Alagoas. Estreou na literatura em 1914, ainda fortemente


influenciado pelo parnasianismo , com XIV alexandrinos, o que lhe valeu o título de Príncipe dos
Poetas Alagoanos. Em 1926, já formado em medicina, ingressou na vida política, elegendo-se
como deputado estadual pelo Partido Republicano; em 1930, por motivos políticos, foi obrigado a
abandonar Alagoas, indo viver no RJ. Em 1946, com a redemocratização do país, elegeu-se
vereador do Rio pela UDN. Faleceu em 15 de novembro de 1953.

A exemplo de Murilo Mendes, Jorge Lima também trilhou caminhos curiosos na literatura
brasileira: do parnasianismo evoluiu para a poesia social e a poesia de carácter religioso. Sua
poesia social apresenta belas composições, de coloração regional, em que ele usa a memória de
menino branco, marcado pela infância repleta de imagens dos engenhos e de negros trabalhando
em regime de escravidão:

Pai João - Jorge de Lima

Pai João secou como um pau sem raiz. -

Pai João vai morrer.

Pai João remou nas canoas -

Cavou a terra.

Fêz brotar do chão a esmeralda,

Das fõlhas - café, cana, algodão.

Pai João cavou mais esmeraldas.

Que Pais Leme.

A filha de Pai João tinha peito de

Turina para os filhos de Ioiô mamar:

Quando o peito secou a filha de Pai João

Também secou agarrada num

Ferro de engomar.

A pele de Pai João ficou na ponta

Dos chicotes.

A fôrça de Pai João o branco

A mulher de Pai João o branco

A roubou para fazer mucamas.

O sangue de Pai João se sumiu no sangue bom


Como um torrão de açúcar bruto

Numa panela de leite. -

Pai João foi cavalo pra os filhos de Ioiô montar

Pai João sabia histórias tão bonitas que

Davam vontade de chorar.

Pai João vai morrer.

Há uma noite lá fora como a pele de Pai João.

Nem uma estrêla no céu.

Parece até mandinga de Pai João.

Trabalho prático:

1. Padre Antonio Vieira escreveu “O Brasil é o açúcar e o açúcar é o negro” e “ O Brasil tem
seu corpo na América e sua alma na África”. Como você relaciona essas afirmações com a
poesia de Jorge de Lima?
2. Ver a poesia “Essa negra Fulô”, escutar o áudio:
http://viciodapoesia.com/2011/02/03/essa-nega-fulo-e-outros-poemas-de-jorge-de-
lima-1895-%E2%80%93-1953/ e comparar em ambas poesias o papel da mulher.

Jorge de Lima aborda também uma temática mais ampla – a denúncia das desigualdades sociais,
exercendo sua expressão poética através de um hábil jogo de palavras.

Mulher proletária

Mulher proletária— única fábrica


que o operário tem,
(fabrica filhos)
Tu

Na tua superprodução de máquina humana


forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.

Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.

Murilo Mendes

Murilo Monteiro Mendes nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 13 de maio de 1901. Ainda
menino, transferiu-se para Niterói, onde concluiu seus estudos secundários. Em 1953 mudou-se
para a Europa, percorrendo vários países; faleceu em Portugal em 13 de agosto de 1975.

Sua trajetória no Modernismo é curiosa: das sátiras e dos poemas-piada ao estilo oswaldiano,
caminha para uma poesia religiosa, sem perder o contato com a realidade social; para ele, o social
não se opõem ao religioso. Essa convicção lhe permite acompanhar as transformações sociais do
século XX, quer no campo econômico e político – a guerra foi tema de vários de sues poemas –
quer no campo artístico- Murilo foi um dos poetas que mais se identificou com o Surrealismo
europeu.

Já em seu livro de estréia Poemas (1930) – apresentava novas formas de expressão, versos
vivíssimos e livre associação de imagens e conceitos, características presentes em toda a sua
poética:

Candiga de Malazerde

“Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,


ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.

Não desprezo nada que tenha visto,


todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo.”
A partir de Tempo e Eternidade (1935), escrito em parceria com Jorge de Lima,
Murilo Mendes passa a cultivar a poesia religiosa, mística, de” restauração da poesia em Cristo”.
Sua obra ganha em densidade, uma vez que, apesar do dilema entre Poesia e Igreja, o finito e o
infinito, o material e o espiritual, o poeta não abandonou a poética social. Daí surge a consciência
do caos, de um mundo esfacelado, de uma civilização decadente, tema constante em sua obra. A
tarefa do poeta é tentar ordenar esse caos, utilizando-se para isso da lógica, da criatividade e do
poder de libertação do trabalho poético. São significativos os títulos de suas obras: A poesia em
pânico, o visionário, A metamorfose, mundo enigma, poesia liberdade.

O Utopista

Ele acredita que o chão é duro


Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças

Nem amor nas mulheres


Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.

Modinha do Empregado de Banco

Eu sou triste como um prático de farmácia,


sou quase tão triste como um homem que usa costeleta
Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher
mas só ouço o tectec das máquinas de escrever.

Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda.


Quantas meninas pela vida afora!
E eu alinhando no papel as fortunas dos outros.
Se eu tivesse estes contos punha a andar

A roda da imaginação nos caminhos do mundo.


E os fregueses do Banco
que não fazem nada com estes contos!
Chocam outros contos para não fazerem nada com eles.

Também se o diretor tivesse a minha imaginação


o Banco já não existiria mais
e eu estaria noutro lugar.

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