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Nautas

do Conhecimento Reflexões do
poeta
Os Lusíadas
Luís de
Camões
Reflexões do poeta
Os Lusíadas

Reflexões do poeta
N’Os Lusíadas, mais de uma vez [e sobretudo em final de canto] […]
esquecemos os heróis e é no poeta que atentamos, [aconselhando-se] a si
próprio, lamentando-se, ou com desassombro fustigando os epígones1 dos
heróis. […] Tudo isto nos permite, no poema, conviver, a espaços, não apenas
com o espírito altíssimo do poeta, senão também com a concreta realidade do
homem, do cristão e do português, nos seus momentos de confiança exaltante e
de profunda depressão melancólica, no orgulho do passado, na evocação de
cujas glórias encontrava o estímulo, não tanto para a evasão da austera,
apagada e vil tristeza do presente, como para a forte, oportuna, desassombrada
lição com que escarmenta2 os descendentes dos heróis.
Hernâni Cidade, Luís de Camões – O épico, 2ª edição, Lisboa,
Editorial Presença, 1995, pp. 170 e 172 (texto adaptado)

• As reflexões surgem após um


acontecimento que as motiva.
• Apresentam um discurso judicativo
e valorativo (juízos de valor). 1 Epígones: geração anterior.
• Têm uma intenção didática e 2 Escarmenta: repreende, critica.
interventiva.
Reflexões do poeta
Os Lusíadas
Acontecimento motivador: a chegada da armada portuguesa a Mombaça, onde se
prepara nova cilada instigada por Baco.

Canto I (105-106) – A insegurança e a fragilidade humana


Os valores do Humanismo, a fé afirmada no homem e nas suas extraordinárias
capacidades, fazem desta epopeia, sem dúvida, um poema renascentista. Porém,
simultaneamente, manifesta-se um outro espírito – duvidoso, inseguro, consciente da
fragilidade humana: o espírito antiépico. [De facto, Camões] vivia já numa outra
época, em que os problemas da extensão demasiada do Império se tornam
irresolúveis e avultam os vícios e a decadência. A vida no Oriente «é um quadro de
decadência deplorável, de indisciplina e de corrupção.

Maria Vitalina Leal de Matos, «Os Lusíadas», in Vítor Aguiar e Silva (coord.),
op.cit., pp. 495-497 (texto adaptado e com supressões)

• Note-se que esta reflexão surge no final do canto I, num


momento em que os navegadores ainda têm um longo e
difícil caminho a percorrer.
Reflexões do poeta
Os Lusíadas

Acontecimento motivador: o fim da narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde.

Canto V (92-100) – O valor e a dignidade das Letras

Toda a epopeia camoniana pode ser lida como a defesa de um valor que o
poeta não se cansa de apontar: a conciliação das armas e das letras, topos que
vinha da mais recuada Antiguidade, mas que ganhava especial atualidade, num
momento em que a grande e a pequena aristocracia, absorvida com o
comércio resultante da expansão, e desejosa de enriquecer rapidamente,
manifestava desinteresse por se cultivar e por apoiar as artes [...].
[…] Trata-se de um discurso de grande vigor oratório, que pretende
justamente envergonhar os destinatários, estabelecendo um paralelismo
antitético entre os portugueses e os outros povos, que prezam o paradigma do
herói letrado, personificado por César. […] Mas a cultura, o amor das artes
exigem tempo, comunidade e gerações.

Idem, ibidem, p. 494 (texto adaptado)


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Acontecimento motivador: pedido do Catual a Paulo da Gama para que lhe explique
o significado das figuras desenhadas nas bandeiras da nau.

Canto VII (78-87) – Invocação e lamentação do poeta

• Num discurso nitidamente autobiográfico, refere-se à sua vida cheia de


adversidades (a pobreza, os perigos do mar e da terra, etc.).
• Lamenta a ingratidão daqueles que tem cantado em verso e dos nobres
portugueses por desprezarem as artes, por não valorizarem o seu talento.
• Como consequência dessa ingratidão, outros poetas poderão inibir-se de cantar os
feitos futuros.
• Recusa cantar aqueles que sobrepõem os seus interesses ao bem comum e do Rei,
os que são dissimulados ou exploram o povo.

Objetivo do Poeta: cantar o verdadeiro herói – aquele que arrisca a


sua vida, colocando-a ao serviço de Deus e da Pátria, merecendo,
assim, a imortalidade.
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Acontecimento motivador: as traições sofridas por Vasco da Gama em Calecute (o
seu sequestro, do qual é libertado graças à entrega de valores materiais).

Canto VIII (96-99) – O poder corruptor do dinheiro

Vasco da Gama fica retido, na Índia, pelo Catual e só é libertado a troco


de «fazenda» (produtos ou dinheiro). A propósito deste e outros factos,
Camões aproveita para fazer uma série de reflexões sobre o poder do
dinheiro, insistentemente animizado e criticado através da anáfora repetitiva
«este», que ocasiona mortes, adultérios, traições, perjúrios, raptos, justiça
corrupta, inimizades, tiranias, etc.
J. Oliveira Macêdo, Sob o signo do Império, Porto, Edições Asa, 2002, p. 187

Objetivo do Poeta: alertar para os efeitos perniciosos do vil metal.


Reflexões do poeta
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Acontecimento motivador: a explicação a Vasco da Gama, por parte de Tétis, do
significado alegórico da Ilha dos Amores.

Canto IX (88-95) – Reflexão sobre o caminho para a fama


• O poeta censura os portugueses relativamente à ambição desmedida, à tirania e
vícios.
• Quem quer alcançar o estatuto de herói e atingir a imortalidade tem de
desprezar esses maus costumes.
• Conselhos aos portugueses – devem:
- despertar do estado de dormência e do ócio;
- desprezar a cobiça e a tirania;
- ser justos;
- lutar pela Pátria e pelo Rei.
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Acontecimento motivador: a chegada da armada de Vasco da Gama a Portugal.

Canto X (145-156) – A grandeza dos atos heroicos


• O poeta lamenta a decadência da Pátria, envolta no “gosto da cobiça” e que não
preza o seu talento artístico, o seu “honesto estudo”, a sua experiência; por isso,
manifesta o seu desalento, cansaço e recusa-se a prosseguir o seu canto.
• Elogia, contudo, os que são leais ao Rei (“os vassalos excelentes”), símbolo da
excelência do herói coletivo português.
• Exorta o rei D. Sebastião a prosseguir no caminho da glorificação do “peito ilustre
lusitano” e a dar matéria a nova epopeia.

Com estas reflexões, a epopeia apresenta-se como


• uma obra didática; As reflexões do
• um modelo de valores, um conjunto de normas poeta conferem à
morais a seguir; obra um caráter
• um texto que critica os vícios da sociedade da universal e
época; intemporal
• uma proposta de ideal superior de humanidade.

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