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Os Lusíadas

O Renascimento em Portugal
 Período que abrange meados do séc. XV até fins do séc. XVI
 Reflexos da expansão ultramarina (India – 1498 e Brasil – 1500)
 Introduz a literatura clássica (Grega e Romana) na Europa
 Este período é marcado por alterações políticas e sociais muito significativas:
o A sociedade agrária feudal (idade média) foi substituída, progressivamente, por uma sociedade
mercantil moderna; substituindo a nobreza, a burguesia surge como grupo impulsionado da
atividade económica.
o Assistiu-se a uma série de progressos técnicos e científicos (a invenção da Imprensa em 1430).
O conhecimento científico foi impulsionado pelos Descobrimentos portugueses e espanhóis,
pelo contacto com outras civilizações.

Noção de epopeia
Uma epopeia é a narrativa dos feitos grandiosos de um individuo ou de um povo (Lusíadas). Nesta
definição encontramos os elementos essenciais ou qualquer texto épico.
É uma narrativa em verso: ação, tempo, espaço, personagens e narrador.
Nesta definição encontramos os elementos essenciais de qualquer texto épico:

 Enquadra-se no género narrativo; é sempre um relato de acontecimentos: o sujeito da


enunciação, o narrador, dispõe-se a fazer o relato de um acontecimento ou conjunto de
acontecimentos a um determinado publico.
 O assunto deverá ter um caráter excecional; é necessário que essas ações se distanciem dos
acontecimentos vulgares.
 Os eventos exigem um agente, que deverá ser igualmente um ser de exceção, um ser que se
distancie, se imponha aos seus semelhantes (heróis).
 A utilização de um estilo elevado, correspondente à grandiosidade do assunto, e que se
traduz:
o Na seleção vocabular;
o Na construção frásica extremamente elaborada;
o Na abundante utilização de recursos estilísticos

Conteúdo da epopeia clássica (Camões imita as epopeias clássicas):


 Apresenta uma ação grandiosa;
 Protagonizado por um herói;
 Enquadrada pelo maravilhoso (sobrenatural)
Forma da epopeia clássica (três partes):
 Preposição;
 Invocação;
 Narração (in media res – o narrador escolhe um momento adiantado da ação para iniciar o
relato, regressando aos eventos anteriores através de uma analepse (retrospeção, ou, em inglês
“flash-back)

Estrutura externa
Os Lusíadas estão divididos em dez cantos (Canto I a Canto X), cada um deles com um número
variável de estrofes, ou estâncias, que, no total, somam 1102. Essas estrofes são oitavas de
decassílabos heroicos, obedecendo ao esquema rimático “abababcc” (rimas cruzadas, nos primeiros
seis versos, e emparelhada, nos últimos dois).

Estrutura Interna
Camões respeitou com bastante fidelidade a estrutura clássica da epopeia. N’os Lusíadas são
claramente identificáveis quatro partes.
 Proposição (3 estâncias): o poeta começa por declarar aquilo que se propõe fazer, indicando
o assunto da narrativa.
 Invocação
 Dedicação
 Narração

1524  nascimento, provável, de Camões.


1547  seguiu para Ceuta para lutar contra os mouros. Terá sido numa das batalhas quer perdeu o
olho.
1554  chega à India.
1565  em Macau, terá começado a escrever os Lusíadas.
1567  parte para Moçambique, onde os amigos o vão encontrar em situação extrema de pobreza e
reuniram o dinheiro suficiente para o trazer de volta para casa.
1570  a bordo da nau “Santa Clara”. Foi cá que o poeta terminou os Lusíadas, obra publicada em
1572.
1580  morreu a 10 de junho de 1580.

No leito de morte mostrou-se desiludido pela iminência da perda da independência portuguesa


a favor dos espanhóis, quando o trono estava prestes a ser ocupado por Filipe II de Espanha.
A independência foi restaurada em 1640 (1 de dezembro).
Agora os alegados restos mortais de Camões estão no Mosteiro dos Jerónimos.
Episódios d’os Lusíadas:
 Episodio Mitológico: Consílio dos deuses no Olimpo
 Episodio bélico: Batalha de Salado (referida no Canto III)
 Episódios Líricos: Morte de Inês de Castro e Despedida do Restelo, de Belém
 Episodio Naturalista: Tempestade
 Episódios Simbólicos: Adamastor e Ilha dos Amores

Plano Mitológico: plano dos deuses


Plano das considerações (reflexões) do poeta: por vezes, normalmente, no final do canto, a
narração é interrompida para o poeta apresentar reflexões

Proposição
Na primeira parte, o Poeta revela a intenção do poema: promete tornar universalmente conhecidos
com este seu conto; primeiro, os feitos dos Portugueses, que, navegando por mares desconhecidos, e
com força mais que humana, contruíram um novo império; segundo, as memorias dos eis que
expandiram a fé e o poder de Portugal; na terceira, todos aqueles homens que ganham fama imortal.

1ª estância e 2ª estância
“ocidental praia Lusitana”  Portugal (sinédoque – toma-se a parte pelo todo)
"Taprobana”  1506 – considerada o extremo do mundo
“Novo Reino”  novo império (India)

“viciosas”  não cristão


“se vão da lei da morte libertando”  esquecimento
“engenho”  talento nativo
O poeta vai celebrar, tornar universalmente conhecidos (vv. 7 e 8, 2ª estâncias) os guerreiros e
homens ilustres que viajaram, entretanto, e vencendo várias dificuldades (vv. 3, 4 e 5), relevando
capacidades sobre-humanas os reis que lideraram a expansão ultramarina e que são dignos da
memorias, os que serão eternamente recordados pelas suas obras.

3ª estância
“peito ilustre Lusitano”  valor português/coragem dos portugueses
“Neptuno e Marte”  deuses do mar e da guerra
“valor”  obra dos portugueses

O poeta afirma que a obra dos portugueses supera a de outros heróis da antiguidade, como “Ulisses
(“Sábio Grego”), herói da Odisseia e Eneias (“Troiano”), herói da Eneida; afirma inclusive que até
aos deuses Neptuno e Norte se submeteram à vontade do Povo Português.
O poeta apela a que se esqueçam as aventuras marítimas de Ulisses e Eneias e as aventuras
guerreiras de Alexandre e Troiano (os heróis do passado), porque se escreve sobre o valor do
Lusitano, isto é, os navegadores e homens ilustres aguerridos portugueses que foram capazes de
suplantar os de outros povos, de se superar, dominando o mar e a guerra.
Inicio da narração (est. 19 – Canto I) e Consílio dos Deuses (a partir da est.20)
A Narração desenvolve-se em quatro planos: plano da viagem – a ação central do poema e a viagem
de Vasco da Gama. Mas também são narrados outros episódios da História de Portugal. Este plano
encaixa na viagem. A História de Portugal é contada por Vasco da Gama ao Rei de Melinde.
19
“Já no largo Oceano navegavam”  “in medias res”
“Os ventos brandamente respiravam”  com ventos favoráveis
“Que do gado de Próteo…”  peixes; deus marinho

20
“Sobre as cousas futuras do Oriente”  para discutir o governo futuro do Oriente
“Tonante”  Júpiter – rei dos deuses
“Pelo neto gentil do velho Atlante”  Mercúrio

21
“regimento”  governação

22
“padre”  Júpiter
“Vulcano”  Deus ferreiro
“Cum gesto alto, severo e soberano”  rosto semblante, atitude digna

23
“concertavam”  estabeleciam
“horrendo”  faz temer

Discurso de Júpiter
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“Como é dos fados grandes certo intento”  deveis saber que os fados determinam.

25
Com fracas forças, já conseguiram tomar aos Mouros, mais fortes e bem preparados, toda a terra que o
Tejo banha; na luta contra os temíveis Castelhanos, sempre o Céu a favoreceu.

26
“Deixo”  omito
“gente de Rómulo”  romanos
“Viriato”  guerreiro lusitano que os torna dignos de fama
“cerva”  Fingiu que existia em sua corça

Recordo as vitórias de Viriato sobre os Romanos e a ação de um estrangeiro que os Lusitanos


aclamaram com seu chefe.

27
Sem temer os ventos do sudoeste e do sul percorrendo varias latitudes do globo revelam a intenção e
determinação de navegar ate à India.
28
O Destino prometeu-lhes que tenham por muito tempo o domínio do Oceano Indico.
Parece justo que se lhes mostre a India.

29
E, porque, como viste (os Deuses viram toda a viagem), passaram tantos perigos, tantos climas, tantos
céus, tantos ventos inimigos, determino que sejam bem recebidos e agasalhados na costa oriental, para
seguirem viagem.

30
Baco não concorda com a decisão de Júpiter por temer que no oriente o esqueçam se os Portugueses la
chegarem.

31
Pelos fados soubera que uma gente fortíssima, vinda de Espanha, dominaria toda a India banhada pelo
mar e faria perder-lhe a sua fama antiga.
Doí-lhe perder assim uma gloria que chegue até agora.

32
Já dominou a India e sempre os poetas contaram esse seu feito.
Mas receia ficar esquecido para sempre se lá chegarem os Portugueses.

33
Tingitano – Norte de Africa

34
Vénus sabe pelos fados que será celebrada onde quer que os Portugueses cheguem.
Os deuses defendem os seus próprios interesses: um pelo receio de perder a gloria, outra com desejo de
ganhar, entram em discussão e cada um defende a sua causa, com apoio dos deuses seus amigos.

Razões do apoio de Vénus aos Portugueses:


Gostava de gente lusitana pelas qualidades guerreiras que via nela, em muito semelhante às do povo
Romano, que tanto amava (valentia, vitorias norte-africanas) e a língua portuguesa que era, com pouca
diferença, o latim.
Sabia que seria celebrada em todos os lugares a que os Portugueses chegassem, devido ao seu carater
amoroso.

35
Como os ventos ciclónicos que na densa floresta partem ramos, arrancam as folhas das arvores, silvam
e fazem estremecer toda a montanha, assim era o tumulto que se levantou entre os deuses do Olimpo.

36
Mas Marte, apoiava Vénus ou por antigos amores ou porque os Portugueses mereciam a sua proteção,
levantou-se com medonho semblante, atirando o escudo pendente do pescoço para trás das costas

37
E batendo com o cabo da lança no trono todo o céu estremeceu (hipérbole), e o próprio Apolo
empalideceu de medo.
38
Pai, ou cujo mando (a quem) obedecem todas as criaturas, se não queres que esta gente sofra afrontas,
como já tinhas decidido, não ouças por mais tempo as razões de quem é suspeito.

39
Ser o receio lhe não turvasse a razão. Baco deveria defender os Portugueses, que descende, de Luso
(seu filho), tao próximo de si.
Mas esqueça-se o que ele disse, porque procede de animo invejoso, e nunca a inveja triunfa sobre o
que o céu deseja e quem merece o bem.

40
E tu, Pai de grande fortaleza, mostraras fraqueza se voltares atras na tua decisão já tomada.
Manda, pois, o veloz Mercúrio mostrar aos Portugueses um porto onde possam obter noticias da India
e onde as tripulações se refaçam das fadigas.

Intervenção de Marte:
Dá o seu apoio a Vénus por amor e rejeita o tumulto (desordem) que reinava no consílio: apela à
autoridade de Júpiter como chefe supremo dos deuses, coordena Baco e faz uma proposta de ação

41
Ouvido isto, Júpiter, com uma inclinação de cabeça, concordou com Marte e esparziu néctar sobre os
deuses, dando a assembleia por terminada.
E todos os deuses partiram, fazendo vénias e cortesias devidas aos reis, pela Via Láctea a caminho de
suas moradas.

Os quatro momentos do Consílio dos Deuses


1. Chegada dos Deuses ao Olimpo
2. Discurso de Júpiter
3. Debate dos Deuses
4. Decisão final de Júpiter

Episodio Inês de Castro (Canto III – Lírico)


Narrador: Vasco da Gama

118
Depois desta grande vitoria, e regressado a Portugal para gozar em paz a gloria que soube ganhar na
guerra, aconteceu o caso triste (morte de D. Inês) digno de memoria, da misera e mesquinha que
depois de morta foi rainha.

119
Só o amor (divindade) deu causa à morte de Inês, como se ela fosse pérfida, traiçoeira, inimiga.
Dizem que a sede de amor não se satisfaz com lagrimas: o Amor exige sacrifícios humanos nos seus
altares.

120
Estavas, alheia aos perigos, vivendo tranquilamente os anos da tua juventude, e o teu sonho de amor,
chorando m´nos campos de Mondego lagrimas de saudade e repetindo, aos montes e as ervinhas, o
nome do teu amado.

121
Às lembranças que tinham do seu Príncipe respondiam as saudades que ele sentia, quando estava longe
dela de noite, via-a em sonhos; de dia, em pensamentos que voavam. O vento pensava e quanto via
tudo eram memorias de alegria.

122
Pedro recusa-se a casar com belas senhoras e princesas, porque o amor tudo despreza quando um rasto
amado domina.
Vendo esta conduta apaixonada e estranha, lo velho Pai, considerando o murmurar do povo e a atitude
do filho que não queria casar…

123
Decide a morte de Inês para desse modo libertar o filho, que está preso a ela, julgando que o sangue de
uma morte informante (em consequência de uma condenação) pode apagar o fogo do amor. Que
loucura foi essa, que permitiu que a mesma espada que fez frente à combatividade dos mouros se
levante contra uma dama delicada?

124
Os algazes trazem-na ante o Rei, que já se inclina a perdoar; mas o povo, com falsas e ferozes razões,
exige a morte. Ela, com palavras inspiradas, mais pela dor de deixar as filhas e o seu Príncipe que pelo
receio da própria morte…

125
Levanta os olhos ao céu e, depois de olhar comovidamente os filhos que tinha junto de si, dizia ao
Rei…

126
Discurso de Inês
Se ate nos animais ferozes que a própria natureza fez cruéis, e nas aves selvagens, que só pensam na
rapina, vemos haver piedade para com as pequenas crianças, como aconteceu com a mãe de Nino, e
com os irmãos fundadores de Roma.

127
Tu, que és humano (se é próprio de humanos matar uma donzela fraca e sem força, só por amar a quem
também a ama), tem em consideração estas criancinhas. Decide com compaixão delas e minha, já que
te não impressiona a minha inocência.

128
Na guerra com os Mouros mostraste que sabes dar a morte: sabe também dar a vida, a quem não fez
nada para a perder. Mas, se achas que assim o merece a minha inocência, desterra-me para a fria Cítia
(Rússia) ou Líbia (Africa) escaldante, onde viva em lagrimas constantes (com desgosto que não
acaba).

129
Manda-me para onde haja tigres e leões, e verei se la encontro a piedade que entre humanos não achei;
e aí, com profundo amor e o pensamento posto naquele que amo, criarei estas relíquias suas, que serão
a consolação da triste mãe.

Argumentos de Inês
 Até animais ferozes dão provas de serem sensíveis ao sofrimento das crianças (est.126) e ela
tem filhos pequenos. Tem consigo crianças que precisam do amor de mãe, crianças inocentes
que vão sofrer com uma perda que ninguém pode remediar.
 Não cometeu nenhum erro que justifique a sua condenação à morte (“A quem para perdê-la não
fez erro”)
 Pede que a desterre para qualquer lugar (“Põe-me com perpetuo misero desterro”), mas lhe
poupe a vida para poder continuar a amar a D. Pedro, e por e para ele, criar os filhos fruto desse
profundo amor.

130
O Rei queria perdoar-lhe, impressionado por palavras que comovem, mas a insistência do povo e o
Destino não perdoam.
Os que aconselharam a morte desembainham as espadas.
É contra uma dama que vos mostrais valentes e cavaleiros.

131
Do mesmo modo que Pirro prepara o ferro para matar a jovem Policena, que se oferece ao sacrifício,
com os olhos fixos em sua mão de quem era a única consolação.

132
Assim os algazes de Inês, sem se preocuparem com o futuro castigo, se encarniçavam (enfureciam)
contra ela, cortando-lhe o pescoço que sustinha o lindo rosto que fez apaixonar aquele que, depois de
morte, a fez Rainha e, banhando com sangue dela a espada e as flores que ela, com lagrimas, tinha
regado.

133
Bem pudera, Sol, não ter brilhado para eles daquele dia, como aconteceu no sinistro banquete em que
Atreu deu a comer a Tiestes os filhos deste.
E, vos, côncavor vales, que ouviste o nome de Pedro, na sua voz agonizante, por longo tempo o
repetiste.

134
Assim como uma flor campestre arrancada por uma criança para enfeitar os cabelos perde o perfume e
depressa murcha, assim o corpo de Inês perde os rosas do rosto e a cor clara, para ser possuído pela
lividez cadavérica.

135
As ninfas do Mondego recordaram essa triste morte longo tempo e transformaram em fontes as
lagrimas que Inês chorou. Esse nome lhe puseram e ainda hoje dura, as lagrimas são a agua, e a fonte a
dos amores (Fonte dos Amores)

Despedidas em Belém (Canto IV)


Narrador: Vasco da Gama

83
Foram remunerados por D. Manuel, para que se preparassem com maior empenho, e animados com
nobres palavras por tudo quanto lhes pudesse suceder. Do mesmo modo foram recrutados os
Argonautas, que navegaram na primeira nau que entrou no Mar Negro (tripulantes da mitológica nau
“Argos” – a expedição dos Argonautas é a expressão mitológica da expansão comercial grega)

84
Já no porto de Lisboa, onde o doce Tejo mistura as aguas e as areias com o mar, as naus já estão
prontas para partir. Nenhum temor modera (contem) o juvenil entusiasmo tanto os marinheiros como
os militares estão dispostos a acompanhar-me (Vasco da Gama) a toda a parte.
Vêm pelas praias os soldados vestidos de varias cores e feitios, e também preparados para buscar
novas partes do mundo.
A aragem da nos estandartes (bandeiras e pendões/emblemas) das naus e fá-las ondular. As naus
prometem ser estrelas do céu, como o Argos (constelação) o foi.

86
Depois de preparadas com tudo o que uma viagem como esta exige, ouvimos missa e comungamos
para preparar a alma para a morte, que sempre anda ante os olhos dos mareantes.
Imploramos a Deus que nos guiasse e favorecesse o inicio da viagem.

87
Partimo-nos do tempo, construindo na praia, que, para exemplo, tem o nome da terra em que Deus
veio ao mundo.
Quando recordo esses momentos da partida, cheio de duvidas e receios, dificilmente contenho as
lagrimas.

88
Naquele dia, a população de Lisboa afluiu à praia uns para verem amigos e parentes, outras apenas
para verem.

89
A viagem era de tal modo longa e perigosa que toda a gente nos dava por perdidos; as mulheres
choravam, os homens não escondiam a comoção.
Mães, irmãs e esposas, a quem o amor mais faz temer o futuro, agravavam o desespero e o medo de
não nos voltar a ver.

90
Estas (umas) gritavam: “Filho, único amparo desta minha já cansada velhice, que vai acabar em pranto
e amargura (tristeza, aflição), porque me deixas?
Porque me abandonar para ficares sepultado na agua, onde serás alimento dos peixes?

91
Outras, com os cabelos descobertas, brandavam: Ó doce esposo, sem o qual não passo viver, pertence?
Queres que o nosso amor, o nosso vão contentamento, seja levado pelo mesmo vento que leva as velas
da nau?

92
Essas doridas exclamações eram repetidas pelas velhas e pelas crianças, que, pela sua idade, ainda ou
já não tinham forças (tinham menos resistência) para dominar a emoção.
Os ecos dos montes próximos respondiam ao gritar da multidão; as lagrimas eram tantas como as
areias da praia (hipérbole)

93
Nos caminhávamos sem levantar os olhos do chão, para não vermos mães e esposas, porque isso nos
poderia emocionar e fazer desistir.
Dei ordem para que não houvesse as habituais despedidas, costume virtuoso, mas que magoa muito as
que partem e as que ficam.

O Adamastor (simbólico) – Canto V


Narrador: Vasco da Gama

O Adamastor é uma figura mitológica criada por Camões para significar ou sustentar todos os perigos,
as tempestades, os “Naufrágios” e “perdições de toda sorte” (est.44 vv.7) que os portugueses tiveram
de enfrentar nas suas viagens, mas também a superação dessas contrariedades ou vitoria sobre essas
diversidades. Começa por se apresentar como um profeta de desgraças e converte-se no amante
comovido. Há um Adamastor épico (est.39-51) e outro lírico (est.52-59): o primeiro interessado na
profecia histórica, o segundo no seu passado sentimental.

37
Tinham passado cinco dias de navegação desde a saída da baia de Santa Helena (16 de novembro de
1497), com ventos favoráveis, quando numa noite em que estávamos de vigia à proa, vimos formar-se
sobre as nossas cabeças uma nuvem que escurecia os céus.

38
A nuvem era tao escura e carregada (densa) que inspirava terras.
Ouvia-se ao longe o estrondo das vagas contra os rochedos.
“Meu Deus, exclamei eu [Vasco da Gama, narrador principal – 1ª pessoa], que ameaça ou que segredo
este mau nos mostra, que parece ser causa pior que um temporal?”

39
Ainda eu não terminara, e já um vulto gigantesco (a nuvem assume a forma de um gigante) se erguia
diante de nós.
O rosto está sombrio, a barba desgrenhada, os olhos encovados, a expressão medonha e má, os cabelos
eriçados e cheias de terra, a boca negra, os dentes amarelos (descrição do Adamastor)

40
Era tão gigantesco que, posso assegurar-te, era um segundo Colosso de Rodes, que foi uma das sete
maravilhas do mundo (enorme estatua erguida à entrada do porto de Rodes, ilha do mar Egeu)
Falava com uma vez cavernosa, que parecia vir do fundo do mar.
Arrepiam-se as carnes e os cabelos só de o ver e ouvir.

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