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OS LUSÍADAS

CONCEITO DE EPOPEIA

A epopeia é um género narrativo em verso que remonta á


antiguidade clássica. A epopeia, marcada pelo estilo grandioso e
solene, canta um facto heroico de interesse nacional e universal
que assegura a unidade de ação (em Os Lusíadas, a viagem à
Índia); os episódios retrospetivos e as profecias dão extensão e
riqueza à obra.

ESRUTURA EXTERNA

O poema Os Lusíadas, escrito em versos decassilábicos, apresenta


dez cantos; as estrofes organizam-se geometricamente em oitavas,
com esquema abababcc; o poema tem 1102 estrofes.

ESTRUTURA INTERNA

Partes Constituintes de Os Lusíadas

O poema está organizado em quatro partes: Proposição (I, 1-3);


Invocação (I, 4-5); Dedicatória (I, 6-18 e X, 145-156); Narração
(I-X).

Na Proposição, o poeta enuncia um projeto narrativo audaz e


vasto: glorificar os heroicos realizadores das grandes
navegações e descobertas, as armas e os barões assinalados (est.
1, v. 1), a evocação dos reis que foram dilatando / A Fé, o
Império (est.2, vv.2-3) e, finalmente, todos os que por obras
valerosas / Se vão da lei da morte libertando (est.2, vv.5-6),
ou seja, os que se tornaram imortais devido à grandeza dos seus
atos, na perspetiva do poeta. Enfim, canta o peito ilustre
lusitano / A quem Neptuno e Marte obedeceram (est.3, vv.5-6).

Na Invocação, define o estilo que acompanha o canto do


engrandecimento do povo luso, um discurso marcado pelo som alto
e sublimado, / Um estilo grandíloco [grandioso] e corrente
(est.4, vv. 4-5), e adequado à matéria narrada.

Na Dedicatória, que apresenta dois momentos, no canto I e no


canto X, a fechar a obra, o poeta oferece o poema ao rei D.
Sebastião, tece-lhe elogios, mas também o exorta a governar bem,
olhando para todos os que contribuem para o desenvolvimento da
pátria, onde o próprio se inclui, como pede na estância 150 do
canto X: Todos favorecei em seu ofício / Segundo têm das vidas
seu talento.

A Narração, que constitui o desenvolvimento da obra e se inicia


in media res, compreende diversos planos narrativos, sendo que o
acontecimento de relevo é a viagem de Vasco da Gama à Índia,
núcleo central da ação. A História de Portugal (episódios
passados e futuros), a intervenção mitológica, e as
considerações e reflexões do poeta conferem uma composição
variada e complexa à textura narrativa.

PLANOS ESTRUTURAIS DA EPOPEIA OS LUSÍADAS

O Plano da Viagem constitui a ação central do poema. Compreende


a narração da viagem da descoberta do caminho marítimo para a
Índia, que se iniciou em julho de 1497, chegada a Calecut, em
maio de 1498, e regresso a Portugal em 1499. Com início da
narração em in media res, a ação dos ousados navegadores é
cantada pelas vozes heterodiegética (narrados/poeta) e
autodiegética (Vasco da Gama).

O Plano Mitológico é dado pela intervenção dos deuses pagãos na


ação, simbolizando por um lado, as diversas adversidades
superadas pelos heróis, por outro, o estatuto do herói português
a quem Neptuno e Marte obedeceram.

O Plano da História de Portugal é assegurado por diversas vozes


(Vasco da Gama, Paulo da Gama, figuras mitológicas) e encaixado
por analepses e prolepses em diversos momentos da ação. São
narrativas secundárias que se inserem no propósito inicial do
poeta sem perder a unidade de ação: o louvor dos feitos
valorosos dos portugueses.

O Plano das Considerações do Poeta revela-nos um autor atento ao


seu tempo e com uma intenção pedagógica e cívica que acompanha
os diversos relatos. Assim, maioritariamente nos finais dos
cantos, a narração é interrompida e o poeta lança críticas, tece
lamentos e desabafos ou exorta os portugueses a seguirem o
exemplo dos verdadeiros heróis, o caminho da imortalidade, que
é, como afirma, o Caminho da virtude, alto e fragoso / Mas, no
fim, alegre e deleitoso (VI, 90).

PRINCIPAIS CONSIDERAÇÕES DO POETA AO LONGO DA EPOPEIA

Nestas reflexões do poeta, destacam-se duas perspetivas


diferentes.

Por um lado, constituem a visão do poeta renascentista


relativamente à própria condição humana, o que está, por vezes,
ao serviço da construção do herói do poema, que ultrapassa todas
as dificuldades e será premiado pelo seu esforço e valentia, na
Ilha dos Amores, espaço simbólico de recompensa pela conclusão
de um percurso heroico e glorioso.

Todavia, o poeta revela também a sua perspetiva disfórica em


relação a uma fase do Império Português e aos valores dominantes
no país, num momento em que o brilho das grandes navegações
começava a ser ofuscado pelo materialismo que dominava no reino,
pela indiferença em relação à arte; o poeta manifesta ainda o
seu desalento pelo desprezo a que a sua epopeia era votada.

CANTO I, 105-106: exclamações do poeta sobre a insegurança e os


perigos que envolvem a vida do ser humano. Na sequência da
traição levada a cabo em Mombaça, o poeta utiliza a metáfora
bicho da terra tão pequeno para evidenciar a frágil condição
humana. Também acerca das situações e circunstâncias nefastas da
vida se pronunciará o Velho do Restelo (IV, 95-97), que, na sua
voz de experiência feita, alerta os navegadores para os perigos,
crueldades, tormentas e mortes, ao desafiarem os espaços
longínquos e desconhecidos.

CANTO V, 92-100: reflexão sobre a falta de cultura do povo


português e a falta de apoio à atividade artística. O poeta
reconhece que, até ao seu tempo, os heróis portugueses eram, na
sua maioria, rudes, ásperos e austeros. Consequentemente, advoga
que é necessário libertar o país da ignorância. Um povo inculto
não será capaz de potenciar heróis plenos.

CANTO VIII, 96-99: o poeta reflete sobre o poder do ouro e


procede à enumeração de atos de corrupção que percorrem todos os
estratos sociais, de forma particular as elites. Este comentário
apresenta uma estrutura argumentativa, pois defende-se uma tese
inicial na estância 96, referindo que o dinheiro afeta
negativamente as pessoas; em seguida, apresenta mitos,
exemplificando a tese de que o ouro corrompe o ser humano; e,
por fim, nas duas estâncias finais, comprova através de
argumentos o que o vil metal consegue fazer às pessoas.

CANTO IX, 88-95: considerações sobre o conceito de imortalidade


e de mitificação do herói sobre o verdadeiro valor da glória e
da fama, de acordo com a simbologia veiculada pelo episódio
fantástico da Ilha dos Amores. O espaço mítico da Ilha dos
Amores, prémio que permite ao ser humano atingi a condição
divina através da imortalidade dos seus feitos, é um pretexto
para o poeta exortar os seus contemporâneos a seguirem o exemplo
dos navegadores, pondo de parte a indolência, a cobiça, a
ambição.

CANTOS VII, 78-87, E X, 145-156: lamentos sobre a sua condição


de homem e de artista. Da sua vida, lamenta o infortúnio; de ser
poeta, a incompreensão e falta de sensibilidade artística por
parte de quem tem responsabilidades na condução do país,
ignorando os seus elementos mais ilustres e letrados. Esta
queixa é recorrente em outros momentos da obra, de forma
implícita ou explícita. Deste modo, desiludido por cantar para
gente surda e endurecida, adverte sarcasticamente que a pátria
do seu tempo, a mesma que projetara heróis que deram novos
mundos ao mundo, está mergulhada numa austera, apagada e vil
tristeza.

IMAGINÁRIO ÉPICO: MATÉRIA ÉPICA E MITIFICAÇÃO DO HERÓI

Em estilo grandíloco e corrente (I, 4), o poeta enaltece, n’Os


Lusíadas, um herói coletivo, os Portugueses. Para isso, faz
incluir na epopeia os feitos históricos, passados e futuros,
encaixados na narrativa da viagem à Índia, cumprindo plenamente
o que havia anunciado na Proposição. E é neste percurso pela
história de um povo que emerge, traço a traço, a dimensão
superior do herói lusíada, que culmina na Ilha dos Amores.

Com efeito, a mitificação do herói, nesta obra épica, resulta da


interação do plano da intriga dos deuses, da mitologia, com o
plano da viagem dos portugueses à Índia. Depois de superarem
todas as dificuldades de ordem natural e humana (Tromba
marítima, Adamastor, Tempestade, oposição de deuses) e terem
chegado à Índia, são conduzidos à Ilha dos Amores onde se unem
às ninfas, adquirindo um estatuto divino.

Assim, os navegadores portugueses tornam-se iguais aos deuses,


pois venceram todas as dificuldades e obstáculos, aparentemente
transcendentes e inultrapassáveis que impediam o seu
conhecimento do mundo e da natureza. Através da mitologia, que
culmina com a já referida união dos navegadores portugueses com
as ninfas e a sua consequente «divinização» e mitificação desses
mesmos heróis, Camões exprime um dos ideias mais profundos do
Renascimento: a confiança na capacidade humana para se opor e
suplantar a tradição (os deuses da Antiguidade), para afastar o
obscurantismo e para dominar o mundo e a natureza.

Por outro lado, a epopeia apresenta não o retrato de um herói


concreto, mas sim um modelo de heroísmo, um ideal humano que se
exprime pela heroicidade. O poeta sustenta que qualquer homem
pode ser herói e o heroísmo, em teoria, é acessível a todos,
porém, nem todos chegam a atingi-lo e estes, pela situação
superior a que ascendem e pela sua elevação espiritual, isolam-
se da maioria. O heroísmo resulta, deste modo, de um esforço
individual.

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