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Resumo dos episódios de “Os Lusíadas”

Proposição era a primeira parte obrigatória de uma epopeia; funciona


como uma apresentação geral da obra, uma síntese daquilo que o poeta
se propõe fazer. A Invocação era também uma das partes obrigatórias da
epopeia. Por sua vez,a Dedicatória era uma parte facultativa da estrutura
da epopeia, mas Camões incluiu-a ao dedicar a sua obra ao rei D.
Sebastião.

► 1.ª parte: Proposição — Canto I (estrofes 1 a 3)

Propor significa precisamente apresentar, expor, anunciar, mostrar. O


poeta mostra aquilo que pretende ao escrever a epopeia: "Cantando
espalharei por toda a parte". O verbo cantar tem aqui o sinónimo de
exaltar, enaltecer ou celebrar. Quem é que o poeta pretende exaltar? (Lê
as estrofes 1 e 2.)

► "As armas e os barões assinalados" — todos aqueles homens que


cheios de coragem descobriram, "por mares nunca dantes navegados",
novas terras, indo mais longe do que aquilo que alguém podia esperar de
seres não divinos,"Mais do que prometia a força humana".

► "Daqueles Reis que foram dilatando" — os reis que contribuíram para


que a fé cristã se espalhasse por terras que foram sendo descobertas,
alargando assim o Império Português.

► "E aqueles que por obras valerosas — todos os que são dignos de
serem recordados pelos feitos heroicos cometidos em favor da pátria e
que por isso nem mesmo a morte os pode votar ao esquecimento, "Se vão
da lei da Morte libertando", pois foram imortalizados.

Na 3.ª estrofe, ainda apresentando a sua intenção, Camões refere


alguns heróis que na Antiguidade tiveram muita fama, como Ulisses,
"sábio Grego", o herói da "Odisseia, e Eneias, "Troiano", herói da Eneida,
entre outros, que são agora superados pelos portugueses, pelo "peito
ilustre Lusitano". Camões afirma inclusivamente que até os próprios
deuses "Neptuno e Marte" se submeteram à vontade do povo lusitano.

Repara nas formas verbais da 3.ª estrofe, "Cessem", "Cale-se" e


"Cesse", que, apesar de estarem no presente do conjuntivo, transmitem a
ideia de ordem (imperativo), revelando a consciência de que os feitos dos
outros heróis até agora venerados não têm comparação com os dos
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portugueses, que merecem, por isso, ser dignificados - "Que outro valor
mais alto se alevanta".

O Consílio dos Deuses — Canto I (estrofes 20 a 41)

A ideia introduzida na estrofe 19 não é terminada no último verso. Ela


é continuada na estrofe 20. Por isso se utilizou a construção "Já...
Quando...", transmitindo a ideia de ligação temporal entre as duas
estrofes: os navegadores portugueses já navegavam no oceano Índico,
quando os deuses se reuniram no Olimpo para decidirem se permitiam ou
não que os portugueses encontrassem um lugar onde pudessem
descansar e recuperar novas forças para enfrentar a viagem no
desconhecido.

A ligação entre as duas estrofes não é meramente sintática, mas revela


que a viagem de descoberta do caminho marítimo para a Índia depende
do parecer favorável dos deuses, da sua vontade perante estes humanos
tão decididos. Logo, interligam-se também aqui o plano da viagem e o
plano mitológico e esta associação está presente em toda a Narração. Os
deuses, ao dificultarem ou facilitarem a viagem dos portugueses, permitem
que a ação se desenvolva. O plano mitológico era fundamental numa
epopeia, mas nesta obra os deuses não têm apenas a função de
embelezar a ação, eles são elementos geradores (provocadores) da
própria ação.

Depois de caracterizado o espaço onde se vão reunir os deuses, o


Consílio inicia-se com o discurso de Júpiter, o pai dos deuses (estrofes 24
a 29) que, após apresentar alguns feitos heroicos do povo português, se
refere concretamente ao novo feito que os navegadores pretendiam
alcançar e que o destino, o "Fado eterno" , como lhe chama Júpiter, lhes
tinha reservado. A descrição que Júpiter faz da Nação portuguesa permite
a exaltação deste povo, capaz de atos tão grandiosos. Júpiter determina,
então, que os navegadores sejam "agasalhados" na costa africana, quer
dizer, que possam descansar em lugar seguro. O discurso de Júpiter é
apresentado através do discurso direto.

Repara no exemplo: "Quando Júpiter alto, assim dizendo,/Cum tom de


voz começa, grave e horrendo:". O Poeta indicou a personagem que ia
falar, utilizando para isso um verbo declarativo "dizendo" , os dois pontos
e a mudança de verso para iniciar o discurso de Júpiter: "Eternos
moradores do luzente...".

Depois de apresentada a decisão de Júpiter, os deuses vão dando a


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sua opinião (estrofes 30 a 34), destacando-se a de Baco, que é contra os
portugueses, pois considera que eles se tornarão superiores a si no
Oriente, e a de Vénus, que defende com amor os portugueses. As suas
opiniões não são, no entanto, transmitidas em discurso direto, mas sim em
discurso indireto.

Repara também no exemplo: "O padre Baco ali não consentia/No que
Júpiter disse, conhecendo...". Neste exemplo, não foi Baco que transmitiu
a sua opinião, mas sim o Poeta que a deu a conhecer.
Há ainda uma terceira forma de discurso que não surge neste caso,
mas que deves conhecer, o chamado discurso indireto livre.

Apesar de não haver nenhum caso de discurso indireto livre no texto,


imagina este exemplo: Entre os deuses, Baco dava a sua opinião. Não
consentia! Então, os portugueses iam tornar-se mais famosos do que ele
no Oriente? Nem pensar em perder a sua glória!

Se leres a estrofe 35, apercebes-te que a confusão gerada entre os


deuses foi grande, até os próprios verbos sugerem essa confusão:
"rompendo", "Brama", "murmura", "Rompem-se", "ferve". O tom utilizado
nesta estrofe é hiperbólico, há um exagero intencional da realidade para
enfatizar a confusão. É nesse momento que Marte, o deus da guerra,
colocando fim à questão "E, dando uma pancada penetrante" que até fez
tremer o céu (hipérbole) , apresenta a sua opinião favorável aos
portugueses (estrofes 36 a 40), pelo seu amor a Vénus ou por verdadeira
admiração destes homens, aconselhando Júpiter a não voltar atrás na sua
decisão, que, assim, acaba por consentir no que Marte dissera e terminar
o Consílio.

A paragem em Melinde...

Tal como os deuses tinham decidido em Consílio, a armada portuguesa


encontra um lugar para descansar (Canto II, estrofe 73), na costa africana,
em Melinde, onde os navegadores são muito bem acolhidos por toda a
gente, em especial pelo rei que já tinha conhecimento da fama dos
portugueses. O rei revela a Vasco da Gama a sua vontade de conhecer
melhor o povo lusíada e pede que este lhe conte tudo sobre a sua pátria
(Canto II, estrofes 109 a 113).

É por isso que o Canto III abre com uma nova invocação, desta vez a
Calíope, musa da epopeia e da eloquência, a quem o Poeta pede que o
ensine a narrar com exatidão aquilo que Vasco da Gama contou ao rei de
Melinde.
A partir da terceira estrofe deste canto, há uma mudança de narrador
da ação, pois deixa de ser o Poeta, narrador não participante, para ser
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Vasco da Gama, um narrador autodiegético. Vasco da Gama revela nas
suas palavras o prazer que tem em contar ao rei a história do seu povo:
"Mandas-me, ó Rei, que conte declarando/De minha gente a grão
genealogia;/Não me mandas contar estranha história,/Mas mandas-me
louvar dos meus a glória." Vasco da Gama torna-se narrador, aquele que
conta, e o rei de Melinde, narratário, aquele a quem a história é narrada.
E é assim que Vasco da Gama inicia a narração da História de Portugal,
através de uma longa analepse, desde a fundação da nacionalidade até
ao momento da viagem, dando-se lugar na ação a um outro plano diferente
do da viagem e da mitologia, o plano da história.

Dentro da narração da História de Portugal ao rei de Melinde surge o


episódio da morte de Inês de Castro.

► A morte de Inês de Castro — Canto III (estrofes 118 a 135)

Inês de Castro, uma jovem castelhana de alta linhagem, era dama de


D. Constança, esposa de D. Pedro. Este apaixonou-se por D. Inês e
tornaram-se amantes. D. Inês foi afastada de Portugal, mas depois da
morte de D. Constança, D. Pedro trouxe-a novamente e deste
relacionamento nasceram quatro filhos. O pai de D. Pedro, o rei D.
Afonso IV, e os seus conselheiros aperceberam-se que a ligação do
futuro monarca com D. Inês poderia trazer graves consequências para a
coroa portuguesa pela forte influência castelhana. Por isso, ouvido o
Conselho,D. Afonso IV condenou D. Inês à morte: era necessário
eliminá-la para salvar o Estado. Quando D. Inês teve conhecimento da
decisão do rei, implorou-lhe misericórdia, apresentando como argumento
os seus quatro filhos, netos do monarca. O rei apiedou-se de D. Inês,
mas o interesse do Estado foi mais forte e D. Inês foi assassinada em
1355. Só depois do assassinato é que D. Pedro soube do sucedido,
jurando vingança aos homens que mataram D. Inês.

Este episódio é considerado um episódio lírico pela importância dada


ao tema do amor, pela forma como esse sentimento é vivido, e tornou-se
num dos casos mais conhecidos no mundo e numa das histórias mais
celebradas.

Para uma mais fácil compreensão do episódio, podemos dividi-lo em


três partes:

Introdução (estrofes 118 a 119)

• Vasco da Gama anuncia que a história que se segue na narração era "O
caso triste e digno de memória", cujo responsável é somente o Amor: "Tu,
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só tu, puro Amor, com força crua" - este verso apresenta uma apóstrofe
do amor que surge personificado.

Desenvolvimento (estrofes 120 a 130)

• As estrofes 120, 121 e até ao 4.° verso da estrofe 122 apresentam


um quadro de tranquilidade e de alegria. Inês de Castro é caracterizada
como "linda Inês" , recordando os bons momentos, "memórias de alegria"
, que passara com o seu príncipe. No entanto, no 3.° e 4.° versos da estrofe
120, "naquele engano de alma, ledo e cego,/Que a fortuna não deixa durar
muito," / é já anunciada uma certa atmosfera de fatalidade.

• No 6.° verso da estrofe 122 é indicado o oponente ao amor de Pedro


e Inês, o rei D. Afonso IV, caracterizado como "O velho pai sesudo" que
determina matar D. Inês: "Tirar Inês ao mundo determina" (estrofe 123).
Repara nas palavras utilizadas para referir a sentença do rei; Vasco da
Gama poderia ter dito que o rei mandou matar Inês, mas essa seria uma
forma muito drástica de anunciar a morte da dama, por isso diz "Tirar Inês
ao mundo". A este recurso linguístico dá-se o nome de eufemismo.

• A estrofe 124 mostra já o dia fatal em que a sentença será


executada.D. Inês é trazida pelos "horríficos algozes" à presença do rei,
que por ela sente piedade. Salienta-se a adjetivação anteposta na
caracterização dos homens que vão executar Inês, realçando a sua falta
de escrúpulos e de piedade, em oposição ao carácter do rei.

• Diante do rei, D. Inês, rodeada pelos seus filhos, apela para que ele
tenha piedade dela e não a mate (estrofes 125 a 129). Inês não pede
apenas que o rei seja justo, mas implora-lhe misericórdia:"A morte sabes
dar com fogo e ferro/Sabe também dar a vida, com clemência" (estrofe
128, vv. 2 e 3). Se reparares bem nestes dois versos, há duas ideias que
se contrapõem: a morte e a vida. Trata-se de uma antítese, que tem como
valor expressivo realçar a soberania do rei ao decidir sobre a morte ou a
vida de uma pessoa.No discurso que profere, Inês de Castro revela
enorme coragem que se contrapõe com a fragilidade, que inicialmente
apresenta.

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"Cena da morte de Inês de Castro", quadro de Columbano, no Museu Militar, em Lisboa

• Depois de ouvir o discurso de D. Inês, o rei sente-se arrependido da


sua decisão e "Queria perdoar-lhe" (estrofe 130), mas o povo não permitiu:
"Mas o pertinaz povo e seu destino".

Conclusão (estrofes 133 a 135)


• Inês de Castro é morta pelos "brutos matadores" (mais uma vez a
anteposição do adjetivo a caracterizar os algozes).

• Nas estrofes 133 a 135 que ainda integram o episódio, o narrador


tece alguns comentários ao assassínio cometido, dos quais se realça a
referência à Natureza que, personificada, participa deste sofrimento,
refletindo a morte de Inês, que, agora em oposição ao quadro inicialmente
apresentado, "Tal está, morta, a pálida donzela" (estrofe 134).

É chegado o momento de Vasco da Gama narrar ao rei de Melinde a


partida da armada para a viagem de descoberta do caminho marítimo para
a Índia.

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► Despedidas em Belém — Canto IV (estrofes 84 a 93)

Recorda que esta parte da ação só agora é narrada em analepse, através


da retrospetiva que o narrador faz, visto ser obrigatório que a narração se
iniciasse in medias res.

Nas estrofes 84 e 85 é descrito o ambiente festivo que se vivia no dia da


partida, contrapondo-se aos momentos apresentados nas estrofes
seguintes quando os navegadores, preparando-se para a viagem
("Aparelhámos a alma para a morte"), imploram o favor divino e escutam
os lamentos e o choro das muitas pessoas que acorreram à praia (estrofes
88 a 92), e até da própria Natureza que participa destes sofrimentos
(estrofe 92). Dentre essas muitas pessoas, destaca-se a figura de uma
mãe (estrofe 90) e de uma esposa (estrofe 91), que, transmitindo a dor de
todas as outras, revelam a sua tristeza pela incerteza do regresso dos seus
familiares. Repara que o discurso de ambas apresenta várias
interrogações. São as chamadas interrogações retóricas, para as quais
não se espera uma resposta direta, mas pretende-se realçar, neste caso,
os sentimentos de dúvida e aflição destas pessoas.

Mas o propósito de partir era firme, por isso Vasco da Gama diz ao rei de
Melinde que, apesar de "Cheio dentro de dúvida e receio"(estrofe 87),
embarcaram "Sem o despedimento costumado" (estrofe 93) antes que se
arrependessem. É notória nesta estrofe a emotividade do capitão, que
revela também a sua experiência vivida.

A partida fez-se da praia de Belém, "Que o nome tem da terra, para


exemplo, /Donde Deus foi em carne ao mundo dado." Esta perífrase
poderia substituir-se por uma simples palavra, Belém, mas perder-se-ia
toda a beleza da comparação entre o lugar onde Cristo nasceu e o lugar
de onde partiram as naus portuguesas. Ainda antes de partir, os
navegadores vão escutar o discurso do velho do Restelo, um episódio
simbólico, no qual é apresentada a perspetiva de oposição aos
Descobrimentos. A narração da partida só se efetua na 1.ª estrofe do
Canto V.

Já no meio da viagem, os portugueses encontram-se face a face com o


maior dos perigos e dos medos: o gigante Adamastor. Vasco da Gama
narra também este episódio ao rei de Melinde, revelando toda a sua
experiência e sentimentos (narrativa principal).

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► Adamastor — Canto V (estrofes 37 a 60

Antes de mais, é importante considerar que se trata de um episódio


simbólico. O Adamastor é o símbolo dos perigos e das dificuldades que se
apresentam ao Homem que sente o impulso de conhecer, de descobrir.
Só superando o medo, o Homem poderá vencer (Humanismo). O
Adamastor é, portanto, uma figura mitológica criada por Camões como
forma de concentrar todos os perigos e dificuldades a transpor pelos
portugueses.

Não é por acaso que o episódio do Adamastor ocupa o lugar central no


poema épico. O Canto V marca o meio da obra e é com ele que termina o
primeiro ciclo épico da narração. O Adamastor marca também a passagem
do mundo conhecido para o desconhecido, a passagem do Ocidente para
o Oriente.

A viagem decorria calmamente quando, de repente, surge a figura


gigantesca e tremenda do Adamastor. Há um grande contraste entre a
atmosfera amena em que decorria a viagem inicialmente, apresentada na
estrofe 37, e o terror que logo de seguida é apresentado, levando o capitão
a invocar a proteção divina para os momentos que se iam seguir.

Nas estrofes 39 e 40, é feita a descrição do gigante, realçando-se


sobretudo a adjetivação utilizada: figura "robusta e válida,/De disforme e
grandíssima estatura", "rosto carregado", "barba esquálida", "olhos
encovados", "postura/medonha e má e a cor terrena e pálida", "Cheios de
terra e crespos os cabelos", "boca negra", "dentes amarelos,/tom de voz"
horrendo e grosso", e por esta descrição pode compreender-se a razão do
medo dos navegadores. Como se isso não bastasse, este gigante ainda
profetiza, a partir da estrofe 41, num discurso assustador, graves perigos
e mortes para os navegadores. Uma profecia diz respeito a um
acontecimento futuro. O gigante começa por se dirigir aos navegadores
com uma apóstrofe "Ó gente ousada", revelando conhecer bem a coragem
daqueles a quem se dirige, procurando intimidá-los com o seu discurso
ameaçador e castigador, levando-os a desanimar e a desistir da viagem.

Mas, na estrofe 49, Vasco da Gama dá mais uma prova da ousadia desta
gente lusitana, mesmo mediante as trágicas profecias, dirigindo-se ao
gigante e perguntando-lhe quem era. Esta simples pergunta "Quem és tu?"
provoca uma brutal mudança na intenção, na postura e até no tom de voz
do Adamastor que, da estrofe 50 à estrofe 59, narra a história da sua vida,
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fazendo a sua triste biografia, fruto de um amor frustrado, que vai dando
conta de uma forma lastimosa e magoada, comovendo-se e até chorando
(narrativa secundária).

Com esta história, o Adamastor retira-se, tal como tinha surgido, deixando
o caminho livre para os navegadores passarem (estrofe 60), e Vasco da
Gama intercede pela sua vida e a dos marinheiros dirigindo-se a Deus,
pedindo-lhe que fossem guardados dos males anunciados pelo gigante:
"A Deus pedi que removesse os duros/Casos, que Adamastor contou
futuros." Este adjetivo "futuros" refere-se a "casos", mas como podes
verificar está bastante afastado desse substantivo. Esse afastamento tem
o nome de hipérbato.

"O Adamastor", de Carlos Reis, patente no Museu Militar de Lisboa

A ousadia de Vasco da Gama abriu a passagem para a Índia. O medo


estava vencido. E aquele "cabo de tormentas" passou a designar-se cabo
da Boa Esperança.

Depois de relatar este episódio, Vasco da Gama termina a narração ao rei


de Melinde. Agora é o momento de prosseguir viagem e continuar a fazer
História.

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entro já do segundo ciclo épico, surge este episódio naturalista, por
envolver elementos da Natureza, e é a última grande dificuldade que
surge aos navegadores antes da chegada à Índia.

► Tempestade — Canto VI (estrofes 70 a 91)

Baco, não superando a ideia de os portugueses se tornarem iguais ou


superiores aos deuses, reúne os deuses do mar para um novo consílio
onde procura destruir os navegadores antes da conquista do Oriente.
Dando razão a Baco, os deuses marinhos decidem ajudá-lo, ordenando a
Éolo, deus do vento, que origine a tempestade marítima que acabe com
os portugueses: "Solte as fúrias dos ventos repugnantes,/Que não haja no
mar mais navegantes!" (estrofe 35). Por aqui podes comprovar de novo o
entrelaçar dos dois planos narrativos: o da viagem e o mitológico.

A tempestade é, por isso, mais uma tentativa de destruição da glória dos


portugueses, mas em que, como em todas as outras, se assistirá à vitória
dos humanos sobre todos os elementos que os afligem.

Este episódio pode ser dividido em três partes:

• o desenrolar da tempestade (estrofes 70 a 79);

• a súplica do Gama por proteção divina (estrofes 80 a 84);

• a intervenção de Vénus e das ninfas (estrofes 85 a 91).

Na descrição da tempestade há a realçar:

• a abundância de frases de tipo exclamativo, reforçando os sentimentos


de aflição dos navegadores e a necessidade urgente de agir: "Amaina
(disse) amaina a grande vela!", "À bomba, que nos imos alagando!";

• o recurso aos verbos de movimento que fazem desta descrição uma


descrição dinâmica, impondo um ritmo muito acelerado, quer na
progressão da tempestade, quer na aproximação iminente da morte:
"Amaina", "Alija" "Correm", "subiam", "desciam", "derribaram",
"arrancaram";

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• a presença da sinestesia sugerida nas várias sensações apresentadas:
visuais "Daquela nuvem negra que aparece."; auditivas - "O céu fere com
gritos nisto a gente"; e, sobretudo, cinéticas (movimento) - "Correm logo
os soldados animosos/a dar à bomba...".

O clímax desta descrição é atingido quando, diante da perspetiva de


naufrágio, Vasco da Gama, em nome de todos os marinheiros, e vendo
que, tão perto de atingirem o seu objetivo, iam perecer, suplica novamente
a proteção divina "Divina Guarda, Angélica, celeste", utilizando no seu
discurso argumentos poderosos que se prendem sobretudo com a
dilatação da fé cristã.

É Vénus que, confirmando a sua admiração pelos portugueses, surge


juntamente com as suas ninfas para salvá-los das obras de Baco.

► A chegada dos Portugueses à Índia —Canto VI (a partir da estrofe


92)

Vencidos todos os medos e perigos, os portugueses avistam finalmente


a terra desejada, a Índia. A sua luta é coroada de êxito e de vitória. Por
isso, na viagem de regresso eles vão ser premiados com a Ilha dos
Amores (Canto IX), preparada por Vénus, onde recebem a recompensa
pela sua coragem.

No último canto, os portugueses conhecem profecias feitas por Tétis,


favoráveis a novas descobertas. Finalmente, os navegadores regressam
à pátria, onde poderão contar os seus feitos.

Antes de terminar o poema, Camões dá conta da sociedade vil em que


está inserido, sabendo que nunca será reconhecido pelos seus
contemporâneos, e volta a apelar ao rei D. Sebastião para que, olhando
para estes feitos relatados, faça da sua nação novamente uma nação
gloriosa, colocando-se à disposição do rei quer nas armas, combatendo
se necessário fosse, quer nas letras, estando pronto a celebrar novos
feitos da pátria.

No mito da Ilha dos Amores é relatada a vontade da deusa Vénus em


premiar os heróis lusitanos, com um merecido descanso e com prazeres
divinos, numa ilha paradisíaca, no meio do oceano, a Ilha dos Amores.

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► Ilha dos amores — Canto X (estrofes 75 a 84)

Tal como planeado por Vénus e Cupido, a Ilha dos Amores recebe os
bravos navegadores portugueses. Um desses navegadores é Lionardo,
soldado corajoso e com boa presença. Mas, apesar de namoradeiro,
Lionardo não tinha sorte ao amor (estrofe 75).

Efire, uma bela ninfa, chama a atenção de Lionardo. E, tal como os seus
companheiros corriam atrás de outras ninfas, Lionardo tenta alcançá-la.
Contudo, o seu esforço parece ser em vão, pois a ninfa foge mais do que
as outras (estrofe 77).

O marinheiro pede a Efire que pare de fugir e que, rendendo-se, acabe


com a má sorte que o acompanha (estrofe 79).

Lionardo não desiste. Apaixonado, tenta seduzir a ninfa com as suas


palavras (estrofe 80).

Efire deixa-se seduzir pelas doces palavras de Lionardo e rende-se


(estrofe 82).

No final do episódio, celebra-se a união entre as ninfas e os portugueses


— os heróis que Vénus decidiu premiar com a Ilha dos Amores (estrofe
84).

Teto da Sala dos Descobrimentos no Convento de Mafra, obra do pintor, escultor e arquiteto Cirilo
Volkmar Machado

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Chega a hora de sair da Ilha dos Amores e voltar a Portugal. Depois,
Camões faz as considerações finais da obra.

► Despedida da ilha — Canto X (estrofes 142 a 143)

Chegou a hora da despedida e do regresso a Portugal. A deusa Tethys


explica a Vasco da Gama que o encontro que tiveram foi uma recompensa
pelos imensos esforços que fizeram durante a viagem (estrofe 142). Os
nautas partem agora com destino a Portugal levando na memória as
ninfas…( a sua companhia há de ser… para sempre…) (estrofe 143).

► Regresso a Portugal— Canto X (estrofes 144 a 156)

A viagem corre tranquilamente até que, finalmente, a nau de Vasco da


Gama alcança Lisboa… a aventura termina e com ela termina também a
epopeia de Camões (estrofe 144).

O poeta despede-se revelando o seu desagrado perante a desvalorização


da sua obra épica e o cansaço de cantar as glórias do seu povo sem que
a sua mensagem seja ouvida (estrofe 145). Humilde nas suas palavras,
ele exprime o valor do seu trabalho e da sua cultura e tenta alertar o rei
para o mérito dos seus súbditos, comparativamente com povos de outros
reinos (estrofe 146 e 154). Camões aproveita ainda para reforçar a
dedicatória ao rei D. Sebastião e oferecer os seus serviços, quer seja para
o servir na guerra ou para cantar os seus feitos futuros (estrofe 155).

O poeta acredita que o rei vai conquistar as terras do norte de África e será
ele próprio, Luís Vaz de Camões, a cantar os seus feitos por todo o mundo
(estrofe 156).

FIM

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