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Literatura / Poesia

12 grandes poemas
modernistas brasileiros
(comentados e analisados)

Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

O movimento modernista foi um importante ponto


de viragem na arte e na literatura internacional que
trouxe a ruptura com as tradições, assim como a
liberdade temática e formal.

No Brasil, o modernismo despontou com a Semana


de Arte Moderna de 1922 e representou a busca de
uma verdadeira identidade nacional que parecia
estar faltando nas produções culturais brasileiras.

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A corrente artística ditou grandes mudanças no


fazer literário e poético, valorizando a linguagem
popular e os temas ligados ao cotidiano nacional.

Dividido em três fases bastante distintas, o


modernismo brasileiro gerou alguns dos maiores
poetas da nossa literatura.

1. Poética (1922)

Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de
ponto espediente protocolo e manifestações de
apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar


no dicionário o cunho vernáculo de um
vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos
universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de
exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador


Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que
seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo


Será contabilidade tabela de co-senos
secretário do amante exemplar com cem
modelos de cartas e as diferentes maneiras de
agradar & agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos


O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é


libertação.

A composição de Manuel Bandeira, lida durante a


Semana de Arte Moderna de 1922, é uma espécie de
arte poética através da qual o artista expõe as suas
visões e experiências.

Reclamando o final de normas, regras e modelos


ultrapassados, o poeta tece duras críticas à
tradição, demonstrando como ela pode ser
aborrecida e limitar a criatividade.

Contrariando tudo isso, e em busca daquilo que é


novo, Bandeira defende vários princípios do
movimento modernista como a liberdade e a
experimentação.

2. Moça Linda Bem Tratada (1922)

Moça linda bem tratada,


Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.

Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.

Mulher gordaça, filó,


De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...

Plutocrata sem consciência,


Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.

Escrito em 1922 por Mário de Andrade, o poema é


apontado como uma das primeiras composições
modernistas da literatura nacional.

Moça Linda Bem Tratada é um retrato satírico da


"alta roda" brasileira; através do humor, o poeta
enumera os defeitos da sociedade na qual vivia.

Por trás de uma aparência cuidada, a realidade era


bastante diferente: apesar de terem riquezas,
costumes e luxos variados, estes indivíduos eram
encarados como burros e superficiais.

Porém, a última estrofe do poema vai mais longe e


afirma que o "plutocrata", ou seja, o rico que explora
o pobre, pode não ser burro mas é perigoso.

Moça Linda Bem Tratada - Mário d…

3. Canto de regresso à pátria (1925)

Minha terra tem palmares


Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.

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Composto por Oswald de Andrade, um dos nomes


mais célebres do modernismo nacional, Canto de
regresso à pátria recupera os versos da Canção do
Exílio (1847) de Gonçalves Dias.

Aqui, o elogio saudoso ao Brasil, feito quase um


século antes pelo poeta que estava em Portugal, é
adaptado à realidade moderna.

Nos versos, Oswald elogia a sua terra, especificando


nos versos finais que se refere a São Paulo. O
modernista não se foca nos elementos da natureza,
mas naqueles que simbolizam o progresso dos
centros urbanos.

4. No Meio do Caminho (1928)

No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Meio absurdo e difícil de compreender, No Meio do


Caminho é um dos poemas mais famosos e
marcantes de Carlos Drummond de Andrade.

A composição foi, sem dúvida, uma grande


provocação modernista que visava provar que a
poesia poderia versar sobre qualquer assunto,
até uma simples pedra.

O poema, que tem por base a repetição e o verso


livre, é um produto da experimentação da época e
veio quebrar barreiras na forma como pensamos a
poesia.

02 - No Meio Do Caminho, Drumm…

Confira a análise completa do poema No Meio do


Caminho.

5. Erro de português (1927)

Quando o português chegou


Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Na busca de uma identidade coletiva brasileira, os


modernistas estavam tentando se livrar do olhar
colonial, refletindo sobre a história do país e a
criação da sua cultura.

No maravilhoso Erro de Português, Oswald de


Andrade vem lembrar os povos indígenas cujas
vidas terminaram ou foram alteradas drasticamente
pela invasão dos portugueses.

Com um tom bem-humorado, o modernista


repensa esse processo de formação do Brasil.
Afirma que teria sido bem mais positivo se o
colonizador tivesse aprendido com os indígenas, em
vez de os forçar a adotar os seus costumes e valores.

6. Solidariedade (1941)

Sou ligado pela herança do espírito e do


sangue
Ao mártir, ao assassino, ao anarquista.
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo, à mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança.

Parte da segunda fase do modernismo brasileiro, ou


Geração de 30, Murilo Mendes foi uma figura de
relevo na vanguarda nacional.

Se inspirando principalmente nas influências


surrealistas, a poesia moderna do escritor mineiro é
múltipla e versa sobre temas variados, da religião
ao humor.

Defensor da liberdade poética e política, em


Solidariedade, Mendes reflete sobre a união da
humanidade e o ato de enxergar as pessoas além
daquilo que as divide.

Apesar dos rótulos que colocamos uns outros,


apesar de termos crenças ou valores diferentes,
Murilo Mendes relembra que somos todos iguais,
feitos da mesma matéria.

Declarando que todos estamos ligados, o poeta


questiona as tradições e hierarquias estabelecidas
em função de dinheiro e poder.

7. Motivo (1963)

Eu canto porque o instante existe


e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,


não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.


Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

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Cecília Meireles foi uma poeta, pintora e educadora


que entrou para a história do Modernismo
brasileiro, pertencendo à segunda fase do
movimento.

Em Motivo, a escritora reflete acerca da sua relação


com o trabalho poético. Fica claro que o sujeito
lírico é poeta porque isso faz parte da sua natureza.

Confuso acerca das suas emoções, vive prestando


atenção nos detalhes e nas coisas efémeras. O
poema parece ser a sua forma de lidar com o mundo
e aquilo que deixará no final.

"Motivo" - poema de Cecília Meirel…

8. Pronominais (1925)

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

Como referimos no começo, uma das características


do modernismo brasileiro foi a presença de uma
linguagem simples, próxima da oralidade. Estas
composições prestavam atenção às falas locais,
registrando o vocabulário tipicamente brasileiro.

Em Pronominais, Oswald de Andrade chama


atenção para a discordância que havia entre as
formulações ensinadas na escola e os usos reais da
linguagem, no cotidiano nacional. Assim, há a
recusa dos modelos que ainda vigoravam e a
valorização daquilo que é popular.

9. Mãos Dadas (1940)

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes
esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos
dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma
história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem
vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de
suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por
serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes,
a vida presente.

Enquanto modernista da segunda geração, Carlos


Drummond de Andrade ficou conhecido pelo olhar
atento às questões sociopolíticas do seu tempo.

Em Mãos Dadas, ele recusa a tradição, afirmando


que não quer ser um poeta que vive preso no
passado mas também não quer viver no futuro.

Nesta composição, sublinha a necessidade e a


importância de prestar atenção ao tempo
presente, ao mundo e às pessoas em redor. O
sujeito afirma que ele e seus companheiros estão
tristes mas ainda têm esperanças e precisam
acreditar na união, caminhar de "mãos dadas".

Por tudo isso, ele rejeita os temas comuns e as


grandes abstrações na poesia: quer falar daquilo
que lhe interessa, do que está vendo e vivendo.

Drummond- Mãos Dadas

10. O Poeta Come Amendoim (1924)

(...)
Brasil...
Mastigado na gostosura quente do
amendoim...
Falado numa língua corumim
De palavras incertas num remeleixo melado
melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus
dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem
nascidas...
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso
onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu
braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e
danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão
muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de
comer e de dormir.

Por ser extenso, optamos por só apresentar o


excerto final deste poema de Mário de Andrade.
Nele, o autor relembra a história do Brasil, o
processo de miscigenação que está na sua base e as
inúmeras influências da nossa cultura.

Enquanto está comendo amendoim, um ato banal,


o sujeito reflete sobre o seu país e a relação que
mantem com ele. Analisando essa identidade
nacional coletiva, um "sentimento de ser brasileiro",
percebe que o seu amor à pátria não surge do
pensamento nacionalista.

O Brasil faz parte de quem ele é, dos seus gostos,


pensamentos e atos do cotidiano, está impresso na
sua natureza e forma de ver o mundo.

Santo Antônio / O Poeta Come A…

Para saber mais sobre o escritor, leia: Poemas


explicados para conhecer Mario de Andrade.

11. A Rua (1947)

Bem sei que, muitas vezes,


o único remédio
é adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
a dívida, o divertimento,
o pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
de contínuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e
não,
[apenas,
esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.

A esperança
nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila
da
[espera.

Nunca é a figura de mulher


do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.

Cassiano Ricardo, poeta de São José dos Campos,


foi um dos representantes do modernismo brasileiro
de cariz nacionalista. Em A Rua, tece um
comentário social e político, criticando o cenário
da época.

Em um tom disfórico, o sujeito aponta a esperança


como um adiamento porque ela faz com que não
possamos resolver os nossos problemas.

Expondo os modos de vida da burguesia, declara


que os brasileiros precisam esperar lutando e, não
sentados, de forma passiva perante a vida.

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12. Congresso Internacional do Medo


(1962)

Provisoriamente não cantaremos o amor,


que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso
companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos

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