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A MORTE DA CANÇÃO
porque é o primeiro cara a deixar nome como alguém que faz música e versos de uma coisa moderna chamada música
popular urbana. A canção como se entende hoje, uma coisa de se sentar e ficar ouvindo disco da cantora tal, é uma coisa
moderna, do século 16, contemporânea do individualismo burguês. Durante toda a Idade Média, tudo que se conhece
como arte popular era coletivo. A coisa singular, de alguém egoisticamente se fechar num quarto e ficar cantando e se
acompanhando, é do século 16.
A canção é a inauguração do individualismo na arte?
É, isso eu disse no livro "As Origens da Canção Urbana" (ed. Caminho da Música, Portugal, 1997), no Brasil ninguém
falou dele. A vida urbana se complica e começa a existir diversidade social a partir do século 16, não são mais aquelas
cidades medievais, que eram muito simplezinhas. Lisboa, em 1552, tinha 100 mil habitantes. Um padre espanhol vai
visitar Lisboa e fica muito admirado [lê no livro]: "Há nessa rua, além doutras coisas, edifícios admiráveis de tantos
pavimentos e com tantos inquilinos que não se conhecem uns aos outros nem de cara nem de nome". A canção é criada
para esse tipo de pessoa.
Dada a trajetória de Caldas Barbosa, é também uma história de luta de classes?
É, tanto que ele só consegue ter nome e publicar porque, pela proteção do conde de Pombeiro, vai se apresentar para
pessoas da alta nobreza e das famílias burguesas.
Ele age como um mediador de cultura entre povo e elite?
Sim, e, o que é mais interessante, levando cultura da "gente baixa" do Brasil às classes "altas". É na verdade o que faz
qualquer músico. O que faz o [músico baiano] Elomar? Dá conhecimento de um tipo de música que compõe baseado
em saberes de cantadores com um pé na música da Renascença. Ele transforma isso, você vai conhecer por intermédio
dele. Outra coisa era a chulice, quer dizer, usar o coloquial. Como escrever era uma coisa de elite, é claro que, para
escrever, era preciso dar uma certa dignidade à palavra escrita. Então não se iam usar termos corriqueiros, que de certa
forma degradariam a respeitabilidade da escrita. Quer dizer, esse cara vem cantar isso no meio da sociedade? Isso só era
admissível em bordéis, lugares de gente da ralé.
Já que trabalhou em Portugal e nunca mais voltou ao Brasil, Caldas Barbosa é um compositor brasileiro ou
português?
É um compositor brasileiro. Enquanto poeta árcade, ele, desde o Brasil, era um europeu. Mas, enquanto compositor, ele,
desde o Brasil, era um poeta popular. É um caso isolado.
A cisão entre canção e poesia erudita persiste até hoje?
Persiste. Pode-se dizer que Caetano Veloso é um bom letrista, Chico Buarque é um bom poeta. Mas é assim, "tudo bem,
mas não me venha comparar com Manuel Bandeira, João Cabral de Melo de Neto". É bom lá para aquilo que ele faz,
cantado e tal.
Seria um preconceito da academia, um sentimento de que a poesia popular não é digna dela?
Sim, é muito bom, mas lá naquele treco, não vamos trazer para cá porque não se compara. Não se compara realmente,
no sentido de fazer avaliações. Mas posso, em versos da música popular, ter achados comparáveis a um achado de um
poeta. Mas um é um achado dentro da música popular, outro é um achado dentro da poética entendida como exercício
de um tipo de literatura, de poesia.
Pode dar exemplos?
Há muitos, muitos. Em Chico Buarque, por exemplo, se encontram demais, demais. Em "Eu Te Amo", as roupas
misturadas, "meu sapato ainda pisa no teu", são achados feitos para serem cantados, mas, que são achados poéticos, são.
Até sobrevivem sozinhos, quando o cara é muito bom, sobrevivem. Mas você nota, pela própria leitura, que não tem a
estrutura de uma coisa que foi feita para ser lida. De repente, as medidas do verso não seguem certa regra, não cai tudo
certinho. Manuel Bandeira, quando faz letra para a modinha do Jayme Ovalle, é letrista, mas é um letrista de primeira
categoria. Ele tem a obra dele de Manuel Bandeira e tem os versos que fez para serem cantados, que são uma coisa
muito bonita [cantarola]: "Sobre a solidão do mar a Lua flutua/ e uma tristeza singular palpita em cada coração/ só tu
não vens trazer alívio ao trovador". Pode ser lido como poesia, e com a melodia do Jayme Ovalle ficou muito bonito, e
cabe tudo certinho. Ele foi compositor, um letrista, sendo poeta.
Muitos compositores teriam recursos para ser poetas?
Teriam recursos. Talvez não tenha ocorrido, não tenha havido interesse. Ou talvez até tenha e a gente não saiba, não é?
Quem sabe alguns cometeram lá seus poemazinhos e estão escondidos. Um jornalista pode escrever contos e deixar na
gaveta.
O sr. tem?
Ah, eu tive essas pretensões, no início, quando comecei em jornalismo. Cheguei a publicar algumas crônicas. Fiz
também, no dia-a-dia de jornal, coisas que têm um pé na literatura.
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como têm pouca cultura, são pernósticos. Você ouve, aquilo é bonito. Mas, se pára para pensar depois, você diz: "Mas o
que ele falou?". Não falou nada de importante.
Mas de repente o cara produz um treco que é uma das coisas mais originais de toda a música popular brasileira, que é
"Domingo no Parque" (67). Na parte da melodia, a novidade é que parte do ritmo monocórdio de um berimbau de
capoeira. O cara parte de algo tão rudimentar quanto um ritmo de uma corda só e constrói uma história fantástica, conta
uma história resultando num todo de letra e música completamente fora de padrão. Aquilo não é samba, não é canção
propriamente dita, não é uma canção sentimental. É uma história contada-cantada, mas admirável pela originalidade. E,
ao mesmo tempo em que faz isso, é compositor jamaicano, essas baboseiras.
Não é exagero seu tratar Gil e Caetano, que são homens cultos, como "semi-analfabetos"?
Não. É cultura de almanaque. Acho que nenhum deles leu nenhum livro do princípio ao fim. Leram gibi. Pela obra de
Caetano dá impressão que o cara leu muito, mas não acredito. Não, é divinatório mesmo.
E o Chico Buarque autor de literatura?
Prefiro como compositor. A melodia, mesmo sendo convencional, casa muito bem com o verso dele. "Estorvo" [Cia.
das Letras] é muito ruim. Aqueles negócios de cara fazendo surfe em ônibus, negra arregalando o olho, tudo lembra
recurso de cinema americano, em que todo negro arregala o olho.
A oposição estanque de academia de um lado e canção popular do outro é irrevogável?
Até que hoje não são tão inimigos, não. Já se admite, José Miguel Wisnik é um cara da academia [professor de literatura
brasileira na USP] que faz sua música. O tipo de música que ele faz não tem mais penetração, ainda está fazendo uma
coisa que acabou. A canção acabou.
Acabou? Por quê?
Acabou, é inconcebível. Charles Aznavour está velhinho, é o último representante de um tipo de coisa. Ele senta num
banquinho e toca e canta. Isso acabou. Hoje é tudo coletivo, com recursos eletro-eletrônicos. Acabou essa canção que
nasce contemporânea do individualismo burguês, feita para você cantar e outras pessoas ouvirem se sentindo
representadas na letra.
Seria uma volta do coletivo em oposição ao individualismo? A morte da canção seria positiva?
De certa forma é. O que substitui a canção solo? O rap, que também é solo, mas não se vale mais de melodia. Costumo
dizer que o rap é a grande novidade, porque restaura a música da palavra. O cantochão da igreja era um rap. Como
nasce a música da igreja? O cara ia ler um texto sagrado, ficava monótono, ele passava a ler de uma forma cantada.
Nasce o cantochão, que é embolada de padre, é rap de padre. O rap não precisa de melodia, porque eles tiram a melodia
da palavra. É uma fala cantada. O interesse do rap é que ele volta exatamente ao início, a palavra passa a ser mais
importante que a melodia.
Há poesia no rap?
Quando o cara é bom, há. A maior parte desses raps é bronca de otário de periferia, reclamação. Mas, se o cara quiser,
pode fazer. Se bem que aí a preocupação não é tanto essa, até aí é original. Eles não querem fazer uma frase bonita, mas
contar uma história. O que é importante é que seja contada com muito ritmo [cantarola um rap]. O ritmo e a possível
musicalidade vêm do próprio encadeamento das palavras numa narrativa.
Mais! Folha de S. Paulo - 29/08/2004, p. 4-6.
http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0483.html
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O TEMPO E O ARTISTA
Em entrevista em Paris, o compositor diz que a emergência do rap talvez represente o fim do principal gênero musical
do século 20
Chico Buarque voltou a compor. Disse que está na hora de finalmente se despir e se libertar do romance "Budapeste",
que lançou no final de 2003 e do qual ele se ocupou, acompanhando as traduções, ao longo deste ano.
Paradoxalmente, Chico diz, rompendo um silêncio que vinha de muito tempo, que a canção, tal como a conhecemos,
talvez seja um gênero do século passado -e que o rap talvez seja a sua negação. Paradoxalmente, mais uma vez, é o rap
o que mais chama a atenção de Chico no cenário cultural brasileiro. "Tem uma novidade importante aí, na periferia se
manifestando dessa forma."
O caminho do músico Chico Buarque continua, e cada vez mais, iluminado pelo farol de Tom Jobim, seu maestro
soberano. Mas os olhos do artista estão mais do que nunca voltados para a moçada dos morros, onde ele enxerga ao
mesmo tempo a desgraça e a antena do país.
Neste trecho da entrevista, Chico fala ainda sobre Cuba e diz que, mesmo discordando da ausência de democracia na
ilha, considera louváveis os esforços para preservar os "valores da revolução".
(Fernando de Barros e Silva)
Folha - Podemos começar falando da reclusão que você se impôs neste ano.
Chico Buarque - Fiquei até menos recluso do que estive durante os dois anos em que escrevi o livro ["Budapeste"].
Este foi um ano de entressafra. O meu trabalho foi praticamente acompanhar as traduções, ficar na cola do livro que
saiu no ano passado. Pouca coisa a mais. Recebi alguns convites para fazer músicas e não pude atender. Foi nesse
sentido quase um ano sabático. Embora dê trabalho acompanhar as traduções.
Folha - Por que você preferiu não falar quando o livro foi lançado? Receio de induzir a leitura, de misturar o escritor e
o compositor?
Chico - Um pouco disso tudo. Na verdade, neste ano sabático tive que ficar me explicando. Não tenho prazer especial
em ficar explicando o que escrevi, os livros, as canções, o que seja. Há artistas que gostam disso e se explicam muito
bem. Eu não sei fazer isso. Houve também aquela comemoração toda em torno dos meus 60 anos, uma coisa excessiva
sobre a qual eu não tinha muito o que dizer.
Além disso, não quis falar um pouco também para evitar que o livro viesse ocupar o espaço que eu tenho como
compositor de música popular. Procuro o máximo possível distinguir as duas coisas. Muitas vezes nem isso é possível.
Mas apresentar o livro na TV, tirar fotos, isso confundiria ainda mais as coisas. Vem cá, mas esse é o compositor, o
escritor? Parece que fica tudo sendo a mesma coisa, a mesma cara, o mesmo sujeito.
Folha - Já falaram que os personagens dos seus três romances -"Estorvo", "Benjamim" e "Budapeste"- são um pouco
alter egos do Chico Buarque.
Chico - Os livros são muito diferentes. O que complica um pouco a questão é que o protagonista de "Budapeste" é
escritor. O protagonista de "Estorvo" não era nada, e o de "Benjamim" é um ex-modelo-fotográfico.
Depois de um ano, mais de um ano, já está na hora de eu me despir, me libertar deste livro. Eu estou na verdade
ansiando por isso, até para escrever outro livro, ou para escrever novas canções.
Folha - E virão novas canções? Ou você não sabe ainda o que fazer?
Chico - Tenho muita vontade de fazer música. Mas é difícil planejar. Parece que se tornou uma coisa quase automática
-faz um livro, depois faz um disco e assim vai. Talvez eu mesmo não queira obedecer esse script que venho seguindo.
Mas sempre foi assim. Depois de um trabalho com literatura, até retomar a música leva um bom tempo. O formato é tão
diferente da literatura que a mão fica dura.
Folha - O que motivou você a fazer essa revisão da sua obra, a aceitar gravar essa série de entrevistas para os
programas da TV?
Chico - A idéia partiu do Roberto [de Oliveira, diretor dos especiais com Chico]. Para mim é um pouco incômodo ficar
revendo fitas antigas, falar sobre canções do passado. Estou, na verdade, cedendo a uma demanda que existe -e acho
que cada vez mais. Isso é curioso. Talvez tenha razão quem disse que a canção, como a conhecemos, é um fenômeno
próprio do século passado, tal é a quantidade de releituras, de compilações, de relançamentos, de gente cantando
clássicos -e isso no mundo inteiro. Os meus próprios discos são relançados de formas diferentes pela indústria, em
caixas e caixotes, embrulhados assim e assado, com outra distribuição das músicas. E há um interesse muito grande por
isso. Se eu lançar um disco novo, vou competir comigo mesmo. E devo perder.
Folha - E o rap? Sem abusar das relações mecânicas, parece que estamos diante de uma música que procura dar conta,
ou que reage a uma nova configuração social, muito problemática.
Chico - Eu tenho pouco contato com o rap. Na verdade, ouço muito pouca música. O acervo já está completo. Acho
difícil que alguma coisa que eu venha a ouvir vá me levar por outro caminho. Já tenho meu caminho mais ou menos
traçado. Agora, à distância, eu acompanho e acho esse fenômeno do rap muito interessante.
Não só o rap em si, mas o significado da periferia se manifestando. Tem uma novidade aí. Isso por toda a parte, mas no
Brasil, que eu conheço melhor, mesmo as velhas canções de reivindicação social, as marchinhas de Carnaval meio
ingênuas, aquela história de "lata d'água na cabeça" etc. e tal, normalmente isso era feito por gente de classe média.
O pessoal da periferia se manifestava quase sempre pelas escolas de samba, mas não havia essa temática social muito
acentuada, essa quase violência nas letras e na forma que a gente vê no rap. Esse pessoal junta uma multidão. Tem algo
aí.
Eu não seria capaz de escrever um rap e nem acho que deveria. Isso me interessa muito, mas não como artista e criador.
O que eu posso é refazer da melhor maneira possível o que já fiz. Não tenho como romper com isso.
E quando penso na melhor maneira possível, penso imediatamente em Tom Jobim. Ele foi meu mestre desde o começo.
E, depois que ele morreu, eu sinto paradoxalmente ele mais presente na minha maneira de pensar a música e mais
presente no panorama geral da música brasileira. Esse disco agora, que está sendo lançado ["Ao Vivo em Minas",
gravado em 1981], é maravilhoso. Não chamava muita atenção na época um show de Tom Jobim só com o piano. Isso
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era visto até com certo desdém. Alguém teve a boa idéia de gravar, e agora isso é recebido como uma jóia, que é. É um
pouco o que eu via. Ele ali no piano, compondo "Águas de Março", "Luiza" [Chico cantarola: "vem cá, Luiza, nã nã nã
nã..."). Vi muito isso. Ele não tinha pudor de mostrar as músicas rascunhadas. Mostrava. Pedia palpites. Ver o Tom em
ação, e tendo dúvidas, em processo de criação, era formidável -e difícil. Eu sou incapaz de partilhar um momento como
esse, uma obra rascunhada, um pedaço de música ou de letra.
Folha - Você tem uma relação antiga com Cuba. O regime de Fidel Castro vem sendo cada vez mais cobrado pela
ausência de democracia, pelas execuções etc. Como você se coloca nessa discussão?
Chico - Minha ligação com Cuba se estabeleceu no fim dos anos 70 até a volta das relações diplomáticas com o Brasil.
Na época meu apelido era "el embajador". Eu participava de um intercâmbio cultural que envolvia muitos artistas,
músicos, intelectuais. Acho que cumpri bem o meu papel. De lá para cá, tenho ido menos a Cuba. Perdi um pouco o
contato.
http://www.chicobuarque.com.br/texto/mestre.asp?pg=entrevistas/entre_fsp_261204c.htm
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a.r.t.e.
MÚSICA BRASILEIRA
A morte e a morte da canção
Por Coletivo MPB
É preciso compreender a segmentação do mercado para pensar o futuro da música popular brasileira
Há títulos que são muito maiores do que os textos que encabeçam. Quando isso acontece, em geral coloca-se nele a
palavra “Manifesto”. Com isso, quer se dizer que o texto não se basta, que ele precisa da ação para ganhar seu
verdadeiro sentido.
Este é um texto cujo título o excede de muito. Mas não tem a força e o ímpeto de um manifesto. Tem unicamente a
motivação de quem se encheu do papo de ficar procurando substituta para a Elis, da ladainha de que o Chico acabou
como compositor e não tem herdeiro e por aí vai. Vamos falar sério então: a canção acabou?
Como o Quincas Berro D’Água de Jorge Amado, a canção morreu duas vezes. E com um intervalo de 40 anos. A
primeira morte foi política. A ditadura militar deixou bem claro em 1964 que o suave sonho bossa-novista tinha
acabado e que a canção engajada do Centro Popular de Cultura, o CPC, não tinha mais lugar.
Que fizeram naquele momento? Já em 1964, no famoso “Show Opinião”, a “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”
ganhava um sentido inteiramente novo ao entoar: “E, no entanto, é preciso cantar”. Logo no ano seguinte, em 1965, a
saudosa “Revista da Civilização Brasileira” chamou vários músicos, compositores e estudiosos para um debate sobre
alternativas. Estavam presentes, entre outros, Caetano, Capinam, Tinhorão e Nara Leão.
Diante do fechamento do CPC e da repressão política em geral, os participantes do debate viram como alternativa mais
promissora para a sobrevivência da canção a ocupação de espaços na indústria cultural. E o momento era mais que
propício: o surgimento da vitrola portátil provocou uma expansão acelerada do mercado de discos e a TV era uma
novidade cheia de brechas para a invenção e a intervenção.
Aquela decisão política de intervenção em um momento de rearticulação da indústria cultural brasileira foi decisiva e
cheia de conseqüências. Como observou argutamente Roberto Schwarz em um texto de 1970, o Brasil viveu naquela
segunda metade da década de 1960 a situação curiosa de uma hegemonia política da direita armada e de uma hegemonia
cultural da esquerda. E muito dessa hegemonia cultural se deve justamente à decisão de participar do processo de
moldagem da nova fase da indústria cultural brasileira.
Aqueles artistas que participaram desse processo conseguiram o que nenhum outro depois deles: fazer a canção falar
para todo mundo.
A herança mais positiva desse momento é uma lição para nós hoje: Chico, Caetano, Gil e Jobim -para permanecer no
cânone- criavam praticamente “de dentro” da indústria cultural, mostrando que o elevado padrão brasileiro de
elaboração de canções não era incompatível com os meios de comunicação de massa. Essa união jamais se refez.
A segunda morte da canção aconteceu quarenta anos depois e foi, aparentemente, de morte morrida. O legista a dar o
laudo -ou a questão para pensar- foi nada menos que Chico Buarque, em uma entrevista à “Folha de S. Paulo”, de
dezembro de 2004. É verdade que seu laudo foi menos peremptório do que o de Tinhorão, que já havia dito coisa
semelhante em uma entrevista também à “Folha de S. Paulo”, de agosto do mesmo ano. Mas morte é morte.
Entre as duas mortes está justamente a consolidação da indústria cultural brasileira, como sistema integrado de indústria
fonográfica, rádio, TV e jornal. Contudo, poesia cantada passou a não combinar mais com a face cada vez mais banal da
indústria das mídias. O que se valorizou de um certo momento em diante era a antítese do que havia até então: se
veicularia principalmente canções feitas para o esquecimento. O resultado foi devastador.
A pergunta é então inevitável: será que o que morreu não foi a canção tal como inventada nos últimos 40 anos? Mesmo
um historiador amador pode constatar as reações violentas às estripulias da geração de Nara, reações que vinham
sempre acompanhadas justamente de um “a canção acabou” ou algo semelhante.
Não se trata de maneira alguma de minimizar a importância dessa nova morte da canção. Basta lembrar que um dos
seus sentidos mais importantes é justamente a perda da referência de um ideal coletivo de transformação do país.
Se entendermos a segunda morte nesse quadro, talvez o destaque dado por Chico ao rap na entrevista já mencionada
surja sob nova luz. O que Chico poderia estar querendo dizer é que o rap -enquanto crítica sociomusical e nova forma
da canção, talvez sua substituta, como ele parece acreditar- seria capaz de responder de tal modo aos desafios da atual
realidade social a ponto de fazer com que mesmo suas músicas mais críticas compostas na época da repressão política
soem ingênuas hoje.
Entretanto, ao contrário do que se passa atualmente com o rap, a figura da canção agora em crise estava orientada -entre
muitas outras coisas, certamente- também por uma espécie de grande consenso de fundo que se costumou chamar de
nacional-desenvolvimentismo, o projeto de promover um desenvolvimento econômico o quanto possível autônomo,
fundado na criação de um mercado interno de importância, capaz de mitigar e eventualmente superar a condição de
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completa dependência que caracteriza um país cuja economia está fundada simplesmente na exportação de bens
primários. Com isso, também seria possível alcançar a independência cultural que permitiria fazer emergir um país
autêntico.
Esse projeto se esgotou e fazer política transformadora hoje exige outros e novos caminhos e projetos. No fundo, muito
do discurso sobre a morte da canção está ligado a isso. Mas não só.
É preciso ver que também a indústria cultural brasileira mudou, que o mercado fonográfico mudou. E a canção continua
sendo uma forma muito importante de expressar essas duas novas situações: a perda de um referencial coletivo de
transformação; e a própria transformação do que se entende por cultura no Brasil.
Uma coisa pelo menos é certa: a canção deixou de falar para todo mundo. Esse padrão estabelecido pela geração de
Chico é hoje inalcançável. Mas o curioso não é isso. O curioso é que não se percebe nem considera que a canção fala
para muita gente.
Por um lado, não é preciso lembrar iniciativas de ordens e proporções tão diversas como o Clube Caiubi em São Paulo,
o Songbook no Rio e o próprio prêmio Visa. Não é preciso dizer que “independente” deixou de ser sinônimo de
precariedade e improvisação, como lembrou Lobão em uma entrevista recente à revista “Bravo”.
Por outro lado, contudo, uma porção considerável da canção produzida e apresentada sobrevive em função de
iniciativas que permanecem individuais. Compositores e intérpretes constroem seus próprios circuitos, desde a gravação
e distribuição de CDs até as apresentações e a consolidação de um público. Evitando a lógica da grande indústria
fonográfica, mas sem uma organização propriamente dita, muitas dessas iniciativas esgotam suas energias devido ao
isolamento.
O que é preciso lembrar é que a consolidação da indústria cultural brasileira trouxe com ela uma segmentação do
mercado que não pode ser evitada. Ainda mais, essa segmentação levou a uma segregação por parte dos setores
dominantes da indústria daquela parcela da MPB comprometida com a conservação e renovação da tradição da canção.
De modo que o problema hoje não é de atestado de óbito, mas de compreender o que significa essa segmentação e como
é possível encontrar, na sua lógica, as brechas para intervir. E, como em 1965, essa é uma decisão política, que exige
muita conversa e organização. O melhor começo para isso talvez seja mesmo convidar os interessados para um debate.
Este artigo é este convite.
Coletivo MPB
É um ajuntamento para ver no que vai dar. Atualmente, é composto por José Roberto Zan (professor de sociologia da
música industrializada na Unicamp), Marcos Nobre (professor de filosofia na Unicamp), Henry Burnett (compositor e
pós-doutorando na USP) e Rúrion Soares Melo (músico, compositor e doutorando em filosofia na USP).
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2691,1.shl
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a.r.t.e.
MÚSICA BRASILEIRA
Chega de saudade
Por Coletivo MPB
O grupo de pesquisadores do Coletivo MPB responde aos comentários dos leitores sobre o artigo "A morte e a morte da
canção"
Não é de espantar que a repercussão causada pelo artigo “A morte e a morte da canção”, publicado em dezembro de
2005, aqui, no Trópico (veja link no final deste texto), revelasse tanto o rico interesse sobre questões ligadas à música
popular brasileira como também a amplitude de problemas e temas correspondentes. Esse foi o propósito do Coletivo
MPB: um convite para o debate que se mostrou bem-sucedido.
A idéia central do nosso artigo apontava para a necessidade de se compreender as condições atuais da produção da
música brasileira, a segmentação própria do mercado atual, e para pensar os rumos de ação possíveis para quem acha
que a morte da canção é mais uma de suas mortes e não o seu fim -partindo da intuição de Chico Buarque sobre o fim
da canção, que motivou de muitas formas nosso texto.
Devido ao inevitável caráter sintético do artigo, muitas questões tiveram que ser tratadas rapidamente, assim como
outras nem mesmo chegaram a ser abordadas. Certamente que muitas destas questões foram lembradas pelos leitores
em seus comentários e críticas (veja link para as respostas dos leitores no final deste texto).
Com o intuito de dar seguimento ao debate, gostaríamos de fazer um comentário geral sobre as intervenções de leitores
recebidas, organizando-as em dois blocos temáticos. Partimos dos traços mais gerais do que entendemos por canção
(sem aprofundar uma análise estética da produção atual) para, em seguida, insistirmos na necessidade de se encontrar
uma brecha para a intervenção na lógica atual do mercado.
O termo canção pode ser empregado no Brasil desde a “cancionalização” dos batuques africanos dos meados do século
XVIII (ou talvez antes) até à avassaladora onda de consumo nos anos 90 com o sertanejo, o pagode, o axé, entre outros.
Mas nosso tipo ideal -por assim dizer- é a canção na sua singularidade mais essencial: a união entre letra e melodia.
Alguns viram nesse ponto de partida mais geral um “saudosismo desmedido”, como se a afirmação “a canção não
morreu” simbolizasse necessariamente um olhar para trás. Não foi essa nossa intenção. Muito pelo contrário.
Bem diferente de um movimento reacionário, preso a um estilo ou tradição qualquer (samba, baião, samba-canção,
bossa-nova, tropicalismo etc.), a canção feita hoje pode privilegiar nossa “autenticidade” ou as influências estrangeiras;
pode exagerar no ritmo de fundo ou fazer sobressair as melodias; pode arriscar na complexidade harmônica ou na
potência expressiva da música modal; pode limitar-se a algum traço determinado do samba ou fazer releituras inteiras
do repertório de choro; pode, enfim, juntar o violão, a guitarra e o tamborim.
Hoje ainda é possível visualizar por entre a diversidade de sons e formas da música popular brasileira alguns elementos
comuns da sua formação sem, no entanto, abdicar do seu potencial transformador -que pode ir, por exemplo, de Noel
Rosa, passando por Jobim, até chegar a Guinga, Lenine, Joyce ou mesmo num jovem compositor como Marcelo
Camelo e sua “incompreensível” influência de Dorival Caymmi.
O aspecto mais interessante das iniciativas atuais -em sua grande diversidade, é bom sempre frisar-, não consiste em
requentar um repertório já consolidado (apesar da maestria dos novos intérpretes), mas, sobretudo, na consolidação de
um repertório novo. A qualidade das novas autorias parece inquestionável, e são estas que merecem nossa especial
atenção. Elas mostram que a forma canção não é uma linguagem desgastada que, por fim, emudeceu.
Não se trata, portanto, de fazer uma outra “passeata contra as guitarras”, mas de construir uma vez mais o devido espaço
para a música brasileira que não quer simplesmente florear os duros standards da indústria cultural. A posição que
defendemos em nosso texto é a de que esse espaço só será conquistado por meio da ação coletiva. Só uma ação política
concatenada poderá catalisar as inúmeras iniciativas individuais e de grupos, hoje dispersas.
A nosso ver, um dos passos importantes nessa direção é o de tentar entender como a indústria fonográfica brasileira está
estruturada, para além dos clichês e das frases fáceis. Pois essa compreensão talvez permita intervir no mercado com
mais eficácia.
Nos anos 60, o racha interno da turma da bossa-nova, ou a disputa externa desta com o samba-canção, com a MPB, com
o iê-iê-iê, foram marcados pelo predomínio de duas ou três grandes gravadoras, tal como a Philips ou a Odeon. Uma das
experiências mais bem sucedidas da época, em termos de qualidade da produção e lançamento, estava sob o encargo da
Elenco, de Aloysio de Oliveira, mas que naufragou sem recursos frente à Philips nas mãos de Armando Pittigliani.
A lógica atual de funcionamento da indústria fonográfica criou uma segmentação no interior das grandes gravadoras
que, em larga medida, esteve circunscrita aos seus “produtos”. A grande indústria cultural precisa “renovar” seu
estoque, inventando e forjando novos rostos, refrões e danças para abarcar a demanda de consumo que ela mesma tem
que criar. E isso não é certamente uma exclusividade brasileira: basta ver, por exemplo, o que se passa com o jazz nos
EUA.
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Desta segmentação resultou a segregação de uma parcela considerável da MPB por parte dos setores dominantes da
indústria. O repertório, os temas, os artistas -nada disso seria útil para a produção de uma oferta facilitada e
infantilizadora almejada pela indústria de massa.
A visível parcialidade e unilateralidade musical ofertada pela indústria não agradou a todos. Isso ocorreu não somente
devido a uma margem intransponível e porosa da formação do gosto que a indústria pretendia poder controlar, mas
também devido à própria transformação do que entendemos por cultura no Brasil. Isso significou, em outras palavras,
que a canção ainda falava para muita gente. Ainda que não mais para todo mundo.
Esse também foi um ponto pouco claro do nosso texto. Dizer que a canção “falava para todo mundo” não queria dizer
que “todo mundo ouvia e apreciava canção”. Basta dar uma olhadinha na vergonhosa distribuição de renda brasileira
para ver que isso não foi e ainda não é materialmente possível.
O que quisemos dizer com isso é que, na década de 1960, ocorreu uma feliz coincidência entre um momento de amplo
rearranjo da indústria cultural brasileira e um dos grandes ápices inventivos da MPB. O encontro (ainda que altamente
conflitivo, com certeza) dessas duas coisas fez com a indústria cultural brasileira fosse também moldada de dentro,
garantindo um espaço para a MPB de qualidade que marcou aquela geração e as seguintes.
De todas as muitas interessantes facetas desse processo, insistimos em nosso artigo no caráter político desse encontro
entre a lógica própria da indústria cultural e uma geração de músicos e compositores comprometida não apenas com a
renovação da MPB, mas também, em boa parte, com a própria transformação do país.
“Político” no sentido mais amplo da palavra. Não se trata de unidade partidária ou ideológica desse movimento
coletivo. Muito pelo contrário e ainda bem. Mas a idéia de que era possível empurrar a indústria cultural na direção da
experimentação e dos diversos tipos de engajamento era uma idéia motriz, partilhada por muitos dos envolvidos nesse
processo.
Para dar um único exemplo: o público militante dos festivais de TV dos anos 1960 foi criado antes dos festivais, foi
criado pelos musicais e shows estudantis. E os shows e musicais estudantis foram obra coletiva e descaradamente
política. Foi uma invenção em que iniciativas localizadas se articularam, viraram nacionais, viraram de todo mundo. Por
isso, é inútil tentar repetir essa experiência tão rica simplesmente começando pelo fim, começando pela TV. Tomando
esse exemplo, podemos nos perguntar: que forma de organização coletiva poderia hoje desempenhar um papel
semelhante ao que tiveram os musicais estudantis da década de 1960?
Só que o problema agora é ainda mais embaixo. Uma formação alternativa de público começa hoje de um patamar
técnico muitíssimo superior ao da década de 1960, o que já é de saída um obstáculo para a criação de espaços
alternativos de baixo custo. Além disso, não vivemos o clima de efervescência político-cultural da década de 1960. E,
ao contrário de 40 anos atrás, temos hoje uma indústria cultural consolidada, altamente complexa e integrada em seus
diversos ramos. Para divisar as suas brechas, temos de entendê-la em sua complexidade. A começar pelos saltos
tecnológicos mais recentes.
Nos últimos anos ocorreu um crescimento tecnológico sem precedentes no mercado musical. Qualquer pessoa pode
gravar um disco em casa, prensar CDs com capa por R$ 1,50 a unidade e terceirizar uma distribuição não muito
pretensiosa por 10% a 20 % do valor do produto. Se essas possibilidades multiplicaram por muitos mil o número de
CDs e artistas novos e, com isso, tornou impossível uma distribuição mercadológica que abarcasse a todos, também
serviu para mostrar quantos grandes compositores estavam eclipsados pelo mercado e prontos para vir à tona.
E vale ressaltar mais uma vez que esse tipo de atividade independente nem sempre é sinal de amadorismo ou de má
qualidade. Tanto que muitas gravadoras “alternativas” ocuparam esse espaço, realizando cada um desses passos de um
modo mais funcional e em escala maior. Tal é o caso da Biscoito Fino ou da CPC - Umes.
Acontece que ainda há mais canções sendo compostas e apresentadas do que essa “fatia” do mercado pôde incluir.
Iniciativas coletivas (Clube Caiubi, Songbook e muitos outros) revelam que uma parte importante de compositores e
ouvintes já aderiram a um movimento de transformação cultural, que busca a autonomia das criações e da formação do
público. Será que não conseguimos concatenar essas iniciativas em um movimento coletivo articulado e plural? Ainda
há muito mais por fazer!
Coletivo MPB
É um ajuntamento para ver no que vai dar. Atualmente, é composto por José Roberto Zan (professor de sociologia da
música industrializada na Unicamp), Marcos Nobre (professor de filosofia na Unicamp), Henry Burnett (compositor e
pós-doutorando na USP) e Rúrion Soares Melo (músico, compositor e doutorando em filosofia na USP).
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2719,1.shl
12
a.r.t.e.
MÚSICA BRASILEIRA
A crise da MPB, segundo os leitores
Leia alguns dos comentários enviados à Trópico a respeito do artigo "A morte e a morte da canção"
Richard Romancini, doutorando ECA/USP:
Não tenho ilusões quanto ao “popular” na música brasileira, nem muito menos quanto ao seu caráter industrializado,
realidade necessária face à produção e à circulação numa sociedade complexa, industrializada. Com efeito, desde as
primeiras décadas do século passado, entre o compositor e/ou intérprete “popular” e a produção musical existiram
mediações que, de uma forma ou de outra, interferiram na forma ou conteúdo da mensagem ou -melhor dizendo- deram
o formato com que a canção brasileira foi registrada e se tornou conhecida.
O que lamento, pessoalmente como apreciador de uma tradição que parece estar se extinguindo, é o provável fim do
ideal de uma “música popular brasileira” capaz de circular entre diferentes classes sociais e indivíduos de níveis
culturais diversos (resultando, assim, numa forma de “reconhecimento” entre diferentes grupos sociais). Pode-se dizer
que esse é a vertente “nacional-popular” de nossa música.
Creio que um dia ela teve mais intensidade, porque parecia ser capaz de expressar os humores e afetos de um povo, seu
cotidiano mais prosaico, transmutado em canção/poesia -é nesse sentido que vejo pertinência na alusão de Chico
Buarque ao rap, cumprindo esse papel hoje (no entanto, com amplitude bem menor). E tal produção musical, mesmo em
seus preconceitos e aparente simplicidade, impunha-se como uma forma de “expressão comum”, mas não vulgar. Penso
aqui, entre tantos e tantos exemplos, em compositores/intérpretes como Ataulfo Alves, Geraldo Pereira, Lupicínio
Rodrigues, Mário Reis e Dalva de Oliveira.
Curiosamente, no meu entender, o ápice criativo dessa situação -a bossa nova- já apontava para o declínio da mesma.
Em certo sentido, muito bem sucedida na capacidade de estabelecer diálogo com ritmos estrangeiros e o samba (tanto o
sincopado, quanto o samba-canção), a bossa nova deu origem a uma teoria muito infeliz sobre o “linha evolutiva” na
música popular.
Não condeno (e aprecio) a sofisticação musical de um Caetano, dos Mutantes e outros. No entanto, é claro que esse
processo resultou numa “segmentação”, de saída, quanto aos ouvintes. E o “popular”, entendido como a capacidade que
a canção brasileira teve de ser apreciada e adotada por muitos, é em geral convertido em paródia (Caetano, cantando
“Coração de Mãe” ou Peninha, não é outra coisa).
Ao mesmo tempo, note-se que esse “popular” a que me refiro pouco tem a ver com a origem social do músico (Noel era
de classe média e estudante de medicina), mas sim com formas de expressão, por assim dizer, “inclusivas” e mais
espontâneas. Formas “nacionais”, mas não xenófobas: o próprio Noel, que ironizou a adoção fútil do inglês pelos
brasileiros, compôs, com brilhantismo, em ritmos diversos, inclusive estrangeiros. “Pra que mentir” tem toda a
influência do tango argentino, no entanto, o ritmo é “aclimatado” (claro, o mérito e também do extraordinário Vadico,
autor da musica).
Seria simplicista, porém, dizer que o fato de compositores com grande capital cultural e capacidade musical terem
emergido desde os anos 60 e depois (no pós-Tropicália, Egberto Gismonti, Arrigo Barnabé e tantos outros) é a principal
causa dessa -a meu ver- “agonia da música popular”. Correlação temporal não é causação, mas essa coincidência não
me parece banal.
De certo modo, o caminho de sofisticação formal tomado por parte da produção de compositores e intérpretes fez com
que a “música popular” passasse a dirigir-se agora para a “classe média” (em particular a intelectualizada), e isso
implicou numa lógica de distinções perversa (no caso brasileiro, onde o “popular” significava uma mensagem rica em
termos de conteúdo e forma), porque empobrecedora de uma capacidade que a música brasileira teve de ser uma
mensagem para muitos.
De outro lado -e talvez o aspecto mais importante- as mediações que se colocaram entre os artistas e produtores
ganharam aparentemente maior complexidade. O avanço nas relações mercantis e em aspectos que buscam aumentar as
possibilidades de êxito comercial (minorando, ao mesmo tempo, as chances de um custoso fracasso), como o marketing
e a interferência criativa dos “fazedores de sucesso” (arranjadores, produtores) no trabalho dos músicos, favoreceram a
redundância e o empobrecimento musical. Também, para os novatos em particular, dificultaram o desenvolvimento de
uma “voz pessoal”. É claro, que existem exceções, mas o peso dos aspectos comerciais, de modo geral, sobrepuja a
expressão musical desse possível “segmento” para o grande público.
Naturalmente, isso é muito prejudicial a uma maior espontaneidade que a música popular já possuiu. A démarche ou
segmentação, que parece ser totalmente natural hoje entre os públicos, impele o “popular” (no sentido daquele que
pretende se dirigir a muitos) a um caminho de manipulação estratégica (vide conjuntos como É o Tchan), guetização e
fonte de uma identidade por parte dos excluídos (o funk carioca e parte do rap) ou hibridismos até o momento sem
maior densidade musical (a música sertaneja, ou chamada música “brega”). É interessante também notar que aqueles
que apelam à força de uma tradição intocada e “preservada” no limite da imobilidade (as rodas de “samba de raiz” ou o
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choro, por exemplo), fazem do consumo dessa música igualmente um elemento de distinção, mais do que a atualização
de uma tradição e fonte de prazer estético para muitos.
De certa forma, é como se atualmente o projeto de uma música “nacional-popular” não fizesse muito sentido. O
possível “diálogo social” que a música popular propiciava foi solapado por múltiplas segmentações e lógicas de
distinção. A analogia com a política e a sociedade de modo geral é evidente e rica em possibilidades de reflexão -que
não me arrisco a fazer, por falta de conhecimento dos aspectos empíricos da produção musical que poderiam embasar
esta problemática, bem como de teoria social.
Mas, concluindo, diria que é significativo que certos grupos tenham antes um projeto “internacional-popular”, para usar
a expressão de Renato Ortiz, como Os Tribalistas -que, operando no segmento jovem, dirige-se a um público
“antenado” mundial. Creio que esse último dado coloca em cena, portanto, mais um fator desse cenário complexo: a
globalização (no seu aspecto cultural). É claro que esse processo não deve levar, por si só, a fatores (bem colocados no
artigo do Coletivo), como a “a perda de um referencial coletivo de transformação; e a própria transformação do que se
entende por cultura no Brasil”, mas ela é mais um dado dessa dolorosa, na medida em que parece resultar em perda,
situação. A transformação (não a “morte”, pois está implícito nesse termo um saudosismo desmedido) da MPB em algo
muito diverso do que já foi.
Tatá Vaz:
Queria parabenizar vocês pelo texto, gostoso de ler e com uma carga de informações muito rica! Sou músico (baixista)
há 20 anos e dublê de historiador. Nesse tempo vim procurando acompanhar, e principalmente entender, o que foi
acontecendo com a nossa música e a nossa cultura. E a conclusão que eu cheguei foi a de que preciso acompanhar
mais!!
Refletindo sobre o que vocês falaram sobre a indústria cultural no Brasil, não acho que a nossa canção morreu, que a
nossa MPB morreu. Eu tenho a sensação apenas de que ela vive em um espaço menor. É aquele lance da segmentação,
que aconteceu com todo tipo de produto e serviço nesse mundo. Tudo é segmentado: desde o carro até o xampu, tudo
que consumimos é feito "pra gente". E com a música no Brasil e no mundo foi assim também.
Outra coisa grave é o mercado musical, o trabalho da mídia, o que vende. Essa descida de ladeira cultural que o Brasil
viveu nos últimos 30 anos é que foi desastrosa. A impressão que eu tenho é que, até o fim dos anos 80, ainda tínhamos
algum resíduo cultural vindo das décadas anteriores. Mas quando entra os 90, com o sertanejo e por aí em diante, não
houve mais santo que nos salvasse! E ficamos assim, nivelados por baixo. E a boa música ficou assim como ilhotas
cercadas por um mar de baixaria e estupidez alimentadas pela mídia (leia-se rede Globo).
Acho que há vida após a banda Calypso, mas teremos uma vida clandestina, um submundo de cultura, feito uma seita
proibida.
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Mário Montaut:
Pode-se tentar sonatas após Beethoven e sambas-exaltação após Chico Buarque, mas mesmo sem conhecer a íntegra da
tal entrevista, acho que o Chico tem razão, nesse ponto, o Tinhorão também. Não esquecendo a Joyce, ano de 2000,
para a revista Bundas: “Há muito tempo, não temos aquela ‘nossa canção’”.
O Gil, uma vez, cogitou musicar trechos de “Estorvo”. E Chico afirmou que para aquilo não tinha música.
Provavelmente tinha sim. Mas se uma obra-prima como “As Cidades” passou quase batida, imagino a repercussão das
músicas que dariam continuidade ao seu universo literário. Quem nelas se reconheceria?
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2720,1.shl
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Caríssimo Danilo,
A demora na sua resposta e a própria em si confirmam a sua preguiça de serpente. Sobre a preguiça, tenho cá
algumas considerações.
Recentemente, a Marcia Tiburi, em sua palestra sobre literatura e escrita, foi indagada sobre a relação entre a
poesia e a filosofia, com o que ela disse, após breve pausa: o filósofo é um poeta cansado. Em outro momento, você
então nos questionou se não seria por sua vez o poeta um filósofo preguiçoso.
Destas duas "elucidatórias" perguntas elaboro outras. Se pensarmos no compositor formal, que encontra suas
bases em tradições clássicas, na escrita musical, na condução de vozes, no contraponto, etc, etc, poderíamos pensarmos
este compositor como uma espécie de cancionista cansado?
Não obstante, o que viria a ser afinal o cancionista, um compositor preguiçoso? E qual seria a função ou a
disfunção fundamental desta classe de artistas no mundo de hoje? E de que cancionista estaremos falando? Dos
herdeiros assépticos da bossa nova? Das órfãs cantoras técnicas de Elis Regina? Dos pseudo-rebeldes da ala Rock? Dos
seguidores dos seguidores da tropicália? E esta canção, se descolaria da música popular instrumental?
Gosto da idéia de uma música-síntese. Mas não tenho certeza de que tenhamos que chamar de canção apenas
aquilo que formalmente recebe este nome.
O crítico Tinhorão define o início da música popular brasileira a partir do surgimento dos primeiros nomes,
ou seja, com o advento da autoria, da obra composta de compositores nomeados pela história, em contraposição com a
obra de domínio público, a música folclórica.
Eu não gosto da idéia da morte da canção.
Prefiro que morra a autoria. O que nos levaria, quem sabe, a uma nova etapa da canção popular. Estaríamos
preparados para desafiar a lógica e compor sobre um não-nome, o cancioneiro de ninguém?
(Talvez a geração do Hip-hop, cujos cantores MCs anunciam sempre seus nomes a cada letra que fazem,
estejam dando um primeiro passo para isso, sendo que, em termos de canção, não há autoria quando há explícita autoria.
Quer dizer, como eu posso ser gravado por vários cantores com uma música em que eu digo "Escuta aqui/meu nome é
Fernando Chuí")
Reitero: que morra a autoria pra que rejuvenesça a canção. E essa coisa de um monte de nomes prontos para
serem reconhecidos é mesmo um tanto cafona.
Bom, camará, espero que não demore a dar o bote desta vez.
Abraços reverberados,
Chuí
posted by Fernando Chuí at 11:14 AM 5 comments
Precisamos separar aqui a questão do direito autoral, e a existência mesma de um autor enquanto sujeito de
um tempo, de uma cultura, de uma linguagem. Vou falar só sobre o segundo aspecto agora. Há muita gente hoje
fazendo colagens de outros autores, sem conseguir chegar a ser um autor, imprimir uma linguagem própria, singular, a
uma criação. É um troço que é tudo e ao mesmo tempo nada.
Precisamos do autor enquanto sujeito.
Se o mercado para Ela morreu, é possível que Ela também morra, porque nasceu dentro deste mercado.
Para que Ela renasça, dependemos exclusivamente dos criadores ainda interessados... enquanto sujeitos! Do
esforço hercúleo de remar contra a maré na criação (compor um tipo de música que não tem mercado), e criar
mecanismos para encontrar um público possível que faça desta música efetivamente um encontro.
E o que eu, você e os “novos compositores” estamos fazendo - talvez seja ainda tímido no confronto com o
passado que citei acima, e quanto às demandas do presente.
Nós somos herdeiros do corpo torturado, privatizado, decapitado e esquartejado da cultura e da política
brasileiras.
E agora?
P.S. Quando digo que nossa obra talvez ainda seja tímida, não quero diminuir o que fazemos. Eu choro toda
vez que escuto teu novo disco. Seu realmente incrível sentido melódico e harmonioso, suas canções de tanto amor para
com a criação, a estrutura enxuta e “anti-pop-espetacular”. “Uma Outra Ilha” é a canção-guia desta nossa discussão:
“Luz, olha o horizonte, que maravilha/ Vem comigo buscar uma outra Ilha”
P.S.2.Um mundo em que “Quero Amanhecer Ao Seu Lado” e “Canção de Amor Para Márcia” toque no rádio
parece tão próximo e tão distante. Por isso precisamos chegar ao topo da complexidade da sua criação (“Uma Outra
Ilha”) e tê-lo como guia para ultrapassá-lo, para talvez chegar a um mundo em que possamos recuperar o clichê crítico
dessas duas outras canções.
P.S.3. Me deixe mundo. Nós podemos mundar o mudo. A função antecipadora da arte. “Luz, olha o
horizonte, que maravilha/ vem comigo buscar uma outra Ilha”.
Abraços,
D.
posted by Fernando Chuí at 9:48 AM 5 comments
http://fernandochui.blogspot.com/2006_10_01_archive.html (Fresta! Blog do Chuí)
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No início dos anos 60, não parecia haver mais cacife em nossa vida literária para gerar um autor que evidenciasse o
nervo da nação, na delícia e na desgraça. Aquele a quem chamamos Chico, com a peculiar intimidade brasileira, foi
capaz de dar ao país (e não apenas ao Brasil proprietário) uma voz que lhe traduzisse e questionasse em grande estilo.
Por isso, criou clássicos na era da descartabilidade de mercado.
Chico é o grande artista lírico brasileiro da segunda metade do século 20. O alcance de sua obra só se consegue
dimensionar observando a forma específica daquilo que ele produziu como ninguém: a canção popular. Entretanto,
dentro dessa forma específica, há uma profunda recuperação do melhor de nossa tradição poética. Sem ser poeta, mas
valendo-se de longo aprendizado literário, o compositor manejou, como poucos, diversos “recursos literários” que
remontam à tradição modernista de evidenciar o país não oficial aos brasileiros.
Um desses recursos está na criação, em poucas linhas, de imagens fortíssimas, fincadas no país real. Lembremos acerca
disso os doces e duros cortes de verso em “Estação Derradeira”: “Rio de ladeiras/ civilização/ encruzilhada/ cada
ribanceira é uma nação”. Ou mesmo a delicadeza de “As vitrines”, uma busca da poesia em meio ao mundo escurecido
pela lógica da mercadoria: “... abrindo um salão/ passas em exposição/ passas sem ver teu vigia/ catando a poesia/ que
entornas no chão”.
A urbanidade como espaço do possível aparece, às vezes, sob o signo da festa; noutras, como lócus de perigosa barbárie
ou revolução. No primeiro caso, lembremos a inescapável alegria de “Vai passar” em que “cada paralelepípedo da velha
cidade/ esta noite vai se arrepiar”. No segundo, a tenebrosa e algo irônica canção “Não sonho mais”: “Vinha nego
humilhado/ vinha morto vivo / vinha flagelado/ vinha um bom motivo pra te esfolar”. Tudo isso é dito em palavras que
conhecemos bem, que vivem, dia a dia, nos nossos ditos de injúria e amor.
É essa dicção do brasileiro médio que dá forma, nas letras de Chico, a um modo de ver e sentir que nos é muito próprio.
Nelas encontramos familiaridade e pensamos: “eu poderia ter dito isso, e nem precisava ser numa canção”. Essa
familiaridade está no recurso ao ditado popular: “com açúcar com afeto/ fiz seu doce predileto/ pra você parar em casa”.
E também na utilização daqueles termos doce-ferinos de que lançaríamos mão apenas sob nosso próprio teto: “a mesa
posta de peixe/ deixa o cheirinho da sua filha”. Palavras comuns que Chico, no melhor estilo de Drummond ou
Bandeira, trespassa com o sentimento do mundo real, fazendo o cotidiano significar muito mais do que rotina: “Todo
dia ela diz que é pra eu me cuidar/ e essas coisas que diz toda mulher”.
Assim também ocorre com os temas, que não se esgotam em si mesmos. Seu alcance é sempre maior do que está
evidente, graças ao trabalho fino com a metáfora, a alegoria e a substância concreta da palavra. Uma canção como
“Pedaço de mim” revela não apenas a dor pelo filho que se perdeu, mas o peso de tudo que se foi e não passou. Dor
histórica em última análise: “e assim como uma fisgada/ no membro que já perdi”. A concretude da palavra se exibe,
mas nunca puramente, pois está sempre eivada de vida, como no refrão de “Roda viva”, que é uma espécie de
“concretismo que deu certo”.
Nos últimos tempos, Chico tem falado sobre a “morte da canção”. Seu último CD, Carioca, é uma forma de anunciar
isso, pelo sintoma. Salvo engano, em Carioca, o Brasil é, propositadamente, quase só paisagem. Parte dos
questionamentos que Chico fizera outrora nas canções parece ter migrado para sua obra narrativa, onde é possível ao
“eu” que narra se auto-questionar, como dificilmente ocorrera nas suas letras. “Pode ser a gota d’água” da canção?
Numa matéria em que a evolução depende mais da acumulação histórica do que do talento individual, é importante
perceber o tamanho da “operação Chico Buarque” para a vida literária do país. De um lado, deu continuidade às lições
da nossa lírica modernista; de outro, mais recentemente, suas letras foram a primeira forma de lírica por meio da qual
jovens escritores tomaram contato com alguma cultura séria. Por isso, será difícil falar da nova poesia brasileira sem
falar de Chico: um que não foi poeta, mas que manteve viva a poesia. Sua importância para a história das letras do
Brasil é maior do que se pode imaginar.
Alexandre Pilati, é membro do PCdoB-DF, escritor e doutor em literatura brasileira pela UnB. É autor do livro de
poemas Prafóra (7letras, 2007).
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=18768
19
CULT - O que pensa sobre a música popular brasileira de hoje? Volta e meia dizem que o momento está fraco. O Chico
Buarque aventou, naquela entrevista à Folha de S. Paulo, a hipótese de que a canção talvez seja uma forma histórica
acabada. Você acha que a canção acabou ou está acabando?
C.V. - O Chico conta que foi um italiano que perguntou a ele se não achava que a canção popular, como conhecemos, é
um negócio do século 20 que acabou, como a ópera foi para o século 21. Ele disse que ficou pensando nisso, mas que
não crê totalmente nisso e nem gosta, porque seria contra ele mesmo, que continua fazendo canções. Eu também não
penso na morte da canção e no fim das coisas. Acho que o fim das coisas é uma moda que já passou.
C.V. - A canção popular está cheia de vertentes. Coisas interessantes e continuidade. Tenho ouvido novamente a rádio
MPBFM, que toca gravações brasileiras. Ouço rádio no carro, que são poucos minutos, mas me dá uma idéia. Convivo
com Moreno, meu filho, com Kassin e Domênico, que convivem com Pedro Sá. Ouço coisas de Lucas Santana, de Max
de Castro e de Ed Motta. Não consigo sentir que há uma falta de vitalidade. Acho que no momento não há uma
indicação de qual é a perspectiva hegemônica, mas não sei se isso é mau. Não sou muito ouvinte de música, conheço
gente no mundo inteiro que é ouvinte de música, que realmente ouve. Ouço, sempre ouvi, casualmente.
[Fonte:?]
20
Caymmi e o fim
A idéia de cultura, tal como se conheceu em séculos anteriores ao nosso, parece se desmantelar, diante da força
implacável da "indústria cultural"
Foi minha filha Vitória, de dez anos, quem me deu a notícia: "Pai, pai, o Dorival Caymmi morreu!..." Fiquei
duplamente comovido. Primeiro, por conta da própria partida de Caymmi. Apesar de já estar com 94 anos e de, com sua
silhueta de mulato contemplativo e bon vivant, poeta brejeiro, amante do mar e da gente da Bahia, ter-se eternizado em
nosso imaginário como um sujeito que viveu a vida devidamente, achei lamentável e simbólico que o último de nossos
clássicos compositores tenha se ido (Braguinha partira há pouco tempo, às vésperas de completar 100 anos). E depois,
por ter notado a tristeza sincera com que minha filha me repassou a notícia, após tê-la lido na internet. Ela, apesar de
conhecer não mais que duas ou três canções de Caymmi – gosta especialmente da primeira parte da Suíte dos
pescadores, com seu encanto de canção de ninar ("minha jangada vai sair pro mar...") –, sabe da importância histórica
do baiano e me deu a má notícia com uma voz tristonha, num tom choroso, como se falasse da morte de um parente
querido, embora distante.
Em meio à comoção vi uma esperança, por intuir, apesar do ceticismo que por vezes me domina, que manifestações tão
altas do espírito humano, como a obra de Caymmi, por exemplo, estão fadadas à eternidade, e aquela manifestação
consternada de minha filha, alvo fácil (e público-alvo) de bandas teen-agers e outros bombardeios covardes da indústria
cultural, era uma prova inconteste disso.
Falo que a morte de Caymmi é simbólica por pontuar a passagem de um tempo, uma era da qual a canção foi um grande
emblema, dada a importância que tinha na vida das pessoas. Há pouco tempo, uma declaração de Chico Buarque sobre
o "fim da canção" causou grande polêmica. Rebuliço maior se deu nos meios acadêmicos quando, anos atrás, Francis
Fukuyama decretou o "fim da História". A palavra "fim", em ambos os casos, não significa um fim de fato, antes
simboliza uma transformação de sentido, de importância, de valor. Falar em fim da História seria falar da falência de
uma perspectiva histórica, diante da urgência de nossos dias, da ditadura do agora, da desimportância do resíduo da
História num tempo que só vislumbra o presente imediato. Assim como falar em fim da canção deve antes significar o
fim da relevância da música popular no mundo contemporâneo, de sua influência nos costumes da sociedade, como se
dava outrora. Não me espantará se algum filósofo contemporâneo alardear para breve o "fim da cultura", se é que já não
cantaram essa bola.
O certo é que a idéia de cultura, tal como se conheceu em séculos anteriores ao nosso, parece se desmantelar, diante da
força implacável da "indústria cultural" (que apesar de se apropriar do status de cultura, quase nunca lhe rende tributos),
da desinformação cada vez maior num mundo paradoxalmente cada vez mais cheio de informações, e num desinteresse
crescente pela História, em parte propiciado pelo paraíso artificial da tecnologia, que traz a ilusão de auto-suficiência e
onipotência aos mortais.
Curiosamente, lembro-me agora de uma entrevista que li da Nana Caymmi, herdeira do talento do mestre baiano, há
alguns meses. Na entrevista, Nana lamentava por não ver mais estantes com livros nas casas de hoje em dia, fato para
ela revelador da falta de importância da cultura na vida das pessoas. Dizer porém que esta nossa época é uma idade sem
cultura seria um equívoco. O dinheiro, eis a cultura de nosso tempo.
Zeca Baleiro é cantor e compositor
http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2026/artigo100416-1.htm
21
Música
SAI O RAP, ENTRA A CANÇÃO
Ainda é cedo para afirmar que o rap está esgotado. Mas já ficou patente a retomada do gênero canção na música negra
americana. Prova dessa tendência é o novo disco da dupla Gnarls Barkley, The odd couple. A maioria das faixas ainda
tem base eletrônica, mas trata-se de músicas cada vez mais longe do canto-falado, com grandes performances vocais do
cantor Cee-lo. Na balada Who's gonna save my soul ele reedita com brilho o estilo emotivo de Al Green.
"O título é uma pista falsa, uma provocação. Quem acreditar em seu sentido aparente corre o risco de levar
um drible", avisou o músico, ensaísta e professor José Miguel Wisnik na noite de terça-feira passada ao abrir, ao lado
do crítico e também músico Arthur Nestrovski, a sessão de encerramento de um ciclo de "aulas-shows" sobre música
popular brasileira. O título ardiloso ao qual se referia Wisnik é "O fim da canção".
Embora já não fosse propriamente novo, o tema do fim da canção atraiu atenções e causou certo frisson com
a publicação de uma entrevista de Chico Buarque a Fernando de Barros e Silva, na Folha, em dezembro de 2004, na
qual o compositor considerava a possibilidade de o gênero a que se dedica ser um fenômeno característico do século
passado.
Nessa linha, a ideia do fim da canção se inscreveria num contexto de esgotamento formal e de deslocamento
de sua função social, num cenário em que se modificam parâmetros técnicos, culturais e ideológicos. Não por acaso, o
enunciado ecoa outros análogos, como "o fim da pintura" ou o mais amplo e polêmico "fim da história", de Francis
Fukuyama.
A canção que está no centro do debate não é uma canção qualquer, mas aquela, na definição de Wisnik,
"sofisticada melódica e harmonicamente, com letras densas e polissêmicas, intimamente entranhadas com a música,
sílaba por sílaba, capaz de atingir e interessar grandes públicos, atravessar diferenças sociais, irradiando lirismo e crítica
social".
Para o professor e crítico Lorenzo Mammì, "em geral, toda arte, quando chega a um grau determinado de
maturação, começa a se interrogar sobre sua própria morte".
Ele observa que "o tema da morte da arte existe desde o Renascimento (após Michelangelo não restaria mais
nada a fazer) e é central na arte moderna, desde Hegel". Mas lembra, para evitar o drible: "É uma estratégia expressiva,
nunca uma morte real: significa que cada obra se coloca no limite, tensiona a tradição até um ponto extremo."
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Wisnik argumenta que, embora o lugar ocupado pela canção brasileira no século passado e o tipo de atenção
concentrada que ela conquistou tenham se dissipado, isso não atesta o desaparecimento ou o mero empobrecimento da
canção enquanto tal.
"É uma visão simplificada, porque esses mesmos não veem a canção, quando ela está na frente do nariz.
"Não Tenho Medo da Morte", de Gilberto Gil, lançada no ano passado, mais bela ainda no YouTube, com ele cantando
sozinho num quarto, é uma límpida afirmação de que a canção universal está viva", diz. Mas ao mesmo tempo -e
paradoxalmente- "o fato de que quase ninguém a reconheça é um sinal de que a canção, tal como a conhecemos,
acabou".
Em 2007, no ensaio "O Sonho dos Outros", publicado em "Lendo Música" (Publifolha), Mammì referia-se a
uma declaração do artista norte-americano Robert Smithson, prevendo, nos anos 1960, que as redes de signos da cultura
contemporânea chegariam a uma densidade tal "que formariam uma casca lisa e uniforme, sobre a qual seria possível
correr livremente em todas as direções, como num deserto incontaminado".
Seria o caso da canção brasileira, cujo cânone, em seu entendimento, fecha-se num arco que vai de Ernesto
Nazareth a Chico e Caetano.
Sobre a superfície sólida desse núcleo acabado poder-se-ia, agora, "correr à vontade" e já não haveria
distâncias, "porque, descontadas as diferenças de gosto e de qualidade, não há mais direções."
O que teríamos, então, na cena contemporânea, como decorrência da "posse plena" do código da canção? Já
de início uma produção que poderia ser chamada, sem viés negativo, de maneirista, na tradição do cânone. Além dela,
um tipo de música que nasce nas franjas do pop, com o impacto do rap e da eletrônica, que se inclinaria, segundo
Wisnik, "a uma linguagem menos travada entre música e letra, mais fluida, mais nebulosa, cheia de interstícios
instrumentais ou sonoridades buscadas, como se quisesse não a atenção concentrada da tradição que veio da bossa nova
e do tropicalismo mas a atenção flutuante que se ouve nos discos de Los Hermanos".
Por fim, permaneceria viva a tentativa de levar a canção ao paroxismo -"as últimas canções de Chico e
Caetano me parecem ser um exemplo disso", diz Mammì.
Mas, para Wisnik, o mesmo ambiente que torna invisível -ou inaudível- a canção de Gil por ele citada não
confere mais a Chico e Caetano o crédito de antes. "Não me refiro ao crédito da celebridade, que eles recebem em cotas
de adulação, polêmica ou escândalo, mas ao do artista vivo", diz.
Em relação a Chico, "que se protege sabiamente da entropia reinante", parece mais fácil "não ouvi-lo no
presente, mas no passado, onde ele soa mais palatável". Já sobre Caetano, "que se lança atiradamente por temperamento
e que se confunde com a entropia reinante", parece mais fácil para muitos apenas "vê-lo como um narcisista frívolo".
Seja como for, é de perguntar se esse tipo de canção não estaria mesmo condenado a se tornar objeto de culto
em círculos restritos, num fenômeno talvez semelhante ao que ocorre com a poesia. Lorenzo Mammì responde:
"Nas décadas de 1960 e 70, a vida foi ritmada por canções: eram objetos de consumo, mas também tinham
uma importância cultural nunca alcançada antes, nem depois. Essa fase acabou, não apenas no Brasil, mas no mundo:
não há novos Chicos ou Caetanos, mas também não há novos Bob Dylan ou John Lennon. Quem compõe canções, hoje,
ou faz apenas entretenimento, sem outras pretensões, ou explora um patrimônio consolidado, trabalhando de certa
maneira na forma da variação ou do comentário. Cada canção remete a uma quantidade de outras canções. É nesse
sentido que a canção atual se aproxima da poesia: não há mais canção ingênua, como não há, já há muito tempo, poesia
ingênua."
Postado por Nelson oliveira às 18:44
1 comentários:
LeonardoAlmeidaFilho disse...
Creio que essa é uma discussão bem localizada, conforme destacado no texto: quem morre (e eu discordo
totalmente) é a canção culta (horrível dizer-se culto, num mundo de desertos tremendos de cultura). Na
verdade, acredito piamente na mudança do padrão musical que escutamos. Ora, nao temos mais HOmeros, nao
temos mais Dantes, nem Shakespeare, o século de ouro da música (XVIII) parece querer dizer que nada será
como antes em termos de clássicos. COnversa pra boi dormir. Parece haver uma necessidade incontrolável de
se decretar a morte de tudo: a morte da literatura, do autor, da poesia, da canção, da puta que nos pariu.
Discute-se o óbvio dionisíaco, morre-se para renascer com vigor. Toda perfeição é, por princípio, a decretação
da morte. Ou se reinventa, ou se repete (morte) ou se é pior (morte). Um gênio como Guinga continua
trabalhando a canção em altíssimo nível. Lenine é outro nome desprezado nessa matéria, Zeca Baleiro. Acho
que esses são tempos de luminosa escuridão. 8 de Julho de 2009 19:08
http://enquantodescansacarregapedra.blogspot.com/2009/07/morte-da-cancao.html
24
01/08/2009 - 14:00
A volta da canção
Da Folha
RUY CASTRO
A volta da canção
RIO DE JANEIRO - Certa vez, já sexagenário, Rubem Braga lembrou um ditado que ouvia desde sua infância, segundo
o qual ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabava com o Brasil. “Isso já foi há muito tempo”, disse Rubem.
“Desde então, o Brasil não acabou com a saúva, nem a saúva acabou com o Brasil”. E arrematou: “O pessoal é muito
afobado”.
Algo parecido em termos de afobação pode ter acometido, em 2004, duas autoridades da música popular: o historiador
José Ramos Tinhorão e o compositor Chico Buarque. Em ocasiões diferentes naquele ano, eles decretaram o fim da
canção. Por canção entenda-se uma peça musical curta, com melodia, harmonia, ritmo e letra finamente elaborados, a
ser cantada por uma pessoa para um grupo de outras, que se sentiriam “representadas” nela.
Para o desolado Tinhorão, a canção estava morta porque não havia mais quem a produzisse. Para Chico, também
entristecido, ainda havia gente tentando produzi-la, ele inclusive, mas quase ninguém mais para ouvir. E tudo indicava
que eles tinham razão. Exceto que…
Em várias ocasiões, de 1955 para cá, a música acústica pareceu ter morrido eletrocutada pelo rock -e, quando isso mais
parecia verdade, nos anos 80, eis que o acústico renasceu e talvez seja hoje, de novo, até majoritário. Idem, o samba -
dado como defunto durante décadas, ressurgiu nos anos 90 e retomou seu posto de ritmo dominante no Brasil. Em
música popular, nada é definitivo. A tecnologia não deixa.
Com o fim dos álbuns e o advento do MP-3, o mercado voltou a ser como no tempo dos 78s, pré-1950: compra-se uma
música de cada vez. Algo me diz que, inevitavelmente, o consumidor desta música começará a exigir qualidade pelo
que estará pagando. E isso pode ser a deixa para a milagrosa volta da canção.
Comentário
Concordo plenamente com o Ruy Castro.
Por Lucas Jerzy Portela
Nassif, sem nenhum proselitismo, queria aqui fazer uma oferta a você, que é também um favor que peço.
Já ia fazê-la daqui a duas semanas, mas tendo em vista que o tema da Volta da Canção se precipitou, faço logo.
Meu blog (http://ultimobaile.com) completa um ano este mês. Com muito mais sucesso do que eu esperava - ele que
nasceu como um diário de viagens, hoje dialoga com a Secretaria de Cultura do Estado, é bem quisto por Maestro
Letieres Leite (da Orkestra Rumpilezz), e outros.
Talvez porque havia um vácuo de crítica cultural que acompanhasse o pós-axezismo, e eu montei no cavalo encilhado.
Não acho que é mérito meu.
Como comemoração de um ano, fiz uma série chamada A Ressurreição da Canção, que começa a sair na segunda
quinzena de agosto.
Ela é um Cartel - formato de trabalho advindo da psicanálise - sobre a Canção, a partir do tema “a canção morreu?”
Carteis são organizados da seguinte forma: 4 sujeitos a quem se supõe saber produzem algo sobre um tema/objeto. Um
quinto sujeito, chamado de +1, a quem se supõe ignorância sobre o tema, compila e expõe o saber produzido.
Foi feito da seguinte forma: quatro entrevistas, cada uma com um compositor de canções da geração atual de Salvador.
Minha hipótese é que o “pós-axé” acontece e tem a penetração social que tem, porque adotou o formato canção - o que
retira a oposição rock X axé que nos paralisou na última década.
Os entrevistados são:
- Pedro Pondé: criador e ex-vocalista da banda O Círculo. Autor de Depois de Ver, e A Janela, dois “hinos não-oficiais
da eleição de Jaques Wagner”, segundo o próprio. E de fato: em 2006, colegiais cantavam aos berros ambas -
eletrizantes e que tocavam no rádio, embora só na Educadora. http://www.myspace.com/ocirculo
- Damm: criador da Formidável Família Musical, banda flower-power exilada no Rio de Janeiro. E que faz belíssimas
canções de amor realizado - longe da dor de corno. http://www.myspace.com/formidavelfamiliamusical
25
- Thiago Kalu: líder da samba-rock Clube da Malandragem, faz belíssimos sambas cantáveis. Entre os quais o petardo
contra Paulo Gaudenzi, NuCuTurismo. Infelizmente, sem myspace ainda;
- Morotó Slim: virtuose da guitarra do legendário Retrofoguetes, é o único que faz canção sem letra - mas canção ainda!
http://www.myspace.com/retrofoguetes
O +1 do Cartel ficou o genio Letieres Leite - que escreverá um artigo sobre as quatro entrevistas, a ser publicado em
dezembro. Letieres nao faz canção (a Rumpilezz é jazz sinfonico, nada cantavel), mas é amigo de Morotó, e se dá com
todos os outos. Inclusive Pondé tem uma belíssima sonatina rocker que ele quer que Letieres orquestre - o que
seguramente vai acontecer, como ocorreu com o Maldito Mambo do Retrofoguetes.
Enviado por: luisnassif - Categoria(s): Música Tags relacionadas: canção, Chico Buarque, Ruy Castro, Tinhorão
Ela é um Cartel - formato de trabalho advindo da psicanálise - sobre a Canção, a partir do tema “a canção
morreu?”
Carteis são organizados da seguinte forma: 4 sujeitos a quem se supõe saber produzem algo sobre um
tema/objeto. Um quinto sujeito, chamado de +1, a quem se supõe ignorância sobre o tema, compila e expõe o
saber produzido.
Foi feito da seguinte forma: quatro entrevistas, cada uma com um compositor de canções da geração atual de
Salvador. Minha hipótese é que o “pós-axé” acontece e tem a penetração social que tem, porque adotou o
formato canção - o que retira a oposição rock X axé que nos paralisou na última década.
Os entrevistados são:
- Pedro Pondé: criador e ex-vocalista da banda O Círculo. Autor de Depois de Ver, e A Janela, dois “hinos
não-oficiais da eleição de Jaques Wagner”, segundo o próprio. E de fato: em 2006, colegiais cantavam aos
berros ambas - eletrizantes e que tocavam no rádio, embora só na Educadora.
http://www.myspace.com/ocirculo
- Damm: criador da Formidável Família Musical, banda flower-power exilada no Rio de Janeiro. E que faz
belíssimas canções de amor realizado - longe da dor de corno.
http://www.myspace.com/formidavelfamiliamusical
- Thiago Kalu: líder da samba-rock Clube da Malandragem, faz belíssimos sambas cantáveis. Entre os quais o
petardo contra Paulo Gaudenzi, NuCuTurismo. Infelizmente, sem myspace ainda;
- Morotó Slim: virtuose da guitarra do legendário Retrofoguetes, é o único que faz canção sem letra - mas
canção ainda! http://www.myspace.com/retrofoguetes
O +1 do Cartel ficou o genio Letieres Leite - que escreverá um artigo sobre as quatro entrevistas, a ser
publicado em dezembro. Letieres nao faz canção (a Rumpilezz é jazz sinfonico, nada cantavel), mas é amigo
de Morotó, e se dá com todos os outos. Inclusive Pondé tem uma belíssima sonatina rocker que ele quer que
Letieres orquestre - o que seguramente vai acontecer, como ocorreu com o Maldito Mambo do Retrofoguetes.
9. 01/08/2009 - 20:13 Enviado por: Lucas Jerzy Portela
Minha oferta, e meu pedido, é:
DIVULGUE!
COPIE!
PUBLIQUE NO SEU BLOG A VONTADE!
Será uma honra!
e será uma modo de mostrar - como penso - que a canção talvez tenha claudicado no centro-sul. Na Bahia está
viva. E alhures tambem: no Mato Grosso, com a Vanguardt; em Recife, com o Mombojó.
(velho, sério: eu estou com um orgulho besta de estarmos tocando no mesmo tema na mesma época! Que feliz
sincronicidade!)
10. 01/08/2009 - 20:15 Enviado por: Lucas Jerzy Portela
Posso dizer que, sem modéstia, todas as entrevistas foram seminais.
em parte por eu me dar com os entrevistados já a algum tempo.
em parte por ser mais uma longa conversa (a de Pedro, quase quatro horas!) sobre o tema.
Muita coisa de inusitada, para o bem e para o mal, brotou. Como Morotó, que fez A Festa da Retomada quie é
o Retrofolia, baile de carnaval do Retrofoguetes, dizer que nao ve inovacao na cidade.
Ou Kalu dizendo que ve, sim, e sempre a esquerda - apesar de Kiko Lisboa, da Volante do Sargento Bezerra,
se dizer de direita.
Ou Damm comparando o “fim da canção” com o “fim da historia, de Fukuyama”.
muito muito muito bom! acho que voce vai gostar. Eu tive enorme prazer em fazer - apesar do trabalhão que
voce deve saber que dá…
11. 01/08/2009 - 20:18 Enviado por: Lucas Jerzy Portela
Ou Pondé dizendo, para desespero dos rockeiros, que o Cheiro de Amor fazia canção, e boa canção. E que
ritmo bahiano mesmo é ijexá - e que ele queria que o Circulo fizesse um dia um ijexá.
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